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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

SOBRE O COMANDO DE VÁLVULAS VARIÁVEL E OUTRAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS


O TRÂNSITO DE SÃO PAULO É DE SEGUNDA, MAS OS MOTORISTAS SÃO DE PRIMEIRA. ATÉ PORQUE É QUASE IMPOSSÍVEL ENGATAR A SEGUNDA MARCHA.

Depois de incorporar ao cabeçote as válvulas, respetivo eixo-comando et al, a evolução tecnológica propiciou o surgimento de motores multiválvula com comandos variáveis — um conceito antigo, mas que só recentemente passou a ser aplicado em veículos de passeio sem pretensões esportivas, mediante o qual é possível não só melhorar o torque e a potência, mas também reduzir o consumo de combustível e a emissão de poluentes.

Observação: Aumentando para quatro o número de válvulas por cilindro e adotando o duplo comando para controlar sua abertura e fechamento, otimiza-se o fluxo dos gases e se produz mais potência em alta rotação, mas compromete-se a geração de torque em baixa, o que obriga o motorista a manter o motor sempre "cheio", reduzindo constantemente as marchas e "esticando-as" até o ponteiro do conta-giros atingir a faixa vermelha. No trânsito urbano, isso não só acaba com o prazer de dirigir como aumenta o consumo de combustível e compromete a vida útil dos componentes, daí a adoção dos comandos de válvula variáveis

Por serem capazes de otimizar os índices de torque, potência, consumo e emissão de poluentes, os comandos variáveis vêm sendo largamente utilizados pelos fabricantes, tanto nos pequenos motores tricilíndricos quanto nos poderosos V8. Basicamente, eles funcionam como os "não-variáveis", gerenciando mecanicamente a abertura e o fechamento das válvulas de admissão e escapamento (responsáveis pela entrada da mistura ar-combustível nos cilindros na fase de admissão e pela expulsão dos gases remanescentes da combustão na fase de exaustão).

Embora já existam tecnologias mais sofisticadas, o acionamento das válvulas através de cames (ressaltos excêntricos da árvore de comando que atuam sobre as hastes das válvulas) ainda é a solução mais usada.

ObservaçãoConforme já foi explicado, o comando "pega carona" no movimento rotacional do virabrequim, mas gira com metade da velocidade deste, já que as quatro fases (ou tempos) do ciclo Otto são completadas a cada duas voltas completas do virabrequim, e o "momento motor" se dá na terceira fase (combustão), depois de o pistão ter aspirado e comprimido a mistura (nas fases de admissão e compressão, respectivamente). O motor só funciona se comando e virabrequim trabalharem harmonicamente, porque as válvulas de admissão e escapamento precisam abrir no momento certo do sobe-e-desce dos pistões e permanecer fechadas nas fases durante as fases de compressão e descarga. Para se obter esse resultado, polias dentadas são instaladas na extremidade dianteira de ambos esses eixos e interligadas por uma correia de distribuição (ou corrente, caso o fabricante opte por usar engrenagens em vez das polias). Como as polias são de tamanhos diferentes, o comando gira 360° a cada duas voltas completas (720º) do virabrequim. Na figura que ilustra esta postagem, a mão direita do mecânico aponta para um came do eixo-comando e a esquerda segura a polia dentada de distribuição.

Comandos não-variáveis atuam sobre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente das necessidades específicas do motor nas diversas faixa de rotação. Com a adoção dos comandos variáveis, tornou-se possível obter mais torque em baixas rotações e mais potência em regimes mais elevados de giro sem alterar o deslocamento volumétrico do motor (detalhes no capítulo anterior; sobre torque e potência, sugiro rever o que foi explicado nesta postagem). Apesar de haver diferenças entre os dois sistemas, seus princípios básicos de funcionamento são os mesmos: o came empurra a haste da válvula, fazendo-a vencer a resistência da mola e abrir — ou alivia a pressão, fazendo com que ela retorne à posição original, que é fechada.

A diferença é que os comandos variáveis são capazes gerenciar não só o "momento" do pistão em que a válvula deve abrir e fecha, mas também o tempo durante o qual esta deve permanecer aberta e a dimensão física da abertura (já existem soluções mais avançadas, como o sistema Freevalve, sobre o qual falarei mais adiante).

Como o ciclo Diesel e demais alternativas ao Otto, os motores de 2 tempos fogem ao escopo desta abordagem, mas, da feita que eles foram largamente utilizados em motocicletas — e até mesmo em carros de passeio dos anos 1960 —, resolvi dedicar-lhes algumas linhas na próxima portagem.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

MAIS SOBRE MOTORES MULTIVÁLVULA, COMANDOS VARIÁVEIS E QUE TAIS


NÃO SEJA DERROTISTA. FAÇA COMO OS BOLETOS. UM BOLETO SEMPRE VENCE.

Já vimos que o cabeçote passou de mera "tampa" a "sistema respiratório" dos motores aspirados, nos quais as válvulas e o respectivo eixo-comando controlam o ingresso da mistura ar-combustível nos cilindros — o que, em última análise, gera o torque e a potência que faz o veículo se mover. Todavia, devido às limitações físicas desses componentes os projetistas se têm valido da sobrealimentação para aumentar o desempenho dos propulsores sem recorrer a blocos grandes, com 6, 8 ou mais cilindros. A lógica é simples: forçando a entrada de mais mistura nos cilindros, aumenta-se o poder calorífico da combustão e se obtém mais energia mecânica. E é sobre isso que falarei mais adiante. Antes, porém, cabem mais algumas considerações.

Qualquer alteração no projeto de um veículo — da simples troca das rodas e pneus por outros de dimensões diferentes das originais ao envenenamento do motor para extrair até a última gota de desempenho — deve levar em conta o que, exatamente, se espera obter com a modificação. No caso específico do desempenho, a solução para quem quer transformar um carro de passeio num recordista em arrancadas, por exemplo, é diferente da que o tornaria um devorador de estradas, embora ambas comecem pela avaliação criteriosa de parâmetros como o diâmetro e o curso dos pistões (que determinam o deslocamento volumétrico do propulsor e, em última análise, sua capacidade de produzir energia), o tamanho das válvulas, as faixas de rotação máximas (atual e pretendida), a relação de compressão, e por aí vai.  

Em teoria, nos motores de ciclo Otto a válvula de admissão abre a 0° e fecha a 180°, e a de escapamento a 540° e 720°, respectivamente. Esses ângulos têm a ver com o movimento rotacional do virabrequim e são medidos com base no primeiro cilindro. Mas tanto as válvulas quanto os componentes responsáveis por sua movimentação possuem massa considerável e podem sofrer danos se forem submetidos a uma aceleração instantânea, daí o comando iniciar a abertura da válvula mais cedo e ter uma menor aceleração, evitando a ocorrência de um fenômeno conhecido como "flutuação".

Igualmente importante é a relação entre as áreas da válvula e do cilindro: se ela for pequena, haverá maior resistência ao enchimento dos cilindros nas faixas mais altas de rotação do motor, razão pela qual a duração dos lobes — ou cames, como são chamados os ressaltos excêntricos que convertem o movimento rotativo do eixo-comando em alternativo para as válvulas — deve ser maior que os respectivos tempos de admissão e escape. Trocando em miúdos, quanto maior a duração do came, maior a eficiência do motor e os picos de torque e potência em regimes de rotação elevados. 

Por outro lado, veículos preparados para provas de arrancada, por exemplo, tendem a apresentar uma reversão de fluxo na admissão que pode comprometer sua dirigibilidade em baixas rotações. Assim, motores que equipam carros "de passeio" utilizam comandos de válvulas com pequenos valores de duração, já que o anda-e-para do trânsito, o rodar em baixas velocidades e as constantes retomadas demandam uma curva de torque mais "plana" — isto é, com força abundante em baixas rotações, mas disponível também nos demais regimes de giro (para saber mais, releia esta postagem).

Dos quatro os eventos associados às válvulas — IVO, que é quando a válvula de admissão abre, IVC, que é quando ela fecha, EVO, que é quando a válvula de escape abre, e EVC, que é quando ela fecha —, o mais importante é o IVC, que determina como a pressão de enchimento do cilindro ocorre e, consequentemente, o momento em que se dá o pico de torque. Um IVC prematuro aumenta o torque em baixas rotações, mas limita o tempo de enchimento do cilindro, reduzindo a potência nos regimes mais altos. Já um IVC tardio gera mais potência em rotações elevadas, mas o maior tempo de “válvula aberta" propicia  a reversão do fluxo quando o pistão inicia seu movimento ascendente, prejudicando o enchimento do cilindro em baixas rotações.

O segundo colocado em importância é o EVO. Se ocorrer cedo demais, ele limita a quantidade de trabalho realizado pelo pistão (e consequentemente o torque), pois a válvula abre ainda durante a expansão dos gases. Em contrapartida, devido ao maior tempo disponível para a exaustão essa configuração produz mais potência em altas rotações, daí os comandos voltados para o alto desempenho possuírem EVO bastante prematuro.

Observação: Avançar ou atrasar o comando de válvulas consiste em modificar a posição desse eixo em relação ao seu sincronismo original. Se ele for girado para frente no sentido de rotação do motor, dizemos que ele está sendo adiantado (obviamente, se ele for girado no sentido contrário, dizemos que ele está sendo atrasado). Esse ajuste tem por objetivo alterar o momento de ocorrência dos eventos: avançando o comando, obtemos ganhos nos regimes mais baixos; retardando, obtemos o efeito contrário (note que isso funciona como uma gangorra: quando uma extremidade se eleva, a outra desce).

Ir além deste ponto poderia desestimular um leitor menos iniciado a continuar acompanhando esta sequência, pois interessa-lhe mais ter elementos que o ajudem a decidir se compra um carro com motor convencional ou multiválvula, aspirado ou sobrealimentado — e, neste caso, se opta por um turbocompressor ou por um supercharger. É isso que discutiremos nas próximas postagens, depois que eu dedicar mais algumas linhas ao comando de válvulas variável, que até agora só foi mencionado de passagem.  

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

DE VOLTA AO CABEÇOTE — VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS MODELOS MULTIVÁLVULA


NÃO EXISTE IDIOTA MAIOR QUE O APAIXONADO.

Retomo a abordagem sobre o impacto da evolução tecnológica no segmento automotivo a partir de onde a interrompi no último dia 10, depois de falar brevemente sobro os ciclos Atkinson, Miller e B, que, como o Diesel e o Wankel, são "alternativas" ao popular ciclo Otto. Em sendo necessário refrescar a memória, clique aqui para aceder ao capítulo inicial da sequência anterior, aqui para ler o capítulo de abertura da sequência e aqui para acessar a postagem que antecedeu ao penúltimo intervalo.

Para facilitar a compreensão do que está por vir, relembro que um motor a combustão de quatro tempos (ciclo Otto) transforma a energia calorífica do combustível na energia cinética que faz o carro andar. Nos modelos aspirados, o movimento descendente que os pistões realizam no interior dos cilindros durante o ciclo de admissão cria uma depressão que suga a mistura ar-combustível através das válvulas de admissão (que provêm comunicação entre os cilindros e o coletor da admissão).

Na sequência, o movimento ascendente que os êmbolos realizam durante o ciclo de compressão "espreme" a mistura no interior da câmara de explosão (espaço remanescente entre as cabeças dos pistões, no ponto morto superior do curso e a base do cabeçote), e a centelha produzida pela vela de ignição inflama essa mistura, dando início ao ciclo de combustão, no qual os gases compridos se expandem e empurram os êmbolos de volta ao ponto morto inferior (esse movimento linear retilíneo, convertido pela biela em movimento circular, gira o virabrequim). Por último, mas não menos importante, um novo movimento ascendente dos pistões, combinado com a abertura das válvulas de exaustão (que provêm comunicação entre a câmara e o coletor de escapamento), expulsa os gases remanescentes combustão, preparando os cilindros para o início de uma subsequente fase de admissão.

Note que as quatro fases (ou quatro tempos) do ciclo Otto se repetem milhares de vezes por minuto; em marcha lenta, o motor "gira" de 800 a 1000 vezes por minuto; em regime de potência máxima, o giro sobe para algo entre 6000 e 7000 (podendo chegar a 15.000 nos bólidos de Formula 1). Para medir a rotação do motor (ou velocidade angular, como queiram), utiliza-se um tacômetro, vulgarmente conhecido como conta-giros, que expressa essa grandeza em rotações por minuto (RPM).

No motor de 4 tempos, o "momento motor" ocorre a cada duas descidas do pistão, razão pela qual o comando de válvulas gira na metade da velocidade do virabrequim. Como o conta-giros indica as voltas do virabrequim, quando ele marca 4.000 RPM, por exemplo, o motor realiza "apenas" 2.000 ciclos completos (admissão, compressão, combustão e descarga) por minuto. Note que somente a fase de combustão é considerada como "ciclo ativo", já que é a única que realiza trabalho (ou seja, gera torque e potência), e que, inobstante o número de cilindros (4, 6, 8, 12, etc.), uma sequência de distribuição pré-definida impede que dois pistões realizem a mesma fase o mesmo tempo.

Todo motor conta com pelo menos 2 válvulas por cilindro (uma de admissão e outra de escapamento). Nos modelos "multiválvula", que começaram a ser desenvolvidos no início do século passado, mas só passaram a equipar veículos de passeio de alto desempenho nos anos 1980 (a Honda e a Toyota foram as precursoras, mas logo foram seguidas por montadoras dos EUA), pode haver 3, 4, 5 ou mais válvulas por cilindro (vide imagem que ilustra este post).

Mais válvulas de admissão, mesmo que de diâmetro menor, aumentam a quantidade de mistura ar-combustível aspirada pelo pistão na fase de admissão. Combinado com o reposicionamento da vela de ignição na câmara de explosão — que proporciona uma propagação mais rápida da chama e otimiza o aproveitamento da queima —, um volume maior de mistura aumenta a quantidade de energia calorífica e produz mais energia cinética — ou seja, mais torque e potência são despejados nas rodas motrizes.

Ainda que motores "multiválvula" tenham se tornado comuns (voltaremos a esse assunto mais adiante), o ganho de potência em rotações mais altas pode não compensar a diminuição do torque em regimes de giro mais baixos, e como a maioria de nós trafega mais tempo em percursos urbanos (com trânsito congestionado) do que na estrada, a conclusão é óbvia.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

CICLOS OTTO, ATKINSON, MILLER E B


FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO.

Vimos que ao longo das quatro fases (ou tempos) do ciclo Otto o pistão percorre seu curso quatro vezes (por curso, entenda-se a distância entre o PMI, que é o mais afastado do cabeçote e o PMS, que é o mais próximo), alternando movimentos ascendentes e descendentes. Como o tempo de expansão dos gases é superior ao da compressão da mistura, fazer menos força permite melhor aproveitamento da energia liberada (detalhes na imagem que ilustra este post), e é por isso que, no ciclo Atkinson clássico (criado em 1982), o curso percorrido pelo êmbolo na fase de combustão é maior que na de compressão.

O pulo do gato de James Atkinson foi projetar uma conexão diferente do pistão com o virabrequim, mas, na prática, isso tornava o motor mais complexo e, portanto, mais caro e mais sujeito a quebras. O mesmo não acontece nos motores de Fusion Hybrid, Toyota Prius e Lexus CT200h, em tudo iguais a um propulsor do ciclo Otto, mas que na verdade estão mais para o ciclo Miller do que para o Atkinson.

O ciclo Miller consegue efeito parecido ao do Atkinson mudando o tempo de acionamento das válvulas de admissão. Assim, em vez de elas serem fechadas quando o pistão chega ao PMI, como no ciclo Otto, isso ocorre somente quando êmbolo já está subindo em direção ao cabeçote, de modo que parte da mistura volta ao coletor de admissão, tornando a fase de expansão mais "longa" que a de compressão.

Nos exemplos retrocitados, os motores não são classificados como "de ciclo Miller" por não serem sobrealimentados — situação em que um turbo ou um compressor mecânico compensa a queda de potência em relação aos motores de ciclo Otto em veículos que não são híbridos. Nos modelos aspirados, no entanto, a perda de potência é grande: o motor a gasolina usado pelo Toyota Prius e pelo Lexus é um 1.8 que rende modestos 98 cv e 14,2 kgfm de torque, o que é pouco até mesmo para um 1.4. No Fusion Hybrid, seu 2.0 gera 143 cv de potência e 18 kgfm de torque, enquanto o antigo 2.0 Duratec (de ciclo Otto) produz 148 cv e 19,5 kgfm. Em ambos esses casos, porém, a potência inferior do motor à combustão é compensada pela força do propulsor elétrico. Mas há exceções.

Graças ao variador de fase no comando de válvulas, os motores 1.0 e 1.3 Firefly da Fiat conseguem trabalhar (momentaneamente) em ciclo Miller em situações nas quais não se exige muita potência, reduzindo o consumo sem a necessidade de uma fonte de energia extra. Já o motor 2.0 TFSI do Audi A4 trabalha em ciclo B, que difere do Miller por reduzir o tempo de admissão em vez de aumentar o tempo de expansão, mas sem abrir mão do compressor — ao reduzir a quantidade de ar admitida, torna-se necessário menos combustível para se obter a queima perfeita, enquanto o turbo ajuda a reduzir a perda de potência decorrente da menor massa da mistura.

Continua...

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

AINDA SOBRE TORQUE E POTÊNCIA...

OPOSIÇÃO SEM CONTRAPROPOSTA NÃO É POLÍTICA, É MERO EXERCÍCIO DO ESPÍRITO DE PORCO.

É comum associarmos torque a arrancadas e potência a altas velocidades, embora ambas essas forças sejam produzidas pela transformação da energia calorífica da mistura ar-combustível em energia cinética, cresçam na razão direta do aumento do regime de giros do motor (RPM) e atuem em conjunto durante todo o tempo em o veículo é utilizado.

torque costuma "aparecer" bem antes do regime em que a potência máxima é alcançada (vide figura). Motores de grandes cilindradas tendem a gerar mais potência e curvas de torque mais “planas” (com força abundante em praticamente todas as faixas de rotação) do que os de menor cilindrada, que precisam ser mantidos em regimes de giro elevados para produzir força (daí ser preciso reduzir as marchas ao realizar ultrapassagens ou transpor longos trechos em aclive).

Por ser associada a velocidade e desempenho, a potência é usada como referência primária nos veículos leves. Já o torque é associado a força e, portanto, "fala mais alto" e em caminhões, ônibus e utilitários de grande porte. Um motor diesel de 12 litros, por exemplo, gera “módicos” 400 cavalos e incríveis 228 kgfm de torque a 1.200 RPM, ao passo que um Ford Mustang Shelby GT500 produz 770 cavalos, mas entrega “somente” 86,4 kgfm de torque a 7.000 RPM.

torque costuma se expresso em kgfm (quilogramas-força x metro), mas alguns manuais utilizam o Newton-metro1 Nm corresponde ao torque produzido por 1 Newton de força aplicada a 1 m de distância do ponto de rotação, e equivale a aproximadamente 0,10 kgfm. Já a potência pode ser expressa em cavalos-vapor (CV) ou em quilowatts (kW). O quilowatt é a unidade padrão do sistema nacional de unidades definida pela Organização Internacional para Normatização (ISO) e utilizado nas fichas técnicas das montadoras de origem alemã. Fabricantes ingleses e americanos preferem o horse power (HP) e os italianos e franceses, o CV.

ObservaçãoNo Brasil, a maioria das marcas (independentemente da origem) converte suas fichas técnicas para o cv, mas é bom ficar atento à equivalência real entre as medidas: 1 HP corresponde a 745,7 W ou 0,7457 kW e 1 CV, a 0,7355 kW.

A potência em HP é medida no eixo motor, com todos os acessórios necessários para ligá-lo e fazê-lo funcionar autonomamente. O BHP — de brake horse-power —, aferido segundo as (hoje obsoletas) normas americanas SAE J245 e J1995, permitia a retirada de filtro de ar, alternador, bomba de direção hidráulica e motor de partida, além de admitir o uso de coletores de escape dimensionados. Por dar uma ideia de maior potência, essa nomenclatura foi largamente utilizada pelas montadoras.

A diferença entre essa medidas tende a ser inexpressiva em motores de pouca potência  80 HP, por exemplo, representam 81,109 CV. Mas a coisa muda conforme a potência aumenta: os 430 kW do motor V8 do Mercedes AMG Coupé, também por exemplo, equivalem a 577 HP ou 585 CV. Para evitar enganos, converta a potência em kW para HP ou CV com o auxílio de uma calculadora ou recorra a um conversor de potências online (como o do WebCalc).

Para medir o torque, o motor é ligado a um dinamômetro e posto para funcionar com aceleração máxima, mas mantido em várias rotações — 1.000, 2.000, 3.000 etc. — por um freio hidráulico ou elétrico. Conhecido o valor do torque nos diversos regimes de giro, chega-se à potência multiplicando-o pela rotação.

Resumo da ópera: Torque é trabalho e potência é o tempo em que esse trabalho é realizado. O trabalho que um Fusca 1.3 de 46 HP realiza ao subir um aclive é o mesmo que faz um Maverick v8 de 257 HP ao subir a mesma ladeira. A diferença é que o carro mais potente fará o percurso em um tempo incomparavelmente menor. E o mesmo se aplica à aceleração. Submetidos a um teste de aceleração (de 0 a 100 km/h) os dois carros cumprirão a tarefa, mas o Maverick o fará em menos de 8s e Fusca, em letárgicos 38,8s.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

SOBRE O CABEÇOTE E OS MOTORES MULTIVÁLVULA


A FOME É A MELHOR COZINHEIRA.

Das mais priscas eras até pouco tempo atrás, o acionamento das válvulas se dava sempre do mesmo jeito, já que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas ficavam abertas dependia diretamente da geometria dos cames (ressaltos existentes do eixo-comando, que por isso é chamado também de "árvore de cames").

Para melhorar a performance dos propulsores, um dos "venenos" mais comuns sempre foi substituir o comando original por um modelo mais "brabo", ou seja, capaz de gerar mais torque e/ou potência (veremos em breve o que significam esses dois termos) alterando os parâmetros de funcionamento das válvulas. 

A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote (outro "veneno" muito usado pelos preparadores), os benefícios da troca do comando em situações específicas — nas pistas, por exemplo — nem sempre compensavam o desconforto no uso diário: além da marcha lenta instável, o funcionamento do motor em baixas rotações restava prejudicado.

Como sempre, a solução veio nas asas da evolução tecnológica, que nos trouxe os motores multiválvula, o duplo comando variável e outros aprimoramentos voltados inicialmente a veículos esportivos, mas que logo se disseminaram entre os modelos "de passeio" — contribuindo, inclusive, para o "downsizing" dos propulsores (assunto que abordaremos mais adiante).

Por motores "multiválvula", entenda-se os que contam com duas ou mais válvulas de admissão e/ou de escapamento por cilindro. Essa tecnologia remonta ao início do século passado e vinha sendo largamente utilizada em carros de corrida, mas só começou a ser aplicada nos veículos "de linha" na década de 70.  

Substituir 2 válvulas grandes (falo do diâmetro) por 4 válvulas menores evita flutuações em altas rotações, permitindo que o motor funcione melhor em regimes de giro mais elevados — o que, em última análise, aumenta a potência. Por outro lado, cabeçotes multiválvula têm mais componentes e mais partes móveis, o que significa mais peso e maior custo de manutenção. Isso sem mencionar sua tendência de gerar menos torque em rotações baixas e médias, pois a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo de ar no coletor de admissão, tornando a mistura menos homogênea e, consequentemente, limitando a potência gerada pela combustão. Isso não é problema em carros pista e esportivos usados com tal, mas a coisa muda de figura quando se trata de veículos "de passeio", que rodam durante a maior parte do tempo por trechos urbanos e, não raro, congestionados. 

Observação: A indústria automotiva vem utilizando somente comandos de válvulas acionados mecanicamente em veículos de série. Alguns esportivos são equipados com mecanismos adicionais de controle, que permitem modificar o padrão de movimento das válvulas, mas isso é outra conversa. 

Em veículos de entrada de linha e sem pretensões esportivas, os fabricantes continuam aplicando propulsores de 2 válvulas por cilindro. Nos modelos mais caros, voltados a um público alvo que não se importa de pagar mais por melhor desempenho, motores com 3 e até 5 válvulas por cilindro são bastante comuns — nos de 5 válvulasas 3 de admissão são abertas em momentos diferentes, otimizando a queima da mistura, gerando mais potência e gases de escape mais limpos, o que reduz a emissão de poluentes. Mas a maioria dos modelos multiválvula de 4 cilindros têm 16 válvulas — 4 por cilindro, geralmente duas de admissão e duas de escapamento, sendo as de admissão de maior diâmetro, mas há sistemas de 32 válvulas em motores V8 — em que os cilindros são divididos em duas séries de quatro dispostas lado a lado — com 4 válvulas por cilindro.

Não quero dizer com isso que motores de 2 válvulas por cilindro não oferecem desempenho aceitável; tudo depende do projeto — notadamente da velocidade de abertura e fechamento das válvulas, do momento em que elas se abrem e fecham e do tempo durante o qual elas permanecem abertas — e, claro, daquilo que se pretende extrair do propulsor. Mas não é difícil concluir que uma válvula de admissão aberta por mais tempo propicia a aspiração de um volume maior de mistura ar-combustível, o que garante uma explosão mais forte e, consequentemente, gera mais energia cinética. Se explodiu mais‚ é óbvio que há mais gases queimados e, por consequência, a válvula de descarga também precisa ficar mais tempo aberta, e é aí que a porca torce o rabo para os projetistas.

Continua no próximo capítulo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

DE VOLTA À EVOLUÇÃO DO MOTOR À COMBUSTÃO (CICLO OTTO)


TEM GENTE QUE NÃO CONSEGUE ASSOAR O PRÓPRIO NARIZ SEM UM MANUAL DE INSTRUÇÕES.

Pelas razões citadas anteriormente, o número de capítulos desta novela me leva a entremear postagens relacionadas à informática, sob pena de o leitor esquecer que a tecnologia da informação é o carro-chefe deste Blog. Aos recém-chegados e a quem interessar possa, sugiro clicar aqui para ler o post de abertura desta sequência ou aqui para aceder ao capítulo que antecedeu ao último intervalo. Dito isso, vamos adiante.

Da mesma forma como o corpo humano se divide em cabeça, tronco e membros, o motor à combustão do Ciclo Otto divide-se basicamente em cabeçote, bloco e cárter. O bloco (vide figura) é o principal componente, já que abriga os cilindros dentro dos quais pistões ligados por bielas ao virabrequim (ou eixo de manivelas) percorrem seu curso (ou seja, sobem e descem) milhares de vezes por minuto. Em marcha-lenta, o virabrequim gira cerca de 800 vezes por minuto, mas as RPM (rotações por minuto) podem chegar a algo entre 5000 e 7000 no regime de potência máxima — e isso nos veículos de passeio; motores de carros de Fórmula 1 chegam a 18.000 RPM.

Os cilindros podem ser dispostos no bloco de várias maneiras, sendo mais comum ficarem em linha — como nos velhos Chevettes e Opalas da GM —, em "V" — como nos Mavericks e Galaxies da Ford —, ou contrapostos — como nos Fuscas, Brasílias e Kombis e Gols refrigerados a ar (os veículos citados neste exemplo o foram por mero saudosismo deste blogueiro e talvez você nem se lembre deles, mas enfim...). Quanto ao número de cilindros, os Chevettes tinham 4 em linha; os Opalas, 4 ou 6, também em linha; os Mavericks, 4 ou 6 em linha ou 8 em V; os Galaxies, sempre 8 em V; e os modelos da VW retrocitados, 4 cilindros contrapostos (boxer). Há ainda outras tecnologias, como o propulsor Wenkel de pistão rotativo, mas aí já não se trata do Ciclo Otto, que é o espoco desta abordagem.

No interior das "paredes" do bloco, uma "camisa hidráulica" (rede de dutos de lubrificação e arrefecimento) permite a circulação do óleo lubrificante e do líquido de arrefecimento. Note que nos motores modernos, com sistema de refrigeração selada, não se deve usar água (muito menos da torneira, como os frentistas de postos de combustível costumam oferecer para completar o nível do expansor), e sim um líquido de arrefecimento à base de água desmineralizada e etilenoglicol (produto que que não só eleva o ponto de ebulição da água como evita que ela congele em países onde o inverno é rigoroso — mais detalhes nesta postagem).

Note que essa camisa hidráulica se estende também pelo cabeçote, já que o funcionamento do eixo-comando e das válvulas também gera calor. Assim, a junta responsável pelo "casamento perfeito" entre o cabeçote e o bloco é provida de orifícios através dos quais tanto o óleo lubrificante quanto o líquido de arrefecimento, acionados pela bomba de óleo e pela bomba d'água, respectivamente, circulam livremente (mas separadamente) pelas partes altas e baixas do motor.

Por último, mas não menos importante, o cárter (vide imagem à direita), que fica localizado na parte inferior do bloco e funciona como um reservatório de óleo lubrificante . O sistema "úmido", cárter seco, que não fica acoplado ao bloco, mas isso já é outra conversa), facilita a lubrificação do virabrequim e das bielas, já que esses componentes mergulham no óleo a cada giro do motor. Para que o lubrificante alcance as partes altas, uma bomba de óleo acionada mecanicamente conta com um "pescador" que suga o lubrificante e o leva até o cabeçote. Depois de lubrificar o eixo-comando de válvulas e outros componentes da parte alta do motor, o óleo volta ao cárter por gravidade — uma solução simples, mas muito eficaz. Aliás, é por isso que se deve checar o nível do óleo com o motor frio, e também por isso que as medições feitas pelos frentistas sempre acusam falta — o lubrificante está lá, só que não deve tempo de escoar de volta para o cárter.
utilizado na esmagadora maioria dos carros de passeio (alguns modelos de alta performance utilizam 

Observação: Meça o nível do óleo você mesmo, semanalmente, num local plano, de preferência pela manhã, antes de ligar o motor. Na impossibilidade, faça-o somente depois de deixar o motor esfriar por uns 15 minutos (tempo necessário para o óleo escoe das partes altas e retorne ao cárter). O nível deve estar entre as marcas de mínimo e máximo na vareta. Nem mais nem menos. Não invente de colocar mais por “segurança”  além de ser um gasto desnecessário, lubrificante em excesso pode causar vazamentos se os retentores não suportarem o aumento da pressão interna. Além disso, o excesso de óleo pode ir para a câmara de combustão, danificando o catalisador, que é o componente mais caro do sistema de escapamento, ou então sujar as velas, provocando falhas na combustão e prejudicando o funcionamento global do motor. Tenha em mente que os frentistas são comissionados pela venda de óleo, palhetas, aditivos e outros badulaques, daí seu empenho em nos empurrar essas coisas.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, o cabeçote fica para o próximo capítulo.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR DE 4 TEMPOS — CABEÇOTE, VÁLVULAS E EIXO-COMANDO


SE TEMPO É DINHEIRO E EU TENHO TEMPO DE SOBRA, ENTÃO POR QUE NÃO ESTOU RICO?

Repetições são sempre aborrecidas, mas isso não as torna menos necessárias quando o tema é complexo. Para unir o útil ao não tão agradável, eu procuro acrescentar novos detalhes aos repetecos; afinal, o que abunda não excede, e determinados conceitos tendem a ser mais palatáveis quando explicados pela segunda vez. Ou pela terceira. Dito isso, vamos adiante.

Um motor a combustão transforma em energia mecânica a energia química do combustível pela compressão e queima da mistura ar-combustível mediante a ação dos pistões. Nos modelos de ciclo Otto, cada pistão realiza 4 fases (admissão, compressão, combustão e descarga) a cada volta completa do virabrequim. Seu movimento retilíneo vertical é convertido em movimento circular pelas bielas, e repassado pelo volante do motor, com o concurso da embreagem, ao sistema de transmissão, que o distribui para as rodas motrizes, fazendo o veículo se mover ("mover" é força de expressão, já que modelos de alta performance atingem 100 km/h a partir da imobilidade em menos de 3 segundos e alcançam velocidades máximas superiores a 300 km/h).

As subidas e descidas dos êmbolos se dão de maneira alternada (e nem poderia ser diferente). O curso é descendente nas fases de admissão e combustão, e ascendente nas de compressão e descarga.

Isso pode levar um leitor mais atento, mas pouco familiarizado com os meandros da mecânica automotiva, a se perguntar como movimentos do êmbolo no mesmo sentido podem produzir resultados distintos. A explicação é simples, e fica ainda mais fácil de entender se pensarmos no cilindro como uma seringa de injeção: quando introduzimos a agulha na ampola e puxamos o êmbolo, geramos uma depressão que suga o líquido para o interior da seringa. Mal comparando, é isso que ocorre no motor durante a fase de admissão, já que a depressão criada pelo movimento descendente do pistão suga a mistura ar-combustível para dentro do cilindro. A diferença é que a seringa conta com uma única agulha, ao passo que cada cilindro conta com pelo menos duas válvulas (uma de admissão e outra de escapamento).

Como dito e repetido, não existe combustão sem oxigênio. Portanto, antes de ser vaporizado no coletor de admissão, sugado para o interior do cilindro, comprimido dentro da câmara de explosão e inflamado pela centelha da vela, o combustível é misturado com o oxigênio presente no ar atmosférico.

Observação: Por "câmara de explosão" (vide ilustração), entenda-se o espaço entre a base do cabeçote e a cabeça do pistão no ponto morto superior; por "taxa estequiométrica", entenda-se a proporção entre os "ingredientes" que formam a mistura ar-combustível. Uma taxa de compressão de 10:1, por exemplo, significa que a mistura contém 10 vezes mais ar do que combustível.

A câmara de explosão é provida de "janelas", que podem ser em número de 2, 3, 4, 5 ou mais, dependendo do projeto do motor, e cada uma delas é controlada por uma válvula. As válvulas são chamadas "de admissão" quando controlam o fluxo da mistura proveniente do coletor de admissão, e de "de escapamento" quando controlam a expulsão dos gases remanescentes da combustão (que são descarregados na atmosfera através do coletor de escapamento). Nos motores modernos, ambos os coletores são acoplados ao cabeçote, onde também ficam as válvulas, seu eixo-comando e respectivos mancais de apoio molas de retorno de abertura, chavetas, tuchos, balancins, retentores e outros componentes que não vale a pena detalhar neste momento.

Também chamado de "árvore de cames", o eixo-comando sincroniza a abertura e o fechamento das válvulas nas quatro fase do ciclo Otto. Na de admissão, a válvula de mesmo nome (ou válvulas, pois, como dito, pode haver mais do que uma) é aberta, enquanto a(s) de escapamento permanece(m) fechada(s). Na fase de descarga dá-se o inverso, e nas demais (compressão e combustão), todas as válvulas permanecem fechadas.

Diante do exposto, fica fácil entender por que movimentos ascendentes e descendentes do pistão, em fases distintas, produzem resultados diferentes. Para não encompridar demais este texto, deixo para destrinchar nos próximos capítulos o comando e as válvulas, os cabeçotes multiválvula, os comandos variáveis e outros aprimoramentos trazidos pela evolução tecnológica.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR — TAXA ESTEQUIOMÉTRICA — ETANOL X METANOL


O RESSENTIDO É UM ETERNO REFÉM DO PASSADO.

Nos motores de ciclo Otto, o movimento do pistão é descendente nas fases de admissão e de combustão e ascendente nas de compressão e de descarga.

Durante a fase de admissão, a mistura ar-combustível é sugada para o interior do cilindro; na de compressão, ela é "espremida" no interior da câmara de explosão; na de combustão, ela é inflamada pela centelha gerada pela vela de ignição; na de descarga, os gases remanescentes da combustão são expulsos pelo movimento novamente ascendente do pistão, que prepara o cilindro para uma nova fase de admissão.

Observação: Somente o ciclo de combustão é considerado "útil" (no sentido de realizar trabalho, ou seja, gerar energia), mas isso não significa que as demais fases não sejam igualmente importantes, pois cada qual cumpre seu papel.

No capítulo anterior, vimos o que é taxa de compressão e que não se deve confundi-la com taxa estequiométrica. Mas faltou explicar que esta última remete à proporção entre o ar e o combustível que compõem a mistura ar-combustível queimada fase de combustão.

Quem não cabulou as aulas de física no colégio deve estar lembrado de que não há combustão sem oxigênio, daí porque o que é vaporizado, comprimido e inflamado no interior da câmara não é o combustível, mas uma mistura dele com o oxigênio presente na atmosfera.

Tanto nos motores carburados quanto nos equipados com injeção eletrônica (vide ilustração), a proporção entre a gasolina e o ar gira em torno de 12:1 — ou seja, 12 partes de ar para uma de combustível. No álcool, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a mistura precisa ser mais rica — em torno de 8:1, ou seja, 8 partes de ar para uma parte de combustível —, daí a razão pela qual os veículos flex tendem a fazer menos quilômetros por litro com álcool do que com gasolina.

No tempo dos jurássicos carburadores, a taxa estequiométrica era definida por gargulantes (ou giclês), o que tornava impossível alterá-la em tempo real. Assim, veículos projetados para rodar com gasolina não podiam ser abastecidos com etanol (ou até podiam, mas funcionavam mal e bebiam mais que o Lula), e vice-versa.

Essa limitação foi superada com a adoção da injeção eletrônica de combustível — que também propiciou o desenvolvimento dos motores bicombustível que equipam nossos veículos "flex", nos quais o módulo da injeção (centralina) recebe informações em tempo real de sensores estrategicamente posicionados e a partir delas ajusta a mistura às exigências do combustível (gasolina, etanol ou ambos em qualquer proporção) e às necessidades do motor em cada situação específica.

Abro um parêntese para tratar (ainda que em rápidas pinceladas) das principais diferenças entre o etanol e o metanol, começando por dizer que tanto um quanto o outro podem ser usados como combustível em veículos automotores. No entanto, o primeiro — também chamado de álcool etílico (C2H5OH), é obtido através da fermentação do amido e de outros açúcares presentes em vegetais como a cana-de-açúcar, o milho e a beterraba, e além de ser usado como combustível para veículos como alternativa à gasolina, está presente também em bebidas, produtos de limpeza etc.

metanol (CH3OH), por sua vez, não provém da cana ou de outros vegetais; sua obtenção se dá a partir do carvão ou da oxidação do gás metano, o que o torna venenoso e corrosivo — em contato com a pele, ele provoca irritação; a inalação de seus vapores causa náusea e vômitos, e sua a ingestão pode levar à morte.

O metanol costuma ser usado como insumo na produção de solventes de vernizes e tintas, mas, por ser incolor e apresentar odor e sabor semelhantes ao do etanol, também serve de matéria prima para a falsificação de bebidas (como uísque, vodca e assemelhados). Em pequenas quantidades, sua toxicidade é até baixa, mas seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transforma-o em aldeído fórmico (HCOH) e ácido fórmico (HCOOH), e é aí que a porca torce o rabo.

No Brasil, o metanol já serviu para suprir a falta de etanol no mercado, mas de uns tempos a esta parte seu uso como combustível para carros comuns foi proibido, embora ele continue sendo empregado em conpetições automobilísticas, já que propicia uma combustão mais rápida, que implica em maior potência do motor. Por outro lado sua queima gera uma espécie de "chama invisível", que já provocou acidentes sérios em um sem-número de competições.

Como a carga tributária que incide sobre o metanol o torna atraente para os vigaristas de plantão, donos de postos de combustível o adicionam à gasolina para aumentar seus lucros. Segundo os órgãos fiscalizadores, há registros de gasolina batizada com 27% álcool e 23% de metanol, e de casos em que a proporção deste último chega a 50%.

Com isso eu fecho o parêntese e encerro mais este capítulo.