Em 2009, uma operação destinada a investigar o então
deputado federal José Janene e
os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater ganhou o codinome “Lava-Jato” (talvez porque a casa de
câmbio dos doleiros era contígua a um posto de combustíveis onde funcionava
também um lava-rápido), mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente
em 17 de março de 2014, quando foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão,
18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva em
17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal. Aliás, o longa Polícia Federal — A Lei é para todos retrata
bem o início da operação, embora a série O Mecanismo — cuja segunda temporada deve ser lançada do
final do mês que vem — seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar os nomes
dos envolvidos (inclusive da própria Polícia Federal, que na série se chama
Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.
Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados
federais, caciques políticos e afins, dando origem à primeira “Lista de Janot”). Mais adiante seriam
abertos outros 180 inquéritos — entre casos do Petrolão e suas ramificações em outras estatais e órgãos da
administração pública. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht foi o pivô do maior e mais bem organizado esquema de
corrupção em toda a história do capitalismo (segundo a Transparência
Internacional). Marcelo Odebrecht
foi condenado a 47 anos de prisão; Emílio,
seu pai, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da
construtora, eles fecharam um acordo de colaboração/leniência que ficou
conhecido como a Delação do Fim do
Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização. Atualmente, pai e
filho, que não se entendiam antes do episódio e agora sequer se falam, cumprem
prisão domiciliar; o patriarca, em Salvador, e o Marcelo, num condomínio em
Sampa.
A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o
Apocalipse, o mundo só acabou para Zavascki, que
foi vítima de um acidente aéreo às vésperas de homologar a megadelação. Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e Edson Fachin assumiu o lugar do falecido na relatoria dos processos da Lava-Jato na corte. Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e poucos meses
mais tarde a magnitude da delação da Odebrecht
foi ofuscada pelas revelações dos irmãos Joesley
e Wesley Batista, além de Ricardo Saud e
outros 4 altos executivos da JBS.
Observação: Joesley Batista,
preso em setembro de 2017 por omitir informações na sua delação, foi solto seis
meses depois e aguarda recluso (cercado de uma dúzia de seguranças e, ainda
assim, com medo de possíveis retaliações dos delatados) a decisão o STF sobre a imunidade que obteve
com seu acordo de colaboração. Apesar dos pesares, de lá para cá o patrimônio dos
irmãos Batista cresceu R$
2,5 bilhões, o que lhes
assegura uma posição de destaque entre os 50 brasileiros mais ricos do
mundo, segundo a revista Forbes.
Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos
pelo voto direto desde a redemocratização resultaram na prisão da autodeclarada
“alma viva mais honesta do Brasil” e levaram o sucessor da calamidade em forma
de gente a passar 5 dias preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro (Temer
e seus cupinchas foram soltos por uma liminar concedida monocraticamente por um
desembargador que o jornalista J.R.
Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar
ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de
praticar estelionato”, mas o MPF recorreu da decisão.
Segundo um levantamento feito pelo site JOTA,
dos 193 inquéritos da Lava-Jato e
de seus desdobramentos na mais alta corte do país, cerca de 30% foram
arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou
parcial. Isso não quer dizer que os outros 70% resultaram em condenação, até
porque a maior parte deles continua em tramitação, mas, de seis réus nas duas
únicas ações penais já julgadas, três foram absolvidos, um teve a pena extinta
por prescrição e somente dois condenados terão, de fato, de ir para a prisão.
Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos são baseados no tripé
"falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das
investigações", e que os arquivamentos são corriqueiros desde o início
da Lava-Jato.
Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou simultaneamente, por falta de
elementos, o arquivamento de sete implicações feitas por delatores a políticos
como Aécio Neves, Delcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses
casos não chegaram a formalizar uma investigação, não foram incluídos no
levantamento do JOTA, mas todos
os envolvidos acabaram virando protagonistas ou coadjuvantes de outras
investigações da Lava-Jato.
Apenas duas ações penais da Lava-Jato foram julgadas até hoje no Supremo. Uma delas é a que investigou a deputada federal e
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e seu marido, o
ex-ministro Paulo Bernardo. A
ação começou a tramitar como inquérito e foi autuada no dia 9 de março de 2015;
em 19 de junho de 2016, os réus acabaram absolvidos (por 3 votos a 2,
prevaleceu o entendimento de que os elementos contra a então senadora eram
“apenas indiciais”, sem comprovação efetiva). Mesmo no caso do primeiro
parlamentar a ser condenado no âmbito da Lava-Jato, o deputado federal Nelson Meurer, os ministros declararam a extinção de punibilidade
de Cristiano Augusto Meurer,
filho do parlamentar, por prescrição (eles entenderam que a única conduta que
geraria a sanção penal seria de junho de 2008, portanto, e que, no caso, o
Estado já não teria mais direito de puni-lo). Meurer pai foi condenado a 13 anos, 9 meses e 10 dias de
prisão em regime fechado, enquanto seu outro filho, Nelson Meurer Júnior, a 4 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por
corrupção passiva. A expectativa é que o deputado comece a cumprir a pena ainda
no primeiro semestre.
Observação: Ainda tramitam no Supremo outras oito ações penais, enquanto outras 11 denúncias
aguardam julgamento e outros 75 inquéritos estão em regular tramitação (esses
números podem mudar conforme as ações relacionadas de alguma maneira com caixa
2 forem encaminhadas para a Justiça Eleitoral).
Depois que o Legislativo deixou
de ser confiável — dado o número significativo de deputados e senadores
enrolados na Justiça, mas que continuam transitando livremente pelos corredores
do Congresso — o Judiciário se
tornou o último bastião dos brasileiros que não aguentam mais tanta corrupção
na política — tem até parlamentar em prisão domiciliar, que dá expediente na Câmara
e passa a noite na cadeia. Do Executivo,
então, é melhor nem falar. FHC é
o único ex-presidente eleito na “nova república” que não corre o risco de ser preso no médio
prazo. No último domingo, Lula,
o pseudo pai dos pobres, completou um ano de encarceramento numa sala VIP
da PF em Curitiba; Sarney já foi denunciado duas vezes no
âmbito da Lava-Jato (mas até agora
não foi julgado); Collor
responde a sete inquéritos no STF (graças
ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano, ele ainda é senador) e é réu num deles
desde agosto de 2017; Dilma se
tornou ré no final do ano passado (acusada de corrupção e lavagem de dinheiro
por ter se beneficiado, junto com outros integrantes da cúpula do PT, de até R$ 1,4 bilhão em propinas em
troca de contratos com empresas envolvidas na Lava-Jato), e seu vice e
digníssimo sucessor é tetra réu (duas vezes no Rio, uma em São Paulo e outra no
DF) e corre o risco de ter sua soltura revogada a qualquer momento.
Gilmar Mendes é
o ministro supremo com mais pedidos de impeachment. Integrante e líder da ala
“garantista” — da qual fazem parte Ricardo
Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello —, o magistrado
mato-grossense é useiro e vezeiro em mandar às favas a jurisprudência e mandar
soltar monocraticamente os presos da força-tarefa. Curiosamente, Mendes era defensor ferrenho da
prisão após condenação em segunda instância, mas virou a casaca em algum
momento e agora busca amealhar votos para reverter o entendimento da Corte.
Diz-se que ele vem pressionando desembargadores do STJ para rever as condenações da Lava-Jato, em vez de simplesmente homologar as decisões das
instâncias inferiores. Aliás, o ex-presidente José Sarney — denunciado duas vezes por suposto recebimento de
propina em contratos superfaturados da Petrobras e da Transpetro, mas que até
agora não foi julgado —, também vem pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar em favor da defesa no
julgamento do recurso especial do chumbrega de Garanhuns. Tutti buona gente!
Na semana passada, por alguma razão que para mim não ficou
bem clara, o presidente do Supremo, Dias
Toffoli, despautou as ADCs que
iriam a julgamento na sessão plenária de hoje. Talvez agora o STJ finalmente se digne de
apreciar o recurso especial de Lula,
encerrando de vez o caso do tríplex no âmbito da terceira instância. Em sendo mantida
a condenação, uma eventual mudança no entendimento da jurisprudência da corte
deixaria de favorecer o petralha. Isso porque, caso a prisão após condenação em
segunda instância não seja mantida, a expectativa é de que prevaleça a
“proposta conciliadora” do próprio Toffoli,
qual seja a da prisão após a decisão em terceira instância (e não somente no
final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória — o
que no Brasil é o “dia de S. Nunca”
para criminosos que têm cacife para contratar advogados estrelados).
Durma-se com um barulho desses!