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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

TEMPOS ESTRANHOS




TEMPOS ESTRANHOS SÃO ESSES EM QUE VIVEMOS, QUANDO VELHOS E JOVENS SÃO ENSINADOS NA ESCOLA DA FALSIDADE. E O ÚNICO HOMEM QUE SE ATREVE A DIZER A VERDADE É CHAMADO DE UMA SÓ VEZ UM LOUCO E INSENSATO.”

O epigrama acima, atribuído a Platão, tem servido de inspiração para o vice-decano do STF demonstrar sua insatisfação com tudo e todos, mostrando-se, inclusive, irritado com uma advogada que, durante sustentação oral, dirigiu-se aos supremos togados usando o "desrespeitoso" pronome "vocês" — que na verdade é a forma sincopada de "vossas mercês": "Presidente", disse o primo de Fernando Collor e luminar do saber jurídico, "novamente um advogado se dirige aos integrantes do tribunal como 'vocês'! Há de se observar a liturgia". Faltam apenas 18 meses para a aposentadoria compulsória de sua excelência, que talvez ainda aproveite o tempo que lhe resta para propor a adoção daquelas ridículas perucas brancas, de crina de cavalo, que os juízes do Reino Unido usavam aboliram há mais de 10 anos por achá-las antiquadas e inadequadas ao tempos atuais (estranhos ou não).

Atribui-se a Aristóteles a divisão do Estado em três poderes independentes, e a Montesquieu a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais aceito atualmente. A ideia era não deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar, já que a concentração de poder tende a gerar abusos, e um poder que se serve em vez de servir é um poder que não serve. No Brasil contemporâneo, no entanto, nem o quarto poder escapa, já que parte da imprensa foi aparelhada pelos petralhas esquerdopatas, que não veem — ou fingem não ver — que o comunismo e o socialismo não produziram bons resultados em nenhum país do mundo, como comprovam a desgraça que se abateu sobre a Pérola do Caribe sob o jugo da Dinastia Castro, a calamidade que tomou conta da Venezuela sob a égide do Maduro que não cai do galho, as diferenças gritantes entre a Coreia do Sul e a do Norte.

Em Hong Kong, a ilha-­problema onde os jovens tomaram as ruas e há meses exigem, em última instância, voz ativa sobre seu destino, a única eleição mais ou menos livre permitida à população resultou em fragorosa — e aparentemente inesperada — derrota de Pequim. No mesmo dia, um consórcio de jornais publicou um relatório devastador sobre os campos de detenção na província de Xinjiang, no noroeste do país, onde 1 milhão de chineses da minoria muçulmana uigur foram internados a pretexto de combater o extremismo religioso. E por aí segue a procissão de exemplos.

Talvez por isso o PT seja o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam e do ex-presidente ladrão que se ufanava (quiçá ainda se orgulhe) de ter chegado onde chegou sem jamais ter lido um livro na vida.

Falando em ex-presidentes, dos que foram eleitos pelo voto popular desde a democratização — ou que assumiram o cargo devido a impedimento do titular da vez —, somente Fernando Henrique não foi processado. Collor e Dilma não só foram penabundados do cargo (por corrupção e incompetência, respectivamente) como são réus na Justiça Penal, e ainda continuam soltos graças à morosidade e a leniência do Judiciário. Lula e Temer colecionam processos e já foram presos, mas aguardam em liberdade a tramitação das ações/julgamento dos recursos. É surreal!

No caso de Lula, a coisa é ainda pior. Embora tenha sido condenado em dois processos — por três instâncias no caso do tríplex no Guarujá e por duas no do sítio em Atibaia —, o picareta foi agraciado por uma decisão sob medida da banda podre do STF, que, por 6 votos a 5, restabeleceu o império da impunidade ao proibir que criminosos condenados em segunda instância aguardassem presos o julgamento de seus recursos nas Cortes superiores. Assim, o troçulho de Garanhuns assomou do esgoto a céu aberto em que se transformou o cenário político nacional e brinca de palanque ambulante, com total complacência do TSE, que parece achar natural candidatos a candidatos ao Palácio do Planalto fazerem comícios três anos antes das próximas eleições. Com a bênção do Judiciário, o sacripanta vermelho está liberado para mostrar ao mundo que, no País do Carnaval, um corrupto juramentado pode ofender impunemente autoridades que não têm contas a acertar com a Justiça. Mas não vai escapar da lei da Ficha Limpa. Para o dono da alma viva mais honesta do Brasil, as chances de disputar uma eleição são menores que as de ser canonizado pelo Vaticano.

Tempos estranhos, diz o ministro Marco Aurélio. Bota estranho nisso!

O óbvio ululou na tarde de ontem, quando a montanha suprema pariu o rato da vez, incluindo a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal na tese sobre o compartilhamento de dados fiscais sigilosos, para fins penais, com o Ministério Público e a Polícia Federal, dispensando prévio aval judicial. O único voto dissonante foi o do ministro Marco Aurélio — coberto com a suprema toga pelo então presidente Fernando Collor, seu primo, que foi impichado do Planalto e teve os direitos políticos cassados, mas elegeu-se senador graças ao esclarecidíssimo povo das Alagoas, terra de Renan Calheiros, de Arthur Lira e de muitas gentes boas (ficou estranho, mas rimou).

O apaniguado de Collor sempre teve predileção especial por ser voto vencido e foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância.

Enfim, o Supremo precisou de seis sessões para concluir que órgãos de investigação servem para investigar, que a liminar absurda do presidente da Corte era absurda e que tudo fica como antes no Quartel de Abrantes. Daí a morosidade da Justiça tupiniquim, maior responsável pela sensação de impunidade (bom seria se fosse só sensação) que fomenta a corrupção endêmica da classe política neste arremedo de república, onde processos movidos contra acusados que têm cacife para contratar criminalistas estrelados levam décadas para ser concluídos — isso quando a prescrição não frustra a pretensão punitiva do Estado. Mas isso já é outra conversa.

Enquanto isso, Senado e Câmara Federal se mobilizam para agilizar o rito das Casas e aprovar o mais rapidamente possível a prisão após segunda instância, corrigindo o supremo erro crasso que restituiu aos condenados a possibilidade de aguardar soltos a decisão de seus recursos aos tribunais superiores, como foi durante míseros (mas nefastos) sete anos das últimas oito décadas. A Câmara instalou uma comissão que visa tratar do assunto por meio de uma emenda à Constituição; no Senado, Simone Tebet, presidente da CCJ, agendou para a próxima terça-feira a votação de um projeto de lei que modifica o Código de Processo Penal, cuja tramitação é mais simples e rápida de aprovar do que a emenda constitucional que tramita na Câmara. Entretanto, ainda que os senadores o aprovem, é preciso pressão da sociedade para que o projeto não seja engavetado quando chegar à Câmara.

Enquanto isso, na Assembleia Legislativa de São Paulo, cenas de baixaria, com direito a pugilato explicito, chocam (ou divertem, dependendo do ponto de vista) os paulistas e os demais brasileiros. Confira no vídeo:



Antes de encerrar, um texto do impagável J.R. Guzzo sobre as supremas barbaridades que conspurcam este arremedo de banânia:

O planeta Terra seria um lugar perfeitamente insuportável se todo o mundo, sem nenhuma exceção, dissesse sempre a verdade, o tempo todo, para todas as outras pessoas que conhecesse. Já imaginou? É melhor não imaginar. O fato é que esta vida precisa ter os seus momentos de hipocrisia, para funcionar com um mínimo de paz — mas também é fato que as autoridades da nossa vida pública não precisavam exagerar. É a velha história: gente que manda não perde praticamente nenhuma oportunidade de ficar cega para os seus próprios desastres, mas nunca é surda, nem por um minuto, para qualquer erro que possa ser cometido pelos outros.

O hipócrita, felizmente, é um bicho que só morde de verdade quando consegue esconder que está sendo hipócrita — quando a sua hipocrisia fica na cara de todo mundo, como vive acontecendo, o mal que faz não leva a lugar nenhum. É o caso, neste preciso momento, do ministro Dias Toffoli, que acaba de compartilhar com o resto da nação suas preocupações com a má imagem que os investidores estrangeiros fariam do Brasil depois de uma declaração do ministro Paulo Guedes sobre o AI-5. Teria o ministro sugerido a ressurreição do “Ato”, que está morto há 40 anos — quatro vezes mais, aliás, que o tempo durante o qual esteve vivo? Não. Ele disse o seguinte: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, no caso de haver baderna na rua, em vez de oposição na política.

É livre, obviamente, o julgamento de cada um sobre o que disse Guedes. O que não tem cabimento é imaginar que Toffoli está sendo aquilo que ele finge que é — um cidadão aflito com o futuro do investimento externo no Brasil. Se há alguém nesse País que assusta o investidor, de qualquer nacionalidade, é ele mesmo, em pessoa — junto com os seus parceiros de STF que proibiram a prisão de criminosos condenados em segunda instância. Isso sim é construir a imagem de uma nação sem lei.

Para encerrar: nos tempos de antanho, quando não havia essa absurda patrulha do "politicamente correto" e podia-se contar piadas de papagaio sem o risco de ser processado pela ave, uma anedota dizia que, numa entrevista de emprego, o entrevistador perguntou ao candidato se ele era casado. "Sim", foi a resposta. "Com quem?", perguntou o entrevistador. "Com uma mulher", respondeu o candidato. E o entrevistador, já irritado: "O senhor conhece alguém que seja casado com um homem?". "Sim", respondeu o sujeito. "Quem?", insistiu o entrevistador. "A minha mulher", disse, candidamente, o candidato.

Havendo tempo e jeito, assista ao vídeo a seguir:

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

POR QUE NÃO TE CALAS, GUEDES?



Se Bolsonaro não aprendeu nada com Paulo Guedes nestes 11 meses de governo, o ministro parece ter absorvido por osmose a vocação inata do capitão para falar merda, como deixou bem claro duas vezes seguidas numa entrevista em Washington (EUA).

É fato que essa coisa de “AI-5”, que a maioria nem sabe o que é, virou uma tremenda chatice. Ninguém pode abrir a boca para dizer “AI-5” e a elite do bem entra em crise de nervos imediata. Nem é preciso defender, basta mencionar para ser excomungado. Sabendo disso, só não evita quem não quer.

Conhecido por seu pavio curto, o Posto Ipiranga de Bolsonaro mordeu a isca jogada pelo dublê de semeador do caos e sumo-pontífice da seita do inferno, que recuperou a liberdade por uma decisão do STF ainda mais estapafúrdia que as falas infelizes do ministro e agora assumiu o papel revolucionário-mor deste arremedo de república, onde ninguém parece ter colhões para pôr ordem no galinheiro e devolver esse crápula vermelho ao lugar a que ele pertence.

O primeiro troçulho veio à luz quando o ministro disse que "ninguém deve estranhar se alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicalização dos protestos de rua no Brasil", e o cagalhão seguinte, quando, face à redução da Selic, afirmou que "a cotação de equilíbrio do dólar tende a ir para um lugar mais alto", e que "flutuações no câmbio não são motivo de preocupação".

Diante dessas lamentáveis asnices, a cotação da moeda americana disparou — forçando o BC a intervir duas vezes para conter a alta — e o índice B3 da Bolsa de Valores despencou quase 2 pontos.

Torno a dizer que nosso presidente falastrão, admirador confesso dos tempos do "prendo e arrebento" (falo da ditadura que sucedeu ao golpe de 1964 e durou vinte e um anos), criticou os generais por prenderem demais e matarem de menos, e agora, por medo de melindrar os togados supremos que blindaram seu primogênito das investigações do "caso Queiroz", fecha-se em copas e engole calado todos os sapos a que têm direito. Lembro também que o próprio Lula, depois de ser conduzido coercitivamente para depor na PF do Aeroporto de Congonhas em 2016, ensinou que "para matar a jararaca é preciso bater na cabeça; como bateram no rabo, a jararaca continua viva como sempre esteve". 

Não se controla a hidrofobia acorrentando o cão raivoso; é preciso sacrificar o animal. Mas pensar está longe de ser nosso esporte nacional, daí o brasileiro ter tanta dificuldade para aprender as lições que vida dá. Dito isso, passo a palavra ao mestre Josias de Souza:

O medo tem múltiplos olhos. Eles são invisíveis. E enxergam coisas no subsolo da existência. Já se sabia que a família Bolsonaro cria as assombrações e depois se assusta com elas. Descobre-se agora que os fantasmas dos Bolsonaro apavoram também Paulo Guedes. Com pânico de Lula, o ministro da Economia teve um surto de inépcia. Aderiu ao radicalismo da estupidez. Numa viagem em que deveria acalmar investidores nos Estados Unidos, Guedes conseguiu inquietar observadores no Brasil.

Numa única entrevista, revelou-se alérgico ao cheiro de asfalto — "Acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça" —, sensível aos pendores repressivos de Jair Bolsonaro — "Ele só pediu o excludente de ilicitude" — e permeável a aventuras ditatoriais — "Não se assustem se alguém pedir o AI-5". Sob o impacto do ronco emitido pelas ruas em países vizinhos, atribuiu a letargia das reformas pós-Previdência ao medo do monstro: "Qualquer país democrático, quando vê o povo saindo para a rua, se pergunta se vale a pena fazer tantas reformas ao mesmo tempo."

Na sequência, o ministro elegeu Lula como culpado pela insanidade que o rodeia: "Assim que ele [Lula] chamou para a confusão, veio logo o outro lado e disse: "É, sai pra rua, vamos botar um excludente de ilicitude, vamos botar o AI-5, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Que coisa boa, né? Que clima bom!".

Lulafóbico, o ministro perdeu a noção do tempo e do ridículo. Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três, levou o AI-5 à vitrine antes do discurso de porta de cadeia em que a divindade petista exaltou as manifestações que sacodem a América Latina. De resto, os bolsonaristas é que tomaram gosto pelas ruas. Praticam a democracia direta, na qual o meio-fio e a internet produzem maioria parlamentar na marra.

Lula e o petismo não se auto atribuem tanto poder. No ano passado, ao discursar no comício que antecedeu a sua prisão, Lula testou seus poderes ao convocar os devotos para "queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas, as ocupações no campo e na cidade…" O orador foi em cana. E seus seguidores foram para casa.

No 7º Congresso do PT, encerrado no domingo passado, a ala esquerdista da legenda sugeriu a adesão ao "Fora Bolsonaro". O grupo majoritário, liderado por Lula, injetou no documento aprovado no encontro uma emenda que expõe os pés de barro do petismo. Ficou decidido que a direção do PT pode exigir a saída de Bolsonaro a qualquer momento, desde que se materialize uma "evolução das condições sociais", da "percepção pública sobre o caráter do governo" e da "correlação de forças".

Quer dizer: a insurreição das ruas não depende de Lula. O asfalto só vai roncar se Bolsonaro e Guedes fornecerem material. E a dupla parece decidida a corresponder às expectativas dos seus adversários. Há irresponsáveis na oposição. Mas nada supera a irresponsabilidade de um governo que, tendo 12 milhões de desempregados para atender, prefira transformar o país num trem-fantasma.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

POR QUE NÃO TE CALAS?


A penúltima estultice de Zero Três (porque a última ainda está por vir) foi atear fogo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode precisar de um novo AI-5. Mas será mesmo uma estultice, considerando o papelão que o STF fez na última quinta-feira, quando, por 6 votos a 5, resolveu tratar dos interesses de seus bandidos de estimação em detrimento dos anseios da sociedade? Talvez fosse o caso de estudar isso melhor, sem paixões nem hipocrisias. Fica aqui o convite.

O texto a seguir foi publicado por J.R. Guzzo no jornal Metrópoles e selecionado por mim para abrilhantar esta postagem. Ele perdeu relevância depois do julgamento da prisão em segunda instância, mas vou publicá-lo mesmo assim  primeiro, porque a matéria estava pronta; segundo, porque uma rizoartrose resolveu me infernizar a vida. Aliás, não estranhem se eu suspender as publicações até que digitar no teclado e operar o mouse deixem de ser tarefas tão dolorosas quanto assistir impassível a um bando de canalhas articular a restauração do império da criminalidade, revertendo o Brasil ao que ele foi nos últimos 500 anos e, ao que parece, está fadado a continuar sendo por outros tantos: uma republiqueta de bananas comandada por criminosos da pior espécie.

Se o rei da Espanha ainda fosse o o rei da Espanha, se encontrasse o deputado Eduardo Bolsonaro numa esquina de Brasília e se lembrasse da pergunta mais interessante que fez em sua vida – alguns anos atrás, para o ditador da Venezuela na época – bem que poderia dizer ao filho do presidente: “Por que não te calas?”
 

O deputado, mais uma vez, jogou fósforo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode vir a precisar de um novo AI-5 para conter o extremismo de esquerda  um despropósito que só serviu para armar mais uma onda de indignação contra o “DNA ditatorial desse governo que está aí”, sincera em uns casos, hipócrita em outros, mas com certeza 100% desnecessária.

Eduardo Bolsonaro, como 512 outros deputados brasileiros, tem o direito de falar o que bem entende – e, mais ainda, não pode ser punido pelo que diz, pois tem a imunidade parlamentar que protege o direito de expressão no Congresso. É certo, também, que muitos dos seus inimigos à esquerda passam a vida dizendo barbaridades até piores.

Mas toda vez que ele fica quieto ajuda um colosso – ao sossego público, ao governo e ao próprio pai. Muita gente, em agradecimento às graças recebidas, faz promessas de ficar um ano inteiro sem comer doce, ou coisas assim. Eduardo bem que poderia prometer a si e a nós todos que vai passar os próximos 365 dias sem abrir a boca.

Em outro texto, Guzzo diz que "deve haver um sapo com a boca amarrada ou algum outro despacho feio enterrado num lugar qualquer da sala onde reinam os procuradores-gerais da República neste país". Até algum tempo atrás, ninguém sabia quem era a figura; hoje, o cargo de “PGR”, como se diz, é uma fábrica que parece trabalhar três turnos diários na produção de coisas desenhadas para prejudicar o Brasil, os brasileiros e a decência comum". Impossível negar razão ao colunista. Basta lembrar que um dos mais esquisitos deles todos confessou que, em pleno exercício do cargo, entrou armado no STF com o propósito de dar “um tiro na cara” de Gilmar Mendes e se suicidar em seguida. Mas não fez nem uma coisa, nem outra (se tivesse feito, duvido que alguém estivesse chorando de saudades de um ou do outro).

O PGR da vez, indicado por Bolsonaro por alguma razão incerta e não sabida — dada sua simpatia pelo PT e ressalvas feitas à lava Lava-Jato —, parece afetado pela mesma mandinga, mas, nesse caso, trata-se de uma compulsão para insultar quem lhe paga o salário. Para resumir a ópera, Augusto Aras classificou de crime hediondo a mera ideia de que os procuradores da República deixem de ter 60 dias de férias por ano e passem a ter 30, como os demais brasileiros. Segundo ele, o trabalho dos procuradores é “exaustivo” e, por isso, exige pelo menos o dobro das férias devidas aos seres humanos comuns. Como se não bastasse, ameaçou o Congresso de “represálias” se for levado adiante algum projeto de lei que acabe com essa aberração.

Mudando de um ponto a outro, o clã Bolsonaro ainda não perdeu uma única oportunidade de criar um clima propício a tentativas golpistas. Nos recentes episódios do leão e as hienas e da alusão infeliz de Zero Três ao AI-5, a Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu — segundo a qual pesos e contrapesos impedem que um deles tente avançar sobre os demais — tem funcionado. Até quando, porém, só Deus sabe. Como disse Merval Pereira, isso lembra a anedota do sujeito que cai do 15º andar de um edifício e, ao passar pelo 10º, diz a um morador que o observava da janela: "até aqui, tudo bem".

Ao escolher seu ministério, o capitão demonstrou apreço por colegas de farda que conhecia de longa data. Passados dez meses, devolveu para a caserna ou para o pijama pelo menos meia dúzia deles. O penúltimo foi o quatro estrelas Maynard Marques de Santa Rosa, que deixou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Antes dele, foram defenestrados Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Corrêa (Incra) e Marco Aurélio Vieira (Secretaria Especial de Esporte). Segundo Josias de Souza, o general Santos Cruz, precursor de Santa Rosa, foi substituído pelo também estrelado Luiz Eduardo Ramos, que já recebeu da deputada Joyce Hasselmann um alerta: "Você será o próximo".

A conversão de oficiais da reserva em funcionários civis despertou muita expectativa. Os pessimistas apostavam na militarização camuflada de um governo supostamente civil. Os otimistas contavam com o talento dos ex-companheiros de caserna para civilizar um presidente que se considera militar a despeito de ter sido excluído da tropa por indisciplina. Frustraram-se todas as apostas. Nem o governo se militarizou, nem o presidente foi civilizado. Abriu-se uma terceira via, que conduz os generais gradativamente à porta de saída sob dois pretextos, ambos humilhantes: hipotética incompetência ou manifesta incompatibilidade com o alto-comando ideológico do governo, chefiado por Olavo de Carvalho desde o estado americano da Virgínia. 

Este governo tornou-se um martírio para os generais, que, ou saem com a fama de incompetentes, ou com a pecha de melancia (verde por fora, vermelho por dentro). Para ficar, precisam se infiltrar no meio dos insensatos — sensível ao efeito Orloff produzido pela exoneração dos colegas de farda, o general Augusto Heleno se segura na chefia do Gabinete de Segurança Institucional contemporizando com ideias amalucadas como as de Eduardo Bolsonaro. Aliás, se o presidente fosse fã de banho de assento, Heleno já teria se afogado há muito tempo.

O problema é que quem assiste à essa tragicomédia da platéia já não consegue distinguir quem é quem no palco. Num governo assim, convertido em zona de guerra, bater em retirada tornou-se a melhor estratégia para os estrelados.  

Volto a este assunto numa próxima postagem — só não sei dizer se amanhã ou na semana que vem, já que dia sim, outro também, surge um novo escândalo com potencial para causar repercussões que devem ser discutidas de plano, sob pena de serem atropeladas pelo próximo escândalo de muitos outros que virão enquanto esta banânia existir e seu povo não aprender a votar.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A SEMANA PROMETE


Aproxima-se o final do julgamento das nefastas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, que questionam a constitucionalidade do cumprimento antecipado da pena após condenação por juízo colegiado. Se nada mudar, na próxima quinta-feira os togados que ainda não votaram devem se pronunciar e o mestre de cerimônias do circo supremo, desempatar o previsível placar de 5 a 5. Que Deus nos ajude.

O Vem Pra Rua convocou para o próximo sábado (9) uma manifestação popular visando pressionar o Congresso a fazer seu papel — só a mudança da lei pode evitar interpretações perversas do STF no futuro, e só o Legislativo pode resolver o problema de forma definitiva. A Coalizão Convergência protocolou junto à PGR uma petição de DENÚNCIA de ilegalidade em todo o processo em andamento no STF. No entendimento de seus signatários — entre os quais está o jurista Modesto Carvalhosa —, a denúncia indica que o julgamento não poderia estar ocorrendo porque o próprio STF já tinha pacificado a constitucionalidade da prisão em 2ª instância quando, em Repercussão Geral, julgou o Habeas Corpus nº 126.292, processo este que se tornou paradigma para o TEMA 925
  
Voltando à família real (não dá para não falar nessa usina de crises), a aversão de Jair Bolsonaro à imprensa que o imprensa revela que, embora seja beneficiário direto da democracia, o capitão caverna não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar e dez meses de exercício da Presidência os rudimentos da noção de cidadania. Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada em nome de ideais democráticos, Bolsonaro ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia de fachada. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.

Na semana em que o príncipe-herdeiro caçula contaminou a atmosfera com a ideia tóxica de um "novo AI-5", o pai imperador editou o primeiro ato institucional da nova era ao ordenar a todas as repartições públicas federais que cancelem assinaturas do jornal Folha de S.Paulo. Fez isso macaqueando seu amado Pato Donald Trump, que anunciara dias antes o corte das subscrições do New York Times e do Washington Post.

O mito tropical esboçou o seu AI-2. Ameaçou cassar a concessão que mantém no ar a TV Globo. Ironicamente, Folha e Grupo Globo sustentam em suas linhas editorias ideias congruentes com as que o Posto Ipiranga tenta colocar em prática. Coisas como responsabilidade fiscal, privatizações, eliminação de privilégios, enxugamento da estrutura do Estado, desburocratização, integração do Brasil à economia mundial… Mas o que preocupa Bolsonaro é a sua agenda paralela: controlar a caixa registradora do PSL, blindar o Zero Um, sedar o ex-factótum Fabrício Queiroz e seus vínculos milicianos, virar do avesso o depoimento do porteiro, livrar o Zero Dois na CPI das Fake News e servir filé mignon para o Zero Três.

A despeito da energia que desperdiça fabricando as crises internas que prejudicam o seu próprio governo, nosso indômito capitão ainda encontra tempo para desmantelar o aparato ambiental, caluniar ONGs, desmoralizar cientistas, fustigar instituições com a fábula do leão e das hienas, criticar artistas, sufocar organizações culturais e intimidar a imprensa — sobretudo o pedaço da imprensa que veicula em voz alta, com franqueza e lealdade à opinião pública, as coisas que os próprios ministros e aliados do governo comentam às suas costas.

Para Bolsonaro, a Folha desceu "às profundezas do esgoto" e a Rede Globo dedica-se à patifaria. O penúltimo presidente que expressou sentimentos semelhantes foi o demiurgo de Garanhuns, que tachava a Folha de "preconceituosa" — em 2010, o molusco se retirou bruscamente de uma mesa de almoço no jornal, alegando estar ofendido com um par de perguntas do então diretor de redação Otávio Frias Filho sobre sua política fisiológica de alianças e sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo, mesmo depois de se tornar um líder nacional. Quanto à emissora, Lula disse há nove dias, numa das inúmeras entrevistas que vem concedendo de suas acomodações VIP na Superintendência da PF em Curitiba: "Um dos desejos que eu tenho é fazer um ato público na frente da TV Globo. Passar um dia inteiro falando e mostrando as mentiras contadas a meu respeito".

Bolsonaro e Lula sustentam que a imprensa está desmoralizada e perde relevância. O morubixaba do Partido dos Trabalhadores que não trabalham diz isso desde a cadeia, enquanto aguarda por uma manobra do Supremo que anule suas sentenças. O capitão já foi informado por pesquisas de diferentes institutos de que não é incondicional nem inesgotável a boa vontade da plateia. Às voltas com uma popularidade declinante, o inquilino do Planalto torce para que o Supremo não desative os escudos que inibem investigações sobre os subterrâneos da família.

A imprensa tem muitos defeitos, mas arrosta a antipatia de gente como Bolsonaro e Lula por conta de uma virtude: cumpre a missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não o contrário, como prefeririam os imperadores da política. O papel da imprensa não é o de apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias.

Jair Bolsonaro, por exemplo, não aceita senão o apoio irrestrito e a capitulação. Por isso sonha com uma democracia de fachada, sem imprensa independente. Há pessoas cuja obra só será devidamente entendida daqui a um século. Bolsonaro só poderia ser perfeitamente entendido no século passado.

Com Josias de Souza.

domingo, 3 de novembro de 2019

IMBRÓGLIOS, SALSEIROS E ASNICES DA NOVA FAMÍLIA REAL



Além de ainda não ter formado uma base de apoio parlamentar e de ter declarado guerra ao partido pelo qual se elegeu, nosso indômito presidente vem terminando amizades de longa data (mais detalhes nas postagens de ontem e de amanhã) e fulminando aliados um após o outro. Não demora e lhe restará somente o apoio dos três filhos com mandato parlamentar — o que não serve de consolo, considerando que, para blindar Zero Um, o papai presidente se sujeitou a lamber as botas de Toffoli, Alcolumbre e Gilmar; Zero Dois insiste em botar fogo no circo (sua penúltima estultice foi o vídeo do leão e as hienas); e Zero Três, que já "defendeu o fechamento do STF" (clique aqui para assistir ao vídeo e conferir em que contexto ele disse isso), agora volta à carga com a reedição do AI-5 (mais detalhes nos posts anteriores e no de amanhã).

Com desgraça pouca é bobagem, depois que a Globo veiculou (de forma açodada, se não maliciosa) uma matéria sobre sua suposta ligação com o caso Marielle, o capitão insinuou que que a emissora terá problemas para renovar sua concessão: "Teremos uma conversa em 2022", disse, para logo depois tentar recolocar o gênio na garrafa. Mas aí a mídia já havia caído de pau. No dia seguinte, Bolsonaro voltou à carga e anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal, além de fazer ameaças aos anunciantes do veículo. Quase que ao mesmo tempo, o terceiro filho concedeu a bizarra entrevista que "estarreceu o país" — continuo achando que houve muito oportunismo nessa indignação toda, mas enfim...

Apeado do sonho (por ora impossível) de assumir a embaixada do Brasil nos EUA (com as bençãos de Pato Donald Trump), Eduardo Bolsonaro assumiu a liderança do PSL na Câmara. Não foi uma boa ideia. Falta-lhe discernimento para diferenciar o que pode ser dito entre amigos, numa mesa de boteco, do que se pode falar em público. Embora não exista no governo cargo de "filho de presidente", esta administração o criou informalmente quando o monarca se cercou dos príncipes-herdeiros, e estes, deslumbrados com o poder, escudam-se na imunidade parlamentar para proferir asnices de todas as cores, cheiros e sabores.   

A declaração do Zero Três sobre o AI-5 foi repudiada por partidos de todo o espectro ideológico — inclusive do próprio PSL. Bolsonaro pai desautorizou o filho: "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí. Cobrem vocês dele, ele é independente." E completou: "Qualquer palavra nossa vira um tsunami." Mas a flecha já havia sido lançada, a oportunidade de calar, perdida, e o estrago, feito.

Em entrevista ao Brasil urgente, o deputado emendou o soneto: "Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem de tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror." Não adiantou.

A mídia não perdoa qualquer deslize da primeira-família, e a declaração estapafúrdia do caçula foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, e pode, pelo menos em tese, levar à cassação de seu mandato. Mas as ações apresentadas contra ele no STF, sob acusação de "incitar publicamente ato criminoso", não devem prosperar (considerando a atual composição da Corte, que conta com ministros como o que mandou soltar Anthony Garotinho e senhora um dia depois de o ex-governador lalau ser preso pela quinta vez e a madame, pela terceira, pode-se esperar qualquer coisa).

Observação: Para quem não sabe de qual togado estou falando, aqui vão algumas dicas: ele foi indicado para o STF por FHC, classificado por um colega de tribunal como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", apelidado por Augusto Nunes de "Maritaca de Diamantino" e era presidente do TSE quando a chapa Dilma/Temer foi absolvida por "excesso de provas". Quer mais? Então vamos lá: ele tem ódio da Lava-Jato, do procurador Deltan Dallagnol e do atual ministro da Justiça e do juiz Marcelo Bretas, além de ostentar um formidável par de beiços (que pesam uns bons cinco quilos).

Questionado por jornalistas, Jair Bolsonaro negou ter feito ameaças à imprensa. Perguntado se não teme comparações com Hugo Chávez, o tiranete venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da emissora de maior audiência no país por discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista". Disse o capitão: "Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura. Qualquer concessão tem de cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."

Observação: A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de o STF rever o entendimento sobre a prisão em segunda instância (novela cujo próximo capítulo deve ser transmitido na próxima quinta-feira), o perfil do presidente no Twitter publicou em 17 uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância. "Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância". A mensagem foi interpretada por autoridades como uma tentativa de pressão (?!) sobre o Judiciário e o Legislativo e apagada logo depois por Zero Dois, que atua como ghostwriter  do pai, que pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"

E é com coisas assim que se preocupam a imprensa, os políticos e outros desocupados. Como se o Brasil não tivesse nada mais importante para fazer.

Bom domingo a todos.

sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CORTINAS DE FUMAÇA E ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Eu já havia concluído a postagem de hoje quando soube da declaração do deputado Eduardo Bolsonaro — aquele que seria indicado para embaixador do Brasil nos EUA, mas que atendeu ao pedido do papai presidente e ficou por aqui mesmo, para servir seu país como líder do governo da Câmara dos deputados. Dentre outras estultices, o parlamentar defendeu medidas drásticas — como "um novo AI-5" — para conter manifestações de rua como as que ocorrem no Chile atualmente.

Durante a campanha eleitoral, um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra Zero Três dizendo que era necessário apenas "um cabo e um soldado" para fechar o STF. Na última terça-feira, em discurso no plenário da Câmara,  o deputado afirmou que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir". Na ocasião, ele não explicou a que período se referia, mas deixou isso claro na entrevista que concedeu à jornalista Leda Nagle, que foi veiculada na tarde de ontem: "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".

Ao ser questionado por jornalistas, Bolsonaro pai não escondeu seu desagrado, mas limitou-se a sugerir que cobrassem do filho as explicações, e que quem falasse tamanha besteira só poderia estar sonhando. Quando chegar em casa, o menino vai levar boas palmadas (e parece que levou mesmo, como se vê na atualização mais abaixo).

Brincadeira à parte, a diarreia verbal de Zero Três — que teria prestado um bom serviço ao nosso país se tivesse ficado nos EUA, fritando hambúrgueres numa lanchonete que serve somente frango frito — caiu como uma bomba no Congresso, levando, inclusive, os presidentes de ambas as casas a se manifestar. Ambos repudiaram as declarações do deputado, naturalmente, a exemplo do que fizeram outros parlamentares que a imprensa conseguiu pegar no laço (quinta-feira à tarde sobram bem poucos congressistas em Brasília). Alguns falaram na cassação de Eduardo por quebra de decoro parlamentar.

ATUALIZAÇÃO:

Depois da repercussão negativa de sua parvoíce, Eduardo Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, fez o que já se esperava: “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira, mesmo eu não fazendo parte do governo, está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”.

Desmentidos não faltaram nos 10 meses que o governo Bolsonaro completa neste dia de Todos os Santos. Isso e a indefectível atribuição de culpa à imprensa — que tem lá sua parcela de responsabilidade, mas não neste caso específico. Mas, afinal, que efeito imaginava o deputado obter com sua estapafúrdia sua declaração, senão desagradar a gregos e troianos?  Na Câmara, já se fala em pedir sua cassação. Não sei se a punição é cabível, mas sei que a maioria de seus pares não tem moral para criticá-lo, nem a quem quer que seja. Sobretudo os de esquerda. Isso sem mencionar o todo-poderoso "Botafogo", que publicou um post repudiando o despautério, sendo prontamente seguido pelo presidente do Senado — outro que... bem, melhor deixar pra lá. Quem tem telhado de vidro não deveria jogar pedra em telhado dos outros, mas quem sou eu para meter a colher nesse caldeirão? Na melhor das hipóteses, apenas mais um eleitor (que não votou no deputado, diga-se de passagem).

Salvo melhor juízo, há um pouco de exagero nisso tudo. Estão fazendo tempestade em copo d'água, como fazem a cada pronunciamento "polêmico" de Jair Bolsonaro e respectiva prole. Basta relembrar outras falas pitorescas do deputado de Zero Três para ver que a asnice da vez não chega a surpreender. O que assusta é sua, digamos, falta de tato, sobretudo se considerarmos que esse parlamentar foi cogitado para o cargo de embaixador nos EUA.

Partidos da oposição ameaçam pedir a cabeça de Eduardo já nos próximos dias. Não há base para responsabilizá-lo criminalmente, como alguns de seus pares — demonstrando conhecimentos jurídicos profundos como um pires — ameaçaram fazer. Já a cassação é uma medida de caráter político e, para que aconteça, basta vontade política. Por outro lado, há parlamentares (pelo menos três) que discutem leis durante o horário de trabalho no Congresso e voltam à cadeia para dormir, o que demonstra que as tais "comissões de ética" da Câmara e do Senado são tão inúteis quanto sapatos para minhocas.

Volto a esse assunto oportunamente, talvez na postagem de amanhã. Antes de passar ao texto que eu havia preparado para esta sexta-feira, dia de Todos os Santos, segue a transcrição do comentário de Josias de Souza sobre o capitão e distintíssima prole.

A loucura tem razões que a sensatez desconhece. Jair Bolsonaro é um ex-capitão que deixou a tropa depois de um episódio de indisciplina. Chegou ao Planalto com mais de 57 milhões de votos, numa ascensão meteórica que coroou 28 anos de vida parlamentar. E seu filho querido, Eduardo Bolsonaro, eleito deputado com a maior votação do país, achou que seria uma boa ideia defender numa entrevista a volta do AI-5, o mais draconiano ato institucional da ditadura militar, que mergulhou o Brasil nas trevas. Impossível contemporizar. Se isso não acabar no plenário da Câmara na forma de um processo de cassação por quebra do decoro parlamentar, ficará entendido não que Eduardo Bolsonaro está meio maluco, mas que o Legislativo está completamente doido. 

Como alternativa para combater uma hipotética radicalização de esquerda, o príncipe herdeiro sugere uma legislação repressora qualquer, "aprovada através de um plebiscito". O plebiscito é uma forma de expressão da vontade do povo. Está previsto na Constituição. Entretanto, a defesa de plebiscitos nos lábios do filho de um presidente que acaba de ser eleito é uma ideia golpista destinada a emparedar o Congresso, à moda de Hugo Chávez. É uma maluquice dentro da outra. 

A pretexto de se contrapor a um inexistente levante esquerdista de rua, o filho do monarca sugere a adoção do veneno como antídoto. Esse penúltimo despautério produzido no seio da primeira-família chega dias depois da estupidez anterior, que foi a veiculação do vídeo em que o presidente-leão estava cercado por hienas-rivais. Bolsonaro desculpou-se pelo post que Carlos Bolsonaro, o príncipe Zero Dois, disse que ele mesmo havia divulgado. Desculpas já não resolvem. Pode-se apagar um vídeo do Twitter. Mas é impossível deletar os pendores autoritários do DNA dos Bolsonaro. Por sorte, a democracia tem remédios contra esse tipo de patologia.

Sobre o infeliz vídeo que compara Bolsonaro a um leão e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições a um bando de hienas, disse o togado supremo Marco Aurélio que pode ser uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz. É possível que desta vez o ministro esteja certo — afinal, nem ele é capaz de errar todas as vezes. Aliás, o decano supremo também criticou o vídeo, que foi publicado na conta oficial do presidente no Twitter e depois apagado, devido à repercussão negativa. Detalhe: Em 1989, quando foi promovido a ministro supremo, Celso de Mello foi chamado de “juiz de merda” pelo então ministro da Justiça (Saulo Ramos). Vejam vocês onde fomos amarrar nosso bode.

Bolsonaro retornou ao Brasil nesta quinta-feira, depois de um périplo pela Ásia e Oriente Médio que começou pelo Japão, no dia 22, passou pela China, pelo Catar e pelos Emirados Árabes, terminou na Arábia Saudita e cumpriu (ao menos em parte) o objetivo de fechar parcerias comerciais e atrair investimentos para o Brasil — o destaque foi a notícia de que o fundo soberano da Arábia Saudita investirá US$ 10 bilhões no Brasil, e que, na China, o governo assinou protocolos sanitários para exportar farelo de algodão e carne termoprocessada. Mas o que mais repercutiu na mídia foi a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. E, claro, as polêmicas do vídeo do leão entre hienas e da menção do nome de Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco.

Nesta semana, tanto a FOLHA quanto O GLOBO divulgaram áudios em que Queiroz aparece falando sobre a demissão de uma funcionária "fantasma" do gabinete de Zero Dois, que é vereador no Rio de Janeiro (a Cileide, que eu não sei se é a mesma do Doutor Pimpolho). Durante a viagem, o capitão afirmou que a funcionária do gabinete do filho não era fantasma e que sua demissão “não tem nada para espantar”.

Sobre o imbróglio Marielle, a perícia feita pelo MP não detectou se algum áudio foi excluído do sistema do condomínio de Bolsonaro, mas encontrou a gravação de Ronnie Lessa autorizando a entrada de Élcio de Queiroz no dia da morte da vereadora. Seja lá como for, essa relação da primeira família com milicianos não vem de hoje. Galinha que anda com pato acaba se afogando. Para bom entendedor...

A despeito de toda essa merdeira, a Bolsa bateu mais um recorde na quarta-feira, encerrando o pregão com alta de 0,79%, aos 108.407 pontos. Na manhã da quinta, porém, a Bovespa voltou a registrar uma forte queda, com negócios ainda ditados pela temporada de balanços corporativos do terceiro trimestre, após reunião do COPOM confirmar expectativa do mercado de corte na taxa básica de juros (Selic): às 11:12 do dia das bruxas, o índice B3 registrava baixa de 1,83%, com 106.426,88 pontos, mas se recuperou ao longo do dia e fechou em 107.219,83 pontos — ainda em baixa, mas de "apenas" 1.10%.

Até onde se consegue ver em meio à poeira que ainda não baixou totalmente, esse furdunço parece ter nascido morto, pelo menos à luz do que já se apurou sobre o depoimento do porteiro. Mas tem potencial para azedar de vez a relação do presidente com Wilson Witzel, que evoluiu de ruim para muito pior. Antes, Bolsonaro estava em rota de colisão com o governador fluminense; agora, entrou no estágio da explosão. 

Bolsonaro atribui a Witzel o vazamento de informações judiciais sigilosas sobre o depoimento em que um porteiro o envolveu "levianamente" no caso Marielle, e acusa o ex-aliado de ter ordenado à polícia civil do Rio a manipulação do inquérito — um "ato criminoso" de quem tem a ambição de chegar ao trono presidencial. Aliás, é impressionante a competência do capitão em semear inimizades (cito os casos do ex-coordenador de campanha e ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno e, mais recentemente, do general Santos Cruz e de ex-correligionários como Luciano BivarAlexandre Frota e Joice Hasselmann, apenas para ficar nos mais notórios).

Bolsonaro disparou também contra a Globo — usando, inclusive, termos como "patifaria", "porra", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre". A irritação se justifica: uma matéria isenta deveria focar as contradições no depoimento do porteiro, e não da forma como a notícia foi veiculada, plantando a dúvida para só depois atrelar frases adversativas, como "mas o registro da Câmara aponta que Bolsonaro estava em Brasília", por exemplo. Na avaliação de José Nêumanne, a "barrigada" da emissora foi fruto de vagabundagem no duplo sentido da palavra: preguiça e abandono de mínimos cuidados a ser tomados em qualquer denúncia, caso de dar a palavra ao denunciado, qualquer que seja ele. A Vênus Platinada errou ao não ouvir a versão de Bolsonaro e este, ao fazer uma live furiosa, insinuando, inclusive, que pode tornar bastante difícil a vida da Globo em 2022, quando ela deverá renovar sua concessão de TV pública. Segundo especialistas em comunicações, porém, o poder do presidente da República de interferir na concessão de uma emissora de TV é remoto, justamente para preservar a liberdade de imprensa.

Enfim, quem revirar esse angu ainda vai encontrar muitos dentes de coelho — como um segundo áudio, que teria sido apagado, o sumiço de imagens das câmeras de segurança, sem mencionar o vazamento de dados (vale lembrar que a investigação corre sob sigilo na Justiça do Rio). Vamos continuar acompanhando.