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quarta-feira, 10 de abril de 2019

LAVA-JATO, STF, STJ, CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE




Em 2009, uma operação destinada a investigar o então deputado federal José Janene e os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater ganhou o codinome “Lava-Jato” (talvez porque a casa de câmbio dos doleiros era contígua a um posto de combustíveis onde funcionava também um lava-rápido), mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em 17 de março de 2014, quando foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva em 17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal. Aliás, o longa Polícia Federal — A Lei é para todos retrata bem o início da operação, embora a série O Mecanismo — cuja segunda temporada deve ser lançada do final do mês que vem — seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar os nomes dos envolvidos (inclusive da própria Polícia Federal, que na série se chama Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins, dando origem à primeira “Lista de Janot”). Mais adiante seriam abertos outros 180 inquéritos — entre casos do Petrolão e suas ramificações em outras estatais e órgãos da administração pública. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht foi o pivô do maior e mais bem organizado esquema de corrupção em toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional). Marcelo Odebrecht foi condenado a 47 anos de prisão; Emílio, seu pai, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, eles fecharam um acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização. Atualmente, pai e filho, que não se entendiam antes do episódio e agora sequer se falam, cumprem prisão domiciliar; o patriarca, em Salvador, e o Marcelo, num condomínio em Sampa.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipse, o mundo só acabou para Zavascki, que foi vítima de um acidente aéreo às vésperas de homologar a megadelação. Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e Edson Fachin assumiu o lugar do falecido na relatoria dos processos da Lava-Jato na corte. Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e poucos meses mais tarde a magnitude da delação da Odebrecht foi ofuscada pelas revelações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além de Ricardo Saud e outros 4 altos executivos da JBS.

ObservaçãoJoesley Batista, preso em setembro de 2017 por omitir informações na sua delação, foi solto seis meses depois e aguarda recluso (cercado de uma dúzia de seguranças e, ainda assim, com medo de possíveis retaliações dos delatados) a decisão o STF sobre a imunidade que obteve com seu acordo de colaboração. Apesar dos pesares, de lá para cá o patrimônio dos irmãos Batista cresceu R$ 2,5 bilhões, o que lhes assegura uma posição de destaque entre os 50 brasileiros mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. 

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização resultaram na prisão da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” e levaram o sucessor da calamidade em forma de gente a passar 5 dias preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro (Temer e seus cupinchas foram soltos por uma liminar concedida monocraticamente por um desembargador que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”, mas o MPF recorreu da decisão.

Segundo um levantamento feito pelo site JOTA, dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país, cerca de 30% foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial. Isso não quer dizer que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continua em tramitação, mas, de seis réus nas duas únicas ações penais já julgadas, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois condenados terão, de fato, de ir para a prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos são baseados no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos são corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou simultaneamente, por falta de elementos, o arquivamento de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não chegaram a formalizar uma investigação, não foram incluídos no levantamento do JOTA, mas todos os envolvidos acabaram virando protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Apenas duas ações penais da Lava-Jato foram julgadas até hoje no Supremo. Uma delas é a que investigou a deputada federal e presidente do PTGleisi Hoffmann, e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A ação começou a tramitar como inquérito e foi autuada no dia 9 de março de 2015; em 19 de junho de 2016, os réus acabaram absolvidos (por 3 votos a 2, prevaleceu o entendimento de que os elementos contra a então senadora eram “apenas indiciais”, sem comprovação efetiva). Mesmo no caso do primeiro parlamentar a ser condenado no âmbito da Lava-Jato, o deputado federal Nelson Meurer, os ministros declararam a extinção de punibilidade de Cristiano Augusto Meurer, filho do parlamentar, por prescrição (eles entenderam que a única conduta que geraria a sanção penal seria de junho de 2008, portanto, e que, no caso, o Estado já não teria mais direito de puni-lo). Meurer pai foi condenado a 13 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, enquanto seu outro filho, Nelson Meurer Júnior, a 4 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por corrupção passiva. A expectativa é que o deputado comece a cumprir a pena ainda no primeiro semestre. 

ObservaçãoAinda tramitam no Supremo outras oito ações penais, enquanto outras 11 denúncias aguardam julgamento e outros 75 inquéritos estão em regular tramitação (esses números podem mudar conforme as ações relacionadas de alguma maneira com caixa 2 forem encaminhadas para a Justiça Eleitoral).

Depois que o Legislativo deixou de ser confiável — dado o número significativo de deputados e senadores enrolados na Justiça, mas que continuam transitando livremente pelos corredores do Congresso — o Judiciário se tornou o último bastião dos brasileiros que não aguentam mais tanta corrupção na política — tem até parlamentar em prisão domiciliar, que dá expediente na Câmara e passa a noite na cadeia. Do Executivo, então, é melhor nem falar. FHC é o único ex-presidente eleito na “nova república” que não corre o risco de ser preso no médio prazo. No último domingo, Lula, o pseudo pai dos pobres, completou um ano de encarceramento numa sala VIP da PF em Curitiba; Sarney já foi denunciado duas vezes no âmbito da Lava-Jato (mas até agora não foi julgado); Collor responde a sete inquéritos no STF (graças ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano, ele ainda é senador) e é réu num deles desde agosto de 2017; Dilma se tornou ré no final do ano passado (acusada de corrupção e lavagem de dinheiro por ter se beneficiado, junto com outros integrantes da cúpula do PT, de até R$ 1,4 bilhão em propinas em troca de contratos com empresas envolvidas na Lava-Jato), e seu vice e digníssimo sucessor é tetra réu (duas vezes no Rio, uma em São Paulo e outra no DF) e corre o risco de ter sua soltura revogada a qualquer momento.     

Gilmar Mendes é o ministro supremo com mais pedidos de impeachment. Integrante e líder da ala “garantista” — da qual fazem parte Ricardo LewandowskiDias ToffoliMarco Aurélio Mello e Celso de Mello —, o magistrado mato-grossense é useiro e vezeiro em mandar às favas a jurisprudência e mandar soltar monocraticamente os presos da força-tarefa. Curiosamente, Mendes era defensor ferrenho da prisão após condenação em segunda instância, mas virou a casaca em algum momento e agora busca amealhar votos para reverter o entendimento da Corte. Diz-se que ele vem pressionando desembargadores do STJ para rever as condenações da Lava-Jato, em vez de simplesmente homologar as decisões das instâncias inferiores. Aliás, o ex-presidente José Sarney — denunciado duas vezes por suposto recebimento de propina em contratos superfaturados da Petrobras e da Transpetro, mas que até agora não foi julgado —, também vem pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar em favor da defesa no julgamento do recurso especial do chumbrega de Garanhuns. Tutti buona gente!

Na semana passada, por alguma razão que para mim não ficou bem clara, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, despautou as ADCs que iriam a julgamento na sessão plenária de hoje. Talvez agora o STJ finalmente se digne de apreciar o recurso especial de Lula, encerrando de vez o caso do tríplex no âmbito da terceira instância. Em sendo mantida a condenação, uma eventual mudança no entendimento da jurisprudência da corte deixaria de favorecer o petralha. Isso porque, caso a prisão após condenação em segunda instância não seja mantida, a expectativa é de que prevaleça a “proposta conciliadora” do próprio Toffoli, qual seja a da prisão após a decisão em terceira instância (e não somente no final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória — o que no Brasil é o “dia de S. Nunca” para criminosos que têm cacife para contratar advogados estrelados).

Durma-se com um barulho desses!