quinta-feira, 6 de junho de 2019

O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.



Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente entenderá por quê.

Um brasileiro morreu e foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour” pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha discrepância. 
— Entra aí e fecha o bico —, respondeu-lhe o último da fila. — Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta merda...    

Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz federal Marcelo Bretas, evangélico e responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido  como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos que norteiam a nomeação de seus membros.

Deixando de lado o STF e focando na conturbada relação do chefe do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza meridiana) com o Congresso (onde o percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem a ver com a folclórica “regra de ouro” — criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a governabilidade deste arremedo de país.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha, seu Posto Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê obrigado a elevar preces ao Altíssimo para que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas. Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao Plano Safra, e até para a conta de luz. 

Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo, ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é aqui... e não funciona”.

Bolsonaro, que passou as três últimas décadas como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante em abastecer no seu Posto Ipiranga, haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá. 

Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR (1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC (2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.

Em entrevista à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio, que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ .

Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou  de “nosso presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara, onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades” de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.

Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse governo, Bolsonaro gasta seu tempo defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!