Mostrando postagens com marcador Paulo Guedes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Guedes. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

TEMPOS ESTRANHOS




TEMPOS ESTRANHOS SÃO ESSES EM QUE VIVEMOS, QUANDO VELHOS E JOVENS SÃO ENSINADOS NA ESCOLA DA FALSIDADE. E O ÚNICO HOMEM QUE SE ATREVE A DIZER A VERDADE É CHAMADO DE UMA SÓ VEZ UM LOUCO E INSENSATO.”

O epigrama acima, atribuído a Platão, tem servido de inspiração para o vice-decano do STF demonstrar sua insatisfação com tudo e todos, mostrando-se, inclusive, irritado com uma advogada que, durante sustentação oral, dirigiu-se aos supremos togados usando o "desrespeitoso" pronome "vocês" — que na verdade é a forma sincopada de "vossas mercês": "Presidente", disse o primo de Fernando Collor e luminar do saber jurídico, "novamente um advogado se dirige aos integrantes do tribunal como 'vocês'! Há de se observar a liturgia". Faltam apenas 18 meses para a aposentadoria compulsória de sua excelência, que talvez ainda aproveite o tempo que lhe resta para propor a adoção daquelas ridículas perucas brancas, de crina de cavalo, que os juízes do Reino Unido usavam aboliram há mais de 10 anos por achá-las antiquadas e inadequadas ao tempos atuais (estranhos ou não).

Atribui-se a Aristóteles a divisão do Estado em três poderes independentes, e a Montesquieu a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais aceito atualmente. A ideia era não deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar, já que a concentração de poder tende a gerar abusos, e um poder que se serve em vez de servir é um poder que não serve. No Brasil contemporâneo, no entanto, nem o quarto poder escapa, já que parte da imprensa foi aparelhada pelos petralhas esquerdopatas, que não veem — ou fingem não ver — que o comunismo e o socialismo não produziram bons resultados em nenhum país do mundo, como comprovam a desgraça que se abateu sobre a Pérola do Caribe sob o jugo da Dinastia Castro, a calamidade que tomou conta da Venezuela sob a égide do Maduro que não cai do galho, as diferenças gritantes entre a Coreia do Sul e a do Norte.

Em Hong Kong, a ilha-­problema onde os jovens tomaram as ruas e há meses exigem, em última instância, voz ativa sobre seu destino, a única eleição mais ou menos livre permitida à população resultou em fragorosa — e aparentemente inesperada — derrota de Pequim. No mesmo dia, um consórcio de jornais publicou um relatório devastador sobre os campos de detenção na província de Xinjiang, no noroeste do país, onde 1 milhão de chineses da minoria muçulmana uigur foram internados a pretexto de combater o extremismo religioso. E por aí segue a procissão de exemplos.

Talvez por isso o PT seja o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam e do ex-presidente ladrão que se ufanava (quiçá ainda se orgulhe) de ter chegado onde chegou sem jamais ter lido um livro na vida.

Falando em ex-presidentes, dos que foram eleitos pelo voto popular desde a democratização — ou que assumiram o cargo devido a impedimento do titular da vez —, somente Fernando Henrique não foi processado. Collor e Dilma não só foram penabundados do cargo (por corrupção e incompetência, respectivamente) como são réus na Justiça Penal, e ainda continuam soltos graças à morosidade e a leniência do Judiciário. Lula e Temer colecionam processos e já foram presos, mas aguardam em liberdade a tramitação das ações/julgamento dos recursos. É surreal!

No caso de Lula, a coisa é ainda pior. Embora tenha sido condenado em dois processos — por três instâncias no caso do tríplex no Guarujá e por duas no do sítio em Atibaia —, o picareta foi agraciado por uma decisão sob medida da banda podre do STF, que, por 6 votos a 5, restabeleceu o império da impunidade ao proibir que criminosos condenados em segunda instância aguardassem presos o julgamento de seus recursos nas Cortes superiores. Assim, o troçulho de Garanhuns assomou do esgoto a céu aberto em que se transformou o cenário político nacional e brinca de palanque ambulante, com total complacência do TSE, que parece achar natural candidatos a candidatos ao Palácio do Planalto fazerem comícios três anos antes das próximas eleições. Com a bênção do Judiciário, o sacripanta vermelho está liberado para mostrar ao mundo que, no País do Carnaval, um corrupto juramentado pode ofender impunemente autoridades que não têm contas a acertar com a Justiça. Mas não vai escapar da lei da Ficha Limpa. Para o dono da alma viva mais honesta do Brasil, as chances de disputar uma eleição são menores que as de ser canonizado pelo Vaticano.

Tempos estranhos, diz o ministro Marco Aurélio. Bota estranho nisso!

O óbvio ululou na tarde de ontem, quando a montanha suprema pariu o rato da vez, incluindo a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal na tese sobre o compartilhamento de dados fiscais sigilosos, para fins penais, com o Ministério Público e a Polícia Federal, dispensando prévio aval judicial. O único voto dissonante foi o do ministro Marco Aurélio — coberto com a suprema toga pelo então presidente Fernando Collor, seu primo, que foi impichado do Planalto e teve os direitos políticos cassados, mas elegeu-se senador graças ao esclarecidíssimo povo das Alagoas, terra de Renan Calheiros, de Arthur Lira e de muitas gentes boas (ficou estranho, mas rimou).

O apaniguado de Collor sempre teve predileção especial por ser voto vencido e foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância.

Enfim, o Supremo precisou de seis sessões para concluir que órgãos de investigação servem para investigar, que a liminar absurda do presidente da Corte era absurda e que tudo fica como antes no Quartel de Abrantes. Daí a morosidade da Justiça tupiniquim, maior responsável pela sensação de impunidade (bom seria se fosse só sensação) que fomenta a corrupção endêmica da classe política neste arremedo de república, onde processos movidos contra acusados que têm cacife para contratar criminalistas estrelados levam décadas para ser concluídos — isso quando a prescrição não frustra a pretensão punitiva do Estado. Mas isso já é outra conversa.

Enquanto isso, Senado e Câmara Federal se mobilizam para agilizar o rito das Casas e aprovar o mais rapidamente possível a prisão após segunda instância, corrigindo o supremo erro crasso que restituiu aos condenados a possibilidade de aguardar soltos a decisão de seus recursos aos tribunais superiores, como foi durante míseros (mas nefastos) sete anos das últimas oito décadas. A Câmara instalou uma comissão que visa tratar do assunto por meio de uma emenda à Constituição; no Senado, Simone Tebet, presidente da CCJ, agendou para a próxima terça-feira a votação de um projeto de lei que modifica o Código de Processo Penal, cuja tramitação é mais simples e rápida de aprovar do que a emenda constitucional que tramita na Câmara. Entretanto, ainda que os senadores o aprovem, é preciso pressão da sociedade para que o projeto não seja engavetado quando chegar à Câmara.

Enquanto isso, na Assembleia Legislativa de São Paulo, cenas de baixaria, com direito a pugilato explicito, chocam (ou divertem, dependendo do ponto de vista) os paulistas e os demais brasileiros. Confira no vídeo:



Antes de encerrar, um texto do impagável J.R. Guzzo sobre as supremas barbaridades que conspurcam este arremedo de banânia:

O planeta Terra seria um lugar perfeitamente insuportável se todo o mundo, sem nenhuma exceção, dissesse sempre a verdade, o tempo todo, para todas as outras pessoas que conhecesse. Já imaginou? É melhor não imaginar. O fato é que esta vida precisa ter os seus momentos de hipocrisia, para funcionar com um mínimo de paz — mas também é fato que as autoridades da nossa vida pública não precisavam exagerar. É a velha história: gente que manda não perde praticamente nenhuma oportunidade de ficar cega para os seus próprios desastres, mas nunca é surda, nem por um minuto, para qualquer erro que possa ser cometido pelos outros.

O hipócrita, felizmente, é um bicho que só morde de verdade quando consegue esconder que está sendo hipócrita — quando a sua hipocrisia fica na cara de todo mundo, como vive acontecendo, o mal que faz não leva a lugar nenhum. É o caso, neste preciso momento, do ministro Dias Toffoli, que acaba de compartilhar com o resto da nação suas preocupações com a má imagem que os investidores estrangeiros fariam do Brasil depois de uma declaração do ministro Paulo Guedes sobre o AI-5. Teria o ministro sugerido a ressurreição do “Ato”, que está morto há 40 anos — quatro vezes mais, aliás, que o tempo durante o qual esteve vivo? Não. Ele disse o seguinte: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, no caso de haver baderna na rua, em vez de oposição na política.

É livre, obviamente, o julgamento de cada um sobre o que disse Guedes. O que não tem cabimento é imaginar que Toffoli está sendo aquilo que ele finge que é — um cidadão aflito com o futuro do investimento externo no Brasil. Se há alguém nesse País que assusta o investidor, de qualquer nacionalidade, é ele mesmo, em pessoa — junto com os seus parceiros de STF que proibiram a prisão de criminosos condenados em segunda instância. Isso sim é construir a imagem de uma nação sem lei.

Para encerrar: nos tempos de antanho, quando não havia essa absurda patrulha do "politicamente correto" e podia-se contar piadas de papagaio sem o risco de ser processado pela ave, uma anedota dizia que, numa entrevista de emprego, o entrevistador perguntou ao candidato se ele era casado. "Sim", foi a resposta. "Com quem?", perguntou o entrevistador. "Com uma mulher", respondeu o candidato. E o entrevistador, já irritado: "O senhor conhece alguém que seja casado com um homem?". "Sim", respondeu o sujeito. "Quem?", insistiu o entrevistador. "A minha mulher", disse, candidamente, o candidato.

Havendo tempo e jeito, assista ao vídeo a seguir:

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

POR QUE NÃO TE CALAS, GUEDES?



Se Bolsonaro não aprendeu nada com Paulo Guedes nestes 11 meses de governo, o ministro parece ter absorvido por osmose a vocação inata do capitão para falar merda, como deixou bem claro duas vezes seguidas numa entrevista em Washington (EUA).

É fato que essa coisa de “AI-5”, que a maioria nem sabe o que é, virou uma tremenda chatice. Ninguém pode abrir a boca para dizer “AI-5” e a elite do bem entra em crise de nervos imediata. Nem é preciso defender, basta mencionar para ser excomungado. Sabendo disso, só não evita quem não quer.

Conhecido por seu pavio curto, o Posto Ipiranga de Bolsonaro mordeu a isca jogada pelo dublê de semeador do caos e sumo-pontífice da seita do inferno, que recuperou a liberdade por uma decisão do STF ainda mais estapafúrdia que as falas infelizes do ministro e agora assumiu o papel revolucionário-mor deste arremedo de república, onde ninguém parece ter colhões para pôr ordem no galinheiro e devolver esse crápula vermelho ao lugar a que ele pertence.

O primeiro troçulho veio à luz quando o ministro disse que "ninguém deve estranhar se alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicalização dos protestos de rua no Brasil", e o cagalhão seguinte, quando, face à redução da Selic, afirmou que "a cotação de equilíbrio do dólar tende a ir para um lugar mais alto", e que "flutuações no câmbio não são motivo de preocupação".

Diante dessas lamentáveis asnices, a cotação da moeda americana disparou — forçando o BC a intervir duas vezes para conter a alta — e o índice B3 da Bolsa de Valores despencou quase 2 pontos.

Torno a dizer que nosso presidente falastrão, admirador confesso dos tempos do "prendo e arrebento" (falo da ditadura que sucedeu ao golpe de 1964 e durou vinte e um anos), criticou os generais por prenderem demais e matarem de menos, e agora, por medo de melindrar os togados supremos que blindaram seu primogênito das investigações do "caso Queiroz", fecha-se em copas e engole calado todos os sapos a que têm direito. Lembro também que o próprio Lula, depois de ser conduzido coercitivamente para depor na PF do Aeroporto de Congonhas em 2016, ensinou que "para matar a jararaca é preciso bater na cabeça; como bateram no rabo, a jararaca continua viva como sempre esteve". 

Não se controla a hidrofobia acorrentando o cão raivoso; é preciso sacrificar o animal. Mas pensar está longe de ser nosso esporte nacional, daí o brasileiro ter tanta dificuldade para aprender as lições que vida dá. Dito isso, passo a palavra ao mestre Josias de Souza:

O medo tem múltiplos olhos. Eles são invisíveis. E enxergam coisas no subsolo da existência. Já se sabia que a família Bolsonaro cria as assombrações e depois se assusta com elas. Descobre-se agora que os fantasmas dos Bolsonaro apavoram também Paulo Guedes. Com pânico de Lula, o ministro da Economia teve um surto de inépcia. Aderiu ao radicalismo da estupidez. Numa viagem em que deveria acalmar investidores nos Estados Unidos, Guedes conseguiu inquietar observadores no Brasil.

Numa única entrevista, revelou-se alérgico ao cheiro de asfalto — "Acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça" —, sensível aos pendores repressivos de Jair Bolsonaro — "Ele só pediu o excludente de ilicitude" — e permeável a aventuras ditatoriais — "Não se assustem se alguém pedir o AI-5". Sob o impacto do ronco emitido pelas ruas em países vizinhos, atribuiu a letargia das reformas pós-Previdência ao medo do monstro: "Qualquer país democrático, quando vê o povo saindo para a rua, se pergunta se vale a pena fazer tantas reformas ao mesmo tempo."

Na sequência, o ministro elegeu Lula como culpado pela insanidade que o rodeia: "Assim que ele [Lula] chamou para a confusão, veio logo o outro lado e disse: "É, sai pra rua, vamos botar um excludente de ilicitude, vamos botar o AI-5, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Que coisa boa, né? Que clima bom!".

Lulafóbico, o ministro perdeu a noção do tempo e do ridículo. Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três, levou o AI-5 à vitrine antes do discurso de porta de cadeia em que a divindade petista exaltou as manifestações que sacodem a América Latina. De resto, os bolsonaristas é que tomaram gosto pelas ruas. Praticam a democracia direta, na qual o meio-fio e a internet produzem maioria parlamentar na marra.

Lula e o petismo não se auto atribuem tanto poder. No ano passado, ao discursar no comício que antecedeu a sua prisão, Lula testou seus poderes ao convocar os devotos para "queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas, as ocupações no campo e na cidade…" O orador foi em cana. E seus seguidores foram para casa.

No 7º Congresso do PT, encerrado no domingo passado, a ala esquerdista da legenda sugeriu a adesão ao "Fora Bolsonaro". O grupo majoritário, liderado por Lula, injetou no documento aprovado no encontro uma emenda que expõe os pés de barro do petismo. Ficou decidido que a direção do PT pode exigir a saída de Bolsonaro a qualquer momento, desde que se materialize uma "evolução das condições sociais", da "percepção pública sobre o caráter do governo" e da "correlação de forças".

Quer dizer: a insurreição das ruas não depende de Lula. O asfalto só vai roncar se Bolsonaro e Guedes fornecerem material. E a dupla parece decidida a corresponder às expectativas dos seus adversários. Há irresponsáveis na oposição. Mas nada supera a irresponsabilidade de um governo que, tendo 12 milhões de desempregados para atender, prefira transformar o país num trem-fantasma.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

BRASILHA DA FANTASIA? PERGUNTA ALI NO POSTO IPIRANGA


Publicar fatos de interesse público é a função precípua do jornalista; divulgar fatos de interesse do público é coisa de fofoqueiro. Mesmo assim, precedo meu artigo de hoje da informação sobre a alta médica do presidente Bolsonaro, que deixou o hospital na tarde de ontem. Nosso indômito capitão ficou de molho durante oito dias no Hospital Vila Nova Star, onde foi submetido a mais uma cirurgia no abdome, desta feita para resolver problemas de aderência e corrigir uma hérnia incisional. Diferentemente das outras vezes, ele não se internou no Hospital Albert Einstein, pois o cirurgião Antonio Luiz Macedo, que o acompanha desde sua transferência da Santa Casa de Juiz de Fora para São Paulo, trocou o nosocômio israelita, onde trabalhou durante 4 décadas, pelo hospital da Rede D'Or. Fala-se que seu passe vale ouro e que seu salário é de sete dígitos. Enfim, preparemo-nos para a mais recente versão da franquia O Retorno da Múmia. Dito isso, vamos adiante:

O Tesouro secou. Não há dinheiro nem para fazer frente às despesas mais comezinhas. Bolsonaro não só cogita flexibilizar a lei do teto dos gastos, "para não ter de cortar a luz dos quartéis", como sugere espaçar as idas ao banheiro, para economizar papel higiênico. Isso e outras bobagens que nem vale a pena repetir.   

É nesse contexto que os deputados, depois de aprovarem a toque de caixa e em votação simbólica e secreta a lei de abuso de autoridade egressa do Senado — da lavra de Renan Calheiros, que coloca barreiras legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato —, preparam mais uma emboscada à carteira dos contribuintes: um projeto que modifica as regras eleitorais e partidárias — já aprovado na Câmara e prestes a ser referendado pelo Senado — prevê, dentre outras barbaridades, o aumento fundo eleitoral de R$ 1,8 bilhão para R$ 3,7 bilhões.  

Trata-se de mais uma evidência cabal de que o interesse público se encontra indefeso no Congresso, que quer a compreensão de todos para restaurar velhas práticas. Como bem lembrou Josias de Souza em seu Blog, os partidos sempre foram financiados pelo déficit público, mas agora o dinheiro já não faz escala na caixa registradora de empreiteiras e de empresas fornecedoras do governo. A grana que financia a fuzarca escorre agora diretamente do Tesouro Nacional para as arcas das legendas. Mal comparando, é como se os políticos se colocassem na posição do personagem da anedota em que o sujeito mata pai e mãe e, no dia do julgamento, pede ao tribunal de júri que tenha misericórdia com um pobre órfão. A diferença entre os parlamentares e o órfão assassino é que deputados e senadores matam a paciência alheia sem pedir perdão.

Resta saber de onde virão os recursos para bancar essa farra do boi, se já não há dinheiro para comprar giz para as escolas nem esparadrapo para os hospitais. O Plano A, que era recriar a CPMF sob o argumento de que o gambá retirado da cartola viraria um lindo coelhinho quando fosse apresentado como alternativa à desoneração da folha salarial, foi descartado, levando de embrulho o secretário da Recita Federal, penabundado um dia depois da divulgação, pelo secretário-adjunto da Receita, de um imposto nos moldes da execrável "contribuição sobre movimentações financeiras". Já o Plano B… Não havia um Plano B.

Deputado, o hoje presidente Bolsonaro esculhambou a CPMF. "Uma desgraça", dizia. Coisa de "cara de pau", enfatizava. Candidato, jurou que jamais admitiria a volta da encrenca caso fosse eleito. Ainda assim, Paulo Guedes e os frentistas do Posto Ipiranga não tinham pensado na possibilidade de o Plano A não dar certo.

Demitido da chefia da Receita, Marcos Cintra, o apologista da CPMF, reforça a ausência de um plano de contingência. Segundo ele, a volta do nefando "imposto do cheque" seria a única alternativa viável de fazer a desoneração da folha. Aposta que Guedes e seu staff terão de ressuscitar o defunto, ainda que "de maneira modificada, atenuada e mais gradativa".

O superministro encomendou estudos novos aos sobreviventes da equipe. Improvisa-se uma alternativa em cima do joelho. Quem dá ouvidos a Marcos Cintra fica tentado a concluir que o Plano B de Guedes é a versão atenuada do Plano A. Consiste em oferecer ao brasileiro um sacrifício à vista — a mordida do imposto seminovo — e um benefício a prazo — a hipotética criação de empregos que resultaria da desoneração da folha.

Antes de ser deposta e de virar cuidadora de netos, a folclórica gerentona de araque  tentou executar o pedaço final da mágica. Mas o gambá da época (renúncia fiscal, sem novo imposto para compensar) não virou coelho e a fila do desemprego continuou crescendo.

Parece incrível que ninguém, na pasta da Economia, tenha previsto que Bolsonaro poderia, em algum momento, interditar a recriação de um tributo que sempre abominou. Faltou no quadro de funcionários do Posto Ipiranga uma criança de cinco anos para prever o que poderia acontecer. A mesma criança constataria que, em matéria tributária, o governo está desnorteado.

Há no Congresso duas propostas de reforma tributária. Nenhuma delas traz as digitais do governo: na Câmara, corre o projeto do deputado Baleia Rossi; no Senado, a proposta elaborada sob a coordenação do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Com oito meses e meio de existência, tudo que o governo conseguiu exibir em termos tributários foi uma crise do Plano B.

Quando Bolsonaro declarou que encontrara um Posto Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, não se imaginou que faltaria combustível tão cedo.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A PEC PREVIDENCIÁRIA, A INTELLIGENTSIA E A BURRITSIA


A sessão de ontem na Câmara entrou pela madrugada, mas foi encerrada sem que a análise em primeiro turno da reforma previdenciária fosse concluída. Rodrigo Maia trabalha com a possibilidade de estender os trabalhos até sábado, se necessário, mas os líderes dos partidos estão divididos sobre a votação em segundo turno: uma ala quer liquidar essa fatura antes do recesso, outra prefere deixar para agosto (seria um balde de água fria no mercado financeiro, mas na prática nada mudaria, uma vez que o Senado só deve votar o texto depois do recesso). A sessão de hoje está marcada para começar às 9h, mas os trabalhos terminaram tarde, e não deve haver quórum antes do final da manhã

Bolsonaro vem se equilibrando sobre duas frágeis pernas-de-pau. No campo moral, escora-se no prestígio de seu ministro da Justiça; na seara econômica, sustenta-se no destemor liberal do ministro da Economia. Se um dos dois abandonar o barco, a vaca fica perneta e saltita em direção ao brejo. O primeiro já ameaçou fazer as malas se a reforma previdenciária virar uma "reforminha" no Congresso, e o segundo disse não ter apego ao cargo e que o deixará se surgirem provas de falta de lisura na maneira como conduziu os processos da Lava-Jato em Curitiba.

Uma parte considerável dos votos que promoveram o capitão de deputado a presidente proveio de antipetistas, e nem todo antipetista é bolsonarista convicto. Sua gestão é aprovada por 33% dos brasileiros (ou pelo menos é o que afirmam Ibope, Datafolha e companhia limitada) e rejeitada por outros 33%. Basta fazer uma simples conta de padeiro para concluir que 1/3 de aprovação não é uma situação confortável para um presidente que fala em disputar a reeleição.

Na avaliação de Josias de Souza, engana-se quem acha que Guedes aderiu à cruzada de Bolsonaro contra o Congresso. O endereço da advertência do superministro é o Palácio do Planalto, não o Legislativo. Até porque há dois governos em Brasília; no oficial, o capitão ataca "o grande problema" do Brasil, que é a nossa classe política, e no alternativo, Guedes, faz política.

Enquanto o presidente atiça uma manifestação hostil ao Congresso, o ministro pede ajuda aos congressistas para retirar sua agenda reformista do incêndio. Nessa antessala do inferno, em vez de se preocupar em granjear aliados, descartar amigos inconvenientes e evitar bate-bocas midiáticos contraproducentes, o capitão mantém sua usina de crises operando a todo vapor.

Ainda em campanha, Bolsonaro admitiu que não entendia nada de economia, mas tranquilizou o eleitorado pensante com seu Posto Ipiranga. Uma vez eleito e empossado, revelou-se um personagem indomável. Agora, ou começa a agir com serenidade, ou se arrisca a entrar para a história não como outro “pato manco” — como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio —, mas como o primeiro Saci-Pererê a habitar o Alvorada. E se for mesmo necessário substituir Guedes ou Moro, não há — pelo menos até onde a vista alcança — alternativa que não resulte num governo ainda pior que o atual.

Segue mais um texto de J.R. Guzzo, que nos brinda semana sim, semana não com sua pena invejável — e cuja coluna se tornou uma dos poucos conteúdos da revista VEJA que ainda valem a leitura.

A elite pensante do Brasil, que se imagina capaz de saber o tempo todo o que é o melhor para cada um de nós, frequentemente lembra o personagem do samba “Mocinho Bonito” — o clássico pé rapado de uma Copacabana de outras eras, que passa a vida fingindo ser o que não é. O mocinho, para quem nunca ouviu a história, é o “perfeito improviso do falso grã-fino”, que no “corpo é atleta, no crânio é menino”, e “além do ABC nada mais aprendeu”. Como conta a letra da canção, ele tem “pinta de conde” — mas nessa pinta só “se esconde um coitado, um pobre farsante que a sorte esqueceu”. Olha a nossa elite aí. Ela convenceu a si própria, e tenta convencer o resto do Brasil, que é a única classe de gente neste país realmente capacitada a pensar — e, por via de consequência, como gostava de dizer um antigo político de Minas Gerais, a responsável exclusiva por definir o que é virtude e vício, e separar o certo do errado. Mas na vida real não é nada disso. As cabeças que hoje pretendem falar por todos os brasileiros são puro dinheiro falso; por trás da sua pose de conde o que existe é apenas a média da mediocridade nacional vigente.

O que é, na prática, essa elite — ou quem faz parte dela? Não é, com certeza, a “zelite” do ex-presidente Lula, um ente em estado gasoso que ele mesmo jamais conseguiu definir. (Como não explica, supõe-se que a “zelite” seja apenas o conjunto dos seres humanos que não esteja de acordo com ele — porque milionário, gente que manda, empresário “campeão”, empreiteiro de obra e o resto dessa turma nunca tiveram um amigo de fé-irmão-camarada tão dedicado quanto Lula.) 

Também não é aquilo que os livros de sociologia definem como “burguesia nacional”, nem o pessoal que vai à shopping center, nem a “classe A” dos institutos de pesquisa, ou, simplesmente, quem tem mais dinheiro que você. A elite a que se refere este artigo é a classe social descrita por ela mesma como civilizada, instruída, progressista, “antenada” — as pessoas que se consideram habilitadas, em suma, a dizer como o Brasil deve ser governado e como o brasileiro deve se comportar. Antigamente, nos países considerados cultos, esse bioma social era chamado de intelligentsia. Aqui, considerando-se a soma do que pensam, querem e dizem, formam a burritsia.

Basicamente, faz parte da elite pensante quem influi em alguma coisa, ou se acha capaz de influir. É quem aparece no jornal, fala no rádio e dá entrevista na televisão. É o “especialista” — quer dizer, o sujeito que se especializa, quase sempre, em dizer aquilo que os comunicadores sociais querem que ele diga. É quem dá aula na universidade — ou, pelo menos, está em sua folha de pagamento. Em geral consideram-se “europeus”, embora tomem Nova York, Harvard e as vanguardas americanas do que se chama “diversidade” como santuários da civilização moderna. Acham que o povo brasileiro é altamente insatisfatório. Gosta de combate à corrupção, quando deveria gostar da OAB. Gosta de político ladrão na cadeia, quando deveria gostar do Congresso. Gosta da polícia, quando deveria gostar da Anistia Internacional, da CNBB e do STF. Não sabe votar, quando elege candidatos proibidos por quem tem qualificação para pensar corretamente em política; por conta de sua ignorância, despreparo e maus hábitos, acaba escolhendo gente errada para governar o país. Têm horror a Donald Trump. Vivem preocupados com o avanço da direita mundial. Nunca vão a manifestações de rua desautorizadas — ou seja, tidas como ameaça potencial às instituições.

Qual a utilidade de se falar disso? Uma delas é sugerir uma regra que pode ajudar o leitor a economizar tempo e ansiedade: se a maioria da elite pensante, a autoridade intelectual e os “especialistas no assunto” estão dizendo alguma coisa, pela mídia ou em seus discursos, acredite no exato contrário. Dificilmente você estará errado. Na mesma linha, quando lhe disserem que 2 mais 2 são 22, coisa que acontece com frequência cada vez maior, não se impressione; estão dizendo apenas um disparate. Continue acreditando que são 4 — é garantido que você vai se dar bem. Nove vezes em dez, o que parece ser a lógica será mesmo a lógica. É bom sempre ter em mente, enfim, quem está dizendo uma boa parte do que se ouve o tempo todo por aí. Parecem figuras muito sérias. Mas são apenas o perfeito improviso do falso entendido, que por trás da pose de conde nada têm a oferecer de útil a alguém. Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

BOLSONARO E A PEC DA PREVIDÊNCIA


Contrariando uma das muitas promessas que fez durante a campanha, Bolsonaro não só desistiu de propor o fim da reeleição como também resolveu disputá-la em 2022. O sucesso da empreitada depende de vários fatores e sua previsibilidade é nula, visto que muita água vai rolar até lá. Os índices de aprovação do governo, segundo as mais recentes pesquisas (detalhes no post anterior), orbitam os 30%. Com apenas um terço dos votos válidos, nenhum disputante vence eleições majoritárias (para prefeito, governador e presidente da República), onde se elege quem obtém maioria absoluta (se não no primeiro turno, fatalmente no segundo, quando então a disputa se limita aos dois candidatos mais votados no pleito anterior).

Claro que muita coisa pode mudar nos próximos 3 anos, e nada garante que seja para melhor. Mesmo assim, o presidente parece não se dar conta de que boa parte dos votos que obteve em 2018 não veio dos bolsomínions, mas dos antipetistas — e é bom lembrar que o fato de alguém ser inimigo do seu inimigo não significa necessariamente que é seu amigo.

Observação: No presidencialismo de coalizão, governar exige dividir espaço com o Congresso, que, como se sabe, não é movido a patriotismo. Mas é bom não confundir o que chamamos pejorativamente de “toma-lá-dá-cá” com a fórmula adotada por Lula, que instituiu o mensalão e o petrolão para sustentar seu nefasto projeto de eternizar o lulopetismo no poder.

Mesmo tendo passado 30 como deputado do baixo clero, o Bolsonaro presidente parece cultivar a mais profunda aversão pelo “é dando que se recebe”, e assim conta apenas com o apoio dos parlamentares do PSL — partido nanico até as últimas eleições, mas que multiplicou por 50 sua presença na Câmara e se tornou, da noite para o dia, a maior bancada da Casa. Só que os deputados pesselistas não têm atuado como base do governo. Muitos deles não demonstram o menor respeito pelas decisões da cúpula do partido e pelas demandas do Planalto, e alguns deixam claro que seu único propósito na Câmara é defender as corporações que julgam representar, em especial a dos profissionais de segurança pública.

O problema da Previdência não vem de hoje, mas, nem FHC, nem Lula, nem Dilma nem Temer tiveram peito resolvê-lo. Para além de algumas tímidas tentativas, todos ele simplesmente a coisa com a barriga, levando o déficit chegar ao ponto que chegou e o atual governo sem alternativa que não propor essa espinhosa reforma. Só que o capitão nunca se empenhou verdadeiramente em defendê-la, embora o futuro do seu governo e sua eventual reeleição dependam dela. 

Depois de cruzar a Praça dos Três Poderes e entregar a proposta ao presidente da Câmara, Bolsonaro pôs-se a repetir que havia feito sua parte e que “a bola estava com o Congresso”, afastou-se das negociações e se dedicou a fomentar picuinhas, hostilizar Rodrigo Maia — de quem podermos não gostar, mas cujo empenho temos de reconhecer —, fritar ministros e promover enfrentamentos tanto desnecessários quanto indesejáveis. Instado a ajudar na articulação para reinserir Estados e municípios, o presidente não moveu uma palha, mas bastou ser chamado de "traidor" por policiais para se apressar a trabalhar pela concessão de aposentadoria especialíssima à corporação amiga e, para desassossego de Paulo Guedes e da equipe econômica, vem se empenhando em levar o esforço às últimas consequências. Porém, ao intervir para tentar garantir aos policiais federais e à Polícia Rodoviária regras mais brandas, fora da emenda principal, ele contribui para a obstrução da votação e coloca em risco a própria economia de que seu governo tanto necessita para dar início à Nova Previdência.

A oposição — magote de esquerdistas e boçais insensíveis ao fato de que, mesmo não sendo uma panaceia, a aprovação da reforma é a única alternativa para a Economia deixar a UTI com vida — tem feito diabo para obstruir a tramitação, e ainda que não some nem 150 votos, faz um barulho danado. Alguns dizem que a oposição está cumprindo seu papel, mas, convenhamos, fazer oposição responsável é uma coisa e agir como essa cáfila vermelha age é outra bem diferente. E como se isso já não bastasse, o capitão, antipetista e antiesquerdista, ajuda “o inimigo” ao se tornar um grande estorvo para a tramitação da PEC — cuja aprovação, volto a frisar, definirá o sucesso do seu governo e quiçá sua reeleição.

Bolsonaro monta uma armadilha para si mesmo, pois cada emenda apresentada abre espaço para discussões que consomem tempo valioso, pondo em risco a votação final — inclusive dos destaques — antes do próximo dia 18, quando o Congresso entra em recesso. E não faltam oportunista que se aproveitem da sua iniciativa para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF, como guardas penitenciários e municipais, bem como retirar os professores da reforma. Esse seria o pior dos mundos, pois desidrataria ainda mais a reforma.

Paralelamente, os governadores insistem na inclusão de servidores de Estados e Municípios, o que não conta com o apoio da maioria dos deputados e pode reduzir a economia de R$ 1 trilhão prevista para os próximos 10 anos — montante inferior ao desejado por Paulo Guedes, mas, mesmo assim, ainda aceitável. É por isso que Rodrigo Maia quer deixar essa questão fora do bojo da reforma e tratar dela mais adiante, de preferência numa emenda constitucional cuja tramitação começaria no Senado.

Aos trancos e barrancos, a coisa vai caminhado. A despeito da tramitação conturbada — afora a exigência do pedaço fisiológico do Congresso, que condiciona o voto à liberação de verbas orçamentárias, há o desejo dos partidos de oposição de obstruir as sessões, esticando a corda até o último instante — o texto-base aprovado na Comissão Especial da Câmara foi chancelado no plenário, em primeiro turno, por 379 votos a 131. Há 18 destaques para serem apreciados, mas Rodrigo Maia — indiscutivelmente o pai biológico da criança — está confiante de que a aprovação em segundo turno aconteça ainda esta semana, ficando para depois do recesso apenas o escrutínio do Senado. A impressão que se tem é de que a maioria dos deputados ou se conscientizou da necessidade da emenda, ou votará a favor para não ser responsabilizada pelo agravamento da crise econômica. 

Oposição é necessária e faz bem à democracia, mas a oposição brasileira frequenta o debate previdenciário sem demonstrar sua utilidade. Há espaço no Congresso para o surgimento de uma nova oposição, menos venenosa e mais propositiva, mas ainda não surgiu força capaz de ocupar o vazio.

Bolsonaro é, ao mesmo tempo, o grande estorvo e o maior beneficiário da reforma cujos impactos na Economia o capitalizarão politicamente, embora o verdadeiro pai da criança seja o Presidente da Câmara. Mesmo assim, o estorvo poderá jactar-se de ser a mãe, e de ter parido o filho sem recorrer ao toma-lá-dá-cá, ainda que isso não seja exatamente verdade: emendas parlamentares e outras bondades para garantir votos no plenário da Câmara vêm sendo distribuídas a toque de caixa nos últimos dias.

Como dizia Ulysses Guimarães, “em política, quem prepara a refeição nem sempre come o melhor bocado”.

domingo, 9 de junho de 2019

FESTIVAL DE DESPISTES OU BARAFUNDA DE UM GOVERNO SEM RUMO?


O STF decidiu que o governo pode vender subsidiárias de empresas estatais ou mistas sem a autorização do Congresso. A venda das estatais propriamente ditas, no entanto, continua exigindo o aval Legislativo. Há quase 418 estatais no Brasil, enquanto países como Suíça, Japão e Áustria, têm, respectivamente, 4, 8 e 10. Em sua esmagadora maioria, as estatais tupiniquins não passam de cabides de emprego.

Os Correios, por exemplo, são hoje a mais completa tradução da ineficiência, do apadrinhamento político e da falta de seriedade em lidar com a coisa pública. Entre 2013 e 2018 foram mais de 3 bilhões de reais de prejuízo (e o número só não foi pior porque o governo de Michel Temer tomou algumas medidas saneadoras). O mesmo resultado negativo ocorre com seu fundo de pensão, o Postalis, que apresenta um rombo atuarial de 11,5 bilhões de reais. No total, essa estrutura paquidérmica custa nada menos que 18 bilhões de reais por ano ao combalido caixa da União. Sem conseguir acompanhar a concorrência, a empresa terá seu valor de mercado brutalmente reduzido em cinco anos. Ou seja: o ideal seria privatizá-la o quanto antes, enquanto ela ainda oferece alguma atratividade aos potenciais compradores.

Observação: Manter estatais sob o guarda-chuva do Estado interessa àqueles que querem utilizar a política em proveito próprio, dado o manancial de cargos e, consequentemente, de verbas que elas representam. Não por acaso existe uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores em defesa da manutenção da estatal. Vale lembrar que todo o processo do mensalão nasceu a partir da CPI dos Correios, depois que um de seus diretores, Maurício Marinho (uma indicação do PTB), foi filmado recebendo um maço de notas para direcionar a compra de serviços de determinada companhia. 

Seja como for, a decisão do Supremo representou uma vitória para o Palácio do Planalto, que, sem articulação política que se preze e com as torneiras do “toma-lá-dá-cá” pingando, e não mais jorrando como nos governos anteriores, tem sofrido uma caudalosa sucessão de derrotas no Congresso.

Mudando de pato para ganso, Lula se tornou réu mais uma vez na Justiça Federal do DF, onde já respondia a outros quatro processos. Na última quinta-feira, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira aceitou nova denúncia do MPF (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro) contra ele e seus ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, além do empresário Marcelo Odebrecht. Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, também entrou na dança, mas, como tem direito a foro privilegiado, ela foi denunciada pela PGR, cabendo ao Supremo aceitar ou não a denúncia.

Observação: É a décima vez que Lula se torna réu. São sete ações penais  sub judice na primeira instância da JF em Brasília, Paraná e São Paulo. No processo sobre o tríplex no Guarujá, o petralha foi condenado em primeira, segunda e terceira instâncias; no da cobertura em SBC e do terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos, aguardando a decisão do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Sérgio Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba; no do sítio em Atibaia, ele foi condenado pela juíza substituta Gabriela Hardt no início deste ano, e o TRF-4 deve julgar a qualquer momento o recurso interposto pela defesa.

A morosidade da Justiça brasileira é desalentadora. Para piorar, mesmo condenado em dois processos e respondendo a outros oito, Lula é considerado réu primário até que pelo uma das sentenças condenatórias transite em julgado. No Brasil, a primariedade é ligada ao processo, e não à realidade, à reiteração criminosa. Para alguns togados supremos isso é homenagear a Constituição, mas na verdade esse entendimento estapafúrdio favorece a impunidade e permite que políticos e empresários corruptos paguem milhões em honorários a criminalistas estrelados (com o dinheiro da corrupção, o que só agrava o quadro) para ter direito a apelos, recursos, embargos e toda sorte de chicanas protelatórias visando eternizar a tramitação dos processos. E Lula pode acabar cumprindo a pena em prisão domiciliar, já que, por questões de logística e de segurança, o regime semiaberto não é uma opção.



Mudando agora de ganso para marreco, o presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. "Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência", disse. Alguns objetariam à qualificação de "povo" para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão  deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um "pacto pelo Brasil". Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades  ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?

Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?

A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os R$ 133 600 que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série  seriam 37, segundo as últimas contas do MP-RJ  que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

O "pacto pelo Brasil" discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de "embromation".

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Texto de Roberto Pompeu de Toledo publicado em VEJA # 2637

domingo, 26 de maio de 2019

É O FIM DA PICADA!



O balanço das repercussões das manifestações pró-governo e contra tudo e todos fica para amanhã, dado o horário em que eu posto o Blog. Até lá, seguem algumas considerações sobre o pseudo caçador de marajás — exemplo pronto e acabado do lobo que perde o pelo, mas não larga o vício, e que é uma das muitas provas vivas do despreparo do nosso eleitorado. Na sequência, mais um texto irreprochável do jornalista J.R. Guzzo.

Collor foi primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar — ditadura essa que, como viemos a saber recentemente, não passou de uma ilusão de óptica. Ele também se destacou por ter confiscado a poupança do brasileiros e por abrir a lista dos presidentes impichados na nova república. Agora, além de responder na Justiça por rapinar o Erário, Fernandinho é acusado de fazer o mesmo com o patrimônio da família, por não repassar aos sobrinhos sua cota-parte no lucro das empresas do clã.

No âmbito familiar, o ex-presidente impichado e ainda senador — ele renunciou às vésperas de ser defenestrado pelo Congresso, mas teve os direitos políticos cassados mesmo assim — exibe um sólido histórico de transtornos, desavenças e traições. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; no presente, além de ser réu na Lava-Jato e investigado e responder a outros seis inquéritos, é acusado por cinco sobrinhos — que, juntos, detêm 15% da Organização Arnon de Mello — de apropriar-se do patrimônio da família. Perdeu o pelo, como dito no início, mas não abandonou o vício que o notabilizou.  

Fernando (nome dado em homenagem ao ex-presidente, que se tornaria inimigo figadal do irmão) e Victor têm juntos 15% do grupo. Os dois nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio porque o pai vendeu sua participação acionária ainda em vida.
Representantes do clássico coronelismo nordestino, os Collor de Mello usufruem a rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto chegue a 250 milhões de reais. 

Essa é apenas a parte visível do iceberg, pois há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa. Segundo matéria publicada em VEJA, o inventário da matriarca, Dona Leda (1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Cândido Portinari. Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os herdeiros não sabem onde elas foram parar, e apontam o dedo para Fernando Collor, sabidamente useiro e vezeiro em misturar o que é dele e o que é dos outros.

Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-­se para os negócios da família. Em meados dos anos 90, assumiu o controle do grupo, então em boa saúde financeira. Hoje, a Organização Arnon de Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, o ex-caçador de marajás de festim usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550mil, em nome da TV Gazeta. No mês passado, a PGR pediu ao STF a condenação do político a 22 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da dinastia Collor. O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30 — antes de voltar-se contra a administração e ser exilado —, além de senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição ganhava estímulo dentro de casa, onde a mãe também distribuía carinho de forma desigual. Leopoldo era o favorito na infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. Depois que o filho fez as denúncias a VEJA, o documento foi desfeito e D. Leda decidiu testar metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana Luísa, morta em 2013, e Ledinha (ambas sem herdeiros).

Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão para a compra do Dossiê Cayman — um calhamaço de documentos falsos para prejudicar FHC. A mutreta foi descoberta, o tucano conseguiu se reeleger e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-­final em uma relação de raiva, inveja e competição. Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. Por anos, Leopoldo trabalhou como diretor comercial da Rede Globo no Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão simples: não havia nada em seu nome. Collor impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.

Fernando Affonso Collor de Mello tem cinco filhos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai. Dos cinco filhos de Arnon e D. Leda, Fernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente. Os filhos mais velhos de Collor são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. Procurado por VEJA, o marajá dos marajás, em nota envida por meio de seus advogados, refutou as acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente”. Como se vê, as desculpas esfarrapadas e a postura arrogante também se repetem.
Passo agora a reproduzir o texto de J.R. Guzzo:

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Falo de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva: a bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso, e quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como tirar vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Economia são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do STF, pelo voto decisivo de seu presidente, Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1° de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

sábado, 11 de maio de 2019

GUEDES NA LINHA DE FRENTE



Em quatro meses de governo, apenas contando ao público o que faz durante o seu horário de trabalho, Paulo Guedes já pode ser apontado como o ministro que está dando mais certo na equipe montada para governar o Brasil a partir deste ano. Quem é simpático ao governo, ou mesmo neutro, está gostando. Quem é contra não consegue desgostar de verdade; falam mal, mas têm outros alvos que detestam muito mais, como o ministro Sergio Moro, ou o tipo genérico resumido pela ministra Damares e, mais do que tudo, o próprio presidente Jair Bolsonaro. O resultado é que o ministro da Economia, a cada dia que passa, tem sido ouvido com atenção quando fala. E a conclusão de boa parte do público, cada vez mais, é a seguinte: “Esse homem fala coisa com coisa”. Já é um colosso, na neurastenia geral que comanda a atual vida política brasileira.

Há outros ministros que estão fazendo um bom trabalho fala-se, em geral, das áreas tocadas pelos militares e as suas redondezas. Mas as suas atividades são quase sempre consideradas uma grande chatice pela mídia, e o resultado é que acabam sendo deixados relativamente em sossego. Paulo Guedes, ao contrário, está na linha de frente da infantaria aquela que acaba levando chumbo em primeiro lugar, e chumbo mais grosso que todo o resto da tropa. É natural; ministro da Economia está aí para isso mesmo. Mas embora seja o mais bombardeado de todos, continua inteiro na verdade, está mais inteiro hoje do que quando começou, quatro meses atrás.

Guedes está se dando bem, basicamente, porque não tem medo de políticos, de “influenciadores”, de economistas tidos como “importantes” e, sobretudo, porque não tem medo de perder o emprego. Está lá para fazer o trabalho que, aos 69 anos de idade, acha mais correto para os interesses do Brasil. Só isso. Se der certo, ótimo. Se não der, paciência.

O Brasil, por conta disso, começa a ouvir em voz alta coisas que não costumava ouvir de autoridade nenhuma. Num país campeão em usar as palavras para esconder o que pensa, o ministro tornou-se um especialista em dizer, sim ou não, se é contra ou a favor disso ou daquilo, e explicar por que é contra ou a favor. “O fato é que o Brasil cresceu em média 0,6% ao ano nos últimos dez anos”, disse Guedes há pouco. “O país afundou, simplesmente”. Não adianta, explica ele, ficar enrolando: isso é uma desgraça, que nenhum esforço de propaganda pode ocultar, e é exatamente por isso, só por isso, que o Brasil está hoje de joelhos. A possibilidade de que algo possa ir bem numa economia que tem um número desses é zero. E quem é o responsável direto pela calamidade? Não é o governo da Transilvânia. É o conjunto de decisões tomadas entre 2003 e 2016 pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Guedes diz em voz alta o que quase nenhum, ou nenhum, economista laureado deste país tem coragem de dizer: que Lula, Dilma e o PT provaram, através dos seus atos, que são os maiores responsáveis pela criação de pobreza, desigualdades e concentração de renda no Brasil ao longo deste século. “Vocês estão me mostrando um comercial do governo PT”, disse ele ainda outro dia, quando quiseram lhe apertar durante uma entrevista com a exibição de um filme que mostrava filas com milhares de pessoas procurando emprego no Anhangabaú, em São Paulo. Os 13 milhões de desempregados que estão aí, disse o ministro, foram postos na rua pelo PT quem, senão o PT, provocou anos seguidos de recessão? Quem zerou a renda desses coitados? O pior é que essa renda não sumiu; foi transferida para o bolso dos ricos. Também não dá para jogar toda a culpa em cima do PT. Nos últimos 30 anos, lembra Guedes, o crescimento do Brasil chegou ao grande total de 2% isso mesmo, dois miseráveis por cento, durante 30 anos seguidos. Como pode existir alguma coisa certa numa economia assim?

Guedes fala com a simplicidade da tabuada sobre o mais cruel de todos os impostos que existem no Brasil o imposto sobre o trabalho, que é cobrado do trabalhador e de ninguém mais. Para empregar um brasileiro a 1.000 reais por mês, o empregador tem de gastar 2.000”, diz o ministro. O trabalhador não vê um centavo desses 1.000 reais a mais que a empresa paga; são os “direitos trabalhistas”, que somem no buraco negro do governo e beneficiam os bolsos de Deus e todo mundo, menos do pobre diabo em nome de quem eles são pagos. O único efeito prático disso, no fim das contas, é suprimir empregos há cada vez menos gente disposta a pagar o salário de duas pessoas para ter o trabalho de uma. As empresas não contratam; trabalho no Brasil virou algo taxado como artigo de luxo. O preço desse culto aos “direitos” é um horror: entre desempregados e trabalhadores sem carteira, há hoje 50 milhões de brasileiros vivendo no limite do desastre. Guedes lembra que esses 50 milhões não pagam um tostão de contribuição para a previdência social mas terão direito a aposentadoria. Pode dar certo um negócio desses?

O ministro também explica que dá, sim, para fazer o próximo censo; não haverá nenhuma “intervenção no IBGE”. Só que, num país falido como o Brasil de hoje, não se vai fazer 300 perguntas ao cidadão, mas quinze ou vinte, como se faz nos países ricos. A Zona Franca vai acabar? Não, diz Guedes, não vai. Mas não faz sentido deixar de reduzir impostos no resto do Brasil só para não incomodar a indústria de Manaus. Dá para entender? Há, talvez, 1 trilhão de dólares em petróleo embaixo do chão, afirma ele. Mas esse trilhão só existe se o petróleo for tirado de lá; enquanto continuar enterrado será uma beleza para a preservação do “patrimônio da Petrobras”, mas na vida real isso não rende uma lata de sardinha para ninguém. Conclusão: o petróleo tem de sair do chão, e esse trabalho exige investimentos e parcerias mundiais. Há outro jeito?

Paulo Guedes tem, provavelmente, uma das melhores explicações da praça para a dificuldade brasileira de tomar decisões certas a culpa, em grande parte, vem menos da malícia e mais da ignorância. As pessoas querem as coisas, mas não sabem como obtê-las, diz ele. Têm certezas em relação aos seus desejos, mas são inseguras quanto aos meios para chegar a eles, e não gostam de pensar no preço, nem no trabalho, que serão exigidos para conseguir o que desejam. É animador, também, que o ministro pareça ser um homem interessado em realidades. Quanto desafiado, como vive acontecendo, a provar a sua autonomia, diz que prefere resultados em vez de ficar mostrando que manda. É um alívio, também, que não pretenda ganhar o Prêmio Nobel de Economia e nem dê muita bola para a liturgia das entrevistas solenes que às vezes se parecem mais com interrogatórios da Gestapo do que com entrevistas, com a vantagem de não haver tortura física e nem perguntas em alemão.

No fim das contas o sucesso de Paulo Guedes vai depender do crescimento da economia e da queda no desemprego sem isso estará morto, como o resto do governo, por mais coisas certas que tenha feito. A questão é que o único jeito de conseguir mais crescimento e emprego é fazer as coisas certas. É um bom sinal que ele esteja tentando.

Texto de J.R. GUZZO

segunda-feira, 15 de abril de 2019

SOBRE BOLSONARO, PAULO GUEDES, PETROBRÁS E CAMINHONEIROS


Em pouco mais de 3 meses, o governo federal já perdeu dois ministros e caminha para a terceira baixa. A primeira, articulada por zero dois — que é vereador no Rio, mas age como eminência parda no Planalto — foi a exoneração de Gustavo Bebianno da secretaria-geral da Presidência, e a segunda, de Ricardo Vélez do Ministério da Educação. A terceira, pelo frigir dos ovos e o andar da carruagem, deve ser a de Ernesto Araújo do Itamaraty.

A meu ver, nenhum desses atores fará a menor falta ao espetáculo tacanho que a atual gestão nos vem proporcionando. O que me preocupa é a possibilidade de Paulo Guedes abandonar o barco. No último dia 27, numa comissão do Senado, o ministro declarou, sem ser perguntado, que não tem apego ao cargo e que sairá de cena se notar que seu "serviço" não é desejado (volto a esse assunto mais adiante).

Na última sexta-feira, ao suspender o reajuste que a Petrobras havia anunciado para o óleo diesel e infligir à petrolífera uma perda de R$ 3,4 bilhões em valor de mercado, Bolsonaro testou mais uma vez a paciência de Guedes. Apesar do dia positivo no exterior, o Ibovespa caiu a 92.875 pontos — menor nível desde 27 de março, quando a preocupação era a reforma da Previdência —, e isso depois de ter quebrado a barreira dos 100 mil pontos no dia 19 de março passado.

A decisão do presidente foi uma consequência direta da pressão dos caminhoneiros. Relatórios da Abin indicavam uma “preocupação” com uma nova greve, e Bolsonaro foi convencido por assessores palacianos de que a paralisação traria mais problemas políticos do que uma intervenção no preço do diesel. Nesta segunda-feira, haverá uma reunião com ministros e pessoal da área técnica para discutir demandas dos caminhoneiros e propor à Petrobras a ampliação da rede de decisão de aumento de preços de combustíveis — hoje, o gerente executivo de comercialização da estatal tem alçada para definir reajustes de até 7%.

A política de reajustes diários implementada por Michel Temer desencadeou a greve do ano passado. O formato atual leva em consideração a cotação internacional do petróleo, o câmbio, o custo de importação do combustível e a margem de lucro da empresa. Como o preço caiu no último trimestre de 2018, a pressão dos caminhoneiros também amainou, mas voltou a orbitar os US$ 70 neste começo de ano — o mesmo patamar de maio do ano passado, quando eclodiu o protesto. Com isso, rumores de uma nova paralisação recomeçaram e não cessaram nem mesmo após o anúncio de ajustes mais espaçados e de um cartão de abastecimento a preços fixos. E a divulgação de um reajuste maior que a inflação acirrou os ânimos, levando Bolsonaro a interferir, até porque sua popularidade cadente não resistiria aos efeitos deletérios de outra greve daquela magnitude. Por outro lado, ao ceder à chantagem, a vítima assume o risco de novos achaques do chantagista, que aumentará cada vez mais suas exigências. Se às vezes é preciso dar os anéis para não perder os dedos, noutras se deve ser duro e tomar medidas duras para “colocar cada qual no seu quadrado”.  

Durante a campanha, Bolsonaro disse “estar na fase de namoro” com seu "Posto Ipiranga". Mais adiante, declarou-se “apaixonado” por Fernando Gabeira, que, com argumentação moderada, procurava pontes de entendimento. Na viagem a Israel, ao justificar que seu governo só levava um escritório a Jerusalém, disse estar “na fase de namoro”, à qual se sucederiam o noivado e o casamento. Na mesma viagem, falando sobre a ditadura (aquela que agora sabemos nunca ter existido), afirmou que “não foi uma maravilha, regime nenhum é”, e acrescentou: “qual casamento é uma maravilha?”. Na semana retrasada, durante um café da manhã com jornalistas, perguntado sobre a possível exoneração de Ricardo Vélez, respondeu: “Na segunda-feira vamos tirar a aliança da mão direita; ou vai para a esquerda ou vai para a gaveta”.

Segundo Josias de Souza, o "casamento hétero" que Bolsonaro diz manter com Paulo Guedes é o triunfo da esperança sobre a lógica, pois o presidente parece empenhado em reforçar a impressão de que a felicidade conjugal é uma utopia. Sua decisão sobre o aumento do diesel foi a segunda bola quadrada lançada nas costas do superministro em 100 dias de governo — a primeira foi a desavença gratuita que eletrificou as relações do Planalto com o presidente da Câmara, que não serviu senão como estorvo à tramitação da reforma da Previdência. No mais novo desafio à paciência do ministro, o presidente insinua que a felicidade conjugal só é possível a três. O intervencionismo do capitão trai o ultraliberalismo do velho de Chicago numa aventura extramatrimonial com os caminhoneiros: o telefonema ao presidente da Petrobras foi dado justamente quando seu ministro vendia o "novo Brasil" em Nova York.

Observação: Perguntado sobre o assunto, Guedes respondeu que passara o dia inteiro trabalhando e que não tinha informação suficiente. Questionado sobre ter sido consultado, disse simplesmente: “Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores”. Mesmo assim, ficou a impressão de "inferência razoável" a suposição de que Bolsonaro não consultou seu ministro antes de intervir na política de preços da petrolífera.

Ao perceber que a economia não aguenta desaforos, Bolsonaro tentou enquadrar seu ato institucional num ambiente de normalidade econômica: "Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia." Bolsonaro ensaiou a coreografia de um meia-volta, volver: "O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste. Convoquei os responsáveis pela política de preços para reunião, junto com os ministros da Economia, Infraestrutura e Minas e Energia." Mesmo assim, o presidente produziu uma inarredável sensação de déjà-vu ao evocar o represamento dos preços de combustíveis e outras tarifas públicas do nada saudoso governo Dilma.

Outra greve de caminhoneiros poderia acelerar ainda mais a queda de popularidade do governo, mas intervenções como a de sexta-feira podem levar a equipe econômica a abandonar o barco. É imperativo, portanto, deixar patente que o episódio foi pontual e que as ingerências não se tornarão recorrentes — aliás, foi a mudança na política de preços para atender aos caminhoneiros que levou Pedro Parente a deixar a presidência da Petrobras, em junho do ano passado. O governo precisa usar de criatividade para reduzir a volatilidade do petróleo, quiçá criando um fundo de estabilização, flexibilizando os impostos, quebrando o monopólio de refino da estatal e/ou chamando a atenção dos governadores para o fato de que as alíquotas de ICMS são absurdas.

A despeito de repetir que não entende de economia — o que é a mais pura exaltação do óbvio —, Bolsonaro afirmou a jornalistas que quer ver detalhes de como é calculado o reajuste dos combustíveis e qual o custo de produção da Petrobras. Como dizia meu finado avô, muito faz quem não atrapalha.