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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

AINDA SOBRE O COMANDO DE VÁLVULAS E O MOTOR DE 2 TEMPOS


É PERDA DE TEMPO TENTAR ACHAR SENTIDO EM COISAS QUE DECIDIDAMENTE NÃO FAZEM SENTIDO ALGUM.

Prosseguindo do ponto onde paramos no post anterior, até não muito tempo atrás os motores de 2 tempos eram largamente utilizados em motocicletas. Mas eles também equiparam veículos de passeio nos anos 1960, como os fabricados no Brasil pela alemã DKW (vide ilustração). 

DKW foi uma das quatro fabricantes de veículos que deram origem à Auto Union, criada no início do século passado. Seus motores tricilíndricos de dois tempos, lubrificados mediante a adição de óleo ao combustível, eram barulhentos, fumacentos e altamente poluidores, mas tinham lá suas virtudes: com um ciclo completo a cada volta do eixo de manivelas, produzia-se (em tese) duas vezes mais potência, já que o motor de quatro tempos tem uma volta “morta” (quando são realizadas as fases de admissão e escapamento). Assim, diziam seus fabricantes, 3 cilindros equivaleriam a 6 de um motor de ciclo Otto, mas na verdade a potência gerada era até 50% maior que a de um motor de quatro tempos de igual deslocamento volumétrico (o que não deixa de ser um ganho considerável).

Outro ponto favorável do motor de dois tempos é a simplicidade: sem válvulas, eixo-comando, molas e balancins, o conjunto fica mais leve e pode trabalhar em regimes de rotação mais elevados. Por outro lado, dada a ausência de válvulas para fechar a câmara de combustão, parte do combustível admitido nos cilindros não é queimada, mas expelida pelo escapamento, o que prejudica o consumo e aumenta a emissão de poluentes. Isso sem mencionar que a lubrificação feita mediante a adição de óleo ao combustível agrava ainda mais o problema das emissões.

Depois que as primeiras leis de controles de emissões de poluentes foram criadas, os motores de dois-tempos começaram a ser abandonados — dada sua incapacidade de se adequar às exigências legais. Somente umas poucas motos de competição resistiram, adotando tecnologias que dosavam o lubrificante adicionado ao combustível. Para reduzir o consumo e as emissões, a Ford chegou a desenvolver um protótipo com injeção eletrônica direta e um sistema de lubrificação que permitia rodar até 20 mil quilômetros sem reabastecer o reservatório de óleo, mas esse sistema tinha manutenção complexa e não bastava para compatibilizar os propulsores com as próximas etapas dos programas ambientais legais. Mas a ideia continuou viva no imaginário dos engenheiros.

A fabricante austríaca KTM anunciou uma nova linha de motos com motores de dois tempos controlados eletronicamente. Batizado como Transfer Port Injection, o sistema usa válvulas eletrônicas para injetar combustível e óleo pela janela de transferência do motor (em vez de despejar a mistura diretamente na câmara de combustão). Na prática, ele funciona como os vetustos sistemas de injeção monoponto dos carros dos anos 1980 e 1990, embora seja capaz de variar continuamente o ponto de ignição e o tempo de injeção, além da posição da borboleta eletrônica, otimizando o gerenciamento do combustível e do lubrificante injetados nos cilindros.

Injetar o combustível pela janela de transferência proporciona uma melhor atomização, otimizando a queima da mistura. O controle do lubrificante também é semelhante ao da injeção de combustível: o óleo é armazenado em um reservatório separado e levado ao motor por uma bomba eletrônica, comandada pela centralina, que injeta o lubrificante de acordo com a leitura dos sensores internos em diferentes situações de posição da borboleta e velocidade do motor, reduzindo os níveis de emissões. 

De acordo com a KTM, a redução no consumo é de até 40% em rotações médias e baixas, embora não apresente melhoria com a borboleta totalmente aberta. Por outro lado, as respostas em baixas rotações não entusiasmam, já que o controle eletrônico mitiga a típica subida de giro explosiva dos motores de dois tempos. Enfim, se tudo correr como a KTM planeja, a volta dos motores de dois tempos em motos de rua pode ser apenas uma questão de tempo (sem trocadilho).


Em 1965, a Volkswagen comprou a Audi na Alemanha; dois anos mais tarde, sua subsidiária no Brasil adquiriu a Vemag e encerrou a produção da linha DKW, que teve mais de 100 mil unidades comercializadas desde 1957. Atualmente, a Audi é a última herdeira do logotipo das 4 argolas entrelaçadas.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

SOBRE O CABEÇOTE E OS MOTORES MULTIVÁLVULA


A FOME É A MELHOR COZINHEIRA.

Das mais priscas eras até pouco tempo atrás, o acionamento das válvulas se dava sempre do mesmo jeito, já que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas ficavam abertas dependia diretamente da geometria dos cames (ressaltos existentes do eixo-comando, que por isso é chamado também de "árvore de cames").

Para melhorar a performance dos propulsores, um dos "venenos" mais comuns sempre foi substituir o comando original por um modelo mais "brabo", ou seja, capaz de gerar mais torque e/ou potência (veremos em breve o que significam esses dois termos) alterando os parâmetros de funcionamento das válvulas. 

A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote (outro "veneno" muito usado pelos preparadores), os benefícios da troca do comando em situações específicas — nas pistas, por exemplo — nem sempre compensavam o desconforto no uso diário: além da marcha lenta instável, o funcionamento do motor em baixas rotações restava prejudicado.

Como sempre, a solução veio nas asas da evolução tecnológica, que nos trouxe os motores multiválvula, o duplo comando variável e outros aprimoramentos voltados inicialmente a veículos esportivos, mas que logo se disseminaram entre os modelos "de passeio" — contribuindo, inclusive, para o "downsizing" dos propulsores (assunto que abordaremos mais adiante).

Por motores "multiválvula", entenda-se os que contam com duas ou mais válvulas de admissão e/ou de escapamento por cilindro. Essa tecnologia remonta ao início do século passado e vinha sendo largamente utilizada em carros de corrida, mas só começou a ser aplicada nos veículos "de linha" na década de 70.  

Substituir 2 válvulas grandes (falo do diâmetro) por 4 válvulas menores evita flutuações em altas rotações, permitindo que o motor funcione melhor em regimes de giro mais elevados — o que, em última análise, aumenta a potência. Por outro lado, cabeçotes multiválvula têm mais componentes e mais partes móveis, o que significa mais peso e maior custo de manutenção. Isso sem mencionar sua tendência de gerar menos torque em rotações baixas e médias, pois a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo de ar no coletor de admissão, tornando a mistura menos homogênea e, consequentemente, limitando a potência gerada pela combustão. Isso não é problema em carros pista e esportivos usados com tal, mas a coisa muda de figura quando se trata de veículos "de passeio", que rodam durante a maior parte do tempo por trechos urbanos e, não raro, congestionados. 

Observação: A indústria automotiva vem utilizando somente comandos de válvulas acionados mecanicamente em veículos de série. Alguns esportivos são equipados com mecanismos adicionais de controle, que permitem modificar o padrão de movimento das válvulas, mas isso é outra conversa. 

Em veículos de entrada de linha e sem pretensões esportivas, os fabricantes continuam aplicando propulsores de 2 válvulas por cilindro. Nos modelos mais caros, voltados a um público alvo que não se importa de pagar mais por melhor desempenho, motores com 3 e até 5 válvulas por cilindro são bastante comuns — nos de 5 válvulasas 3 de admissão são abertas em momentos diferentes, otimizando a queima da mistura, gerando mais potência e gases de escape mais limpos, o que reduz a emissão de poluentes. Mas a maioria dos modelos multiválvula de 4 cilindros têm 16 válvulas — 4 por cilindro, geralmente duas de admissão e duas de escapamento, sendo as de admissão de maior diâmetro, mas há sistemas de 32 válvulas em motores V8 — em que os cilindros são divididos em duas séries de quatro dispostas lado a lado — com 4 válvulas por cilindro.

Não quero dizer com isso que motores de 2 válvulas por cilindro não oferecem desempenho aceitável; tudo depende do projeto — notadamente da velocidade de abertura e fechamento das válvulas, do momento em que elas se abrem e fecham e do tempo durante o qual elas permanecem abertas — e, claro, daquilo que se pretende extrair do propulsor. Mas não é difícil concluir que uma válvula de admissão aberta por mais tempo propicia a aspiração de um volume maior de mistura ar-combustível, o que garante uma explosão mais forte e, consequentemente, gera mais energia cinética. Se explodiu mais‚ é óbvio que há mais gases queimados e, por consequência, a válvula de descarga também precisa ficar mais tempo aberta, e é aí que a porca torce o rabo para os projetistas.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR DE 4 TEMPOS — CABEÇOTE, VÁLVULAS E EIXO-COMANDO


SE TEMPO É DINHEIRO E EU TENHO TEMPO DE SOBRA, ENTÃO POR QUE NÃO ESTOU RICO?

Repetições são sempre aborrecidas, mas isso não as torna menos necessárias quando o tema é complexo. Para unir o útil ao não tão agradável, eu procuro acrescentar novos detalhes aos repetecos; afinal, o que abunda não excede, e determinados conceitos tendem a ser mais palatáveis quando explicados pela segunda vez. Ou pela terceira. Dito isso, vamos adiante.

Um motor a combustão transforma em energia mecânica a energia química do combustível pela compressão e queima da mistura ar-combustível mediante a ação dos pistões. Nos modelos de ciclo Otto, cada pistão realiza 4 fases (admissão, compressão, combustão e descarga) a cada volta completa do virabrequim. Seu movimento retilíneo vertical é convertido em movimento circular pelas bielas, e repassado pelo volante do motor, com o concurso da embreagem, ao sistema de transmissão, que o distribui para as rodas motrizes, fazendo o veículo se mover ("mover" é força de expressão, já que modelos de alta performance atingem 100 km/h a partir da imobilidade em menos de 3 segundos e alcançam velocidades máximas superiores a 300 km/h).

As subidas e descidas dos êmbolos se dão de maneira alternada (e nem poderia ser diferente). O curso é descendente nas fases de admissão e combustão, e ascendente nas de compressão e descarga.

Isso pode levar um leitor mais atento, mas pouco familiarizado com os meandros da mecânica automotiva, a se perguntar como movimentos do êmbolo no mesmo sentido podem produzir resultados distintos. A explicação é simples, e fica ainda mais fácil de entender se pensarmos no cilindro como uma seringa de injeção: quando introduzimos a agulha na ampola e puxamos o êmbolo, geramos uma depressão que suga o líquido para o interior da seringa. Mal comparando, é isso que ocorre no motor durante a fase de admissão, já que a depressão criada pelo movimento descendente do pistão suga a mistura ar-combustível para dentro do cilindro. A diferença é que a seringa conta com uma única agulha, ao passo que cada cilindro conta com pelo menos duas válvulas (uma de admissão e outra de escapamento).

Como dito e repetido, não existe combustão sem oxigênio. Portanto, antes de ser vaporizado no coletor de admissão, sugado para o interior do cilindro, comprimido dentro da câmara de explosão e inflamado pela centelha da vela, o combustível é misturado com o oxigênio presente no ar atmosférico.

Observação: Por "câmara de explosão" (vide ilustração), entenda-se o espaço entre a base do cabeçote e a cabeça do pistão no ponto morto superior; por "taxa estequiométrica", entenda-se a proporção entre os "ingredientes" que formam a mistura ar-combustível. Uma taxa de compressão de 10:1, por exemplo, significa que a mistura contém 10 vezes mais ar do que combustível.

A câmara de explosão é provida de "janelas", que podem ser em número de 2, 3, 4, 5 ou mais, dependendo do projeto do motor, e cada uma delas é controlada por uma válvula. As válvulas são chamadas "de admissão" quando controlam o fluxo da mistura proveniente do coletor de admissão, e de "de escapamento" quando controlam a expulsão dos gases remanescentes da combustão (que são descarregados na atmosfera através do coletor de escapamento). Nos motores modernos, ambos os coletores são acoplados ao cabeçote, onde também ficam as válvulas, seu eixo-comando e respectivos mancais de apoio molas de retorno de abertura, chavetas, tuchos, balancins, retentores e outros componentes que não vale a pena detalhar neste momento.

Também chamado de "árvore de cames", o eixo-comando sincroniza a abertura e o fechamento das válvulas nas quatro fase do ciclo Otto. Na de admissão, a válvula de mesmo nome (ou válvulas, pois, como dito, pode haver mais do que uma) é aberta, enquanto a(s) de escapamento permanece(m) fechada(s). Na fase de descarga dá-se o inverso, e nas demais (compressão e combustão), todas as válvulas permanecem fechadas.

Diante do exposto, fica fácil entender por que movimentos ascendentes e descendentes do pistão, em fases distintas, produzem resultados diferentes. Para não encompridar demais este texto, deixo para destrinchar nos próximos capítulos o comando e as válvulas, os cabeçotes multiválvula, os comandos variáveis e outros aprimoramentos trazidos pela evolução tecnológica.