Mostrando postagens com marcador militares. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador militares. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 8 de maio de 2019

COISAS DO BRASIL



Jair Bolsonaro atribui sua vitória a Carluxo, que a credita a Olavo de Carvalho, quando na verdade ela se deveu a uma conjunção de fatores, dentre os quais o antipetismo, a facada de Adélio, a indignação popular contra o establishment e o apoio dos evangélicos, apenas para ficar nos principais.

A questão é que o capitão foi empossado há 16 semanas e ainda não começou a governar de fato — ao contrário do diligente príncipe herdeiro 02, que “vem se matando literalmente” para fazer Brasil dar certo, com milhares de tuítes disparados a partir da conta do pai. Com seu poderoso iPhone nas mãos, o pitbull palaciano provocou a demissão de Gustavo Bebianno, semeou a cizânia entre o Planalto e a presidência da Câmara, atacou duramente general Hamilton Mourão e, mais recentemente, passou a bater também no general Santos Cruz — dizem que por influência do guru do clã dos Bolsonaro, que puxa os cordéis lá da Virgínia (EUA) enquanto chupa alegremente seu cachimbo (não me pergunte o que ele coloca no fornilho).

Em março, Santos Cruz chamou o ex-astrólogo e autodeclarado filósofo de “desequilibrado” por criticar o vice-presidente e dizer que os militares do governo têm “mentalidade golpista”. Em resposta, Olavo disse que o general “simplesmente não presta.” Em abril, zero dois chancelou a indicação do empresário Fabio Wajn­garten para o comando da Secretaria de Comunicação, derrubando Floriano Amorim, com quem Santos Cruz mantinha um bom relacionamento. A troca produziu — e ainda produz — faísca no setor. 

O ex-comandante do Exército e assessor especial do Gabinete Institucional de Presidência, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do colega de Santos Cruz depois de Santos Cruz sido chamado de “merda” por Olavo de Carvalho, para quem "ninguém votou para ter um governo de generais tucanos". No meio do tiroteio, Bolsonaro, pusilânime, dá uma no cravo e outra na ferradura mas precisa mostrar sem rodeios com qual dos blocos se alinha. Ontem, em São Paulo, o filho Eduardo reputou “normais” as críticas feitas a militares aliados do presidente da República por ele próprio, pelo irmão Carluxo e, sobretudo, por Olavo de Carvalho.

Segundo o zero três, é natural que quem não esteja alinhado com o papai presidente fique sujeito a qualquer tipo de ataque. Também adepto à prática do “tiro ao general”, ele mirava em Mourão e em Santos Cruz, mas acertou Eduardo Villas Bôas — torpemente rebaixado pelo guru presidencial a “um doente numa cadeira de rodas” — e, por tabela, Augusto Heleno. Segundo Augusto Nunes, Villas Bôas teve uma participação fundamental na caminhada que o levou Bolsonaro ao Planalto, e ambos dividem segredos de tão grosso calibre que o capitão prefere levá-los para o túmulo. Por tudo isso e muito mais, o presidente precisa decidir se está com os atacantes ou com os agredidos.

Militares com cargos no primeiro escalão do governo disseram ao Estadão que estão apreensivos com a “falta de pulso” do chefe do Executivo para enquadrar seus filhos e seu guru, que a situação chegou “no limite” e que eles só não deixam o governo com receio do que pode acontecer no País (clique aqui para ler a matéria completa). Bolsonaro & Filhos depositam no "professor Olavo" um poder que, na prática, ele nunca teve, mas que lhe infla o ego e reforça a narrativa de constante combate contra “terríveis forças do mal”. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país. O PT foi derrotado; Bolsonaro está no poder. Agora, a prioridade é outra, a pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não se dar conta disso, e o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo. 

Bolsonaro vem tentando minimizar as rusgas com o vice-presidente — visto pela prole real como potencial usurpador, embora o que ele tem feito seja apenas preencher as lacunas deixadas em aberto pelo menos preparado titular (vale lembrar que o poder abomina o vácuo). O clima é de bagunça geral, graças, sobretudo, aos pimpolhos de ouro, com destaque para o 02, que é o mais incisivo nos ataques. Enquanto isso — e talvez até por isso — a reforma previdenciária patina, a proposta anticrime e anticorrupção não avança (e como poderia avançar se não existe articulação política e o Congresso está infestado de corruptos?) e os índices de aprovação da atual gestão despencam, já que a população precisa de emprego, não de assistir impotente a templários travando uma batalha no Twitter. Isso me faz lembrar de um velho adágio dos marinheiros, segundo o qual “um comandante pilota o navio, mas dois comandantes afundam o navio”.

ObservaçãoO alto comando militar do governo fechou um acordo nesta terça-feira, 7, em almoço com o presidente, de não responder mais a Olavo de Carvalho. No entendimento dos participantes do encontro, a nota do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas foi suficiente para responder às provocações do escritor. E se o guru do presidente faz muito barulho nas redes sociais, não chega a afetar na prática o andamento do governo. 

A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez mais seus apoiadores se resumem a bolsomínions — seleta confraria de baba-ovos que agem tal e qual os militantes de esquerda, só que com o sinal trocado. Há até quem chegue a dizer que seria melhor termos o general Mourão como presidente, o que chega a ser espantoso, sobretudo porque muitos brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam a volta da esquerda ao poder, a despeito do receio de, em elegendo o capitão, estariam abrindo as portas para a volta da ditadura militar. Curiosamente, é justamente o núcleo militar que menos problemas tem criado para o presidente. Coisas do Brasil, que há décadas avança aos trancos e barrancos, não graças a seus governantes, mas apesar deles.

Segundo Dora Kramer, este não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. A questão é que o problema, com as consequências, é que elas vêm depois. Bolsonaro parece não saber como as coisas funcionam. Não sabia, por exemplo, que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente. Ou que dos chineses depende boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial. Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.

Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada. De tanto errar, provocar, e com isso abrir espaço para as questões das quais discorda, vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.

terça-feira, 9 de abril de 2019

BOLSONARO, LUA-DE-MEL E PALANQUE


Vinicius de Moraes se casou nove vezes, Fábio Júnior, sete, e Jair Bolsonaro, três. Mas Bolsonaro teve quatro luas de mel, pois, no âmbito da política, essa expressão designa os primeiros 100 dias de governo, quando os deslizes do governante são mais facilmente perdoados, e seus defeitos, relevados pela maioria dos que elegeram o mandatário da vez.

É fato que este governo já começou com nuvens negras no horizonte, dada a espúria relação do clã presidencial — notadamente do filho Flávio — com o dublê de ex-policial militar e ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Mas uma sequência de intercorrências funestas — como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho; o incêndio no Ninho do Urubu; a conturbada exoneração de Gustavo Bebianno, as birras pueris entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, só para relembrar as mais notórias — fez a mídia mudar o foco. A questão é que a vocação do presidente para se meter em enroscos é inata e não tem limites.

Bolsonaro passou do baixo-clero da Câmara à Presidência da República com o apoio de inúmeros brasileiros que teriam votado até no Tinhoso para impedir a vitória do patético boneco de ventríloquo comandado pelo presidiário mais famoso do Brasil (que completou um ano na cadeia no último domingo; que venham muitos outros). Não obstante, diferentemente dos “bolsomínions” — radicais de direita que, como petistas de sinal trocado, aplaudem tudo que seu líder diz ou faz —, os eleitores "involuntários" do deputado-capitão não estão satisfeitos com sua performance na nova função.

Como na fábula do velho, o menino e o burro, Bolsonaro foi, é e continuará sendo criticado, diga ele o que disser, faça ele o que fizer. O problema é que, enquanto sua tropa de choque se esfalfa para debelar os focos de incêndio, suas estultices põem mais lenha na fogueira. Quando mais não seja, isso contribui para a queda de popularidade deste governo: entre janeiro, 50% dos entrevistados avaliavam-no com ótimo ou bom; em março, eram apenas 38%. E o percentual dos que consideravam a gestão regular e passaram a classificá-la como ruim ou péssima cresceu 5% em relação a janeiro. No frigir dos ovos, cerca de 15 milhões de pessoas que votaram no candidato pesselista deixaram de considerar seu governo de maneira positiva. E não sem razão.

Nos primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro enfrentou diversos episódios de desgaste político: a já mencionada investigação sobre milícias envolvendo o gabinete de zero um na Alerj, as candidaturas de laranjas de seu partido, os entrechoques entre militares e a ala do governo sob influência do escritor Olavo de Carvalho, a crise no MEC, a troca de farpas com o Congresso e a dificuldade no encaminhamento da reforma da Previdência. A economia segue em ritmo lento, e a taxa de desemprego cresceu em relação ao trimestre passado — está em 12,4%. Nove dos 22 ministros têm contas a acertar com a Justiça — um foi exonerado, e pelo menos outros três já deveriam tê-lo sido (detalhes na postagem anterior), sem mencionar a absoluta ausência de articulação política do Planalto, evidenciada ad nauseam na última quarta-feira, quando o ministro da Economia foi massacrado por uma caterva de parlamentares de esquerda (para os quais o fracasso daquele que derrotou o bobo-da-corte da Petelândia se apresenta como a única chance de retomarem o poder).

Observação: Bolsonaro ironizou o resultado das pesquisas. Segundo ele, não vale a pena perder tempo comentando os números de um órgão de pesquisas que vaticinou sua derrota no segundo turno, independentemente de quem fosse o adversário. Aliás, também segundo essa pesquisa, Dilma é quem teve numericamente a melhor avaliação a esta altura do mandato, com 47% de ótimo/bom em 2011. Mas não custa lembrar como o segundo mandato da ex-presidanta incompetenta terminou, sem mencionar que, se durar mais alguns anos, essa tragédia em forma de gente corre o risco de ser encarcerada, a exemplo de Lula, que está em cana há um ano, e de Michel Temer, que está em vias de voltar para lá. E a vez de Collor também há de chegar. Pelo visto, de todos os presidentes democraticamente eleitos pelo voto popular desde o fim da ditadura militar (aquela que hoje sabemos não ter existido), somente FHC escapa incólume (Itamar era vice promovido a titular, e já morreu; Sarney idem, embora tenha esquecido de deitar e venha pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar favoravelmente ao recurso de Lula

Por mais que seja criticado se montar no burro, puxá-lo pela rédea ou carregá-lo nas costas, o capitão precisa descer do palanque. Uma coisa é a campanha, durante a qual conta a relação do candidato com os anseios, reais ou ilusórios, do eleitorado, e outra, bem diferente, é a tratativa institucional que norteia o funcionamento da interdependência entre os poderes da República. Bolsonaro ainda não subiu a rampa do Palácio do Planalto, e sua lua de mel terminou sem ganhos relevantes no desatamento dos nós da administração que impedem o Brasil de sair do atraso na economia, saúde, educação e segurança. Nenhuma de suas propostas andou — nem mesmo as medidas provisórias, entre as quis a da remodelação do Ministério da Economia e a liberação de auxílio de emergência às vítimas de Brumadinho, e isso num Parlamento que já aprovou até confisco da poupança.

ObservaçãoDora Kramer, sempre brilhante em sua coluna, relembra que, se o chefe do Executivo acha que pode atuar em desconexão com o Legislativo, é natural que a recíproca seja verdadeira. Donde os dois “trocos” que os deputados deram a Bolsonaro ao lhe infligir derrotas significativas com a aprovação do Orçamento impositivo e a rejeição do decreto que ampliava o escopo do sigilo a documentos oficiais. O cacoete de parlamentar meramente reativo, livre para provocar em seu nicho de atuação no baixo ­clero, parece ser o que impede Jair Bolsonaro de perceber que o início do período presidencial corresponde à entrada em cena do Congresso, à mudança da natureza do palco e, sobretudo, às demandas da plateia. Na campanha, candidatos falam à arquibancada; na Presidência, governantes precisam lidar com o pessoal das cadeiras e camarotes se não querem ver a partida ser encerrada antes do tempo regulamentar.

Ninguém esperava que o atual governo operasse um milagre que fizesse a economia bombar em três meses. Mas o mercado e o empresariado compraram o projeto liberalizante de Paulo Guedes, que prometeu recolocar o país na rota do crescimento. Seu plano econômico é encabeçado pela reforma previdenciária e complementado com uma série de privatizações, além de uma profunda reforma tributária, e cem dias talvez não bastem nem para começar a fazer isso tudo, mas são suficientes para revelar o engajamento do governo e sua capacidade de articulação para tirar os projetos do papel.

O empresariado ainda ampara o presidente, sobretudo por ter Paulo Guedes à frente da Economia e pelos bons serviços prestados por Tarcísio de Freitas na pasta da Infraestrutura (tais como os leilões de concessão de dois portos e de um novo trecho da Ferrovia Norte-Sul). Isso sem desmerecer a importância de Sérgio Moro, que, infelizmente, ainda não teve jeito de mostrar a que veio. Mas as pastas da Educação, das Relações Exteriores e dos Direitos Humanos são vistas como “caóticas” e “vergonhosas”. Para piorar o cenário, a bizarra queda de braço entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, mesmo tendo sido superada, deixou sequelas funestas, como a redução no número de parlamentares que se declaravam favoráveis à reforma da Previdência (que caiu de 69% para 56%).

A exemplo de certo ex-presidente impichado — hoje senador por Alagoas e réu na Lava-Jato —, Bolsonaro iniciou seu mandato sem uma coligação partidária que lhe oferecesse apoio no Congresso (oxalá as semelhanças parem por aí). Seu governo não tem um partido coeso e integrado — o PSL até dispõe da segunda maior bancada da Câmara, com 54 deputados, mas isso é insuficiente numa Casa com 513 cadeiras. Demais disso, a maioria dos deputados pesselistas é estreante, sem traquejo nas dinâmicas do Legislativo, ao passo que os mais antigos se queixam de que a sigla não tem organograma nem regimento interno, e que seus deputados não conseguem entender o que estão votando sem assessoria técnica. 

Para um governo que se propõe a implementar reformas estruturais, é preciso muito mais capacidade de articulação (note que negociação não significa necessariamente corrupção). A retórica para agradar os bolsomínions (para quem o presidente está certíssimo, devendo mesmo esquecer o Congresso e falar diretamente com eles) atrapalha a relação com os demais eleitores, e a única maneira de estancar a perda de popularidade é com a retomada do crescimento. Mas Bolsonaro age com uma versão tupiniquim do seu ídolo norte-americano, que permanece há dois anos disparando mensagens pelo Twitter com o mesmo discurso hostil aos oponentes da época da campanha. Também nesse caso, as realidades são diferentes, a começar pelo fato de o homem da peruca laranja (sem qualquer intenção de fazer trocadilho com o laranjal do PSL) ter assumido o cargo com a economia em crescimento e um governo muito bem estruturado.

Faltam à Bolsonaro a contenção da retórica de palanque, empenho nas pautas fundamentais, disposição para ouvir e negociar, inclusive com opositores. Um governo popular e fraco, sem condições de implementar as medidas de que o país precisa para retomar o crescimento só interessa ao segmento radical e apodrecido da oposição — composto de devotos da seita do inferno cujo sumo pontífice, alvo de 10 processos, condenado em dois e às vésperas de um deles ser julgado pela terceira instância do Judiciário, completou, dias atrás, um ano como hóspede compulsório numa suíte máster da Superintendência da PF em Curitiba.

Que Deus nos ajude.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

BOLSONARO, EDUCAÇÃO, HORÁRIO DE VERÃO, STF, MILITARES E OUTROS ASSUNTOS



Na última sexta-feira, Bolsonaro quase exonerou Ricardo Vélez, cujas trapalhadas recorrentes são a prova provada de que o ministro da Educação não tem a menor vocação para educador nem para gestor. Faltou o quase, mas acho que desta semana não passa. Vélez já vai tarde, e deve levar a tiracolo o malfadado horário de verão. Bem que poderia levar também os ministros do Turismo, das Relações Exteriores e da Mulher, Família e Direitos Humanos. Aliás, o motivo pelo qual precisamos de um ministério da Mulher, Família e Direitos humanos é uma das muitas coisas difíceis de entender neste governo.

Atualização: Bolsonaro confirmou nesta manhã (pelo Twitter, como de costume) a demissão de Ricardo Vélez. Assume a pasta o economista Abraham Weintraub, que tem boas relações com membros da equipe governamental e é próximo ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni de quem era secretário-executivo.

Por falar em coisas difíceis de entender, Temer, quando ainda articulava a deposição da titular do cargo que almejava ocupar, prometeu um ministério de notáveis, mas nomeou uma notável agremiação de enrolados na Justiça. Surpreendentemente — pelo menos à luz dos discursos de campanha de Bolsonaro —, o atual ministério não fica muito atrás. Senão vejamos.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, admitiu a prática de caixa 2; o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é réu por improbidade administrativa e alvo de uma acusação por dano ao Erário (por ter ordenado a retirada de um busto do guerrilheiro Carlos Lamarca do parque estadual do Rio Turvo, na cidade de Cajati); a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é investigada por suposto favorecimento à JBS quando era secretária do agronegócio no Mato Grosso do Sul; a proselitista religiosa Damares Alves (a tal ministra da Família, Mulher de Direitos Humanos) é alvo de duas investigações do MPF por discriminação contra os povos indígenas. Esses são apenas alguns exemplos, pois pelo menos 9 dos 22 ministros (aí incluídos Marcos Pontes, General Heleno e o próprio Paulo Guedes) são réus ou investigados na Justiça. Durma-se com um barulho desses.    

Michel Temer é tetra-réu (duas vezes na JF do RJ, uma na de SP e outra na do DF). Pelo andar da carruagem, o emedebista não demora a ultrapassar Lula — que carrega na lomba uma dezena de ações criminais e já foi condenado em duas delas —, podendo mesmo alcançar Sérgio Cabral — que responde a cerca de cerca de 40 processos e já foi apenado com quase 200 anos de prisão. A exemplo do criador e mentor da calamidade de quem foi vice por 5 anos e a quem sucedeu na presidência desta banânia, o vampiro emedebista resolveu posar de vítima de perseguição. É certo que ele ainda não foi julgado e muito menos condenado, mas qualquer um que tenha um par de neurônios minimamente funcionais não precisa esfregar o nariz na merda para saber que ela fede.

O desembargador responsável por relaxar a prisão preventiva de Temer e seus comparsas (e que, na brilhante definição de J.R. Guzzo, é um especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato) não viu risco algum de os suspeitos tentarem destruir provas ou atrapalhar as investigações. Curiosamente, o empresário Vanderlei de Natale, amigo do ex-presidente e alvo da Operação Descontaminação, tentou ocultar sob o sofá, no dia de sua prisão, um computador do tipo notebook. O coronel João Batista Lima Filho, outro amigo e suposto parceiro de maracutaias desde os anos 1980, lançou mão da mesma estratégia para tentar despistar os investigadores ao ocultar dois smartphones sob a almofada do sofá.

Todos os ex-governadores do Rio, eleitos pelo voto popular desde a redemocratização, estão ou estiveram presos. Dentre eles, Sérgio Cabral é o mais notório, haja vista a quantidade assombrosa de processos e o tamanho da pena a que foi sentenciado nos que já foram julgados. Mas Cabral é um ponto fora da curva. Depois de trocar o causídico responsável por sua defesa, o ex-governador assumiu boa parte dos crimes que lhe são atribuídos e vem colaborando com a Justiça — a mim pouco importa se o faz visando aliviar o fardo condenatório com um acordo de delação premiada. Quanto aos demais políticos e empresários investigados, denunciados ou réus, com a possível exceção do ex-ministro petista Antonio Palocci, 110% se dizem inocentes e consideram-se injustiçados. Haja óleo de peroba para lustrar tanta cara-de-pau!

Para fechar com chave de ouro: A revista Veja desta semana publicou na sessão Radar que generais criticam a “ditadura da toga” e conclamam a sociedade civil a recompor a ordem para evitar que “sangue corra pelas ruas”. Voltada a membros das Forças Armadas, a revista do Clube Militar publicou uma série de críticas ao STF. Uma delas (que você pode ler na figura que ilustra esta postagem), assinada pelo general Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar, questiona o ministro Dias Toffoli por ter determinado a abertura de inquérito para investigar ameaças ao Supremo e aos familiares dos ministros. Segundo o general, somente em ditaduras acontecem investigações deste tipo. 

Outro artigo, este assinado pelo também general Luiz Eduardo Rocha Paiva, diz que “a nação tem que se salvar a si mesma, sem a tutela das Forças Armadas, que só tomarão a iniciativa diante de um quadro de grave violência, caos social, falência e perda de autoridade dos Poderes Constitucionais”. E prossegue: “Ou seja, em um cenário de anomia a colocar em risco a paz social, a unidade política e a soberania do Estado”. O general encerra o artigo com a seguinte frase: “Não querem que o sangue corra pelas ruas? Então mãos à obra”. Para bom entendedor...

A lua-de-mel de Bolsonaro termina de forma melancólica. Nos primeiros 100 dias de governo, o presidente... Bem, é melhor deixar esse assunto para a próxima postagem.

sábado, 23 de março de 2019

SOBRE A PRISÃO DE TEMER, AS ESTULTICES BOLSONARIANAS... E LA NAVE VA



Temer invocou o direito constitucional de ficar calado durante o depoimento desta sexta-feira e, como eu havia previsto (vide postagem anterior), o desembargador Ivan Athié, conhecido por sua postura garantista, preferiu submeter seu pedido de habeas corpus à 1ª Turma do TRF-2 — que costuma apoiar as decisões do juiz Marcelo Bretas. O recurso deve ser apreciado somente na próxima quarta-feira; até lá, se o imprevisto não tiver voto decisivo na assembléia dos acontecimentos, o emedebista continuará hospedado na sala de 20 metros quadrados, com banheiro privativo, janela, ar-condicionado, sofá, mesa de reunião e frigobar, que era usada até então pelo corregedor da PF do Rio e recebeu uma cama e uma TV para acomodar o visitante ilustre.

Atualização: No STF, Marco Aurélio Mello rejeitou liminarmente (sem analisar o mérito) o pedido de habeas corpus de Moreira Franco, já que fazê-lo, segundo o ministro, implicaria em "queima de etapas", pois há no momento um HC pendente no TRF-2. Restou igualmente prejudicada moção da defesa para o caso ser remetido à Justiça Eleitoral, eis que feito num inquérito do qual Moreira Franco não é parte. Caso o ministro aceitasse a alegação de que a competência é da Justiça Eleitoral e suspendesse as decisões de Bretas, a medida beneficiaria igualmente o ex-presidente Michel Temer.

Segundo Carlos Marun, que visitou o ex-chefe na noite de quinta-feira (o cara é corajoso, pois poderia ter ido buscar lã e sair tosquiado — ou então não sair, mas isso é outra conversa), o "presidente" vem recebendo tratamento digno e respeitoso, mas está acabrunhado e indignado. Para o ex-pitbull palaciano, Temer é uma vítima inocente de uma “queda de braço entre o STF e a Lava-Jato”. Pois é. Lula também é inocente. E eu sou o Coelho da Páscoa.

Fato é que prisão de mais um ex-presidente caiu como uma bomba entre os políticos e foi um prato cheio para a mídia, que mal noticiou a viagem de Bolsonaro ao Chile. Durante a viagem anterior (aos EUA), os jornalistas permaneceram atentos a cada flatulência presidencial, sempre a postos para pintar com cores fortes aquelas cujo aroma mais lhes agradasse. Mas convenhamos que nosso presidente parece ter uma compulsão incontrolável para dar a cara a tapa.

Defender o folclórico muro que Trump insiste em erguer na fronteira com o México, por exemplo, foi lamentável. Tudo bem que em casa alheia não se critica o anfitrião, mas em se tratando de Bolsonaro, que é fã declarado de Trump, os salamaleques excederam em muito a simples diplomacia. E dizer em alto e bom som que "a maior parte dos imigrantes que se mudam para os Estados Unidos tem más intenções" foi (mais) uma péssima escolha de palavras — tanto é que o capitão se retratou na entrevista que concedeu logo depois de deixar a Casa Branca.

Falando em diplomacia, a promoção informal de Eduardo Bolsonaro (que, a exemplo do pai, é admirador incondicional do homem da peruca laranja) a “chanceler de fato” no encontro privado entre os presidentes de cá e de lá levou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a dar um piti em público. A cena de chilique, segundo a Folha, ocorreu diante de vários ministros e refletiu a humilhação sofrida pelo “chanceler de direito”. Vai ver que, para Jair Bolsonaro, “relações exteriores” têm a ver com “ficar de fora”. Na avaliação de Josias de Souza, a reclassificação funcional de Araújo — que já se sabia um chanceler atípico, dada a influência do guru Olavo de Carvalho, seu padrinho e ideólogo — fez do ministro não apenas um subministro, mas o sub do sub do sub.

Segundo O Antagonista, militares da ativa resolveram mandar recados a Bolsonaro. Diz Igor Gielow em sua coluna: “Não falo aqui do acordo de salvaguardas para o uso de Alcântara, uma boa medida há muito esperada. É particularmente ridículo ver a esquerda chiar como o Brasil fosse sediar uma base americana de mísseis intercontinentais e esquecer o danoso acordo promovido no governo Lula com a Ucrânia, que só torrou dinheiro. Mas as conversinhas de coxia, com tons de segredo, sobre o que fazer com a ditadura de Nicolás Maduro são de especial preocupação (para ler a íntegra da publicação, clique aqui).

Falando na ala verde-oliva, Dora Kramer faz algumas considerações interessantes. Confira a seguir:

Hoje o conselheiro mais influente do presidente é o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o porta-­voz informal da ala já tida como a mais ponderada do governo e que, embora repudie a caracterização de “grupo dos militares”, é toda composta de altas patentes oriundas das Forças Armadas com atuação bem-vista em setores sociais e oficiais, mas muito criticada nos chamados bolsões radicais do governismo. Na linha de frente, destaca-se o vice-­presidente Hamilton Mourão, com suas declarações públicas de caráter apaziguador em relação a crises e atritos provocados ora por posições do presidente da República, ora por integrante daquela outra ala que numa definição amena poderíamos chamar de polêmica, para não dizer folclórica. Numa tradução simples, o general Heleno atuaria “para dentro” e o general Mourão, “para fora”. Se um aconselha, o outro funciona como uma espécie de corretor de texto do presidente e companhia.

Isso num cenário em que a racionalidade, o bom-senso, a lógica e o rumo a partir do interesse coletivo parecem ter saído de férias. Donde a necessidade de transitar entre essas autoridades para detectar de que maneira o panorama está sendo visto por elas e tentar formular algo próximo das perguntas recorrentes em toda parte: para onde vamos? No que vai dar tudo isso? Ainda é possível reencontrar o eixo a fim de evitar um descarrilamento de consequências fatais? Nessa tarefa é que estão empenhados os setores que chamaremos aqui de oficina de consertos. Eles atuam em duas variantes principais: a adaptação do presidente às suas funções e a recolocação de estruturas e políticas de governo na direção da eficácia objetiva. Nesse tópico, chamado de “ajuste da agenda social ao ponto certo”, cita-se o exemplo do Ministério da Educação, enredado numa barafunda de egos inflados e ideologias equivocadas e afastado de sua função primordial, a de difundir e incrementar o aprendizado, como diz uma das vozes da racionalidade.

Uma correção de rumos é considerada urgente, ainda que seja necessário adotar “diretrizes mais enérgicas”, o que soa como eufemismo para a troca de titulares de algumas pastas nas áreas produtoras de atritos. Isso no limite, porque algumas providências já se notam. Onde? Na questão da Venezuela, em que, sem conflitos, o ministro das Relações Exteriores foi posto de lado. Essa banda de exacerbados é aconselhada a perceber que “comunismo não se combate com comunismo de sinal trocado”. A ideologia, confia a ala ponderada, acabará encontrando o tom certo de expressão.
Sim, mas e o presidente e sua vocação incontrolável para a crise? Aqui, discorda-se do termo “incontrolável”. A ideia é que ele se convença da conveniência do controle. “Com o tempo, haverá a recuperação da saúde física, a contenção do temperamento explosivo e a transposição de uma vida de parlamentar, cuja ferramenta é a fala para uma função regida pelos ditames da boa administração e da sobriedade.” Nesse manual de ajustes se incluiriam os filhos, que, nessa perspectiva, teriam de se voltar para os respectivos afazeres políticos.

É isso que tem sido dito ao presidente. A conferir em que medida ele dará ouvidos.

terça-feira, 12 de junho de 2018

SOBRE O REGIME MILITAR



Precisamos falar um pouco sobre regime militar no Brasil, porque em nosso país, ao contrário do que em geral acontece no resto do mundo, a História vai ficando mais incerta com o passar do tempo. É a velha tirada do ex-ministro Pedro Malan: o Brasil é um país tão difícil que aqui não dá para prever nem o passado.

Apareceram na praça, pouco tempo atrás, mais informações sobre o período do “regime militar” ou “ditadura militar”, conforme o lado da rua em que o cidadão está — e o tema, que periodicamente sai do túmulo, circula pelos meios de comunicação e volta a ser enterrado, ganha de novo seus quinze minutos de fama. Desta vez, fomos informados que os generais que mandavam no governo, inclusive um presidente da República, seu sucessor e outros colossos das Forças Armadas, autorizaram a “execução sumária” de “opositores do regime”.

A informação é de um documento da CIA, a agência de espionagem dos Estados Unidos, e não esclarece se os seus espiões ouviram, de vivo ouvido, a conversa em que os chefes militares decidiram dar essas ordens. Seja como for, as dúvidas não vêm mais ao caso. A “denúncia da CIA” morreu de inanição pouco depois de ter nascido — não chegou a impressionar os especialistas e, menos ainda, a interessar os indiferentes ao assunto.

A curiosidade, neste último episódio de viagem ao passado, não é a falta de um ponto de chegada. O esquisito é a repetição da tentativa de manter vivos um mundo e uma época que estão mortos — apesar dos resultados cada vez mais frouxos que se obtém com esses esforços de ressurreição. Pretende-se estabelecer a “verdade” sobre o passado — chegaram a criar até uma “comissão nacional” para esta tarefa. A cada tentativa, naturalmente, não se estabeleceu verdade nenhuma. Como seria possível, se o centro da questão está em fatos que aconteceram há 50 anos? As responsabilidades teriam de ter sido apuradas lá atrás. Mas para isso seria indispensável que os militares tivessem perdido seu combate contra os grupos que queriam derrubá-los — só assim poderiam ter sido presos, julgados e condenados. (Ou “executados sumariamente”, talvez.) Acontece que os militares não perderam. Saíram do governo porque quiseram e foram em boa ordem para as suas casas, protegidos por uma lei de anistia legalmente aprovada. Não passou pela cabeça de ninguém, na hora, chamar o general Pedro ou o coronel Paulo para responder a inquérito nenhum. Caso encerrado, então. Punições deste tipo ou vêm imediatamente após o encerramento do conflito, ou não vêm nunca mais. Não dá para reabrir o Tribunal de Nuremberg ou os Processos de Tóquio. Não dá para descobrir a verdade sobre a Guerra dos Farrapos. Pode até dar — mas é inútil.

O que acaba acontecendo, na vida real, é que a cada expedição arqueológica feita para descobrir a “verdade histórica”, o passado se torna mais obscuro, e não mais claro. Em vez de se saber mais, fica-se a saber menos. No caso do regime que existiu de 31 de março de 1964 até 30 de dezembro de 1978, quando foi revogado o Ato Institucional Nº 5, a passagem do tempo torna as coisas especialmente mais vagas para o brasileiro comum. O período é descrito pelos fiscais da História nacional como o mais negro de toda a existência do Brasil —os tais “anos de chumbo”, piores que qualquer desgraça que o país já tenha vivido até hoje. Mas a cada dia que passa, mais ralo vai ficando este caldo.

Hoje, só cidadãos que já estão com 72 anos de idade, ou mais, tinham chegado aos 18 e eram adultos em 1964. Todos os oficiais atualmente na ativa nas Forças Armadas eram crianças na época, ou nem tinham nascido. Dos que sobreviveram, muitos não acham que aqueles foram “anos de chumbo” — ou sequer lembram de algum incômodo causado em seu dia-a-dia pelo “regime”. Mais de 60% da população atual do Brasil, ou acima de 125 milhões de pessoas, têm até 40 anos de idade. Nenhuma delas era viva quando o AI-5 foi revogado e as liberdades públicas e privadas foram restabelecidas. Porque essa gente toda iria achar que o governo militar é uma questão fundamental em suas vidas? Não é. Não vai ser nunca.

Os chefes militares foram responsáveis por mortes, torturas e prisões ilegais. Claro que foram: o AI-5 não aboliu o Código Penal, nem tornou legal o homicídio. Como cometer crimes sem autorização superior? Todos achavam, aliás, que estavam fazendo muito bem — na sua visão, havia simplesmente um inimigo a eliminar. Não vão mudar de ideia. Esperam, ao contrário, que o tempo traga cada vez mais gente para o seu lado.

Por J.R. GuzzoPublicado na edição impressa de VEJA

Visite minhas comunidades na Rede .Link: