Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente
entenderá por quê.
Um brasileiro morreu e
foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada
pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos
eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles
eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de
merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora
em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas
duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour”
pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a
atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia
somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha
discrepância. "Entra aí e cala o bico", respondeu-lhe o último da fila. "Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta
merda..."
Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico
no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz
federal Marcelo Bretas, evangélico e
responsável pelos processos da Lava-Jato
no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação
dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido — como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na
minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência
desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação
ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais
alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos
que norteiam a nomeação de seus membros.
Deixando de lado o STF
e focando na conturbada relação do chefe
do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza
meridiana) com o Congresso (onde o
percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser
assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem
a ver com a folclórica “regra de ouro”
— criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não
sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a
governabilidade deste arremedo de país.
Quando Bolsonaro
ainda estava em campanha, seu Posto
Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova
administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê
obrigado a elevar preces ao Altíssimo para
que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas.
Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas
correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da
aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que
não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais
do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao
Plano Safra, e até para a conta de luz.
Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo,
ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é
agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar
o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro
não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias
de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que
infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é
aqui... e não funciona”.
Bolsonaro, que passou as três últimas décadas
como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment
parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista
convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante
em abastecer no seu Posto Ipiranga,
haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem
consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao
negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de
abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá.
Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número
de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está
implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente
por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR
(1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC
(2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu
descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.
Em entrevista
à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi
criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho
hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem
você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo
com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio,
que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador.
Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ ”.
Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz,
especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é
acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias
atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou de “nosso
presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os
bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes
eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara,
onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia
os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades”
de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito
para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.
Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos
ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse
governo, Bolsonaro gasta seu tempo
defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao
meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos
eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda
que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está
provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!