Mostrando postagens com marcador comandos variáveis. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador comandos variáveis. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

AINDA SOBRE OS MOTORES MULTIVÁLVULA (CONTINUAÇÃO)

NUNCA DEIXE SEUS SENTIMENTOS AFETAREM SEU JULGAMENTO.

Se o motor fosse uma orquestra, o comando de válvulas seria o maestro, já que cabe a ele definir quando, por quanto tempo e com que intensidade os gases entram e saem dos cilindros. Os regentes dos tempos de antanho acionavam as válvulas sempre do mesmo jeito, uma vez que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas permanecem abertas dependiam diretamente da geometria dos cames (por "came", entenda cada ressalto excêntrico do eixo-comando de válvulas).

Para melhorar o desempenho, a solução encontrada pelos preparadores (ou envenenadores) era substituir o comando de válvulas original por um modelo "mais brabo", que altera os parâmetros de fábrica. A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote  — outro "veneno" largamente utilizado (mais detalhes nesta postagem) —, os benefícios obtidos eram (e continuam sendo) mais perceptíveis em determinadas faixas de rotação. Na estrada, por exemplo, mais potência pode ser útil (sobretudo nas autobahns da Alemanha), mas esse ganho nem sempre compensa o desconforto no uso diário, já que a marcha lenta fica "quadrada" e o motor funciona mal em baixas rotações.

Via de regra, motores multiválvula são mais eficientes em altas rotações, mas geram menos torque em regimes de giro mais baixos, já que a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo no coletor de admissão. Veículos equipados com injeção eletrônica de combustível são menos suscetíveis a esse problema do que os carburados, especialmente se forem dotados de coletores de admissão variáveis — compostos de dutos de bitolas e comprimentos diferentes, que otimizam a mistura nas diversas faixas de rotação — combinados com comandos de válvulas variáveis — que ajudam a obter mais torque nas baixas rotações e mais potência nas altas.

Conforme a árvore de comando gira, seus cames (ressaltos) abrem e fecham as válvulas de admissão e de escapamento em perfeita sincronização com o sobe-e-desce dos pistões (a rigor, o fechamento das válvulas se dá pela ação de molas, mas isso é outra conversa). Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nos diversos regimes de giro, os comandos variáveis alteram o ângulo e o tempo de abertura das válvulas, otimizando a performance ou privilegiando a economia de combustível, conforme o caso. Já os comandos tradicionais (não-variáveis) abrem e fecham as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor. Mas há novidades no horizonte: na Fórmula 1, por exemplo, as válvulas são comandadas por sistemas pneumáticos gerenciados eletronicamente, sem correias ou correntes, que as abrem e fecham nos tempos ideais, levando em conta a dinâmica dos componentes e o fluxo de gás pelos dutos.

ObservaçãoAs válvulas não abrem nem fecham no exato instante em que os pistões atingem os pontos extremos de seu curso, pois uma pequena antecipação na abertura e um breve retardo no fechamento facilitam tanto a admissão da mistura quanto a expulsão dos gases

O Spider 2000, lançado pela Alfa Romeo em 1980, foi o primeiro veículo de linha com abertura variável das válvulas (uma tecnologia patenteada nos EUA em 1924). Há atualmente diversos sistemas em uso, mas os princípios básicos são os mesmos. Em última análise, a coisa toda consiste em alterar o ângulo de abertura das válvulas, o momento da abertura e do fechamento e o período de tempo durante o qual elas permanecem abertas, de acordo com as diversas faixas de rotação e as exigências do propulsor em cada situação.

Em alguns modelos, sensores auxiliam indiretamente essas três caraterísticas-chave, mas limitam a variabilidade de abertura das válvulas. Tecnologias ainda mais avançadas permitem manipular as válvulas com maior independência, como o MultiAir, que equipa modelos da Fiat, como o Tipo e Jeep Renegade. Há ainda o duplo comando variável de válvulas, nos quais os módulos alteram a posição das regiões excêntricas (cames) da árvore de comando, alterando o momento de abertura e fechamento e o tempo em que elas ficarão abertas, garantindo mais potência com menor consumo de combustível. Mas isso vai ter que ficar para uma outra vez.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR DE 4 TEMPOS — CABEÇOTE, VÁLVULAS E EIXO-COMANDO


SE TEMPO É DINHEIRO E EU TENHO TEMPO DE SOBRA, ENTÃO POR QUE NÃO ESTOU RICO?

Repetições são sempre aborrecidas, mas isso não as torna menos necessárias quando o tema é complexo. Para unir o útil ao não tão agradável, eu procuro acrescentar novos detalhes aos repetecos; afinal, o que abunda não excede, e determinados conceitos tendem a ser mais palatáveis quando explicados pela segunda vez. Ou pela terceira. Dito isso, vamos adiante.

Um motor a combustão transforma em energia mecânica a energia química do combustível pela compressão e queima da mistura ar-combustível mediante a ação dos pistões. Nos modelos de ciclo Otto, cada pistão realiza 4 fases (admissão, compressão, combustão e descarga) a cada volta completa do virabrequim. Seu movimento retilíneo vertical é convertido em movimento circular pelas bielas, e repassado pelo volante do motor, com o concurso da embreagem, ao sistema de transmissão, que o distribui para as rodas motrizes, fazendo o veículo se mover ("mover" é força de expressão, já que modelos de alta performance atingem 100 km/h a partir da imobilidade em menos de 3 segundos e alcançam velocidades máximas superiores a 300 km/h).

As subidas e descidas dos êmbolos se dão de maneira alternada (e nem poderia ser diferente). O curso é descendente nas fases de admissão e combustão, e ascendente nas de compressão e descarga.

Isso pode levar um leitor mais atento, mas pouco familiarizado com os meandros da mecânica automotiva, a se perguntar como movimentos do êmbolo no mesmo sentido podem produzir resultados distintos. A explicação é simples, e fica ainda mais fácil de entender se pensarmos no cilindro como uma seringa de injeção: quando introduzimos a agulha na ampola e puxamos o êmbolo, geramos uma depressão que suga o líquido para o interior da seringa. Mal comparando, é isso que ocorre no motor durante a fase de admissão, já que a depressão criada pelo movimento descendente do pistão suga a mistura ar-combustível para dentro do cilindro. A diferença é que a seringa conta com uma única agulha, ao passo que cada cilindro conta com pelo menos duas válvulas (uma de admissão e outra de escapamento).

Como dito e repetido, não existe combustão sem oxigênio. Portanto, antes de ser vaporizado no coletor de admissão, sugado para o interior do cilindro, comprimido dentro da câmara de explosão e inflamado pela centelha da vela, o combustível é misturado com o oxigênio presente no ar atmosférico.

Observação: Por "câmara de explosão" (vide ilustração), entenda-se o espaço entre a base do cabeçote e a cabeça do pistão no ponto morto superior; por "taxa estequiométrica", entenda-se a proporção entre os "ingredientes" que formam a mistura ar-combustível. Uma taxa de compressão de 10:1, por exemplo, significa que a mistura contém 10 vezes mais ar do que combustível.

A câmara de explosão é provida de "janelas", que podem ser em número de 2, 3, 4, 5 ou mais, dependendo do projeto do motor, e cada uma delas é controlada por uma válvula. As válvulas são chamadas "de admissão" quando controlam o fluxo da mistura proveniente do coletor de admissão, e de "de escapamento" quando controlam a expulsão dos gases remanescentes da combustão (que são descarregados na atmosfera através do coletor de escapamento). Nos motores modernos, ambos os coletores são acoplados ao cabeçote, onde também ficam as válvulas, seu eixo-comando e respectivos mancais de apoio molas de retorno de abertura, chavetas, tuchos, balancins, retentores e outros componentes que não vale a pena detalhar neste momento.

Também chamado de "árvore de cames", o eixo-comando sincroniza a abertura e o fechamento das válvulas nas quatro fase do ciclo Otto. Na de admissão, a válvula de mesmo nome (ou válvulas, pois, como dito, pode haver mais do que uma) é aberta, enquanto a(s) de escapamento permanece(m) fechada(s). Na fase de descarga dá-se o inverso, e nas demais (compressão e combustão), todas as válvulas permanecem fechadas.

Diante do exposto, fica fácil entender por que movimentos ascendentes e descendentes do pistão, em fases distintas, produzem resultados diferentes. Para não encompridar demais este texto, deixo para destrinchar nos próximos capítulos o comando e as válvulas, os cabeçotes multiválvula, os comandos variáveis e outros aprimoramentos trazidos pela evolução tecnológica.