Publicar fatos de interesse público é a função precípua do
jornalista; divulgar fatos de interesse do público é coisa de fofoqueiro. Mesmo assim, precedo meu artigo de hoje da informação sobre a alta médica do presidente Bolsonaro, que deixou o hospital na tarde de ontem. Nosso indômito capitão ficou de molho durante oito dias no Hospital Vila Nova Star, onde foi
submetido a mais uma cirurgia no abdome, desta feita para resolver problemas de
aderência e corrigir uma hérnia incisional. Diferentemente das outras vezes, ele não se internou
no Hospital Albert Einstein, pois o cirurgião Antonio Luiz Macedo,
que o acompanha desde sua transferência da Santa
Casa de Juiz de Fora para São Paulo, trocou o nosocômio israelita, onde trabalhou
durante 4 décadas, pelo hospital da Rede
D'Or. Fala-se que seu passe vale ouro e que seu salário é de sete dígitos. Enfim, preparemo-nos para a mais recente versão da franquia O Retorno da Múmia. Dito isso, vamos adiante:
O Tesouro secou. Não há dinheiro nem para fazer frente às despesas mais comezinhas. Bolsonaro não só cogita flexibilizar a lei do teto dos gastos, "para não ter de cortar a luz dos quartéis", como sugere espaçar as idas ao banheiro, para economizar papel higiênico. Isso e outras bobagens que nem vale a pena repetir.
É nesse contexto que os deputados, depois de aprovarem a
toque de caixa e em votação simbólica e secreta a lei de abuso de autoridade egressa do Senado — da lavra de Renan Calheiros, que coloca barreiras
legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato —, preparam mais uma emboscada à carteira dos contribuintes:
um projeto que modifica
as regras eleitorais e partidárias — já aprovado na Câmara e prestes a
ser referendado pelo Senado — prevê, dentre outras barbaridades, o aumento
fundo eleitoral de R$ 1,8 bilhão
para R$ 3,7 bilhões.
Trata-se de mais uma evidência cabal de que o interesse
público se encontra indefeso no Congresso, que quer a compreensão de todos para
restaurar velhas práticas. Como bem lembrou Josias de Souza em seu Blog, os partidos sempre foram financiados
pelo déficit público, mas agora o dinheiro já não faz escala na caixa
registradora de empreiteiras e de empresas fornecedoras do governo. A grana que
financia a fuzarca escorre agora diretamente do Tesouro Nacional para as arcas das legendas. Mal comparando, é como
se os políticos se colocassem na posição do personagem da anedota em que o sujeito
mata pai e mãe e, no dia do julgamento, pede ao tribunal de júri que tenha
misericórdia com um pobre órfão. A diferença entre os parlamentares e o órfão
assassino é que deputados e senadores matam a paciência alheia sem pedir
perdão.
Resta saber de onde virão os recursos para bancar essa farra
do boi, se já não há dinheiro para comprar giz para as escolas nem esparadrapo
para os hospitais. O Plano A, que
era recriar a CPMF sob o argumento
de que o gambá retirado da cartola viraria um lindo coelhinho quando fosse
apresentado como alternativa à desoneração da folha salarial, foi descartado,
levando de embrulho o secretário da Recita
Federal, penabundado um dia depois da divulgação, pelo secretário-adjunto
da Receita, de um imposto nos moldes da execrável "contribuição sobre movimentações financeiras". Já o Plano B… Não havia um Plano B.
Deputado, o hoje presidente Bolsonaro esculhambou a CPMF.
"Uma desgraça", dizia. Coisa de "cara de pau", enfatizava.
Candidato, jurou que jamais admitiria a volta da encrenca caso fosse eleito. Ainda
assim, Paulo Guedes e os frentistas
do Posto Ipiranga não tinham pensado
na possibilidade de o Plano A não
dar certo.
Demitido da chefia da Receita, Marcos Cintra, o apologista da CPMF,
reforça a ausência de um plano de contingência. Segundo ele, a volta do nefando
"imposto do cheque" seria a única alternativa viável de fazer a
desoneração da folha. Aposta que Guedes
e seu staff terão de ressuscitar o defunto, ainda que "de maneira
modificada, atenuada e mais gradativa".
O superministro encomendou estudos novos aos sobreviventes da
equipe. Improvisa-se uma alternativa em cima do joelho. Quem dá ouvidos a Marcos Cintra fica tentado a concluir
que o Plano B de Guedes é a versão atenuada do Plano A. Consiste em oferecer ao
brasileiro um sacrifício à vista — a mordida do imposto seminovo — e um
benefício a prazo — a hipotética criação de empregos que resultaria da
desoneração da folha.
Antes de ser deposta e de virar cuidadora de netos, a folclórica
gerentona de araque tentou executar o
pedaço final da mágica. Mas o gambá da época (renúncia fiscal, sem novo imposto
para compensar) não virou coelho e a fila do desemprego continuou crescendo.
Parece incrível que ninguém, na pasta da Economia, tenha
previsto que Bolsonaro poderia, em
algum momento, interditar a recriação de um tributo que sempre abominou. Faltou
no quadro de funcionários do Posto
Ipiranga uma criança de cinco anos para prever o que poderia acontecer. A
mesma criança constataria que, em matéria tributária, o governo está
desnorteado.
Há no Congresso duas propostas de reforma tributária.
Nenhuma delas traz as digitais do governo: na Câmara, corre o projeto do
deputado Baleia Rossi; no Senado, a
proposta elaborada sob a coordenação do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Com oito meses e meio de existência, tudo que o
governo conseguiu exibir em termos tributários foi uma crise do Plano B.
Quando Bolsonaro
declarou que encontrara um Posto
Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, não se imaginou que
faltaria combustível tão cedo.