quarta-feira, 18 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR — TAXA ESTEQUIOMÉTRICA — ETANOL X METANOL


O RESSENTIDO É UM ETERNO REFÉM DO PASSADO.

Nos motores de ciclo Otto, o movimento do pistão é descendente nas fases de admissão e de combustão e ascendente nas de compressão e de descarga.

Durante a fase de admissão, a mistura ar-combustível é sugada para o interior do cilindro; na de compressão, ela é "espremida" no interior da câmara de explosão; na de combustão, ela é inflamada pela centelha gerada pela vela de ignição; na de descarga, os gases remanescentes da combustão são expulsos pelo movimento novamente ascendente do pistão, que prepara o cilindro para uma nova fase de admissão.

Observação: Somente o ciclo de combustão é considerado "útil" (no sentido de realizar trabalho, ou seja, gerar energia), mas isso não significa que as demais fases não sejam igualmente importantes, pois cada qual cumpre seu papel.

No capítulo anterior, vimos o que é taxa de compressão e que não se deve confundi-la com taxa estequiométrica. Mas faltou explicar que esta última remete à proporção entre o ar e o combustível que compõem a mistura ar-combustível queimada fase de combustão.

Quem não cabulou as aulas de física no colégio deve estar lembrado de que não há combustão sem oxigênio, daí porque o que é vaporizado, comprimido e inflamado no interior da câmara não é o combustível, mas uma mistura dele com o oxigênio presente na atmosfera.

Tanto nos motores carburados quanto nos equipados com injeção eletrônica (vide ilustração), a proporção entre a gasolina e o ar gira em torno de 12:1 — ou seja, 12 partes de ar para uma de combustível. No álcool, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a mistura precisa ser mais rica — em torno de 8:1, ou seja, 8 partes de ar para uma parte de combustível —, daí a razão pela qual os veículos flex tendem a fazer menos quilômetros por litro com álcool do que com gasolina.

No tempo dos jurássicos carburadores, a taxa estequiométrica era definida por gargulantes (ou giclês), o que tornava impossível alterá-la em tempo real. Assim, veículos projetados para rodar com gasolina não podiam ser abastecidos com etanol (ou até podiam, mas funcionavam mal e bebiam mais que o Lula), e vice-versa.

Essa limitação foi superada com a adoção da injeção eletrônica de combustível — que também propiciou o desenvolvimento dos motores bicombustível que equipam nossos veículos "flex", nos quais o módulo da injeção (centralina) recebe informações em tempo real de sensores estrategicamente posicionados e a partir delas ajusta a mistura às exigências do combustível (gasolina, etanol ou ambos em qualquer proporção) e às necessidades do motor em cada situação específica.

Abro um parêntese para tratar (ainda que em rápidas pinceladas) das principais diferenças entre o etanol e o metanol, começando por dizer que tanto um quanto o outro podem ser usados como combustível em veículos automotores. No entanto, o primeiro — também chamado de álcool etílico (C2H5OH), é obtido através da fermentação do amido e de outros açúcares presentes em vegetais como a cana-de-açúcar, o milho e a beterraba, e além de ser usado como combustível para veículos como alternativa à gasolina, está presente também em bebidas, produtos de limpeza etc.

metanol (CH3OH), por sua vez, não provém da cana ou de outros vegetais; sua obtenção se dá a partir do carvão ou da oxidação do gás metano, o que o torna venenoso e corrosivo — em contato com a pele, ele provoca irritação; a inalação de seus vapores causa náusea e vômitos, e sua a ingestão pode levar à morte.

O metanol costuma ser usado como insumo na produção de solventes de vernizes e tintas, mas, por ser incolor e apresentar odor e sabor semelhantes ao do etanol, também serve de matéria prima para a falsificação de bebidas (como uísque, vodca e assemelhados). Em pequenas quantidades, sua toxicidade é até baixa, mas seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transforma-o em aldeído fórmico (HCOH) e ácido fórmico (HCOOH), e é aí que a porca torce o rabo.

No Brasil, o metanol já serviu para suprir a falta de etanol no mercado, mas de uns tempos a esta parte seu uso como combustível para carros comuns foi proibido, embora ele continue sendo empregado em conpetições automobilísticas, já que propicia uma combustão mais rápida, que implica em maior potência do motor. Por outro lado sua queima gera uma espécie de "chama invisível", que já provocou acidentes sérios em um sem-número de competições.

Como a carga tributária que incide sobre o metanol o torna atraente para os vigaristas de plantão, donos de postos de combustível o adicionam à gasolina para aumentar seus lucros. Segundo os órgãos fiscalizadores, há registros de gasolina batizada com 27% álcool e 23% de metanol, e de casos em que a proporção deste último chega a 50%.

Com isso eu fecho o parêntese e encerro mais este capítulo.