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quinta-feira, 23 de maio de 2019

ENTRE JÂNIOS E BOLSONAROS



Depois que Jair Bolsonaro desistiu de participar das manifestações que articulou com a mão do gato, o assunto meio que esfriou. O acordo entre o Planalto e a Câmara para a aprovação da medida provisória que reduziu o número de ministérios também botou água na fervura, a despeito de Rodrigo Maia e o líder do governo na Câmara terem ficado de mal. É curioso que fatos dessa natureza — que em outras circunstâncias não mereceriam sequer meia dúzia de linhas no jornal — assumam tamanhas proporções, derrubem o Ibovespa e façam a cotação do dólar disparar. Mas é o retrato do país em que vivemos; não há o que fazer senão esperar que seja uma fase passageira e que tudo volte ao normal em breve.

O folhetim Flávio Bolsonaro/Fabrício Queiroz também ganhou novas nuances em seus novos capítulos, notadamente após a autorização da quebra do sigilo bancário dos envolvidos. O filho do pai, que nega ter culpa nesse cartório, mostra-se inconformado com a investigação — o que é causa espécie, considerando que ela é fundamental para afastar quaisquer suspeitas de ilicitudes, como a prática da rachadinha em seu gabinete na Alerj e sua evolução patrimonial incompatível com seus proventos de parlamentar e sócio de uma lojinha de chocolates. Supondo que as investigações apontem Queiroz como o único responsável pelos malfeitos, tornar-se-á verossímil a alegação de que o erro de Flávio foi ter confiado demais no ex-auxiliar. Se nada existe que o desabone, ele deveria incentivar a devassa nas suas movimentações financeiras — quanto mais ampla, rigorosa e transparente ela for, mais convincentes serão seus resultados.

Segundo Ricardo Noblat, zero um anda uma pilha de nervos — o que é compreensível: para qualquer cidadão, mesmo que inocente, ser investigado é uma aporrinhação. Mas confrontar a Justiça certamente não é a melhor estratégia. Aliás, esse foi o maior erro cometido por Lula desde que seus rolos foram denunciados, e parece que o filho do capitão parece decidido a seguir o mesmo caminho trilhado pelo petralha.

Condenado em duas das oito ou nove ações criminais em que figura como réu — numa delas por oito juízes de três instâncias do Judiciário —, o sacripanta de Garanhuns segue preso em Curitiba, de onde comanda uma agremiação criminosa que chama de partido e, de uns tempos a esta parte, concede entrevistas a torto e a direito. Nem o próprio PT aguenta mais tanta parlapatice. Gente que cuida da comunicação no partido acha que é hora de Lula silenciar, sobretudo no que tange ao Judiciário e ao governo Bolsonaro.

Observação: Michel Temer também protestou inocência quando Lauro Jardim trouxe a lume sua conversa de alcova com o moedor de carne bilionário dono da JBS, disse que “o inquérito no STF seria o território onde surgiriam todas as explicações”, e que seria feita “uma investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro”. Ato contínuo, fez o diabo para barrar as investigações e penhorou até as cuecas (as nossas cuecas) para comprar votos das marafonas do Congresso. Isso impediu que ele fosse afastado, mas não de, cinco meses depois de transferir da faixa para o presidente do turno, tornar-se réu em seis processos e ser preso preventivamente em duas oportunidades (até agora). A diferença é que Lula tem um partido que o defende e algum apoio popular (menos do que imaginou, mas tem), ao passo que Michel Temer não tem ninguém que levante a voz para defendê-lo, a não ser seus (bem pagos) advogados.

Voltando a Flávio Bolsonaro, antes da quebra do seu sigilo, ele tentou por duas vezes barrar a investigação do Ministério Público alegando que ter privilegiado porque se elegeu senador. Não funcionou. Agora, tenta se esconder à sombra do pai ao afirmar que o verdadeiro alvo da Justiça não é ele, mas sim o presidente. É uma jogada primária que, além de falta de imaginação, denota fraqueza, embute um pedido de socorro à instância invocada e acarreta descrédito. Embora tenha afirmado ao filho que não o protegerá, o presidente costuma dizer que filho é filho, coisa de sangue, e que jamais conseguirão separá-los deles. Com tal comportamento, ele se arrisca a afundar seu governo — como se não bastasse tudo o mais que ele vem fazendo nesse sentido, a pretexto de testar seus limites, como no incitamento às manifestações convocadas por seus apoiadores, que, mesmo sob o manto da democracia e da liberdade de expressão, é mais condizente com ditadores que precisam mostrar força popular — como Nicolas Maduro na Venezuela. Mas parece ser da natureza do presidente esticar a corda e soltá-la quando sente que ela vai arrebentar, como comprovam suas constantes “idas e vindas” em relação a medidas polêmicas, rejeitadas pela opinião pública ou por líderes políticos (veja-se o recuo no decreto de liberação do porte de armas).

Nas visão de Merval Pereira, um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não precisa insuflar manifestações de apoio popular, a não ser que se sinta desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. Daí a mobilização da militância ser contra o Congresso, o Judiciário e a Imprensa — justamente as instituições que têm como finalidade precípua impedir que o Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo num regime presidencialista que dá preponderância quase imperial ao presidente da República.

Como macaco velho não mete a mão em cumbuca, Bolsonaro, apesar de avalizar publicamente os protestos, desistiu de participar pessoalmente e orientou seus ministros a fazerem o mesmo, retirando o comprometedor “ar oficialesco” da convocação. Desde o início, aliás, ele deveria ter se apartado de movimentos que querem emparedar os demais poderes do Estado. É certo que sua eleição deveu-se em grande medida a um nicho que se prepara para sair às ruas em sua suposta defesa, como se ele estivesse sendo submetido a “forças terríveis” — quiçá as mesmas que levaram à renúncia de Jânio, que a exemplo do capitão era um líder populista e não se enquadrava nas limitações que a democracia de então lhe impunha. Vamos aos detalhes.

Jânio da Silva Quadros teve uma carreira meteórica: em sete anos passou de obscuro advogado e professor de Português a prefeito de São Paulo (1953), a governador (1954) e a presidente (1960) — eleito com 48% dos votos (na época não havia segundo turno). Renunciou sete meses depois, alegando motivos que até hoje dão margem a toda sorte de teorias conspiratórias. Parece ser consenso entre os historiadores que sua ideia voltar ao poder por aclamação popular, só que a estratégia não funcionou, mas jogou o país numa crise política que só seria debelada com a adoção do parlamentarismo e, de quebra, abriu a janela de oportunidade para o golpe de estado e a subsequente instalação de uma ditadura militar que durou mais de duas décadas (a despeito de os que gostam de reescrever a história afirmarem que ela nunca existiu). 

Bolsonaro, por seu turno, tenta usar o povo para não ter que sair, mas falemos mais pouco sobre seu paradigma de outrora, que foi o primeiro político a transformar o combate à corrupção em plataforma eleitoral. Usando como símbolo era a vassoura — para dar a ideia de que varreria a corrupção — e dono de um gestual histriônico e um português recheado de formas oblíquas, o político mato-grossense transformava cada comício em show. Ao longo de sua trajetória política, abriu vários inquéritos para apurar supostas irregularidades das gestões anteriores, enquanto insistia na tese de que para ele a política era um enorme sacrifício pessoal. Pura encenação.

Eleito deputado federal pelo Paraná em 1958, Jânio não compareceu a nenhuma sessão do Congresso, deixando claro seu notório desdém pelo Legislativo. Dois anos depois, representando o mesmo papel de candidato solitário que recebia apoio de partidos, e não como representante de partido, derrotou Teixeira Lott e nacionalizou seu discurso, passando de fenômeno paulista a fenômeno nacional. Em seus sete meses na Presidência, reforçou suas características mais conservadoras. Não teve problemas com o Congresso — aprovou tudo o que considerava importante —, mas fez um governo bipolar, adotando um programa econômico conservador e desvalorizou a moeda (fazendo a inflação subir), ao mesmo tempo em que implantava a política externa independente, rompendo com o alinhamento automático com os EUA em plena Guerra Fria, quando a questão cubana estava no auge. Paralelamente, buscava estabelecer uma relação direta com os governos estaduais e se imiscuía em questões irrelevantes, como os biquínis e as brigas de galo que chegou a proibir.

Mas o que parecia novo estava eivado do velho golpismo latino-americano, do desejo pelo poder absoluto. Jânio abandonou a presidência — alegando “forças terríveis” — num autogolpe que surpreendeu até mesmo os ministros militares, que não foram consultados, apesar de suas simpatias pelo autoritarismo janista. Ele esperava que sua renúncia não fosse aceita, e que um clamor popular exigisse seu retorno à presidência com amplos poderes políticos — ou seja, sem o Congresso para incomodá-lo. Puro delírio. Jânio deixou a base aérea de Cumbica solitário e rumou — a bordo de um DKW — para o litoral, de onde partiu dias depois para a Inglaterra, deixando no seu rastro uma grave crise política, que só seria resolvida com a posse de Jango, em setembro de 1961, sob regime parlamentarista.

Como o lobo perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou no ano seguinte ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Teve os direitos políticos cassados pela ditadura militar, mas recuperou-os em 1974. Em 1978, manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf (um gatuno de marca maior, que hoje cumpre pena em prisão domiciliar) ao governo do estado de São Paulo. Filiou-se ao PTB, mas deixou o partido sete meses depois para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, voltou ao PTB, lançou-se candidato a governador de São Paulo em 1982, mas perdeu para Franco Montoro. Com o fim da ditadura, declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de São Paulo, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens eleitorais, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito de São Paulo (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, o homem da vassoura repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.  

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Criou a Guarda Civil Metropolitana para, segundo ele, reforçar o policiamento na cidade, mas seus adversários o acusavam de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão. Afastou-se diversas vezes do cargo para cuidar tanto de sua saúde quanto da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990). Ao fim da gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Deixou o cargo dez dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual ele era apaixonado), depois de incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a petista Luíza Erundina — talvez a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu.

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, de que era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989 e apoiou o caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante. Naquele mesmo ano, anunciou sua aposentadoria definitiva da política. No ano seguinte, a morte da esposa contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde, levando-o a passar os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais. Acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

domingo, 19 de maio de 2019

VIVA A JUSTIÇA E VIVA O POVO BRASILEIRO!


Faz quatro meses e meio que Bolsonaro foi diplomado e empossado legitimamente como presidente de todos os brasileiros, com todas as prerrogativas e deveres do cargo. Não pode, agora, continuar agindo como se ainda estivesse no palanque falando para seus prosélitos e criticando seus adversários. Ao definir os manifestantes dos protestos contra cortes na educação como “idiotas úteis”, “massa de manobra” e “militantes” (ainda que com alguma razão), entrou numa briga de boteco sujo, quando deveria estar empenhado em tirar o Brasil da crise em que foi afundado pelo PT e cúmplices e satélites desse bando de meliantes que já estão fora do poder.

Não há como o capitão se queixar de que não sabia como a banda toca. O sistema de governo brasileiro obriga um campeão de votos diretos (ele) a lidar com um Legislativo de baixa representatividade (o sistema de voto proporcional brasileiro garante a desproporção), fracionado entre dezenas de partidos políticos – alguns semelhantes a quadrilhas – mas cheio de prerrogativas. Isso faz do presidente da Câmara uma espécie de primeiro ministro, até com pauta própria, enquanto o chefe do Executivo legisla por medida provisória.

Não há novidade nesse embate, nem mesmo o fato de o campeão de votos dar sinais contraditórios sobre como pretende enfrentar essa questão basilar da natureza do nosso sistema de governo. No entanto, por vezes o presidente acena com gestos políticos que são inerentes à necessidade de se entender com as forças dentro do Legislativo (eventualmente cedendo à pressão fisiológica por cargos); por outras, despreza a prática da articulação política – a começar pela condução da própria bancada –, qualificando-a como porcaria com a qual não quer se sujar. Na prática, ele não está fazendo nem uma coisa nem outra, e vai sendo implacavelmente encurralado por prazos de tempo sobre os quais não tem controle. Arrisca-se a ver perdida a reestruturação administrativa por conta de votação de MP mal conduzida na Câmara. Arrisca-se a ver a crise fiscal esmagar ainda mais o espaço para o Orçamento, enquanto já vai atrasado na aprovação de alguma reforma na Previdência. Arrisca-se a entregar de bandeja a adversários políticos uma narrativa política de impacto, como o contingenciamento das verbas da Educação.

No conjunto da obra, está sendo desmoralizado – ajudou a enfraquecer seu ministro mais popular, ao já nomeá-lo para o STF, e vai vendo o mundo legislativo e jurídico fazendo o mesmo gesto de atirar, só que desta vez contra seu predileto decreto de flexibilização do porte de armas. Chega a ser perverso constatar, nesse contexto, que o “fundo do poço” ao qual se referiu o ministro Paulo Guedes, ao falar da situação fiscal, não está convencendo deputados a aprovar o que o governo quer, mas, sim, dando a ideia a eles de que o governo não sabe o que fazer.

Observação: Um texto apócrifo divulgado pelo presidente na sexta (17) fala de pressões dos poderes e dificuldades de governar. A mensagem (cuja autoria é atribuída a Paulo Portinho, um analista da Comissão de Valores Mobiliários) foi interpretada no Congresso como mais um ataque do capitão ao que ele classifica de velha política, e por alguns analistas como um sinal de que uma renúncia está a caminho, sobretudo porque o país “está disfuncional” e até agora o presidente “não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou”. De fato, como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”. Ao convocar a sociedade para uma solução, Bolsonaro tenta manter ativas suas redes de apoio, após manifestações contrárias ao governo tomarem as ruas do País. Como resposta, aliados do capitão planejam uma marcha em apoio a ele, no dia 26. 

Não há dúvidas sobre a espúria motivação de nutrido grupo de parlamentares (a famosa área bandalha da Câmara) ao bloquear a reforma administrativa ou impor sucessivas derrotas ao governo. Ocorre que grande parte da relevância que esse chamado Centrão assumiu nas últimas quatro semanas é sobretudo o resultado de um vácuo político a partir da “base” de sustentação de Bolsonaro na Câmara. A constatação tem sido reiterada pelos próprios parlamentares governistas, não é “papo da mídia”.

Aos apoiadores, o presidente e seus filhos têm repetido que “não há jeito”, que uma maioria imbatível no Congresso se comporta “contra o Brasil”, que a área política “não se deixa moralizar” e que ele está sendo encurralado por parlamentares bandidos e mídia podre e adversa a: a) ceder ao fisiologismo e bandalha, acabando na cadeia, ou: b) a cometer um crime fiscal e ser “impichado”. Se abraçada até as últimas consequências, essa percepção que Bolsonaro aparentemente tem das causas das dificuldades em realizar os projetos que considera mais valiosos, e de aprovar reformas que admite serem necessárias, o levará a agir de forma contundente. Resta saber quem e quantos estarão no pelotão que irá atrás do capitão.

Mudando de pato para ganso, diz José Nêumanne – e eu não vejo como discordar – que um dos privilégios mais odientos gozados por personalidades da política e celebridades brasileiras é o gozo de privilégios quando estão privadas da liberdade. Três casos chamaram a atenção no noticiário da semana passada: a instalação em “salas de Estado Maior” dos ex-presidentes Lula, condenado e sem nenhuma sombra de dúvida criminoso, e Michel Temer, cumprindo prisão preventiva, ambos por crimes comuns de corrupção e lavagem de dinheiro, e a permanência do curandeiro João de Deus por cinco meses fora da cadeia, a pretexto de tratamento de saúde. A vida mansa na prisão ou no hospital desses criminosos é um escárnio à sociedade.

Na votação que soltou Temer por 4 votos a zero, o presidente da 6.ª Turma do STJ defendeu decisão afirmando: “Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos da nação. Deve conduzir o processo pela lei e a Constituição, com imparcialidade e somente ao final do processo, sopesando as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade.”

Observação: O STJ não inocentou o emedebista em nenhum dos 6 processos criminais a que ele responde e ainda o impediu de praticar várias atividades a que qualquer homem livre está habilitado. Da mesma forma, ao julgar o recurso de Lula no caso do tríplex a corte não absolveu o petista; apenas reduziu sua pena para algo próximo do que Moro havia estabelecido em julho de 2017. Mas tanto a soltura de Temer quanto a redução da pena de Lula foram, de certa forma, um tapa na cara do cidadão de bem desta banânia. Mas é inegável que o STJ deixou claro que seus ministros não cuidam de fazer justiça; limitam-se a decidir se devem cair na lábia jurídica de promotores que acusam ou de advogados que defendem.

Este, meus caros, é o país em que vivemos. Mais é prosa.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

LAVA-JATO, STF, STJ, CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE




Em 2009, uma operação destinada a investigar o então deputado federal José Janene e os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater ganhou o codinome “Lava-Jato” (talvez porque a casa de câmbio dos doleiros era contígua a um posto de combustíveis onde funcionava também um lava-rápido), mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em 17 de março de 2014, quando foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva em 17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal. Aliás, o longa Polícia Federal — A Lei é para todos retrata bem o início da operação, embora a série O Mecanismo — cuja segunda temporada deve ser lançada do final do mês que vem — seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar os nomes dos envolvidos (inclusive da própria Polícia Federal, que na série se chama Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins, dando origem à primeira “Lista de Janot”). Mais adiante seriam abertos outros 180 inquéritos — entre casos do Petrolão e suas ramificações em outras estatais e órgãos da administração pública. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht foi o pivô do maior e mais bem organizado esquema de corrupção em toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional). Marcelo Odebrecht foi condenado a 47 anos de prisão; Emílio, seu pai, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, eles fecharam um acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização. Atualmente, pai e filho, que não se entendiam antes do episódio e agora sequer se falam, cumprem prisão domiciliar; o patriarca, em Salvador, e o Marcelo, num condomínio em Sampa.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipse, o mundo só acabou para Zavascki, que foi vítima de um acidente aéreo às vésperas de homologar a megadelação. Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e Edson Fachin assumiu o lugar do falecido na relatoria dos processos da Lava-Jato na corte. Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e poucos meses mais tarde a magnitude da delação da Odebrecht foi ofuscada pelas revelações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além de Ricardo Saud e outros 4 altos executivos da JBS.

ObservaçãoJoesley Batista, preso em setembro de 2017 por omitir informações na sua delação, foi solto seis meses depois e aguarda recluso (cercado de uma dúzia de seguranças e, ainda assim, com medo de possíveis retaliações dos delatados) a decisão o STF sobre a imunidade que obteve com seu acordo de colaboração. Apesar dos pesares, de lá para cá o patrimônio dos irmãos Batista cresceu R$ 2,5 bilhões, o que lhes assegura uma posição de destaque entre os 50 brasileiros mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. 

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização resultaram na prisão da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” e levaram o sucessor da calamidade em forma de gente a passar 5 dias preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro (Temer e seus cupinchas foram soltos por uma liminar concedida monocraticamente por um desembargador que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”, mas o MPF recorreu da decisão.

Segundo um levantamento feito pelo site JOTA, dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país, cerca de 30% foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial. Isso não quer dizer que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continua em tramitação, mas, de seis réus nas duas únicas ações penais já julgadas, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois condenados terão, de fato, de ir para a prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos são baseados no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos são corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou simultaneamente, por falta de elementos, o arquivamento de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não chegaram a formalizar uma investigação, não foram incluídos no levantamento do JOTA, mas todos os envolvidos acabaram virando protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Apenas duas ações penais da Lava-Jato foram julgadas até hoje no Supremo. Uma delas é a que investigou a deputada federal e presidente do PTGleisi Hoffmann, e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A ação começou a tramitar como inquérito e foi autuada no dia 9 de março de 2015; em 19 de junho de 2016, os réus acabaram absolvidos (por 3 votos a 2, prevaleceu o entendimento de que os elementos contra a então senadora eram “apenas indiciais”, sem comprovação efetiva). Mesmo no caso do primeiro parlamentar a ser condenado no âmbito da Lava-Jato, o deputado federal Nelson Meurer, os ministros declararam a extinção de punibilidade de Cristiano Augusto Meurer, filho do parlamentar, por prescrição (eles entenderam que a única conduta que geraria a sanção penal seria de junho de 2008, portanto, e que, no caso, o Estado já não teria mais direito de puni-lo). Meurer pai foi condenado a 13 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, enquanto seu outro filho, Nelson Meurer Júnior, a 4 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por corrupção passiva. A expectativa é que o deputado comece a cumprir a pena ainda no primeiro semestre. 

ObservaçãoAinda tramitam no Supremo outras oito ações penais, enquanto outras 11 denúncias aguardam julgamento e outros 75 inquéritos estão em regular tramitação (esses números podem mudar conforme as ações relacionadas de alguma maneira com caixa 2 forem encaminhadas para a Justiça Eleitoral).

Depois que o Legislativo deixou de ser confiável — dado o número significativo de deputados e senadores enrolados na Justiça, mas que continuam transitando livremente pelos corredores do Congresso — o Judiciário se tornou o último bastião dos brasileiros que não aguentam mais tanta corrupção na política — tem até parlamentar em prisão domiciliar, que dá expediente na Câmara e passa a noite na cadeia. Do Executivo, então, é melhor nem falar. FHC é o único ex-presidente eleito na “nova república” que não corre o risco de ser preso no médio prazo. No último domingo, Lula, o pseudo pai dos pobres, completou um ano de encarceramento numa sala VIP da PF em Curitiba; Sarney já foi denunciado duas vezes no âmbito da Lava-Jato (mas até agora não foi julgado); Collor responde a sete inquéritos no STF (graças ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano, ele ainda é senador) e é réu num deles desde agosto de 2017; Dilma se tornou ré no final do ano passado (acusada de corrupção e lavagem de dinheiro por ter se beneficiado, junto com outros integrantes da cúpula do PT, de até R$ 1,4 bilhão em propinas em troca de contratos com empresas envolvidas na Lava-Jato), e seu vice e digníssimo sucessor é tetra réu (duas vezes no Rio, uma em São Paulo e outra no DF) e corre o risco de ter sua soltura revogada a qualquer momento.     

Gilmar Mendes é o ministro supremo com mais pedidos de impeachment. Integrante e líder da ala “garantista” — da qual fazem parte Ricardo LewandowskiDias ToffoliMarco Aurélio Mello e Celso de Mello —, o magistrado mato-grossense é useiro e vezeiro em mandar às favas a jurisprudência e mandar soltar monocraticamente os presos da força-tarefa. Curiosamente, Mendes era defensor ferrenho da prisão após condenação em segunda instância, mas virou a casaca em algum momento e agora busca amealhar votos para reverter o entendimento da Corte. Diz-se que ele vem pressionando desembargadores do STJ para rever as condenações da Lava-Jato, em vez de simplesmente homologar as decisões das instâncias inferiores. Aliás, o ex-presidente José Sarney — denunciado duas vezes por suposto recebimento de propina em contratos superfaturados da Petrobras e da Transpetro, mas que até agora não foi julgado —, também vem pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar em favor da defesa no julgamento do recurso especial do chumbrega de Garanhuns. Tutti buona gente!

Na semana passada, por alguma razão que para mim não ficou bem clara, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, despautou as ADCs que iriam a julgamento na sessão plenária de hoje. Talvez agora o STJ finalmente se digne de apreciar o recurso especial de Lula, encerrando de vez o caso do tríplex no âmbito da terceira instância. Em sendo mantida a condenação, uma eventual mudança no entendimento da jurisprudência da corte deixaria de favorecer o petralha. Isso porque, caso a prisão após condenação em segunda instância não seja mantida, a expectativa é de que prevaleça a “proposta conciliadora” do próprio Toffoli, qual seja a da prisão após a decisão em terceira instância (e não somente no final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória — o que no Brasil é o “dia de S. Nunca” para criminosos que têm cacife para contratar advogados estrelados).

Durma-se com um barulho desses!

segunda-feira, 8 de abril de 2019

BOLSONARO, EDUCAÇÃO, HORÁRIO DE VERÃO, STF, MILITARES E OUTROS ASSUNTOS



Na última sexta-feira, Bolsonaro quase exonerou Ricardo Vélez, cujas trapalhadas recorrentes são a prova provada de que o ministro da Educação não tem a menor vocação para educador nem para gestor. Faltou o quase, mas acho que desta semana não passa. Vélez já vai tarde, e deve levar a tiracolo o malfadado horário de verão. Bem que poderia levar também os ministros do Turismo, das Relações Exteriores e da Mulher, Família e Direitos Humanos. Aliás, o motivo pelo qual precisamos de um ministério da Mulher, Família e Direitos humanos é uma das muitas coisas difíceis de entender neste governo.

Atualização: Bolsonaro confirmou nesta manhã (pelo Twitter, como de costume) a demissão de Ricardo Vélez. Assume a pasta o economista Abraham Weintraub, que tem boas relações com membros da equipe governamental e é próximo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni de quem era secretário-executivo.

Por falar em coisas difíceis de entender, Temer, quando ainda articulava a deposição da titular do cargo que almejava ocupar, prometeu um ministério de notáveis, mas nomeou uma notável agremiação de enrolados na Justiça. Surpreendentemente — pelo menos à luz dos discursos de campanha de Bolsonaro —, o atual ministério não fica muito atrás. Senão vejamos.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, admitiu a prática de caixa 2; o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é réu por improbidade administrativa e alvo de uma acusação por dano ao Erário (por ter ordenado a retirada de um busto do guerrilheiro Carlos Lamarca do parque estadual do Rio Turvo, na cidade de Cajati); a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é investigada por suposto favorecimento à JBS quando era secretária do agronegócio no Mato Grosso do Sul; a proselitista religiosa Damares Alves (a tal ministra da Família, Mulher de Direitos Humanos) é alvo de duas investigações do MPF por discriminação contra os povos indígenas. Esses são apenas alguns exemplos, pois pelo menos 9 dos 22 ministros (aí incluídos Marcos Pontes, General Heleno e o próprio Paulo Guedes) são réus ou investigados na Justiça. Durma-se com um barulho desses.    

Michel Temer é tetra-réu (duas vezes na JF do RJ, uma na de SP e outra na do DF). Pelo andar da carruagem, o emedebista não demora a ultrapassar Lula — que carrega na lomba uma dezena de ações criminais e já foi condenado em duas delas —, podendo mesmo alcançar Sérgio Cabral — que responde a cerca de cerca de 40 processos e já foi apenado com quase 200 anos de prisão. A exemplo do criador e mentor da calamidade de quem foi vice por 5 anos e a quem sucedeu na presidência desta banânia, o vampiro emedebista resolveu posar de vítima de perseguição. É certo que ele ainda não foi julgado e muito menos condenado, mas qualquer um que tenha um par de neurônios minimamente funcionais não precisa esfregar o nariz na merda para saber que ela fede.

O desembargador responsável por relaxar a prisão preventiva de Temer e seus comparsas (e que, na brilhante definição de J.R. Guzzo, é um especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato) não viu risco algum de os suspeitos tentarem destruir provas ou atrapalhar as investigações. Curiosamente, o empresário Vanderlei de Natale, amigo do ex-presidente e alvo da Operação Descontaminação, tentou ocultar sob o sofá, no dia de sua prisão, um computador do tipo notebook. O coronel João Batista Lima Filho, outro amigo e suposto parceiro de maracutaias desde os anos 1980, lançou mão da mesma estratégia para tentar despistar os investigadores ao ocultar dois smartphones sob a almofada do sofá.

Todos os ex-governadores do Rio, eleitos pelo voto popular desde a redemocratização, estão ou estiveram presos. Dentre eles, Sérgio Cabral é o mais notório, haja vista a quantidade assombrosa de processos e o tamanho da pena a que foi sentenciado nos que já foram julgados. Mas Cabral é um ponto fora da curva. Depois de trocar o causídico responsável por sua defesa, o ex-governador assumiu boa parte dos crimes que lhe são atribuídos e vem colaborando com a Justiça — a mim pouco importa se o faz visando aliviar o fardo condenatório com um acordo de delação premiada. Quanto aos demais políticos e empresários investigados, denunciados ou réus, com a possível exceção do ex-ministro petista Antonio Palocci, 110% se dizem inocentes e consideram-se injustiçados. Haja óleo de peroba para lustrar tanta cara-de-pau!

Para fechar com chave de ouro: A revista Veja desta semana publicou na sessão Radar que generais criticam a “ditadura da toga” e conclamam a sociedade civil a recompor a ordem para evitar que “sangue corra pelas ruas”. Voltada a membros das Forças Armadas, a revista do Clube Militar publicou uma série de críticas ao STF. Uma delas (que você pode ler na figura que ilustra esta postagem), assinada pelo general Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar, questiona o ministro Dias Toffoli por ter determinado a abertura de inquérito para investigar ameaças ao Supremo e aos familiares dos ministros. Segundo o general, somente em ditaduras acontecem investigações deste tipo. 

Outro artigo, este assinado pelo também general Luiz Eduardo Rocha Paiva, diz que “a nação tem que se salvar a si mesma, sem a tutela das Forças Armadas, que só tomarão a iniciativa diante de um quadro de grave violência, caos social, falência e perda de autoridade dos Poderes Constitucionais”. E prossegue: “Ou seja, em um cenário de anomia a colocar em risco a paz social, a unidade política e a soberania do Estado”. O general encerra o artigo com a seguinte frase: “Não querem que o sangue corra pelas ruas? Então mãos à obra”. Para bom entendedor...

A lua-de-mel de Bolsonaro termina de forma melancólica. Nos primeiros 100 dias de governo, o presidente... Bem, é melhor deixar esse assunto para a próxima postagem.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA


O físico italiano Carlo Rovelli resumiu a Teoria de Relatividade com a seguinte frase: ”o tempo passa mais rápido na montanha e mais devagar no vale”. Mas não foram as peculiaridades do tempo-espaço que ajudaram Michel Temer a atrasar o relógio da Justiça e evitar ser preso em 2016, antes de ascender à Presidência.

Segundo esta reportagem, o MPF tinha conhecimento de uma série de malfeitos do estrige emedebista quando o impeachment da gerentona de araque estava em curso. Mas naquela época o hoje presidiário Eduardo Cunha presidia a Câmara, o mega investigado Renan Calheiros comandava o Senado e Ricardo Lewandowski era o presidente do Supremo. Deu para entender ou quer que eu desenhe?
O mundo dá voltas, ainda que não na velocidade da luz. Temer, alvo de pelo menos 10 inquéritos (e contando...) e denunciado três vezes no exercício da Presidência (duas por Rodrigo Janot e uma por Raquel Dodge), deixou o cargo e a proteção legal que este lhe garantia às vésperas de o Legislativo, o Judiciário e o MPF deram início a uma monumental queda de braço, e acabou sendo preso por determinação do juiz federal Marcelo Bretas — e solto cinco dias depois por decisão liminar de um veterano especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato, mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz nossa “Constituição Cidadã”).

Numa única semana, o ex-presidente se tornou réu no caso da mala de Rocha Loures  e foi denunciado mais duas vezes por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. Se nossa Justiça honrasse a espada que empunha e nossos julgadores, a toga que vestem (alguns sobre a fada de militante), ele estaria jogando palitinho com Eduardo Cunha há muito tempo. Mas vivemos num país onde quatro deputados que estão presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar tomam posse normalmente; um país onde se passam meses, anos, décadas sem que se descubra quem encomendou o atentado contra Jair Bolsonaro, quem mandou executar Marielle Franco ou como morreram Teori Zavascki, Eduardo Campos, Celso Daniel, Toninho do PT, PC Farias, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas; um país onde se vai dormir com Lula na cadeia e corre-se o risco de acordar na manhã seguinte com o pulha em prisão domiciliar.
Às vésperas de o STF discutir (mais uma vez) o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância — tema especialmente caro ao ministro Marco Aurélio, que a ex-presidente Carmen Lúcia evitou revisitar, mas que Dias Toffoli pautou para o próximo 10 —, o comandante da ORCRIM pode ser favorecido pelo STJ, sobretudo no que se refere à pena aplicado por lavagem de dinheiro. Num país sério, a “plausibilidade” de reforma da sentença seria uma falácia, mas nesta banânia ela vem servindo de argumento para a ala dita garantista do STF reverter os ganhos produzidos pela Lava-Jato nos últimos 5 anos. 

Dentre outros itens, pacote anticrime e anticorrupção do ministro Sérgio Moro incluiu a criação de uma lei que vincule o início do cumprimento da pena à sentença condenatória prolatada por um juízo colegiado. O problema é que, para além da habitual morosidade do Congresso (a quem compete aprovar o projeto), Moro bate de frente com os interesses dos parlamentares corruptos. E como se isso já não bastasse, daqui a 10 dias o Supremo volta a discutir a prisão em segunda instância, de modo que só nos resta rezar para que a ministra Rosa Weber não mude de lado e o placar se mantenha em 6 a 5.

De 1941 até 1973, condenados cumpriam a pena tão logo a sentença fosse proferida pela primeira instância (o réu podia recorrer, naturalmente, mas deveria aguardar preso o resultado do apelo). Isso mudou quando o Congresso, pressionado pela ditadura militar (aquela que muita gente diz não ter existido), aprovou a Lei Fleury, que concedia a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. Em 1988, por obra e graça da nossa “Constituição Cidadã”, ficou decidido que só se veria o sol nascer quadrado depois do julgamento do último recurso cabível. Em tese, isso é muito bonito; na prática, a morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição (perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei), favorece os criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados, que só começam a cumprir a pena “no dia de São Nunca”.

Mais adiante, cristalizou-se no STJ o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). O que faz sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

Isso valeu até 2009, quando o STF mudou (novamente) as regras do jogo, determinando que condenados na segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. Vale lembrar que o processo do mensalão foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 (a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014), e quem liderou a mudança foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula (deu pra entender ou eu preciso desenhar?). Questionado sobre o assunto no ano passado, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”).

Mais adiante, o STF retomou o entendimento de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. Todavia, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso se tornou real —, a ala “garantista” da Corte passou a defender a prisão somente após o trânsito em julgado da condenação.

Continua na próxima postagem.

domingo, 31 de março de 2019

A CONSTITUIÇÃO, O FEIO E O FALSO



O ex-presidente Michel Temer, de novo em liberdade após curta estadia no xadrez, é o mais recente porta-bandeira das tropas que combatem pelo cumprimento rigorosíssimo da lei, nos seus detalhes mais extremos, e não admitem nenhum tipo de punição para magnatas antes que a sua culpa fique comprovada no Dia do Juízo Universal.

Até outro dia, Temer era “o golpista” ou, pelo menos, o vampiro que chefiava uma quadrilha de ladrões metida à cada instante com malas de dinheiro vivo, crimes anotados em fitas gravadas e outros horrores do mesmo quilate. Mas a vida brasileira tem sido isso mesmo.

Hoje em dia não importa quem você é ou o que você faz; se estiver com o camburão da Lava-Jato na sua cola o cidadão passa a ser imediatamente uma vítima do “moralismo”, da “repressão judicial” e dos “linchadores” que querem “rasgar as leis deste país”, etc,. etc,. Temer, assim, passou a ser mais um símbolo do homem perseguido pela “ação ilegal” das autoridades e o seu alvará de soltura foi comemorado como uma vitória do estado de direito”, da majestade das leis e da soberania da Constituição.

Tudo bem. Temer só deveria ir para a cadeia depois de condenado em pelo menos um dos dez processos por corrupção a que responde no momento; seus advogados sustentam que ele é inocente em todos os dez, nunca cometeu nenhum delito em 40 anos de política e enquanto os juízes acreditarem nisso, o homem não pode ser preso. Ele não poderia se aproveitar para fugir do Brasil? Poderia, mas não iria adiantar nada: seria preso no dia seguinte pela Interpol e mandado de volta. Não poderia, então, usar a liberdade para destruir provas? Talvez, mas teria de ser flagrado pela polícia fazendo isso para que a sua prisão fosse justificada. Mas o que transforma num desastre essa história toda, tanto o ato de prender como o ato de soltar, é a perversão da ideia de justiça que ela representa.

O problema, aí, não é o despacho do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, que causou tanto escândalo ao mandar prender o ex-presidente. O problema é a lei que permite o despacho de Bretas. Ela é exatamente a mesma que sustenta os direitos do réu. Conclusão: cumprir “a lei”, como exigem os campeões do “direito de defesa”, significa aceitar que o juiz Bretas tome decisões como essa quantas vezes lhe der na telha.

O “Brasil civilizado”, esse consórcio de gente bem-educada, liberal e moderna que acha um equívoco combater os crimes de primeira classe com penas de prisão, vive num mundo impossível. Acha que a decisão de Bretas foi uma aberração. Ao mesmo tempo fica horrorizado se alguém constata o fato puro e simples de que é a sagrada Constituição brasileira, com toda a penca de leis pendurada nela, que permite ao juiz agir exatamente como agiu. Não apenas permite incentiva, protege e garante a absoluta impunidade para qualquer coisa que ele já tenha decidido ou venha a decidir. Ele, Bretas, e mais 100% das autoridades judiciárias do país. Mas vá alguém sugerir, mesmo com cuidado máximo, que a Constituição é hoje a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil o mundo vem abaixo na hora e quem fez a crítica é excomungado automaticamente como um inimigo do Estado de direito. Mas aí é que está: a verdade, para falar as coisas como elas realmente são, é que a Constituição funciona como a grande incentivadora do crime cinco estrelas o que é cometido por gente rica, poderosa ou detentora de autoridade a serviço do Estado. É ruim na ida e ruim na volta.

A comprovação definitiva da insânia, no episódio Temer, é que o desembargador que o soltou, um veterano especialista em libertar ladrões do erário, ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato. Mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz a Constituição. Que tal? Mais: na mesma ocasião, e no mesmo local, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro deu posse a quatro deputados que se encontram presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar. Ou seja: o sujeito não pode andar na rua, mas pode ser deputado estadual.

De novo, é o respeito religioso à lei que produz esse tipo de depravação aberta. Parece errado, mas a Constituição Cidadã diz que é certo. Tudo isso — Bretas, Temer, Athié, presidiários-deputados significa a vitória das instituições, segundo nos garantem os defensores da legalidade acima de tudo. Perfeito. O único problema é que as instituições brasileiras de hoje são um lixo. Pode ser feio dizer isso, com certeza. Mas dizer o contrário é simplesmente falso.

Com J.R. Guzzo

sábado, 30 de março de 2019

NÃO É ASSIM QUE FARÃO A LAVA-JATO MORRER - Texto de J.R. Guzzo


Antes do texto de Guzzo, faço um breve resumo da semana:

A sequência de desinteligências que vêm coroando a relação entre os chefes do Executivo e do Legislativo mostra como estamos “bem representados”. Uma PEC que engessa o Orçamento, que dormitava nos escaninhos da Câmara desde 2015, é aprovada em dois turnos em questão de minutos (o que demonstra que, quando quer, essa cambada faz), no mesmo dia em que nosso presidente vai ao cinema durante o expediente (para assistir a uma produção de viés religioso), estabelece como prioridade transformar o dia 31 de março em data cívica comemorativa (que depois ele disse não se tratar de “comemoração”, mas de “rememoração”) e retribui os coices do presidente da Câmara e de uma chusma de parlamentares.  

Rodrigo Maia havia prometido ao ministro-chefe da Casa Civil não deixar prosperar pauta-bomba no Congresso, não usar a presidência da Câmara instrumento de chantagem de partidos e não dar andamento a pedidos de impeachment contra o mandatário do Planalto — quanto ao resto, Bolsonaro que desse seu jeito —, mas a tal PEC surgiu do nada e foi votada e aprovada a toque de caixa. Curiosamente ela foi vista tanto como derrota quanto vitória do Planalto pelos analistas políticos — muitos dos quais há tempos deixaram de fazer sentido, mas isso é outra conversa.

O fato é que, em uma hora, numa votação relâmpago, os deputados aprovaram a medida em dois turnos, com ampla maioria. Para conseguirem essa rapidez, deram sinal verde a um requerimento de quebra de interstício (observância do intervalo regimental de cinco sessões, necessário para a aprovação de propostas de reforma constitucional na Câmara). Foram 448 votos em primeiro turno e 453 no segundo, havendo votos favoráveis até mesmo no próprio PSL (partido de Bolsonaro). Na prática, a ideia dos deputados é lançar um “pacote de maldades” para deixar o Executivo refém do Congresso, mas a avaliação preliminar dos especialistas da área econômica é de que, mesmo que a PEC seja aprovada no Senado em dois turnos, a mudança não valerá para 2019, uma vez que o Orçamento para este ano já foi aprovado e está em execução. Tecnicamente, o orçamento impositivo só valeria para os gastos do governo a partir do próximo ano, e para isso a mudança teria de ser incorporada à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, que será elaborada ainda neste exercício. Mas isso também é outra conversa.

Na quinta-feira, Bolsonaro disse que a troca de críticas públicas com o Legislativo foi superada, e o presidente da Câmara sinalizou que quer virar a página do entrevero. Maia se reuniu em um café da manhã com Sergio Moro, com quem teve desavenças na semana passada, e depois almoçou com Paulo Guedes, com quem discutiu a novela da reforma da Previdência (aliás, o deputado Marcelo Freitas, do PFL, foi escolhido relator do projeto na CCJ da Câmara).

Por essas e outras, depois de quebrar a barreira do 100.000 pontos no último dia 18, com o mercado estimulado pela perspectiva de a reforma previdenciária ser resolvida ainda no primeiro semestre e produzir resultados expressivos, o Ibovespa despencou quase 10 pontos percentuais ao longo dos dias subsequentes, e dólar tornou a bater na casa dos R$ 4. Da última quinta-feira para cá, porém, depois que os chefes do Executivo e do Legislativo levantaram a bandeira branca, a coisa parece ter entrado nos eixos; no instante em que escrevo este texto, a Bolsa volta a encostar nos 96.000 mil pontos, e o dólar apresenta uma leva queda). A ver como a coisa se comporta na próxima semana.

Com a palavra, J.R. Guzzo:

O Brasil está ficando um país positivamente arriscado para presidentes da República. Já não é normal, para o padrão médio de moralidade política vigente no mundo civilizado, haver um ex-presidente na cadeia; dois ex-presidentes presos ao mesmo tempo, então, já é coisa para se pensar em livro de recordes, por mais temporária que possa ser uma situação dessas. 

O fato é que Michel Temer, acusado pela Lava-Jato de ter transformado o Estado brasileiro numa “máquina de arrecadar propinas” e alvo de dez inquéritos (e na última sexta-feira se tornou réu num deles) por ladroagens variadas, entrou no camburão da polícia e foi trancafiado no xadrez como Lula, em mais um capítulo desta espantosa crônica do crime na qual está enterrada até o fundo da alma a vida política do Brasil. Juntou-se a ex-governadores como o incomparável Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, seu sucessor, que conseguiu subir na vida com o nome de “Pezão”, de Beto Richa, do Paraná, há pouco encarcerado pela terceira vez seguida, e Marconi Perillo, de Goiás, que entra e sai da prisão. Isso sem contar um rico fricassée de ex-ministros ─ o último deles, justamente, Wellington Moreira Franco, parceirão de Temer em seu governo, e motivo de perplexidade geral entre os políticos por não ter sido preso antes. Ainda estava solto? A propósito: e o próprio Temer, o que estava fazendo fora de uma cela? É o Brasil de hoje.

A situação de Temer, é verdade, não é tão ruim quanto a do gênio político a quem devemos sua criação; por enquanto não foi julgado, ao contrário de Lula, que já está condenado em duas instâncias e cumpre pena, com 25 anos de cadeia no lombo. Mas é uma desgraça de primeiríssima classe ─ para ele, e, indiretamente, para todos os delinquentes que operam há anos na vida pública nacional. Estavam achando, talvez, que a Lava-Jato tinha mais ou menos parado em Lula? Se pensaram nisso pensaram horrivelmente errado. Pode ter até havido essa esperança, estimulada pela incansável ala pró-crime do STF, mas a realidade está apresentando um futuro soturno para eles todos. Figuras como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e companhia fazem o que podem, mas também não são de ferro; seus protegidos, positivamente, não ajudam. Estão exigindo assistência permanente dos protetores, numa base quase diária. Gilmar, por exemplo, solta esse Beto Richa e até inventa um “salvo conduto”, proibindo que a polícia chegue perto dele. Mas o homem dá um trabalho insano: consegue ser preso de novo, o que vai obrigar Gilmar e seus sócios a mandarem soltar mais uma vez. E aí: vai ser assim pelo resto da vida? Quantas vezes terão de tirar o cidadão da cadeia? Cinco? Sete? Dez? 

É a mesma situação, sem tirar nem pôr, dos demais políticos dessa raça. É claro que cada caso é um caso, mas que ninguém se iluda: não haverá a menor chance de sossego, inclusive para Temer, enquanto não matarem a Lava-Jato. Estão fazendo o diabo para isso, mas não estão conseguindo. Essa é a vida real. O resto é barulho na mídia e no picadeiro da politicada, que ficam cada vez mais indignados, mas não conseguem evitar uma única e escassa prisão.

É um problemaço. Agora não é mais o PT, apenas, que está correndo da polícia. A coisa ficou preta para o PSDB e o MDB. A quem apelar? Quem vai fazer a campanha “Temer Livre”? Quem tiraria 1 real do bolso para ajudar Temer em alguma coisa? E Moreira Franco, então? Pelo jeito, estão todos reduzidos a contar com o apoio dos “garantistas”, que se escandalizam com o que chamam de ataque “à atividade política”, mas não decidem nada. Ou com a ajuda do deputado Rodrigo Maia, contraparente de Moreira Franco, inimigo do projeto anticrime de Sergio Moro e investigado em dois processos por corrupção. Têm apoio na mídia, nos advogados milionários de corruptos, na classe intelectual, etc. Só que ninguém consegue se dar bem defendendo o lado do ladrão; se você tem de ficar a favor de um Paulo Preto da vida, por exemplo, a sua situação está realmente uma lástima. 

Não é assim que farão a Lava-Jato morrer.

quinta-feira, 28 de março de 2019

E LA NAVE VA — PARTE III


OGNI ARANCIA HA L'ALTRA METÀ

A imagem que ilustra este post não é da ante-sala do Inferno, mas bem que parece. Como também parecem brigas de criança as rusgas entre o Executivo e o Legislativo — pena que não dá para resolvê-las com umas boas (ainda que politicamente incorretas) palmadas. E enquanto o Planalto e a Câmara medem forças e o cenário político muda como imagens de caleidoscópio, escrever sobre o tema passa a ser como narrar por escrito uma partida de futebol: a gente nem terminou de descrever a defesa do goleiro do time A e o time B já contra-atacou e virou o placar.

Fato é, caro leitor, que a situação vai de mal a pior (para não dizer que estamos fodidos, e mal pagos). Ao cabo de 90 dias no poder, o presidente vê — porque é impossível que não veja — os principais pilares do seu governo derreterem como sorvete sob o sol do meio-dia e nau dos insensatos adernar perigosamente... e aí resolve ir com a primeira-dama ao cinema (em plena manhã de terça-feira) e levar a tiracolo a ministra Damares Alves (só faltou levar também certo ministro que não tem vocação nem para educador, nem para administrador para ver se, pelo menos, ele serve para segurar a vela). Em cartaz: Superação, o Milagre da FéAinda bem que não era TITANIC.

O superministro Paulo Guedes disse ontem no Senado que se, não tiver apoio, deixará o posto. Depois emendou que seria irresponsabilidade sair se Previdência não for aprovada, mas acrescentou que não pretende permanecer se não houver colaboração do Legislativo para conter os gastos públicos. “Se o presidente apoiar as coisas que podem resolver o Brasil, estarei aqui. Agora, se ou o presidente ou a Câmara, ninguém quer aquilo, eu vou ser obstáculo para os senhores? De forma alguma, voltarei para onde sempre estive”, disse Guedes.

No mesmo dia, o também superministro Sérgio Moro declarou que prefere desistir da tramitação de todo o pacote anticrime apresentado ao Congresso se os parlamentares retirarem do texto trechos que versam sobre corrupção. Somada à “não ida” de Guedes à CCJ da Câmara, já que o presidente da comissão ainda não designou o relator, o Ibovespa, que tinha cravado 100 mil pontos na semana passada, vem sofrendo queda atrás de queda, enquanto o dólar sobe feito rojão em noite de Réveillon (tudo bem que há questões internacionais colaborando para isso, mas aí já é outra conversa).

Pelo visto, o único consolo que resta a quem apoiou Bolsonaro contra o boneco de ventríloquo do criminoso de Curitiba é o PT não ter voltado ao poder, porque aí, sim, a porca torceria o rabo. Mas somente os bolsomínions — que não passam de militantes petistas com o sinal trocado — conseguem aplaudir as estultices bolsonaristas em vez de enxergar o festival de incompetências que assola o país. Não que Rodriga Maia não tenha culpa nesse cartório, mas não foi no Bolinha que votamos para presidente.

Ontem, numa demonstração de força e revanchismo à toda prova, a Câmara levou poucos minutos para aprovar em dois turnos uma PEC que engessa o Orçamento (tornando obrigatório o pagamento de despesas hoje passíveis de adiamento, como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras), que havia sido apresentada em 2015 e esquecida desde então. Foi a prova provada de que, em havendo vontade política, a reforma da Previdência e as medidas anticrime e anticorrupção poderiam se aprovadas enquanto o diabo pisca um olho. Mas o presidente não tem apoio, não tem articulador político, não tem partido, enfim, não tem porra nenhuma. E ainda se preocupa em comemorar o aniversário da revolução de 1964, que deu início ao regime de exceção que durou 21 anos. Nem  o núcleo do governo se entusiasmou com a ideia, preferindo recomendar cautela no tom para evitar ruídos desnecessários e polêmicas indesejadas, sobretudo quando os ânimos na política estão tão acirrados. 

Bolsonaro não teve sequer o apoio do zero três, já que o filhote contribuiu com seu voto de deputado federal para a "derrota" do governo (derrota entre aspas, porque a proposta ainda precisa ser aprovada pelo Senado e, se o for, só entrará em vigor na próxima legislatura, o que faz dela um problema para o próximo presidente), a exemplo os demais deputados do PSL (com exceção de 6, entre os quais a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann).

Como dizem os evangélicos e assemelhados, “só com Jesus na causa”. Durma-se com um barulho desses!

quarta-feira, 27 de março de 2019

E LA NAVE VA — PARTE II


Como diz o bordão da BandNews, “em 20 minutos, tudo pode mudar”. Prova disso é que, contrariando todas as expectativas, o desembargador Ivan Athié, presidente da 1ª Turma do TRF-2, antecipou a soltura de Michel Temer e de seus companheiros de infortúnio (clique aqui para ler a íntegra da decisão). O magistrado havia pautado a ação para a sessão desta quarta-feira, mas mudou de ideia: “Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”. Volto a esse assunto com mais detalhes na próxima postagem.

Em seu depoimento aos procuradores e agentes federais, Temer invocou o direito constitucional de ficar calado. Até aí, nenhuma surpresa: em 2017, quando sua conversa de alcova com o carniceiro bilionário veio a público, o ex-presidente afirmou que “o inquérito no STF seria o território onde surgiriam todas as explicações” e que seria feita “uma investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro”. Palavras vazias, como se veria mais adiante, quando as ações desmentiram o discurso e o esforço para barrar o processo ganhou vulto.

Na primeira noite que passou hospedado na PF do Rio, sua excelência rejeitou o jantar. Nos dias seguintes, declinou dos banhos de sol — mas alguém já ouviu falar em vampiro que toma sol? Brincadeira à parte, tivemos, ainda que por poucos dias, dois ex-presidentes presos por corrupção — ainda suposta, no caso de Temer, e confirmada por duas instâncias da Justiça, no caso de Lula. E pelo andar da carruagem, Dilma, que permanece no banco de reservas — ela é ré pelo crime de organização criminosa e foi acusada por Palocci de ter financiado sua eleição em 2010 com dinheiro de uma conta no exterior aberta por Joesley Batista, além de ter cometido crime de obstrução de Justiça ao avisar João Santana e Mônica Moura de sua prisão iminente —, pode ser convocada a qualquer momento para entrar em campo.

Por ter sido decretada dias antes de a Lava-Jato completar 5 anos e uma semana depois de o STF decidir pela competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes de corrupção relacionados a outros delitos de natureza eleitoral — em particular, o caixa 2 —, a prisão de Michel Temer e companhia limitada foi vista por muita gente como “retaliação”. O ex-ministro da Secretaria de Governo e principal integrante da tropa de choque palaciana, Carlos Marun, afirmou que o ex-presidente foi pego numa queda de braço entre a Lava-Jato e o STF. E disse mais: “Tem a suspeita de que exista algo por trás disso e que os motivos sejam outros. De que se busque com essa confusão causada com essa decisão inconsequente e ilegal, outros objetivos.” Só não esclareceu quais seriam esses objetivos.

Michel Temer é alvo de uma dezena de inquéritos e foi denunciado pela PGR em três oportunidades. Surpresa, portanto, não foi a sua prisão preventiva, mas o fato de ela não ter sido decretada antes. Retaliação foi a decisão tomada por 6 dos 11 ministros supremos, a despeito de a Justiça Eleitoral não ter estrutura para lidar com ações criminais complexas (fato reconhecido, inclusive, pelo ex-ministro Carlos Velloso, que presidiu o TSE em duas ocasiões). Dizer que a Justiça Eleitoral é mais célere que a Federal e que é possível reestruturá-la para atender às novas demandas, a exemplo do que já se viu em varas federais, é uma coisa, mostrar onde está a varinha de condão capaz de realizar essa mágica é outra.

Observação: Talvez a PGR Raquel Dodge seja a fada que detém tal varinha. Logo após a esdrúxula decisão do Supremo, ela disse que iria mudar a forma de atuação do MP nesses casos. Uma das alternativas que ela cogitou à época era priorizar o pedido de abertura de inquéritos por corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes sobre o de caixa 2, o que remeteria os casos para a Justiça comum; outra, revelada mais recentemente, é solicitar ao TSE que dê poderes aos magistrados federais para atuar em casos eleitorais simplesmente alterando uma das duas resoluções da Corte que tratam da composição da Justiça Eleitoral.

Em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão. O melhor para a Lava-Jato seria aprovar um projeto de lei que reformasse o Código Eleitoral e neutralizasse essa decisão nefasta do STF. Aliás, uma proposta nesse sentido integra os dispositivos anticrime que o ministro Sérgio Moro enviou ao Congresso — e que vem gerando atritos com o presidente da Câmara, que também é investigado no âmbito da Lava-Jato. A mudança na legislação certamente produziria melhores resultados do que uma CPI para investigar os ministros, ou a apresentação de pedidos de impeachment contra eles a cada julgamento com resultado divergente do esperado ou desejado. Mas não é o que se vê nas redes sociais, infelizmente, onde o número de postagens defendendo o fechamento STF, a intervenção militar no Legislativo e outras bobagens que tais não para de crescer.

É lamentável que os bolsomínions fanáticos sejam ainda mais extremados do que a patuleia ignara, cuja fidelidade canina a Lula e seus asseclas sempre me pareceu desbragada, e sua total impermeabilidade à voz da razão, uma falha genética irremediável. Mas o pior não é isso: Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem o aniversário da revolução de 1964, que deu início a um regime de exceção que durou 21 anos. O núcleo militar do primeiro escalão do Executivo, porém, pede cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência. Enfim, são tempos estranhos, como o ministro Marco Aurélio costuma relembrar sempre que uma oportunidade se lhe apresenta.  
 
A cizânia tomou conta da nossa mais alta corte, onde alas garantista e punitivista se digladiam, ministros tomam decisões monocráticas ao arrepio da jurisprudência pacificada por decisões colegiadas,  promovem bate-bocas de deixar o BBB. Não muito tempo atrás, o ministro Barroso, referindo-se a um colega de toga (que o leitor certamente sabe quem é), afirmou haver no Supremo “gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. Isso depois de classificar seu par na corte como uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e acusá-lo de “desmoralizar o Tribunal”.

Apenas dois ou três ministros celestiais parecem sintonizados com a opinião pública e preocupados com o combate a corrupção. Mas nem por isso devem prosperar bizarrices como a sugerida por Bolsonaro, durante a campanha, de nomear mais 10 ministros “isentos” para fazer frente à banda podre do STF. Por outro lado, deuses do Olimpo do Judiciário podem (e devem) ser investigados e, se for o caso, impedidos e até presos; o que não se admite é buscar soluções não-republicanas para mantê-los na rédea curta. Foi isso que fez Hugo Chávez na Venezuela, até porque o Poder Judiciário costuma ser o primeiro alvo das ditaduras incipientes.