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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

COM JEITO VAI



A maior demonstração de que os vícios da velha política permanecem intactos num Congresso que se orgulha de ser “reformista” é a decisão de cortar verbas de impacto social, como para educação e saneamento, a fim de mais que dobrar o fundo eleitoral para a campanha das eleições municipais do ano que vem. 

Transformar o financiamento público de campanhas eleitorais em pretexto para reduzir os gastos sociais no orçamento federal é o típico comportamento de políticos que vivem numa redoma, descolados da sociedade que representam. A esquerda alega que criticar o valor gasto em eleições é criminalizar a política. A direita trabalha para a volta do financiamento privado. Todos se vêm como servidores públicos injustiçados pelas críticas, e gostariam que mais que dobrar a verba para suas campanhas eleitorais fosse visto pela sociedade como um investimento na democracia.

O aumento sugerido, de R$ 1,7 bilhão na eleição de 2018 para R$ 3,8 bilhões agora, foi um pedido de nada menos que 13 partidos (PT, PSDB, MDB, PSL, PSD, Solidariedade, DEM, Republicanos, PSB, PDT, PTB, PP e PL). O argumento inicial era de que as eleições municipais são mais amplas, e exigiriam mais dinheiro que uma eleição presidencial, de deputados federais e estaduais e senadores. Não satisfeitos, os políticos encontraram um jeito de mais que dobrar o fundo e, para tal aberração, foram buscar em áreas do orçamento o dinheiro que lhes faltava. 

O aumento, já aprovado em comissão, ainda tem de ser votado no plenário em reunião conjunta do Congresso. Se confirmado, as duas maiores bancadas, PT e PSL, juntas, terão quase R$ 800 milhões do fundo eleitoral, cerca de 20% do total para distribuir aos seus candidatos a prefeito e vereador.

Resumo da ópera: Para coibir a roubalheira privada, aumenta-se o saque ao orçamento público, como se não prejudicasse o país da mesma maneira. Especialmente num momento em que se pede sacrifícios à população. Teremos, ao final, mais uma crise, pois o líder do governo, Fernando Bezerra, garantiu que o Bolsonaro vetará qualquer aumento acima de R$ 2,5 bilhões.

Mudando de pato para ganso, há no ar uma forte impressão de que existem semelhanças entre o ambiente que levou à aprovação da Lei da Ficha-Limpa, há nove anos, e a atmosfera que se forma agora em torno das propostas de autorização de prisão dos condenados em segundo grau de Justiça, seja em lei ordinária, como se quer no Senado, seja na Constituição, conforme sugestão originária da Câmara.

A voz, ou melhor, a grita corrente, denuncia como manobra protelatória o acordo ainda não escrito entre os presidentes da Câmara e do Senado em prol da concentração de esforços na proposta de emenda constitucional cujo teor, em miúdos, dá à segunda instância o caráter de trânsito em julgado, podendo o réu recorrer de aspectos formais do processo, mas já sem direito pleno à liberdade dado o esgotamento do exame das razões de autoria e materialidade do crime.

O deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre estariam, por essa versão, mancomunados com a ala dita garantista do Supremo para fazer a proposta morrer de inanição. Isso porque a ideia defendida por senadores de alterar a legislação ordinária mediante mudanças no CPP seria mais fácil e rapidamente aprovada. Uma emenda constitucional precisa ser votada em dois turnos nas duas Casas e ainda contar com quórum qualificado de 308 deputados e 49 senadores para ser aprovada.

Ocorre que o mais fácil e rápido não necessariamente é o mais seguro. Um projeto de lei aprovado a toque de caixa poderia de novo esbarrar na cláusula pétrea sobre a presunção de inocência e ser derrubado no STF. Não poderia acontecer o mesmo com a emenda constitucional? Poderia, mas, a depender do encaminhamento da coisa, fica mais difícil.

A começar pela consistência de um procedimento resultante de entendimento entre Câmara e Senado. Por mais que admitamos a hipótese de os presidentes das Casas não morrerem de amores pelo assunto, como de resto deixaram bem claro quando o presidente do Supremo jogou a bola para o Congresso, há o peso do conjunto de deputados e senadores, cujos humores são tocados pela opinião pública em casos rumorosos como esse.

E, aqui, chegamos ao ponto inicial da nossa conversa sobre as semelhanças entre o ambiente que levou à aprovação da Lei da Ficha-Limpa e a atmosfera em torno da prisão depois do julgamento em segunda instância. Vejam que Maia e Alcolumbre não puderam deixar o assunto de lado. Foram obrigados a tocar o barco. Da mesma forma como os grandes partidos (PT, MDB e PSDB) da época, que em 2009 se viram forçados a abandonar a proposital indiferença à Ficha-Limpa.

A proposta de iniciativa popular com mais de 1,6 milhão de assinaturas (o triplo do exigido para a criação de partidos) simplesmente dormia em comissão na Câmara sob a vista grossa de suas excelências de governo e oposição. A maioria não queria saber do assunto, e tudo sugeria que não iria adiante até que entrou em cena a opinião do público, incensada por uma ampla campanha de entidades civis, já sob o clima do escândalo do mensalão, cuja denúncia da PGR havia sido aceita em 2007 pelo Supremo (o julgamento seria concluído cinco anos depois).
  
Diante da pressão e com eleições marcadas para o ano seguinte, os parlamentares não tiveram escolha a não ser aderir e aprovar a inelegibilidade de candidatos condenados em segunda instância. Em maio de 2010 a lei foi aprovada na Câmara e no Senado. Tramitação rápida, mas muito mais simples do que a discutida agora por se tratar de questão eleitoral. No entanto, os principais pontos de semelhança — pressão popular, crescente apoio no Congresso e proximidade de eleições — sustentam a impressão de que a autorização de prisão depois da segunda instância é um rio que corre para o mar, não tem volta.

Isso, bem entendido, se houver mobilização da sociedade, debate aprofundado em audiências públicas no Parlamento, boa costura política e consistente fundamento jurídico, a fim de que não se agrida a cláusula pétrea da presunção de inocência e todo o esforço desande sob o crivo do STF, que obviamente será chamado a dar a última palavra quando, e se, a proposta passar no Congresso.

A pressa, nesse caso, pode funcionar como nefasta amiga da imperfeição. Também não seria aceitável a morosidade excessiva, típica das intenções protelatórias, porque o clamor está posto e não deixa margem a dúvida. Cabe às instituições encontrar o melhor jeito de adequar a demanda aos rigores da legalidade.

Sobre as manifestações populares a favor da volta da prisão em segunda instância:



Com Merval Pereira e Dora Kramer

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

QUE PAÍS É ESTE?



No apagar das luzes do ano legislativo, a Câmara aprovou por esmagadora maioria o pacote de medidas anticrime e anticorrupção, menina dos olhos do ex-juiz da Lava-Jato e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública. Lamentavelmente, foram retiradas do texto a Legitima defesa — que propunha a alteração do Código Penal para permitir “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la” se o excesso em ações de autoridades públicas decorresse “de escusável medo, surpresa ou violenta emoção” —, a prisão após segunda instância — que dispensa explicações — e o plea bargain — confissão dos suspeitos de terem praticado crimes em troca de uma pena menor, sem necessidade de julgamento.

Como se vê, os efeitos detergentes promovidos pelo eleitorado no ano passado foram insuficientes. Prova disso é que o todo poderoso presidente da Câmara, Rodrigo Maia, citado como Botafogo nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht, que raramente vota, passou a presidência da sessão de ontem da Câmara ao deputado Marcos Pereira para votar a favor de um destaque que institui o juiz de garantias ao processo penal — que, em tese, “fiscaliza” a legalidade da investigação.

O fato é que, desde sempre, vimos dando a Herodes acesso à chave do berçário. Veja, por exemplo, a institucionalização do mensalão pelos punguistas do parlamento, sempre prontos a bater a carteira dos "contribuintes". A despeito de faltar dinheiro para tudo, do papel higiênico nas repartições ao giz nas escolas, passando pela saúde e segurança públicas, os nobilíssimos congressistas aprovaram o relatório preliminar que aumenta para R$ 3,8 bilhões o fundo eleitoral em 2020.

Para inflar os recursos das campanhas municipais, o Congresso prevê cortes em saúde, educação e infraestrutura. O Executivo desejava destinar R$ 2 bilhões para custear as disputas locais, mas presidentes e líderes de partidos que representam a maioria dos deputados e senadores articularam a elevação do valor do fundo em R$ 1,8 bilhão. O novo montante irá ainda à votação do relatório final na Comissão Mista do Orçamento, após o que o plenário do Congresso analisará a proposta em sessão prevista para o dia 17 de dezembro. Se mantido esse valor, o fundo será mais que o dobro em relação a 2018, quando foram distribuídos R$ 1,7 bilhão aos candidatos. O dinheiro sai do caixa da União (ou seja, do nosso bolso, pois o governo não gera recursos, apenas os administra).


"Nas democracias, as eleições precisam ser financiadas, e o financiamento privado está vedado. É preciso construir no financiamento público, mas tem de se verificar o valor e de onde virá o recurso para que a sociedade compreenda com o mínimo de desgaste possível para o Congresso", disse Botafogo. Se o Congresso não recuar, Jair Bolsonaro dificilmente vetará esse trecho do projeto, pois ele foi escrito (marotamente) de tal forma que seria preciso barrar todos os recursos para o financiamento das campanhas em vez de um veto parcial. E viva o povo brasileiro!

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Do jeito que as coisas vão, ainda vamos acabar com um problemão. É o que acontece quando a ciência dos “especialistas” diz uma coisa, e a vida real diz outra — no caso, como se ouve há onze meses, “o extremismo neoliberal” do governo em geral e do ministro Paulo Guedes em especial está “destruindo os sonhos” da população e arruinando a economia brasileira, provavelmente para sempre.

Só que está dando o contrário a cada vez que um dado oficial do desempenho da atividade econômica é divulgado: o que tinha de ser ruim, quando a gente vai ver, é bom. Acabou de acontecer com o resultado do PIB, que cresceu 0,6% no terceiro trimestre deste ano, o maior avanço desde o primeiro trimestre do ano passado. Para piorar, o desemprego também está caindo.

A solução para os “especialistas” é dizer que os números foram “uma surpresa”, ou “atípicos”, ou alguma bobagem desse tipo. Ou seja: nós estávamos certos, mas a realidade está errada. Outra saída é dizer que os níveis e crescimento “tendem a não se sustentar”. É muito usado também, no caso da queda do desemprego, dizer que está aumentando o “trabalho informal”, como se ganhar a vida por conta própria não fosse trabalhar.

Em relação às vendas de Natal, que estão com cara de bombar, a desculpa é que o “Natal é temporário”. Enfim, todo e qualquer avanço é condenado como “lento demais” — sem que ninguém consiga dizer em que outro lugar do mundo o ritmo de crescimento está na velocidade desejada pelos analistas.

Quer perder o seu tempo? Continue lendo e ouvindo quem lhe diz que essa “situação aí” está muito difícil.

Alguém precisa avisar a uma parte dos nossos comunicadores sociais que houve uma eleição para presidente da República um ano atrás, que um dos lados presentes no turno final ganhou, e que, em consequência desse fato, adquiriu o direito de fazer nomeações para cargos da administração federal que não exijam aprovação dos demais poderes, passagem por concurso público e outras exigências legais.

Ministros, por exemplo, mandarins do segundo escalão e mais uma infinidade de cargos da máquina estatal, podem ser escolhidos pelos vencedores das eleições segundo os critérios que acharem mais acertados — mesmo porque é isso, justamente, que os eleitores esperam que seja feito pelo candidato em que votaram. Nenhum desses fatos, porém, parece estar claro até agora para uma porção de gente boa nesse país.

Temos assim, a cada vez que alguém é nomeado para alguma função no bonde da União, um coro escandalizado de protestos – fulano de tal, escolhido para o cargo tal, “é de direita”. Ah, não diga — e daí? Esperavam o que? Que fosse de esquerda? Um não serve porque é contra as drogas e não gosta de rock. Outro, porque acha que a proclamação da República foi um golpe militar, ou é contra o aborto, o feriado da “Consciência Negra", o aumento das reservas indígenas, ou acha que a agricultura precisa de fertilizantes e defensivos químicos para produzir alguma coisa.

Mas são pessoas assim, e não o seu contrário, que a maioria dos eleitores quer ver no governo. Essa maioria pensa como elas. Imagina que estão corretas. Acha que deveriam ter sido nomeadas exatamente pelas razões que seus críticos invocam para dizer que não deveriam. Ou é isso, ou então vai ser preciso chamar aquela menina sueca para o Ministério do Ambiente.

Com J.R. Guzzo.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

MAIS PERDIDO QUE CEGO EM TIROTEIO - TRF-4 AUMENTA PENA DE LULA NO CASO DO SÍTIO



O julgamento em segunda instância do processo sobre o Sítio de Atibaia, no qual são réus Lula e mais doze, chegou a ser suspenso, foi remarcado, e depois mantido por ordem do ministro Edson Fachin. A sessão começou pela manhã e se estendeu até o final da tarde, uma vez que estamos em plena era dos votos intergalácticos. Se lhe tivessem dado corda, Dias Toffoli ainda estaria explicando seu no caso que trata do compartilhamento de informações de transações suspeitas, ligadas a investigações criminais, pelo UIFex-Coaf — e Receita Federal ao Ministério Público e à Polícia federal sem prévia autorização judicial. A sessão de ontem foi suspensa quando o voto do ministro Luiz Fux formou maioria a favor desse entendimento, e deve ser retomada hoje, quando se pronunciarão os cinco ministros que ainda não votaram (uma reviravolta no ritmo do julgamento, pois até então vínhamos tendo um voto por sessão).

Voltando ao caso do folclórico Sítio Santa Bárbara, os três desembargadores que compõem a 8ª Turma do TRF-4 — segunda instância dos processos da Lava-Jato egressos da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba — rejeitaram, por unanimidade, todas as preliminares levantadas pela defesa. Segundo João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz , o pedido de anulação da sentença com base na jabuticaba do Supremo sobre a ordem das alegações não se aplica ao caso, pois Lula não foi prejudicado. 

Também por unanimidade, os decisores aumentaram a pena de 12 anos e 11 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias e fixaram o número de 422 dias-multa a serem pagos pelo cagalhão vermelho por conta dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, praticamente dobrando o número estipulado originalmente pela juíza Gabriela Hardt. Ao longo da leitura de seu voto (de mais de 350 páginas), o relator afirmou que a culpabilidade de Lula é “bastante elevada”. “Pouco importa se a propriedade formal ou material do sítio é de Bittar ou Lula. Há fortes indicativos que a propriedade possa não ser de Bittar, mas fato é que Lula usava o imóvel com animus rem sibi habendi (intenção de ter a coisa como sua). "Temos farta documentação de provas, afirmou Gebran

O procurador Maurício Gotardo Gerum, representante do MPF, defendeu o aumento da pena do sevandija de Garanhuns: “Lula poderia passar a história como um dos maiores estadistas do século XXI, mas se corrompeu. O desequilíbrio político permite que hoje se chegue ao cúmulo de se dar atenção a ideias terraplanistas ou ainda, o que é pior, reverenciar ditadores e figuras abjetas de torturadores”.

Falo em outra oportunidade sobre as consequências desse julgamento para os demais corréus. Passemos agora à postagem do dia:

O título desta postagem (MAIS PERDIDO QUE CEGO EM TIROTEIO) expressa o sentimento dos brasileiros que perderam a fé no Legislativo, foram traídos pelo Executivo e, quando viram no Judiciário o último bastião de suas esperanças, os supremos togados Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Celso de Mello e Marco Aurélio não só puxaram lhes puxaram o tapete como lhes cuspiram na cara. Não se pode responsabilizar — pelo menos, não diretamente — nosso "valoroso eleitorado" pela péssima composição do Supremo, mas tampouco se pode isentá-lo de culpa, pois os ministros são indicados pelo presidente da República e avalizados pelo Senado, e tanto um quanto os outros são eleitos diretamente pelo voto popular.

Como as nuvens no céu, o cenário político muda conforme o vento sopra, e agora, desalentados pela postura político-partidária de seis dos 11 membros da nossa mais alta corte de injustiça (se Deus permitir e o Diabo não atrapalhar, pelo menos dois desses "obeliscos do saber jurídico" serão substituídos até 2021), os cidadão que apoiaram Bolsonaro visando exorcizar o fantasma do biltre pernambucano e seu imprestável partido veem com apreensão este governo, e voltam a apostar suas fichas no Legislativo, a quem caberia desfazer a suprema cagada que proibiu a prisão de condenados em segunda instância (situação bizarra e única entre as democracias que se dão ao respeito e que só vigorou no Brasil durante sete dos últimos oitenta anos).

No Senado, estuda-se reverter a suprema palhaçada através de uma alteração no Código de Processo Penal; na Câmara, a ideia é fazer a alternação da Constituição mediante uma PEC. A questão é que a alteração no CPP pode ser feita em poucas semanas, ao passo que a proposta de emenda constitucional tem tramitação mais lenta e burocrática, além de depender da aprovação, em dois turnos, de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Na última terça-feira, líderes das duas casa se reuniram para discutir o encaminhamento do projeto — que deverá mesmo a PEC, em detrimento do PLS 166/2018 do senador Lasier Martins (Podemos-RS). O acordo foi costurado por Davi Alcolumbre, para quem a emenda constitucional é mais segura, já que a alteração via projeto de lei poderia ser contestada no STF (vale lembrar que Dias Toffoli disse que o Supremo se o Congresso fizesse seu trabalho, mas parece que nem Alcolumbre acredita na palavra do presidente da Corte).

Na avaliação do senador Álvaro Dias, líder do Podemos, há um acordão para dar o trâmite mais demorado. Lasier Martins, autor da proposta de alteração do CPP, disse que "os líderes estão decidindo por minoria contra a ampla maioria das duas Casas e da população”, e que a PEC e o PLS deveriam ir aos plenários das Casas. Já o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) , autor da PEC que tramita na Câmara, afirma que sua proposta garante mais segurança jurídica do que o projeto de lei do Senado e já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, devendo ser aprovada na Câmara até o 1º trimestre do ano que vem (a estimativa é otimista, já que o projeto ainda precisa passar por uma comissão especial, que tem 90 dias de prazo, e por duas votações no plenário das duas Casas).

A presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), afirmou que o projeto que altera o CPP para estabelecer a prisão em segunda instância continuará na pauta até a Câmara cumprir com o calendário da PEC, ou seja, condiciona o seguimento do acordo à apresentação pela Câmara de um calendário enxuto de tramitação. Segundo ela, os senadores não podem dar um cheque em branco e muito menos empenhar sua palavra no escuro. A senadora confirmou para a próxima quarta-feira (4) um amplo debate, com presença do ministro Sergio Moro, em que haverá equidade de membros para cada um dos polos da discussão, "favorecendo um debate justo".

Tebet disse ainda que Rodrigo Maia garantiu que conversará com os líderes da Câmara para fechar as datas exigidas pelo Senado na próxima terça-feira (3), mas deixou claro que o avanço da PEC na Câmara não impede o retorno do projeto que já tramita no Senado. "O calendário será um acordo. Se o acordo não for cumprido, automaticamente dará ao Senado o direito de pautar imediatamente seu projeto, que está na CCJ e não vai ser arquivado. Ele vai ficar, se houver o acordo, em ‘stand by’, aguardando o cumprimento do calendário".

Deputados e senadores dos partidos Podemos, Novo e PSL protestaram durante a reunião. Eles não têm força suficiente para obstruir votações, sua mobilização, somada à insatisfação de deputados e senadores com o governo por causa do não cumprimento de acordos, derrubou a sessão do Congresso, que não atingiu o quórum necessário para ser realizada.

Na Câmara, o Novo está coletando assinaturas para aprovar a urgência na apreciação de um projeto semelhante àquele que o Senado está abrindo mão. A ala lavajatista do Congresso defendeu que o PL do Senado e a PEC da Câmara poderiam tramitar simultaneamente e acusaram uma manobra protelatória. Irritados, deixaram a reunião na casa do presidente do Congresso e começaram a coletar assinaturas para pressionar a CCJ a votar o projeto de lei, independentemente do acordo firmado entre as duas Casas. "Não vamos nos calar se a tendência for uma maneira protelatória em relação a dar uma resposta para a sociedade", disse o Major Olimpio, líder do PSL no Senado.

Com o aval de Alcolumbre, senadores haviam costurado com o ministro Sérgio Moro um projeto de lei alterando dois artigos (283 e 637) e criado um novo (617-A) no CPP, sem necessidade de mudança constitucional. O texto foi apresentado à Comissão de Constituição e Justiça como um substitutivo da senadora Juíza Selma ao projeto que havia sido apresentado pelo senador Lasier Martins, ambos do Podemos. O texto estava previsto para ser votado na CCJ do Senado na quarta-feira (27), mas uma audiência pública que aconteceria na véspera não ocorreu por causa da reunião na casa de Alcolumbre. Sob o argumento de que a confirmação do acordo depende da apresentação do calendário, a audiência foi reagendada para quarta-feira da semana que vem (4).

Enquanto isso, a Câmara está trabalhando uma outra PEC. O texto do deputado Alex Manente foi aprovado na CCJ e ainda passará por uma comissão especial antes de seguir para o plenário e, então, ainda tramitar no Senado. A PEC inicialmente mudava o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória — no entendimento tendencioso da ala garantista do STF, até que acabem todas as possibilidades de recurso e que a condenação se torne definitiva. Pelo texto da PEC original de Manente, ninguém seria considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso —ou seja, a prisão já valeria após condenação em segunda instância. Há divergências, no entanto, sobre se esse inciso do artigo 5º seria uma cláusula pétrea da Constituição, o que impediria qualquer modificação, mesmo por emenda.

Diante de eventual guerra jurídica envolvendo esse ponto, a solução encontrada por Manente  na semana passada foi sugerir uma nova PEC com alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, itens que dispõem, respectivamente, sobre o STF e o STJ. Já se fala, porém, que Gilmar Mendes vem trabalhando para impedir que a alteração constitucional, caso seja aprovada, não alcance os mais de 4.000 condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos nas Cortes Superiores. Ou aguardavam, já que eles vêm sendo libertados a mancheias, a reboque do sevandija de Garanhuns, que deixou sua cela VIP na PF em Curitiba menos de 24 horas depois da nefasta decisão do STF.  

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR DE 4 TEMPOS — CABEÇOTE, VÁLVULAS E EIXO-COMANDO


SE TEMPO É DINHEIRO E EU TENHO TEMPO DE SOBRA, ENTÃO POR QUE NÃO ESTOU RICO?

Repetições são sempre aborrecidas, mas isso não as torna menos necessárias quando o tema é complexo. Para unir o útil ao não tão agradável, eu procuro acrescentar novos detalhes aos repetecos; afinal, o que abunda não excede, e determinados conceitos tendem a ser mais palatáveis quando explicados pela segunda vez. Ou pela terceira. Dito isso, vamos adiante.

Um motor a combustão transforma em energia mecânica a energia química do combustível pela compressão e queima da mistura ar-combustível mediante a ação dos pistões. Nos modelos de ciclo Otto, cada pistão realiza 4 fases (admissão, compressão, combustão e descarga) a cada volta completa do virabrequim. Seu movimento retilíneo vertical é convertido em movimento circular pelas bielas, e repassado pelo volante do motor, com o concurso da embreagem, ao sistema de transmissão, que o distribui para as rodas motrizes, fazendo o veículo se mover ("mover" é força de expressão, já que modelos de alta performance atingem 100 km/h a partir da imobilidade em menos de 3 segundos e alcançam velocidades máximas superiores a 300 km/h).

As subidas e descidas dos êmbolos se dão de maneira alternada (e nem poderia ser diferente). O curso é descendente nas fases de admissão e combustão, e ascendente nas de compressão e descarga.

Isso pode levar um leitor mais atento, mas pouco familiarizado com os meandros da mecânica automotiva, a se perguntar como movimentos do êmbolo no mesmo sentido podem produzir resultados distintos. A explicação é simples, e fica ainda mais fácil de entender se pensarmos no cilindro como uma seringa de injeção: quando introduzimos a agulha na ampola e puxamos o êmbolo, geramos uma depressão que suga o líquido para o interior da seringa. Mal comparando, é isso que ocorre no motor durante a fase de admissão, já que a depressão criada pelo movimento descendente do pistão suga a mistura ar-combustível para dentro do cilindro. A diferença é que a seringa conta com uma única agulha, ao passo que cada cilindro conta com pelo menos duas válvulas (uma de admissão e outra de escapamento).

Como dito e repetido, não existe combustão sem oxigênio. Portanto, antes de ser vaporizado no coletor de admissão, sugado para o interior do cilindro, comprimido dentro da câmara de explosão e inflamado pela centelha da vela, o combustível é misturado com o oxigênio presente no ar atmosférico.

Observação: Por "câmara de explosão" (vide ilustração), entenda-se o espaço entre a base do cabeçote e a cabeça do pistão no ponto morto superior; por "taxa estequiométrica", entenda-se a proporção entre os "ingredientes" que formam a mistura ar-combustível. Uma taxa de compressão de 10:1, por exemplo, significa que a mistura contém 10 vezes mais ar do que combustível.

A câmara de explosão é provida de "janelas", que podem ser em número de 2, 3, 4, 5 ou mais, dependendo do projeto do motor, e cada uma delas é controlada por uma válvula. As válvulas são chamadas "de admissão" quando controlam o fluxo da mistura proveniente do coletor de admissão, e de "de escapamento" quando controlam a expulsão dos gases remanescentes da combustão (que são descarregados na atmosfera através do coletor de escapamento). Nos motores modernos, ambos os coletores são acoplados ao cabeçote, onde também ficam as válvulas, seu eixo-comando e respectivos mancais de apoio molas de retorno de abertura, chavetas, tuchos, balancins, retentores e outros componentes que não vale a pena detalhar neste momento.

Também chamado de "árvore de cames", o eixo-comando sincroniza a abertura e o fechamento das válvulas nas quatro fase do ciclo Otto. Na de admissão, a válvula de mesmo nome (ou válvulas, pois, como dito, pode haver mais do que uma) é aberta, enquanto a(s) de escapamento permanece(m) fechada(s). Na fase de descarga dá-se o inverso, e nas demais (compressão e combustão), todas as válvulas permanecem fechadas.

Diante do exposto, fica fácil entender por que movimentos ascendentes e descendentes do pistão, em fases distintas, produzem resultados diferentes. Para não encompridar demais este texto, deixo para destrinchar nos próximos capítulos o comando e as válvulas, os cabeçotes multiválvula, os comandos variáveis e outros aprimoramentos trazidos pela evolução tecnológica.