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domingo, 1 de dezembro de 2019

NUNCA ATRIBUA A MÁS INTENÇÕES O QUE É DEVIDAMENTE EXPLICADO PELA BURRICE




Se Bolsonaro recrutou boa parte de seu ministério em algum manicômio, como sugeriu recentemente o site Sensacionalista, não sou em quem vai dizer. Mas é impossível negar que, noves fora Paulo Guedes, Sérgio Moro e mais algumas honrosas exceções, o nível na Esplanada dos Ministérios deixa muito a desejar. Que o digam Damares Alves, , Ernesto Araújo, Ricardo Salles, Marcelo Álvaro Antonio e distintíssima companhia.

Felizmente, fomos poupados do vexame de ver zero três ser agraciado com o posto mais importante da diplomacia mundial simplesmente por ser filho do pai e por ter fritado hambúrgueres no estado norte-americano do Maine, 14 anos atrás, numa unidade da rede de fast food Popeyes, que é especializada em frango frito e não tem hambúrguer de carne bovina no menu.

ObservaçãoSabotado no Congresso, que ainda não aprovou seu pacote anticrime (e tudo indica que não aprovará), o ministro da Justiça tem provado competência no serviço em dados que mostram a redução de 22% dos assassinatos violentos nos primeiros meses de 2019 comparados com igual período no ano anterior. Enquanto é atacado por políticos assustados com a possibilidade de serem acusados na Lava-Jato, o ex-juiz paranaense deixa claro nos números da violência, com 8.663 vidas poupadas de brasileiros, que essa falácia de Lula e de Gleisi Hoffmann de que deve ser inocentado e ter sua condenação suspensa deveria ir direto para o lixo da História.

Abraham Weintraub assumiu a pasta da Educação depois que o Capitão Caverna finalmente defenestrou Ricardo Vélez Rodriguez, o teólogo, filósofo, ensaísta e professor colombiano naturalizado brasileiro que foi indicado para o posto por ninguém menos que o ex-astrólogo Olavo de Carvalho, tido e havido como guru do clã presidencial. Mas tem de ser demitido imediatamente. Sua errática gestão — se assim pode ser chamada — à frente de um dos mais importantes Ministérios já seria razão suficiente para sua substituição por quadros mais qualificados, e estes não faltam no País. Mas há outra razão, muito mais séria, que torna a sua permanência no cargo uma indignidade.

Não é de hoje que Weintraub se porta em desacordo com a decência que deve pautar a conduta de um servidor do primeiro escalão da República. O ministro já veio a público exibir cicatrizes para justificar seu baixo rendimento acadêmico e já dançou segurando um guarda-chuva para fazer troça de cidadãos críticos às suas políticas para a área de educação. Também já são bastante conhecidas suas discussões infantis no Twitter. Mas até para os padrões do bolsonarismo — que estabeleceu novo patamar de insalubridade nas redes sociais — o ministro cruzou a linha vermelha.

No feriado da República, Weintraub se pôs a defender a monarquia na rede social. A Constituição não o proíbe de ter a opinião que for sobre as formas de governo, mas, em se tratando de um ministro de Estado, manifestar predileção pela monarquia é, no mínimo, uma conduta inapropriada.

Weintraub foi além. Acometido por algo próximo de um “surto antirrepublicano”, classificou como “infâmia” a proclamação de 15 de Novembro de 1889 e passou a desfiar uma série de aleivosias contra personagens da história brasileira ligadas ao movimento republicano. Uma pessoa que acompanha suas postagens no Twitter comentou: “se voltarmos à monarquia, certamente você será nomeado o bobo da corte”. A resposta do ministro da Educação mal educado não se fez esperar:  Uma pena. Eu prefiro cuidar dos estábulos. Ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”. Diante da agressividade da resposta de Weintraub, outro cidadão, em tom jocoso, disse “ter encontrado o seu bom senso na rua, que lhe mandou lembranças”. Mais uma vez, o ministro desceu ao rés do chão: “Quem (sic) bom. Agora continue procurando o seu pai”.

Não são palavras que se supõe proferidas por um ministro de Estado, mas por um grosseirão. É admissível que o ministro da Educação pudesse ter usado um canal público de comunicação, como hoje é o Twitter, em especial para este governo, para estabelecer um debate com a sociedade sobre os desafios que o regime republicano certamente tem de enfrentar passados 130 anos de sua vigência no País. Mas, para tanto, ele teria de ser outra pessoa.

Em outro momento de rara inspiração, Weintraub achou por bem classificar o marechal Deodoro da Fonseca como um “traidor” da Pátria e compará-lo ao ex-presidente Lula. Diante de uma estultice dessa natureza, na melhor hipótese, o ministro está absolutamente desinformado. Na pior, trata-se de alguém que se move por ressentimento, revanchismo e má-fé. Mas convém não atribuir a más intenções o que é devidamente explicado pela burrice. Enfim, seja como for, sua permanência à frente do Ministério da Educação é um enorme desserviço ao País.

Especula-se que Weintraub tenha sido escolhido para substituir Ricardo Vélez Rodríguez justamente para adotar esse comportamento, digamos, mais “combativo” à frente do Ministério da Educação. A ser verdade, esse modo de proceder pode muito bem ser mais uma fagulha a manter acesa a chama da militância bolsonarista nas redes sociais, mas chegará o momento em que o presidente da República precisará de uma rede de apoio muito mais ampla do que as chamadas “milícias virtuais”. Não será mantendo no cargo um ministro que avilta as tradições do Exército brasileiro e as mais comezinhas regras de conduta social que Bolsonaro atingirá o objetivo. Os brasileiros de bom senso, independentemente de suas predileções políticas, hão de estar estarrecidos com a mais recente explosão do ministro da Educação. Se ainda assim Abraham Weintraub não for substituído, o que mais pode vir?

Com O Estado (Editorial de 19/11/2019)

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A APROVAÇÃO DA PEC PREVIDENCIÁRIA, MAIS SOBRE LULA EM CURITIBA, A VISÃO BITOLADA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


A votação em segundo turno da reforma da Previdência foi eclipsada pelo decisão da juíza federal Carolina Lebbos, que, na última quarta-feira, a pedido da PF, determinou a transferência de Lula para "um presídio em São Paulo" (detalhes na postagem anterior). Mas o fato é que no final da noite da mesma quarta-feira, após quase mais de nove horas de debates, a Câmara rejeitou os oito destaques apresentados pela oposição, que buscavam retirar alguns pontos do texto aprovado na madrugada anterior. O presidente da Casa, Rodrigo Bolinha Maia (ou Botafogo, como o deputado figurava nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht), agradeceu aos partidos aliados e disse que aprovação do texto foi consequência de um "trabalho coletivo" — e com toda razão: se dependesse de Bolsonaro... Enfim, o texto seguirá para o Senado, onde deve começar a tramitar na próxima semana e, se tudo correr bem, ser aprovado em dois turnos antes do final de outubro.

O mercado financeiro reagiu de forma positiva à aprovação do texto e à rejeição dos destaques. O índice Bovespa se recuperou da queda da última terça-feira e iniciou a quinta em alta (no momento em que estou concluindo este posts, o B3 está em alta de 1,25%, a mais de 104 mil pontos). Vale lembrar que a instabilidade do mercado se deveu em grande medida à guerra fiscal entre EUA e China, mas, durante a madrugada de ontem, o governo chinês anunciou dados surpreendentemente bons para sua balança comercial, com crescimento das exportações na casa dos 3% em julho em relação ao mesmo mês de 2018, ante previsões de uma queda de 2%. Os EUA também ofereceram algum alívio aos investidores, já que o presidente do Federal Reserve de Chicago sinalizou a possibilidade de um novo corte na taxa de juros norte-americana, após a redução anunciada na semana passada.

Na Europa, o Banco da França anunciou em sua pesquisa de julho que a segunda maior economia do continente pode ter acelerado seu crescimento. Segundo análise da revista Exame, são fagulhas de boas notícias, mas às quais os investidores devem se agarrar após a leva de decepções dos últimos dias. No Brasil, a aprovação sem alterações do texto base da reforma da Previdência na Câmara desanuvia em parte as incertezas para a Economia, mas atenções agora se voltam para o Senado, onde um grupo de parlamentares fala em trazer de volta a capitalização, em retirar as isenções e em incluir estados e municípios no projeto. A ver.

Ainda sobre a decisão do STF sobre a transferência de Lula, cabe um contraponto ao que eu disse no post anterior: na avaliação de Merval Pereira, fizeram bem os ministros em manter o condenado preso em Curitiba. Não tinha cabimento o pedido da defesa e do PT, para que Lula fosse libertado devido à decisão da juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do ex-presidente petralha pelo caso do tríplex.

É bom lembrar que Zanin e companhia já haviam pedido anteriormente a transferência do petista para São Bernardo do Campo, onde ele ficaria perto da quadrilha, digo, da família, e aproveitaram a autorização de sua transferência para tentar, mais uma vez, libertar o criminoso — e, mais uma vez, não obtiveram sucesso, como comprova o placar de 10 a 1, ainda que  o único voto discordante — do ministro Marco Aurélio, para quem o recurso deveria ter sido encaminhado ao TRF-4, que decretou a prisão em segunda instância — me pareça o mais adequado à situação.

Vale lembrar, também, que a legislação brasileira não contempla réus condenados, que estão cumprindo pena, com o direito à prisão especial: ex-governadores, ex-ministros, deputados, senadores e distintíssima companhia estão todos em prisão comum, inclusive os que ainda não foram condenados. Mas o caso de Lula é uma situação sem precedentes. Collor e Dilma foram penabundados do Planalto, mas mantiveram as regalias inerentes à condição de ex-presidentes, como assessores e carros à disposição — que Lula só perdeu quando foi condenado em segunda instância. 

Dada a possibilidade de esses dois ex-presidentes (além de Michel Temer) serem condenados e passarem a cumprir pena, talvez esteja na hora de discutir esse tipo de privilégio à luz do preceito constitucional de que todos são iguais perante a lei. É certo que nosso sistema prisional é ultrapassado, que os presídios estão superlotados e que a ressocialização dos presos é uma balela. Mas a prova provada de que a iniquidade campeia solta em nossa sociedade é fato de o maior líder populista surgido nos últimos tempos — e seus abilolados apoiadores — considerar que ir para uma prisão comum é uma tentativa de aniquilá-lo. Por outro lado, num país em quase 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se pode esperar que o exercício intelectual seja o esporte nacional.

Se o chanceler Ernesto Araújo — que, a exemplo de Bolsonaro e respectiva prole, bebe da sabedoria do escritor, ideólogo e ex-astrólogo Olavo de Carvalho — tivesse escutado uma explanação do então presidente Lula, não teria dúvidas de que a Terra é redonda. Enquanto o guru de festim afirma que ainda não encontrou explicações cientificas convincentes de que a terra seja redonda, embora advirta que não se debruçou detalhadamente sobre o tema, Lula explicou: “Freud dizia que havia várias coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries. Essa questão do clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo. Se o mundo fosse quadrado, ou retangular, e a gente soubesse que nosso território está a 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores, ótimo, vai ficar por lá. Mas como o mundo gira, e a gente também passa lá embaixo nos lugares mais poluídos, a responsabilidade é de todos”. Nem Dilma teria feito melhor.

Para concluir: Dias atrás, o porta-voz da presidência afirmou que os filmes financiados pela Ancine devem ter o espírito cristão, que é o da sociedade brasileira. Mas é impensável achar que o Estado só pode financiar filmes que correspondam ao pensamento do presidente. O país não pode ser liderado por uma visão personalista e voluntarista como a de Bolsonaro, que não tem parâmetros, e sim interesses pessoais. Ele vive em torno da família e dos amigos, e quem não está nesse grupo é visto como fora do padrão, não confiável. Sobre o comportamento do presidente, um texto de Rodrigo Constantino fecha esta postagem com chave de ouro:

As redes sociais deram voz aos idiotas de todos os tipos, perfis e ideologias. Andando em bando ou no anonimato, eles se sentem confortáveis para disseminar seu ódio, extravasar seu recalque, transformar sua mediocridade pessoal em arma contra todos aqueles que se mostram superiores, independentes, com autoconfiança.

Anos de petismo produziram um sentimento, compreensível, de revolta profunda, alimentando um desejo de vingança. No encontro entre as redes sociais e esse sentimento difuso, criou-se o fenômeno do bolsolavismo, uma “direita” que se define basicamente por aquilo que odeia, a esquerda. Não há desejo de construção, mas sim de destruição. E como se parecem, nos métodos, com aquilo que pretendem destruir!

Ao perceber isso, muitos liberais e conservadores foram se afastando do governo Bolsonaro. Afinal, trata-se de um pacote: para levar Guedes é preciso levar também essa gente que baba de ódio e quer guerra permanente contra os inimigos — todos aqueles que não aderem totalmente ao bando. O governo Bolsonaro, porém, não é sua militância olavete nas redes sociais. Mas quem conhece essa turma tem calafrios só de imaginar sua crescente influência no governo.

O receio com o autoritarismo, portanto, é legítimo. Não é “fascismo imaginário”, como alguns alegam. É projeção desse grupo se alastrando e tomando conta do todo, inclusive jogando para escanteio aqueles mais moderados e pragmáticos que insistem em lutar pelo país em meio aos boçais. Eles se acham “machões”, mas não passam de brutamontes truculentos sem qualquer noção do que seja conservadorismo.

domingo, 9 de junho de 2019

FESTIVAL DE DESPISTES OU BARAFUNDA DE UM GOVERNO SEM RUMO?


O STF decidiu que o governo pode vender subsidiárias de empresas estatais ou mistas sem a autorização do Congresso. A venda das estatais propriamente ditas, no entanto, continua exigindo o aval Legislativo. Há quase 418 estatais no Brasil, enquanto países como Suíça, Japão e Áustria, têm, respectivamente, 4, 8 e 10. Em sua esmagadora maioria, as estatais tupiniquins não passam de cabides de emprego.

Os Correios, por exemplo, são hoje a mais completa tradução da ineficiência, do apadrinhamento político e da falta de seriedade em lidar com a coisa pública. Entre 2013 e 2018 foram mais de 3 bilhões de reais de prejuízo (e o número só não foi pior porque o governo de Michel Temer tomou algumas medidas saneadoras). O mesmo resultado negativo ocorre com seu fundo de pensão, o Postalis, que apresenta um rombo atuarial de 11,5 bilhões de reais. No total, essa estrutura paquidérmica custa nada menos que 18 bilhões de reais por ano ao combalido caixa da União. Sem conseguir acompanhar a concorrência, a empresa terá seu valor de mercado brutalmente reduzido em cinco anos. Ou seja: o ideal seria privatizá-la o quanto antes, enquanto ela ainda oferece alguma atratividade aos potenciais compradores.

Observação: Manter estatais sob o guarda-chuva do Estado interessa àqueles que querem utilizar a política em proveito próprio, dado o manancial de cargos e, consequentemente, de verbas que elas representam. Não por acaso existe uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores em defesa da manutenção da estatal. Vale lembrar que todo o processo do mensalão nasceu a partir da CPI dos Correios, depois que um de seus diretores, Maurício Marinho (uma indicação do PTB), foi filmado recebendo um maço de notas para direcionar a compra de serviços de determinada companhia. 

Seja como for, a decisão do Supremo representou uma vitória para o Palácio do Planalto, que, sem articulação política que se preze e com as torneiras do “toma-lá-dá-cá” pingando, e não mais jorrando como nos governos anteriores, tem sofrido uma caudalosa sucessão de derrotas no Congresso.

Mudando de pato para ganso, Lula se tornou réu mais uma vez na Justiça Federal do DF, onde já respondia a outros quatro processos. Na última quinta-feira, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira aceitou nova denúncia do MPF (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro) contra ele e seus ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, além do empresário Marcelo Odebrecht. Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, também entrou na dança, mas, como tem direito a foro privilegiado, ela foi denunciada pela PGR, cabendo ao Supremo aceitar ou não a denúncia.

Observação: É a décima vez que Lula se torna réu. São sete ações penais  sub judice na primeira instância da JF em Brasília, Paraná e São Paulo. No processo sobre o tríplex no Guarujá, o petralha foi condenado em primeira, segunda e terceira instâncias; no da cobertura em SBC e do terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos, aguardando a decisão do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Sérgio Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba; no do sítio em Atibaia, ele foi condenado pela juíza substituta Gabriela Hardt no início deste ano, e o TRF-4 deve julgar a qualquer momento o recurso interposto pela defesa.

A morosidade da Justiça brasileira é desalentadora. Para piorar, mesmo condenado em dois processos e respondendo a outros oito, Lula é considerado réu primário até que pelo uma das sentenças condenatórias transite em julgado. No Brasil, a primariedade é ligada ao processo, e não à realidade, à reiteração criminosa. Para alguns togados supremos isso é homenagear a Constituição, mas na verdade esse entendimento estapafúrdio favorece a impunidade e permite que políticos e empresários corruptos paguem milhões em honorários a criminalistas estrelados (com o dinheiro da corrupção, o que só agrava o quadro) para ter direito a apelos, recursos, embargos e toda sorte de chicanas protelatórias visando eternizar a tramitação dos processos. E Lula pode acabar cumprindo a pena em prisão domiciliar, já que, por questões de logística e de segurança, o regime semiaberto não é uma opção.



Mudando agora de ganso para marreco, o presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. "Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência", disse. Alguns objetariam à qualificação de "povo" para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão  deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um "pacto pelo Brasil". Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades  ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?

Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?

A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os R$ 133 600 que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série  seriam 37, segundo as últimas contas do MP-RJ  que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

O "pacto pelo Brasil" discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de "embromation".

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Texto de Roberto Pompeu de Toledo publicado em VEJA # 2637

quarta-feira, 8 de maio de 2019

COISAS DO BRASIL



Jair Bolsonaro atribui sua vitória a Carluxo, que a credita a Olavo de Carvalho, quando na verdade ela se deveu a uma conjunção de fatores, dentre os quais o antipetismo, a facada de Adélio, a indignação popular contra o establishment e o apoio dos evangélicos, apenas para ficar nos principais.

A questão é que o capitão foi empossado há 16 semanas e ainda não começou a governar de fato — ao contrário do diligente príncipe herdeiro 02, que “vem se matando literalmente” para fazer Brasil dar certo, com milhares de tuítes disparados a partir da conta do pai. Com seu poderoso iPhone nas mãos, o pitbull palaciano provocou a demissão de Gustavo Bebianno, semeou a cizânia entre o Planalto e a presidência da Câmara, atacou duramente general Hamilton Mourão e, mais recentemente, passou a bater também no general Santos Cruz — dizem que por influência do guru do clã dos Bolsonaro, que puxa os cordéis lá da Virgínia (EUA) enquanto chupa alegremente seu cachimbo (não me pergunte o que ele coloca no fornilho).

Em março, Santos Cruz chamou o ex-astrólogo e autodeclarado filósofo de “desequilibrado” por criticar o vice-presidente e dizer que os militares do governo têm “mentalidade golpista”. Em resposta, Olavo disse que o general “simplesmente não presta.” Em abril, zero dois chancelou a indicação do empresário Fabio Wajn­garten para o comando da Secretaria de Comunicação, derrubando Floriano Amorim, com quem Santos Cruz mantinha um bom relacionamento. A troca produziu — e ainda produz — faísca no setor. 

O ex-comandante do Exército e assessor especial do Gabinete Institucional de Presidência, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do colega de Santos Cruz depois de Santos Cruz sido chamado de “merda” por Olavo de Carvalho, para quem "ninguém votou para ter um governo de generais tucanos". No meio do tiroteio, Bolsonaro, pusilânime, dá uma no cravo e outra na ferradura mas precisa mostrar sem rodeios com qual dos blocos se alinha. Ontem, em São Paulo, o filho Eduardo reputou “normais” as críticas feitas a militares aliados do presidente da República por ele próprio, pelo irmão Carluxo e, sobretudo, por Olavo de Carvalho.

Segundo o zero três, é natural que quem não esteja alinhado com o papai presidente fique sujeito a qualquer tipo de ataque. Também adepto à prática do “tiro ao general”, ele mirava em Mourão e em Santos Cruz, mas acertou Eduardo Villas Bôas — torpemente rebaixado pelo guru presidencial a “um doente numa cadeira de rodas” — e, por tabela, Augusto Heleno. Segundo Augusto Nunes, Villas Bôas teve uma participação fundamental na caminhada que o levou Bolsonaro ao Planalto, e ambos dividem segredos de tão grosso calibre que o capitão prefere levá-los para o túmulo. Por tudo isso e muito mais, o presidente precisa decidir se está com os atacantes ou com os agredidos.

Militares com cargos no primeiro escalão do governo disseram ao Estadão que estão apreensivos com a “falta de pulso” do chefe do Executivo para enquadrar seus filhos e seu guru, que a situação chegou “no limite” e que eles só não deixam o governo com receio do que pode acontecer no País (clique aqui para ler a matéria completa). Bolsonaro & Filhos depositam no "professor Olavo" um poder que, na prática, ele nunca teve, mas que lhe infla o ego e reforça a narrativa de constante combate contra “terríveis forças do mal”. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país. O PT foi derrotado; Bolsonaro está no poder. Agora, a prioridade é outra, a pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não se dar conta disso, e o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo. 

Bolsonaro vem tentando minimizar as rusgas com o vice-presidente — visto pela prole real como potencial usurpador, embora o que ele tem feito seja apenas preencher as lacunas deixadas em aberto pelo menos preparado titular (vale lembrar que o poder abomina o vácuo). O clima é de bagunça geral, graças, sobretudo, aos pimpolhos de ouro, com destaque para o 02, que é o mais incisivo nos ataques. Enquanto isso — e talvez até por isso — a reforma previdenciária patina, a proposta anticrime e anticorrupção não avança (e como poderia avançar se não existe articulação política e o Congresso está infestado de corruptos?) e os índices de aprovação da atual gestão despencam, já que a população precisa de emprego, não de assistir impotente a templários travando uma batalha no Twitter. Isso me faz lembrar de um velho adágio dos marinheiros, segundo o qual “um comandante pilota o navio, mas dois comandantes afundam o navio”.

ObservaçãoO alto comando militar do governo fechou um acordo nesta terça-feira, 7, em almoço com o presidente, de não responder mais a Olavo de Carvalho. No entendimento dos participantes do encontro, a nota do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas foi suficiente para responder às provocações do escritor. E se o guru do presidente faz muito barulho nas redes sociais, não chega a afetar na prática o andamento do governo. 

A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez mais seus apoiadores se resumem a bolsomínions — seleta confraria de baba-ovos que agem tal e qual os militantes de esquerda, só que com o sinal trocado. Há até quem chegue a dizer que seria melhor termos o general Mourão como presidente, o que chega a ser espantoso, sobretudo porque muitos brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam a volta da esquerda ao poder, a despeito do receio de, em elegendo o capitão, estariam abrindo as portas para a volta da ditadura militar. Curiosamente, é justamente o núcleo militar que menos problemas tem criado para o presidente. Coisas do Brasil, que há décadas avança aos trancos e barrancos, não graças a seus governantes, mas apesar deles.

Segundo Dora Kramer, este não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. A questão é que o problema, com as consequências, é que elas vêm depois. Bolsonaro parece não saber como as coisas funcionam. Não sabia, por exemplo, que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente. Ou que dos chineses depende boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial. Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.

Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada. De tanto errar, provocar, e com isso abrir espaço para as questões das quais discorda, vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

PEC DA PREVIDÊNCIA NA CCJ — A HORA DO TOMA-LÁ-DÁ-CÁ


Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos graças ao discurso antipetismo, anticorrupção e anti velha política. Uma vez empossado, desperdiçou os 100 primeiros dias de mandato com estultices que minaram sua popularidade e emperraram a tramitação do seu principal projeto e sustentáculo de governo.

Se tudo tivesse seguido o script, a reforma da Previdência estaria concluída no final deste semestre. Pelo andar da carruagem, devemos nos dar por felizes se até lá ela tiver sido aprovada na CCJ e na Comissão Especial da Câmara. (Na CCJ, a PEC pode ser aprovada amanhã — desde que o PT e seus satélites não atrapalhem e o governo renegocie a idade mínima, o benefício de prestação continuada e outras questões que nada têm a ver com a admissibilidade da proposta e só deveriam ser debatidas na próxima fase).

Quase quatro meses depois de ter subido a rampa, o capitão continua com os dois pés no palanque, fiel ao discurso que lhe rendeu bons resultados na campanha. Mas treino é treino e jogo é jogo; a partida começou pra valer em janeiro e o centroavante não se deu conta de que, neste nosso presidencialismo de cooptação, é impossível governar sem uma sólida base de apoio político-partidária. E Bolsonaro deveria saber disso melhor que ninguém, pois passou os últimos trinta anos no baixo-clero da Câmara, convivendo com deputados em sua maioria fisiologistas, useiros e vezeiros em colocar interesses pessoais ou corporativistas à frente das instâncias nacionais.

Com mais de 30 partidos dispostos ao casamento — a depender do dote, naturalmente —, o presidente se nega a fatiar o governo que montou a partir dos núcleos que comandaram sua exitosa campanha (militares, ruralistas, liberais, olavistas, evangélicos e familiares) e recheou com ministros heterodoxos e, salvo honrosas exceções, de uma parvoíce asinina. Alguém precisa lembrá-lo de que, sem uma base sólida de apoio, governar esta banânia é tão impraticável quanto calçar sapato em minhoca.

Observação: Todos os ex-presidentes da “nova república” se renderam ao sofisticado sistema de escambo em que cargos, verbas, emendas e ministérios são trocados por apoio parlamentar à pauta do governo. O famoso toma-lá-dá-cá sempre existiu, e quem se rebelou acabou defenestrado — caso dos abantesmas Fernando Collor e Dilma RousseffPode-se não gostar de Michel Temer, mas não se pode deixar de reconhecer sua invejável habilidade em negociar com o Congresso. Basta lembrar quão rapidamente foram aprovadas as reformas que ele chegou a propor antes de ser abatido em seu voo de galinha pelo moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ou como ele conseguiu sobreviver aos petardos de Janot, ainda que para isso tenha se tornado refém dos congressistas terminado seu mandato-tampão melancolicamente, com os piores índices de popularidade já registrados na história desta República.  

Com uma sutileza digna de rinoceronte em loja de cristais, Bolsonaro travou uma queda de braço tão pueril quanto despropositada com o presidente da Câmara — o que lhe rendeu a aprovação em tempo recorde do orçamento impositivo das emendas coletivas e “inflacionou o mercado futuro”, como se nota dos obstáculos que os parlamentares vêm espalhando ao longo do tortuoso caminho da reforma previdenciária. Outro sinal claro do Congresso ao presidente foi o massacre infligido pela oposição a Paulo Guedes durante uma sessão na CCJ, sem que absolutamente ninguém da base aliada acorresse em seu socorro. Por que os deputados supostamente aliados não se manifestaram? Para sinalizar ao governo que não abrem mão do toma-lá-dá-cá, e que, se não receberem o que desejam (exigem?), o tão sonhado R$ 1 trilhão de economia nos próximos dez anos cairá para uns R$ 800 milhões, e olhe lá. Nesse patamar, a reforma da Previdência certamente voltaria à baila no próximo governo ou no seguinte, e novos e emocionantes capítulos dessa novela continuariam se sucedendo sem cessar.

Bolsonaro está usando algo vital para o país como balão de ensaio, o que pode colocar em xeque seu futuro político. Muitos acreditam que o chefe do Executivo se curvará ao sistema de trocas, até porque é possível fazê-lo sem enveredar pelo caminho da corrupção, mas isso é conversa para outra hora. Se continuar peitando os parlamentares, o capitão estará como que os estimulando a buscar ainda mais independência, e o resultado será inevitavelmente a instabilidade, embora tenha como consequência positiva a possível adoção do parlamentarismo no Brasil, claro que não amanhã ou na próxima eleição, mas daqui a alguns anos. Aliás, nosso esclarecidíssimo eleitorado já perdeu esse bonde uma vez, no plebiscito de 1993. Se aprendeu alguma coisa desde então, isso é o tempo que irá dizer.

Para encerrar: No post da última sexta-feira eu comentei en passant que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guro de meia pataca Olavo de Carvalho, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Jair Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.