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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

SOBRE O COMANDO DE VÁLVULAS VARIÁVEL E OUTRAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS


O TRÂNSITO DE SÃO PAULO É DE SEGUNDA, MAS OS MOTORISTAS SÃO DE PRIMEIRA. ATÉ PORQUE É QUASE IMPOSSÍVEL ENGATAR A SEGUNDA MARCHA.

Depois de incorporar ao cabeçote as válvulas, respetivo eixo-comando et al, a evolução tecnológica propiciou o surgimento de motores multiválvula com comandos variáveis — um conceito antigo, mas que só recentemente passou a ser aplicado em veículos de passeio sem pretensões esportivas, mediante o qual é possível não só melhorar o torque e a potência, mas também reduzir o consumo de combustível e a emissão de poluentes.

Observação: Aumentando para quatro o número de válvulas por cilindro e adotando o duplo comando para controlar sua abertura e fechamento, otimiza-se o fluxo dos gases e se produz mais potência em alta rotação, mas compromete-se a geração de torque em baixa, o que obriga o motorista a manter o motor sempre "cheio", reduzindo constantemente as marchas e "esticando-as" até o ponteiro do conta-giros atingir a faixa vermelha. No trânsito urbano, isso não só acaba com o prazer de dirigir como aumenta o consumo de combustível e compromete a vida útil dos componentes, daí a adoção dos comandos de válvula variáveis

Por serem capazes de otimizar os índices de torque, potência, consumo e emissão de poluentes, os comandos variáveis vêm sendo largamente utilizados pelos fabricantes, tanto nos pequenos motores tricilíndricos quanto nos poderosos V8. Basicamente, eles funcionam como os "não-variáveis", gerenciando mecanicamente a abertura e o fechamento das válvulas de admissão e escapamento (responsáveis pela entrada da mistura ar-combustível nos cilindros na fase de admissão e pela expulsão dos gases remanescentes da combustão na fase de exaustão).

Embora já existam tecnologias mais sofisticadas, o acionamento das válvulas através de cames (ressaltos excêntricos da árvore de comando que atuam sobre as hastes das válvulas) ainda é a solução mais usada.

ObservaçãoConforme já foi explicado, o comando "pega carona" no movimento rotacional do virabrequim, mas gira com metade da velocidade deste, já que as quatro fases (ou tempos) do ciclo Otto são completadas a cada duas voltas completas do virabrequim, e o "momento motor" se dá na terceira fase (combustão), depois de o pistão ter aspirado e comprimido a mistura (nas fases de admissão e compressão, respectivamente). O motor só funciona se comando e virabrequim trabalharem harmonicamente, porque as válvulas de admissão e escapamento precisam abrir no momento certo do sobe-e-desce dos pistões e permanecer fechadas nas fases durante as fases de compressão e descarga. Para se obter esse resultado, polias dentadas são instaladas na extremidade dianteira de ambos esses eixos e interligadas por uma correia de distribuição (ou corrente, caso o fabricante opte por usar engrenagens em vez das polias). Como as polias são de tamanhos diferentes, o comando gira 360° a cada duas voltas completas (720º) do virabrequim. Na figura que ilustra esta postagem, a mão direita do mecânico aponta para um came do eixo-comando e a esquerda segura a polia dentada de distribuição.

Comandos não-variáveis atuam sobre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente das necessidades específicas do motor nas diversas faixa de rotação. Com a adoção dos comandos variáveis, tornou-se possível obter mais torque em baixas rotações e mais potência em regimes mais elevados de giro sem alterar o deslocamento volumétrico do motor (detalhes no capítulo anterior; sobre torque e potência, sugiro rever o que foi explicado nesta postagem). Apesar de haver diferenças entre os dois sistemas, seus princípios básicos de funcionamento são os mesmos: o came empurra a haste da válvula, fazendo-a vencer a resistência da mola e abrir — ou alivia a pressão, fazendo com que ela retorne à posição original, que é fechada.

A diferença é que os comandos variáveis são capazes gerenciar não só o "momento" do pistão em que a válvula deve abrir e fecha, mas também o tempo durante o qual esta deve permanecer aberta e a dimensão física da abertura (já existem soluções mais avançadas, como o sistema Freevalve, sobre o qual falarei mais adiante).

Como o ciclo Diesel e demais alternativas ao Otto, os motores de 2 tempos fogem ao escopo desta abordagem, mas, da feita que eles foram largamente utilizados em motocicletas — e até mesmo em carros de passeio dos anos 1960 —, resolvi dedicar-lhes algumas linhas na próxima portagem.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

MAIS SOBRE MOTORES MULTIVÁLVULA, COMANDOS VARIÁVEIS E QUE TAIS


NÃO SEJA DERROTISTA. FAÇA COMO OS BOLETOS. UM BOLETO SEMPRE VENCE.

Já vimos que o cabeçote passou de mera "tampa" a "sistema respiratório" dos motores aspirados, nos quais as válvulas e o respectivo eixo-comando controlam o ingresso da mistura ar-combustível nos cilindros — o que, em última análise, gera o torque e a potência que faz o veículo se mover. Todavia, devido às limitações físicas desses componentes os projetistas se têm valido da sobrealimentação para aumentar o desempenho dos propulsores sem recorrer a blocos grandes, com 6, 8 ou mais cilindros. A lógica é simples: forçando a entrada de mais mistura nos cilindros, aumenta-se o poder calorífico da combustão e se obtém mais energia mecânica. E é sobre isso que falarei mais adiante. Antes, porém, cabem mais algumas considerações.

Qualquer alteração no projeto de um veículo — da simples troca das rodas e pneus por outros de dimensões diferentes das originais ao envenenamento do motor para extrair até a última gota de desempenho — deve levar em conta o que, exatamente, se espera obter com a modificação. No caso específico do desempenho, a solução para quem quer transformar um carro de passeio num recordista em arrancadas, por exemplo, é diferente da que o tornaria um devorador de estradas, embora ambas comecem pela avaliação criteriosa de parâmetros como o diâmetro e o curso dos pistões (que determinam o deslocamento volumétrico do propulsor e, em última análise, sua capacidade de produzir energia), o tamanho das válvulas, as faixas de rotação máximas (atual e pretendida), a relação de compressão, e por aí vai.  

Em teoria, nos motores de ciclo Otto a válvula de admissão abre a 0° e fecha a 180°, e a de escapamento a 540° e 720°, respectivamente. Esses ângulos têm a ver com o movimento rotacional do virabrequim e são medidos com base no primeiro cilindro. Mas tanto as válvulas quanto os componentes responsáveis por sua movimentação possuem massa considerável e podem sofrer danos se forem submetidos a uma aceleração instantânea, daí o comando iniciar a abertura da válvula mais cedo e ter uma menor aceleração, evitando a ocorrência de um fenômeno conhecido como "flutuação".

Igualmente importante é a relação entre as áreas da válvula e do cilindro: se ela for pequena, haverá maior resistência ao enchimento dos cilindros nas faixas mais altas de rotação do motor, razão pela qual a duração dos lobes — ou cames, como são chamados os ressaltos excêntricos que convertem o movimento rotativo do eixo-comando em alternativo para as válvulas — deve ser maior que os respectivos tempos de admissão e escape. Trocando em miúdos, quanto maior a duração do came, maior a eficiência do motor e os picos de torque e potência em regimes de rotação elevados. 

Por outro lado, veículos preparados para provas de arrancada, por exemplo, tendem a apresentar uma reversão de fluxo na admissão que pode comprometer sua dirigibilidade em baixas rotações. Assim, motores que equipam carros "de passeio" utilizam comandos de válvulas com pequenos valores de duração, já que o anda-e-para do trânsito, o rodar em baixas velocidades e as constantes retomadas demandam uma curva de torque mais "plana" — isto é, com força abundante em baixas rotações, mas disponível também nos demais regimes de giro (para saber mais, releia esta postagem).

Dos quatro os eventos associados às válvulas — IVO, que é quando a válvula de admissão abre, IVC, que é quando ela fecha, EVO, que é quando a válvula de escape abre, e EVC, que é quando ela fecha —, o mais importante é o IVC, que determina como a pressão de enchimento do cilindro ocorre e, consequentemente, o momento em que se dá o pico de torque. Um IVC prematuro aumenta o torque em baixas rotações, mas limita o tempo de enchimento do cilindro, reduzindo a potência nos regimes mais altos. Já um IVC tardio gera mais potência em rotações elevadas, mas o maior tempo de “válvula aberta" propicia  a reversão do fluxo quando o pistão inicia seu movimento ascendente, prejudicando o enchimento do cilindro em baixas rotações.

O segundo colocado em importância é o EVO. Se ocorrer cedo demais, ele limita a quantidade de trabalho realizado pelo pistão (e consequentemente o torque), pois a válvula abre ainda durante a expansão dos gases. Em contrapartida, devido ao maior tempo disponível para a exaustão essa configuração produz mais potência em altas rotações, daí os comandos voltados para o alto desempenho possuírem EVO bastante prematuro.

Observação: Avançar ou atrasar o comando de válvulas consiste em modificar a posição desse eixo em relação ao seu sincronismo original. Se ele for girado para frente no sentido de rotação do motor, dizemos que ele está sendo adiantado (obviamente, se ele for girado no sentido contrário, dizemos que ele está sendo atrasado). Esse ajuste tem por objetivo alterar o momento de ocorrência dos eventos: avançando o comando, obtemos ganhos nos regimes mais baixos; retardando, obtemos o efeito contrário (note que isso funciona como uma gangorra: quando uma extremidade se eleva, a outra desce).

Ir além deste ponto poderia desestimular um leitor menos iniciado a continuar acompanhando esta sequência, pois interessa-lhe mais ter elementos que o ajudem a decidir se compra um carro com motor convencional ou multiválvula, aspirado ou sobrealimentado — e, neste caso, se opta por um turbocompressor ou por um supercharger. É isso que discutiremos nas próximas postagens, depois que eu dedicar mais algumas linhas ao comando de válvulas variável, que até agora só foi mencionado de passagem.  

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA -- O CABEÇOTE DO MOTOR

NÃO GRITE A SUA FELICIDADE, POIS A INVEJA TEM SONO LEVE.

Vimos que, entre o cabeçote e o bloco do motor, uma junta assegura a perfeita vedação das câmaras de combustão e a continuidade dos circuitos de refrigeração e lubrificação do motor.

Na parte superior do cabeçote, ficam os mancais de apoio do comando de válvulas de admissão e de escapamento, as molas de retorno de abertura, as chavetas, os tuchos, os balancins e os retentores; na parte inferior, a câmara de combustão, as sedes de válvulas e, rosqueada na câmara, a vela de ignição, que é responsável por produzir a centelha que inflama a mistura no ciclo de combustão.

Nas "paredes" do cabeçote, dutos funcionam como "galerias" por onde circulam (separadamente) o líquido de arrefecimento e o óleo lubrificante

Observação: A título de cultura inútil — já que os graxeiros de garagem são uma categoria em extinção —, a folga entre os eletrodos da vela deve ser ajustada de acordo com as especificações do fabricante. Para tanto, utiliza-se um calibre de folga, não o olhômetro ou uma folha de serra. Alguns motores são projetados para usar velas com múltiplos eletrodos, e também há cabeçotes de fluxo simples e de fluxo cruzado — nestes últimos, a admissão da mistura ar-combustível entra por um lado e os gases resultantes da combustão saem pelo outro, porém as vantagens se resumem basicamente ao aproveitamento de espaço —, mas isso é outra conversa.

Além de facilitar a manutenção do motor, o cabeçote é essencial para seu bom desempenho, pois determina o formato e o volume da câmara de combustão, a passagem dos gases de admissão e escape, o funcionamento das válvulas e seu comando. Alterando esse o projeto (ou simplesmente rebaixando o cabeçote), é possível alterar significativamente o desempenho do motor, mas isso também é outra conversa.

A figura que ilustra esta postagem mostra a parte inferior do cabeçote de um motor de 4 cilindros e 16 válvulas (quatro válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e duas de escapamento). Modelos de 8 válvulas continuam sendo largamente utilizados, e também existem configurações com 3 ou 5 válvulas, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Nos antigos motores "flat head" (cabeça chata, em tradução literal), esse componente, que era basicamente uma simples "tampa" da câmara de combustão", abrigava somente a vela de ignição; as válvulas de admissão e escapamento ficavam no bloco do motor. Hoje em dia, praticamente todos os motores de quatro tempos (ciclo Otto) são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), que otimiza significativamente os fluxos de admissão da mistura ar-combustível e do escape dos gases resultantes da combustão em relação à arcaica configuração com válvulas no bloco do motor.

A tecnologia SOHC reposicionou o eixo-comando de válvulas no cabeçote, garantindo melhor acionamento com menos partes móveis e maior durabilidade do conjunto, além de permitir que o motor trabalhe em regimes de giro mais elevados. Mais adiante, os DOHC — com duas árvores de comando de válvulas no cabeçote (vide ilustração à direita) — e os comandos variáveis otimizaram o funcionamento do propulsor, aprimorando seu desempenho e reduzindo o consumo de combustível.

Numa visão simplista, mas adequada aos propósitos desta postagem, o comando de válvulas é um eixo com cames (ressaltos excêntricos) ligado ao virabrequim (eixo de manivelas que, com o auxílio das bielas, movimenta os pistões dentro dos cilindros) por engrenagens ou polias acionadas por correias ou correntes, de maneira a garantir que as válvulas de admissão e escapamento trabalhem sincronizadas com o sobe e desce dos pistões. Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nas diversas faixas de rotação, os comandos variáveis permitem alterar o curso e tempo de abertura das válvulas conforme a faixa de rotação, de maneira a privilegiar o desempenho ou a economia de combustível (o comando comum, não variável, abre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor).

Continua no próximo capítulo