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quinta-feira, 6 de junho de 2019

O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.



Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente entenderá por quê.

Um brasileiro morreu e foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour” pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha discrepância. "Entra aí e cala o bico", respondeu-lhe o último da fila. "Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta merda..."    

Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz federal Marcelo Bretas, evangélico e responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido  como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos que norteiam a nomeação de seus membros.

Deixando de lado o STF e focando na conturbada relação do chefe do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza meridiana) com o Congresso (onde o percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem a ver com a folclórica “regra de ouro” — criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a governabilidade deste arremedo de país.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha, seu Posto Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê obrigado a elevar preces ao Altíssimo para que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas. Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao Plano Safra, e até para a conta de luz. 

Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo, ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é aqui... e não funciona”.

Bolsonaro, que passou as três últimas décadas como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante em abastecer no seu Posto Ipiranga, haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá. 

Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR (1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC (2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.

Em entrevista à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio, que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ .

Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou  de “nosso presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara, onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades” de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.

Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse governo, Bolsonaro gasta seu tempo defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!

domingo, 5 de maio de 2019

DEU NÓ NO BRASIL (ou: O RAIO DO PAPEL)



Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. 

Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.

Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.

É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo “critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?

A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”. Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.

Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao general Santos Cruz. Dá para entender o nó, não é mesmo?

Texto de J.R. Guzzo.

terça-feira, 23 de abril de 2019

AINDA SOBRE A PEC DA PREVIDÊNCIA

ATUALIZAÇÃO - 17h30: 

A 5ª Turma do STJ iniciou o julgamento do REsp de Lula pouco depois das 14 h desta terça-feira. O primeiro a votar foi o ministro Felix Fisher, relator do processo, que já havia rejeitado o recurso monocraticamente, mas agora votou favoravelmente à redução da pena para 8 anos 10 meses e 20 dias de prisão, no que foi acompanhado pelos ministros Jorge Mussi e Reynaldo Soares e Marcelo Navarro Ribeiro Dantas
Pelo Código Penal, Lula pode pedir progressão da pena para o regime domiciliar ou semiaberto após cumprir 1/6 da sentença — o que se dará em setembro próximo. Até lá, se a condenação a 12 anos e 11 meses referente ao sítio de Atibaia for ratificada pelo TRF-4 (e é isso que se espera), o pulha continuará preso em regime fechado. 
Demais disso, ora condenado no STJ, o ex-presidente petralha continuará preso, mesmo que o STF mude a jurisprudência sobre a condenação em 2ª instância e decida que o cumprimento provisório da pena seja iniciado após decisão de terceira instância
Lula ganhou na foice, mas perdeu no machado.

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O objetivo precípuo dos parlamentares é a reeleição. É por isso que eles não se arriscam a contrariar o eleitorado para aderir a apelos emocionais do presidente e de seus ministros (a menos que sejam recompensados por recursos políticos que neutralizem esse risco). E mesmo sabendo que 9 de cada 10 eleitores não lembram em quem votaram para deputado ou senador, e menos ainda como seus representantes votaram projetos de lei de interesse popular.

Jair Messias Bolsonaro sabe melhor que ninguém o que move o baixo-clero da Câmara, até porque fez parte dessa seleta confraria por quase 30 anos. Curiosamente, subir a rampa do Planalto o fez esquecer a importância de uma coalizão de partidos para assegurar a aprovação da agenda do governo. Sobretudo as propostas de emenda constitucional, como a previdenciária, que precisam de 60% dos votos para ser aprovadas. E não há governabilidade possível se o presidente contar apenas com os votos de seu partido, que representam apenas 10% da Câmara e menos que isso no Senado.

Em qualquer sistema político multipartidário, a coalizão é essencial, tanto para garantir a coordenação e a coesão necessárias para obter os votos favoráveis, quanto para promover o compartilhamento do poder. Isso implica o uso de “moedas de troca”, particularmente a distribuição de cargos, e não se trata necessariamente de corrupção. Mas o presidente parece prisioneiro de seu discurso de campanha e das declarações de que não cederá ao “toma lá dá cá” das negociações políticas.

Promessas eleitorais podem ser relevantes para a vitória, e essa é uma delas. Mas insistir em mantê-las a ferro e fogo durante toda a gestão é o atalho mais curto para o fracasso. Pelo bem do país — e do próprio mandato —, Bolsonaro precisa construir uma narrativa que convença os eleitores da necessidade de ajustar o discurso à realidade, pois apelar para o patriotismo dos parlamentares é o segundo atalho mais curto para o fiasco deste governo (e do próxima, e do seguinte, pelo menos enquanto o presidencialismo não der lugar ao parlamentarismo como sistema de governo nesta republiqueta de bananas).

Bolsonaro erra quando diz que a melhor reforma da Previdência é aquela que passar no Congresso. Não é. O cenário mudará rapidamente para pior se a desidratação contrariar as expectativas do mercado, evidenciando que não será interrompida a marcha para o calote da dívida, isto é, o crescimento ininterrupto da relação dívida pública. Sem admitir e promover uma coalizão partidária coesa, o capitão pode amargar uma derrota que definirá, para pior, o futuro de seu governo e, por extensão, deste pobre país.

As negociações do governo com o chamado Centrão — grupo informal composto por PP, PR, PRB, DEM e Solidariedade — em busca de votos favoráveis à reforma da Previdência na CCJ da Câmara complicaram bastante. Já havia praticamente um acerto entre esses partidos e o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, para alterar pontos que não comprometessem a economia estimada pela equipe econômica, mas, segundo o Congresso em Foco, supostos cálculos sigilosos que embasaram a elaboração da proposta teria causado revolta entre deputados. Em princípio, havia um acordo sobre quatro pontos que não causam impacto na economia prevista de R$ 1,1 trilhão em dez anos, esperada com a aprovação da PEC. Com as notícias sobre o sigilo, porém, o Centrão voltou a pressionar pela restrição ao abono salarial e a desconstitucionalização, que já havia aceitado discutir apenas na comissão especial.

Atualização: Agora cedo, saiu a notícia de que deputados da oposição querem barrar a votação da admissibilidade da PEC na CCJ, como noticiou a RENOVA, alegando que a razão do sigilo em torno dos detalhes do projeto enviado pela equipe econômica é motivo para travar o avanço da reforma. O presidente da Câmara tranquilizou a tigrada dizendo que eles terão acesso aos dados detalhados que embasam a proposta de reforma. Pelo Twitter (que neste governo parece ser uma espécie de Diário Oficial informal), Rodrigo Maia postou a seguinte mensagem: “A CCJ é uma comissão apenas de admissibilidade. Conversei com o secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, e ele vai apresentar nesta quinta-feira os números que embasam a proposta antes da instalação da comissão especial.”

Ainda sobre essa reforma polêmica, mas indispensável, reproduzo um texto impagável do brilhante J.R. Guzzo:

Depois de ouvir ad nauseam toda essa discussão sobre a “reforma da Previdência”, você está achando que ela é “contra os pobres”? Ou acha que é exatamente o contrário? Ou, ainda, não acha nem uma coisa nem outra, até porque não tem mais paciência para continuar ouvindo essa conversa que não acaba mais? Anime-se: o professor gaúcho Fernando Schüler, conferencista e consultor de empresas, tem a solução definitiva para o seu problema.

Se a reforma da previdência fosse contra os pobres, explicou Schüler dias atrás, já teria sido aprovada há muito tempo, e sem a menor dificuldade. Pela mais simples de todas as razões: tudo aquilo que prejudica o pobre diabo que está tentando não morrer de fome, e não tem tempo para fazer “articulação política”, passa como um foguete da NASA pelas duas casas do Congresso deste país. Passa tão depressa, na verdade, e com tanto silêncio, que ninguém nem fica sabendo que passou.

A reforma proposta pelo governo só está encontrando essa resistência desesperada do PT, dos seus satélites e da massa da politicalha safada porque é, justamente, a favor dos pobres e contra os ricos. Cem por cento contra os ricos no caso, algumas dezenas de milhares de funcionários públicos com salário-teto na casa dos R$ 40 mil por mês, sobretudo nas camadas mais altas do Judiciário e do Legislativo. São esses os únicos que vão perder, e vão perder em favor dos que têm menos ou não têm nada.

Não parece possível, humanamente, eliminar de maneira mais clara as dúvidas sobre a reforma da previdência. Alguém já viu, em cerca de 200 anos de existência do Congresso Nacional, alguma coisa a favor de rico dar trabalho para ser aprovada? Ainda há pouco, só para ficar num dos exemplos mais degenerados do estilo de vida dessa gente, deputados e senadores aprovaram o pagamento de 1,7 bilhão de reais para a “campanha eleitoral de 2018” dinheiro vivo, saído diretamente dos seus impostos e entregue diretamente no bolso dos congressistas. São os mesmos, em grande parte, que viraram um bando de tigres para salvar os pobres da reforma.

Poderiam ser mencionados, aí, uns outros 1.000 casos iguais, em benefício exclusivo da manada que tem força para arrancar dinheiro do Erário. No caso da previdência a briga é para conservar os privilégios de ministros, desembargadores, procuradores, auditores, ouvidores, marajás da Câmara dos Deputados, sultões do Senado e toda a turma de magnatas que conseguem ganhar ainda mais que o teto e exigem, ao se aposentar, os mesmos salários que ganham na ativa algo que nenhum outro brasileiro tem.

Não adianta nada, com certeza, apresentar números, fatos e provas materiais que liquidam qualquer dúvida sobre a injustiça rasteira de um sistema que se utiliza da lei para violar o princípio mais elementar das democracias o de que todos os cidadãos são iguais em seus direitos e em seus deveres. A previdência brasileira determina, expressamente, que os cidadãos são desiguais; quem trabalha no setor privado, segundo as regras que se pretende mudar, vale menos que os funcionários do setor público e, portanto, tem de receber aposentadoria menor. Quando se demonstra essa aberração com a aritmética, a esquerda diz que as contas não valem, pois se baseiam em “números ilegais”. Não há, realmente, como continuar uma conversa a partir de um argumento desses e nem há mesmo qualquer utilidade prática em conversar sobre o assunto. Os defensores dos privilégios não estão interessados em discutir número nenhum; estão interessados, apenas, em defender privilégios. Por que raios, então, iriam perder seu tempo se aborrecendo com fatos?

O que existe, no fundo, é uma questão que vai muito além da previdência social. É a guerra enfurecida que se trava no Brasil para manter exatamente como estão todas as desigualdades materiais em favor das castas que mandam no Estado todas as desigualdades, sem exceção, e não apenas a aposentadoria com salário integral. Sua marca registrada é um prodigioso esforço de propaganda para fazer as pessoas acreditarem que o agressor está do lado dos agredidos e que qualquer tentativa séria de defender o pobre é uma monstruosidade que precisa ser queimada em praça pública.

Acabamos de viver, justo agora, um dos grandes momentos na história dessa mentira que faz do Brasil um dos países mais injustos do mundo quando o ministro Paulo Guedes foi à Câmara para explicar, com paciência de monge beneditino e fatos da lógica elementar, a reforma da previdência. O PT fez o possível para impedir o ministro de falar. Ao fim, tentou ganhar pelo insulto. Um deputado de segunda linha faturou seus 15 minutos de fama dizendo que Guedes era “tigrão com “os aposentados”, mas “tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país”.
A grosseria serviu para três coisas. Em primeiro lugar, fez o deputado ouvir que “tchutchuca é a mãe”. Em segundo lugar, levou o ex-presidente Lula a dizer, da cadeia, que estava “orgulhoso” com a agressão mais um sinal, entre tantos, do bem que ele fará pelo Brasil se for solto ou premiado com a prisão domiciliar. Em terceiro lugar, enfim, abriu mais uma avenida-gigante para se dizer quem é quem, mesmo, em matéria de “tchutchuca” com os ricos, parasitas e piratas neste país tchutchuca na vida real, como ela é vivida na crueza do seu dia a dia, e não na conversa de deputado petista. Aí não tem jeito: os fatos, e puramente os fatos, mostram que Lula, guiando o bonde geral da esquerda verde-amarela, foi o maior “tchutchuca” de rico que o Brasil já teve em seus 500 anos de história; ninguém chegou perto dele, e nem de forma tão exposta à luz do sol do meio dia. Pior: o ex-presidente não foi só a grande mãe gentil dos ricos. Foi também a fada protetora dos empreiteiros de obras bandidos, dos empresários escroques e dos variados tipos de ladrão que tanto prosperam em países subdesenvolvidos as criaturas do pântano, como se diz.

O desagradável desta afirmação é que ela tem teores mínimos de opinião; só incomoda, ao contrário, porque sua base é uma lista sem fim de realidades que há muito tempo estão acima de discussão. Vamos lá, então, coisa por coisa. Não há dúvida nenhuma, já que é preciso começar por algum lugar, que o maior corruptor da história do Brasil, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, passou de mãos dadas com Lula os oito anos de seu governo noves fora o paraíso que viveu com Dilma Rousseff. Quem diz que Odebrecht é um delinquente em modo extremo não é este artigo; é ele mesmo, que confessou seus crimes, delatou Deus e o mundo e por conta disso está preso até hoje em prisão domiciliar, certo, mas preso. Também não foi o seu filho, nem qualquer cidadão que você conheça, quem conseguiu receber 10 milhões de reais da empreiteira Andrade Gutierrez como investimento numa empresa de vídeo games. Foi o filho de Lula. Os 10 milhões sumiram; a empresa faliu. A Andrade Gutierrez lamenta: o negócio não deu certo, dizem eles, e a gente perdeu todo o dinheiro que deu para o Lulinha. Uma pena, não é? Mas acontece com as melhores empresas do mundo. O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, réu confesso, delator e hoje presidiário, foi o grande protetor e protegido de quem? De Lula a quem, por sinal, denunciou no fatal triplex do Guarujá. Querem mais? É só chamar o Google.

Em dezesseis anos de Lula e Dilma não se conhece um único caso de rico prejudicado pelo governo — a não ser os produtores rurais roubados pelos movimentos sociais do PT e outras vítimas da criminalidade oficial. Os banqueiros, por exemplo, jamais ganharam tanto dinheiro na história da economia brasileira como durante o reinado da esquerda. Não apenas foram protegidos contra qualquer espécie de concorrência liberdade econômica, no lulismo bancário, só vale na hora de deixar os bancos cobrarem os juros mais altos do mundo. Foram os maiores beneficiários da dívida pública alucinante que Lula e o PT tanto se orgulham de ter criado, pois na sua cabeça isso é sinal de que “o governo está se endividando para ajudar os pobres” quando na verdade faz a população pagar 100 bilhões de dólares por ano em juros que vão para os bolso dos rentistas, a começar pelos banqueiros.

Também não há precedentes de tanta caridade pública para empresários amigos quanto na era Lula-PT. Quem foi mais “tchutchuca” de Eike Batista, Joesley Batista e outros abençoados do BNDES? Quem inventou a Sete Brasil, uma das aberrações mais espantosas jamais criadas pelo capitalismo de compadres do Brasil? Do começo ao fim, foi apenas uma arapuca para vender sondas imaginárias à Petrobras e “ressuscitar a indústria naval brasileira” vigarice de terceira categoria que fez obras e empregos virarem fumaça quando a ladroagem toda veio abaixo.

A esses bem-aventurados da elite brasileira, de quem a esquerda se diz tão horrorizada, mas a quem serve com a devoção de moleque de senzala, juntam-se os ladrões puros e simples. Em que outra ocasião da história política do Brasil o roubo do Tesouro Nacional viveu dias de tanta glória como nos governos de Lula e seus subúrbios? Basta citar um nome para se entender o processo inteiro: Sérgio Cabral. Precisa mais? O homem soma quase 200 anos de prisão, confessou um caminhão de crimes e tornou-se o governador mais ladrão que a humanidade já conheceu. Mas foi um dos grandes heróis de Lula não se esquecerá jamais o mandamento público do ex-presidente, dizendo que votar em Cabral era um dever moral, ético e político. E quem foi o grande inventor de Antônio Palocci? Nada mais típico do que Palocci, transformado por Lula em vice-rei da sua Presidência. O cidadão se apresentava como “trotskista”, ou, tecnicamente, como militante da extrema esquerda. Roubou tanto, segundo suas próprias confissões, que jamais se saberá ao certo o prejuízo que deu. Só o apartamento em que mora em São Paulo, e onde cumpre hoje sua “prisão domiciliar”, vale mais que o patrimônio que 99% dos brasileiros vão obter durante todas as suas vidas. Isso não é ser rico? E se Palocci não é uma criatura de Lula, de quem seria, então?

A verdade é que durante todo o período em que a esquerda mandou no governo o Brasil continuou sendo um dos países de maior concentração de renda em todo o mundo. Em dezesseis anos de lulismo, foi massacrado sem trégua o principal instrumento de melhoria social que pode existir num país a educação pública. Pelos últimos dados do Banco Mundial, a média da população brasileira só vai atingir o mesmo índice de compreensão da matemática existente nos países desenvolvidos daqui a 75 anos. Essa é a boa notícia; em matéria de leitura, vamos precisar de mais 260 anos para chegar lá. É o resultado direto do abandono da educação dos pobres em benefício da educação dos ricos. Por conta dos programas de “democratização” da universidade de Lula e Dilma, o Brasil gasta quatro vezes mais por ano com um aluno da universidade pública, ou cerca de R$ 21 mil, do que com um garoto que está no ensino básico. Queriam o que, com essa divisão do dinheiro público que se gasta na educação?

Em matéria de ação pró-pobre, houve muita propaganda, muito filminho milionário de João Santana mais um réu confesso de corrupção mostrando a clássica família negra feliz-com mesa farta-carrinho na porta-tomando avião-etc., etc., mas essas fantasias quase só existiam na televisão. Dinheiro, que é bom, foi para o bolso dos nababos, dos Marcelos e Eikes e Geddels. Foi para ditadores da África o filho de um deles, por sinal, é um fugitivo da polícia internacional. Foi para obras em Cuba e na Venezuela. Foi para os “prestadores de serviço”, ONGs amigas e artistas da Lei Rouanet. Foi, num país de 200 milhões de habitantes, para os barões mais bem pagos de um funcionalismo público que já soma quase 12 milhões de pessoas entre União, Estados e Municípios 450.000 só nesse Ministério da Educação que produz a catástrofe descrita acima. Para a plebe sobrou o programa oficial de esmolas do Bolsa Família, ideal para perpetuar a miséria, ou pior que isso segundo o Banco Mundial, de novo, 7 milhões de brasileiros caíram abaixo da linha da pobreza apenas de 2014 para 2016. Quem gerou essa desgraça? Não foi o governo da Cochinchina, nem o ministro Paulo Guedes.

A situação fica definitivamente complicada para os pobres quando quem diz que está cuidando deles serve no exército do inimigo aqueles que têm como principal razão de sua existência, talvez a única, defender direitos e princípios que são apenas presentes pagos com o dinheiro de todos.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

PEC DA PREVIDÊNCIA NA CCJ — A HORA DO TOMA-LÁ-DÁ-CÁ


Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos graças ao discurso antipetismo, anticorrupção e anti velha política. Uma vez empossado, desperdiçou os 100 primeiros dias de mandato com estultices que minaram sua popularidade e emperraram a tramitação do seu principal projeto e sustentáculo de governo.

Se tudo tivesse seguido o script, a reforma da Previdência estaria concluída no final deste semestre. Pelo andar da carruagem, devemos nos dar por felizes se até lá ela tiver sido aprovada na CCJ e na Comissão Especial da Câmara. (Na CCJ, a PEC pode ser aprovada amanhã — desde que o PT e seus satélites não atrapalhem e o governo renegocie a idade mínima, o benefício de prestação continuada e outras questões que nada têm a ver com a admissibilidade da proposta e só deveriam ser debatidas na próxima fase).

Quase quatro meses depois de ter subido a rampa, o capitão continua com os dois pés no palanque, fiel ao discurso que lhe rendeu bons resultados na campanha. Mas treino é treino e jogo é jogo; a partida começou pra valer em janeiro e o centroavante não se deu conta de que, neste nosso presidencialismo de cooptação, é impossível governar sem uma sólida base de apoio político-partidária. E Bolsonaro deveria saber disso melhor que ninguém, pois passou os últimos trinta anos no baixo-clero da Câmara, convivendo com deputados em sua maioria fisiologistas, useiros e vezeiros em colocar interesses pessoais ou corporativistas à frente das instâncias nacionais.

Com mais de 30 partidos dispostos ao casamento — a depender do dote, naturalmente —, o presidente se nega a fatiar o governo que montou a partir dos núcleos que comandaram sua exitosa campanha (militares, ruralistas, liberais, olavistas, evangélicos e familiares) e recheou com ministros heterodoxos e, salvo honrosas exceções, de uma parvoíce asinina. Alguém precisa lembrá-lo de que, sem uma base sólida de apoio, governar esta banânia é tão impraticável quanto calçar sapato em minhoca.

Observação: Todos os ex-presidentes da “nova república” se renderam ao sofisticado sistema de escambo em que cargos, verbas, emendas e ministérios são trocados por apoio parlamentar à pauta do governo. O famoso toma-lá-dá-cá sempre existiu, e quem se rebelou acabou defenestrado — caso dos abantesmas Fernando Collor e Dilma RousseffPode-se não gostar de Michel Temer, mas não se pode deixar de reconhecer sua invejável habilidade em negociar com o Congresso. Basta lembrar quão rapidamente foram aprovadas as reformas que ele chegou a propor antes de ser abatido em seu voo de galinha pelo moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ou como ele conseguiu sobreviver aos petardos de Janot, ainda que para isso tenha se tornado refém dos congressistas terminado seu mandato-tampão melancolicamente, com os piores índices de popularidade já registrados na história desta República.  

Com uma sutileza digna de rinoceronte em loja de cristais, Bolsonaro travou uma queda de braço tão pueril quanto despropositada com o presidente da Câmara — o que lhe rendeu a aprovação em tempo recorde do orçamento impositivo das emendas coletivas e “inflacionou o mercado futuro”, como se nota dos obstáculos que os parlamentares vêm espalhando ao longo do tortuoso caminho da reforma previdenciária. Outro sinal claro do Congresso ao presidente foi o massacre infligido pela oposição a Paulo Guedes durante uma sessão na CCJ, sem que absolutamente ninguém da base aliada acorresse em seu socorro. Por que os deputados supostamente aliados não se manifestaram? Para sinalizar ao governo que não abrem mão do toma-lá-dá-cá, e que, se não receberem o que desejam (exigem?), o tão sonhado R$ 1 trilhão de economia nos próximos dez anos cairá para uns R$ 800 milhões, e olhe lá. Nesse patamar, a reforma da Previdência certamente voltaria à baila no próximo governo ou no seguinte, e novos e emocionantes capítulos dessa novela continuariam se sucedendo sem cessar.

Bolsonaro está usando algo vital para o país como balão de ensaio, o que pode colocar em xeque seu futuro político. Muitos acreditam que o chefe do Executivo se curvará ao sistema de trocas, até porque é possível fazê-lo sem enveredar pelo caminho da corrupção, mas isso é conversa para outra hora. Se continuar peitando os parlamentares, o capitão estará como que os estimulando a buscar ainda mais independência, e o resultado será inevitavelmente a instabilidade, embora tenha como consequência positiva a possível adoção do parlamentarismo no Brasil, claro que não amanhã ou na próxima eleição, mas daqui a alguns anos. Aliás, nosso esclarecidíssimo eleitorado já perdeu esse bonde uma vez, no plebiscito de 1993. Se aprendeu alguma coisa desde então, isso é o tempo que irá dizer.

Para encerrar: No post da última sexta-feira eu comentei en passant que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guro de meia pataca Olavo de Carvalho, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Jair Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.