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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CORTINAS DE FUMAÇA E ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Eu já havia concluído a postagem de hoje quando soube da declaração do deputado Eduardo Bolsonaro — aquele que seria indicado para embaixador do Brasil nos EUA, mas que atendeu ao pedido do papai presidente e ficou por aqui mesmo, para servir seu país como líder do governo da Câmara dos deputados. Dentre outras estultices, o parlamentar defendeu medidas drásticas — como "um novo AI-5" — para conter manifestações de rua como as que ocorrem no Chile atualmente.

Durante a campanha eleitoral, um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra Zero Três dizendo que era necessário apenas "um cabo e um soldado" para fechar o STF. Na última terça-feira, em discurso no plenário da Câmara,  o deputado afirmou que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir". Na ocasião, ele não explicou a que período se referia, mas deixou isso claro na entrevista que concedeu à jornalista Leda Nagle, que foi veiculada na tarde de ontem: "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".

Ao ser questionado por jornalistas, Bolsonaro pai não escondeu seu desagrado, mas limitou-se a sugerir que cobrassem do filho as explicações, e que quem falasse tamanha besteira só poderia estar sonhando. Quando chegar em casa, o menino vai levar boas palmadas (e parece que levou mesmo, como se vê na atualização mais abaixo).

Brincadeira à parte, a diarreia verbal de Zero Três — que teria prestado um bom serviço ao nosso país se tivesse ficado nos EUA, fritando hambúrgueres numa lanchonete que serve somente frango frito — caiu como uma bomba no Congresso, levando, inclusive, os presidentes de ambas as casas a se manifestar. Ambos repudiaram as declarações do deputado, naturalmente, a exemplo do que fizeram outros parlamentares que a imprensa conseguiu pegar no laço (quinta-feira à tarde sobram bem poucos congressistas em Brasília). Alguns falaram na cassação de Eduardo por quebra de decoro parlamentar.

ATUALIZAÇÃO:

Depois da repercussão negativa de sua parvoíce, Eduardo Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, fez o que já se esperava: “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira, mesmo eu não fazendo parte do governo, está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”.

Desmentidos não faltaram nos 10 meses que o governo Bolsonaro completa neste dia de Todos os Santos. Isso e a indefectível atribuição de culpa à imprensa — que tem lá sua parcela de responsabilidade, mas não neste caso específico. Mas, afinal, que efeito imaginava o deputado obter com sua estapafúrdia sua declaração, senão desagradar a gregos e troianos?  Na Câmara, já se fala em pedir sua cassação. Não sei se a punição é cabível, mas sei que a maioria de seus pares não tem moral para criticá-lo, nem a quem quer que seja. Sobretudo os de esquerda. Isso sem mencionar o todo-poderoso "Botafogo", que publicou um post repudiando o despautério, sendo prontamente seguido pelo presidente do Senado — outro que... bem, melhor deixar pra lá. Quem tem telhado de vidro não deveria jogar pedra em telhado dos outros, mas quem sou eu para meter a colher nesse caldeirão? Na melhor das hipóteses, apenas mais um eleitor (que não votou no deputado, diga-se de passagem).

Salvo melhor juízo, há um pouco de exagero nisso tudo. Estão fazendo tempestade em copo d'água, como fazem a cada pronunciamento "polêmico" de Jair Bolsonaro e respectiva prole. Basta relembrar outras falas pitorescas do deputado de Zero Três para ver que a asnice da vez não chega a surpreender. O que assusta é sua, digamos, falta de tato, sobretudo se considerarmos que esse parlamentar foi cogitado para o cargo de embaixador nos EUA.

Partidos da oposição ameaçam pedir a cabeça de Eduardo já nos próximos dias. Não há base para responsabilizá-lo criminalmente, como alguns de seus pares — demonstrando conhecimentos jurídicos profundos como um pires — ameaçaram fazer. Já a cassação é uma medida de caráter político e, para que aconteça, basta vontade política. Por outro lado, há parlamentares (pelo menos três) que discutem leis durante o horário de trabalho no Congresso e voltam à cadeia para dormir, o que demonstra que as tais "comissões de ética" da Câmara e do Senado são tão inúteis quanto sapatos para minhocas.

Volto a esse assunto oportunamente, talvez na postagem de amanhã. Antes de passar ao texto que eu havia preparado para esta sexta-feira, dia de Todos os Santos, segue a transcrição do comentário de Josias de Souza sobre o capitão e distintíssima prole.

A loucura tem razões que a sensatez desconhece. Jair Bolsonaro é um ex-capitão que deixou a tropa depois de um episódio de indisciplina. Chegou ao Planalto com mais de 57 milhões de votos, numa ascensão meteórica que coroou 28 anos de vida parlamentar. E seu filho querido, Eduardo Bolsonaro, eleito deputado com a maior votação do país, achou que seria uma boa ideia defender numa entrevista a volta do AI-5, o mais draconiano ato institucional da ditadura militar, que mergulhou o Brasil nas trevas. Impossível contemporizar. Se isso não acabar no plenário da Câmara na forma de um processo de cassação por quebra do decoro parlamentar, ficará entendido não que Eduardo Bolsonaro está meio maluco, mas que o Legislativo está completamente doido. 

Como alternativa para combater uma hipotética radicalização de esquerda, o príncipe herdeiro sugere uma legislação repressora qualquer, "aprovada através de um plebiscito". O plebiscito é uma forma de expressão da vontade do povo. Está previsto na Constituição. Entretanto, a defesa de plebiscitos nos lábios do filho de um presidente que acaba de ser eleito é uma ideia golpista destinada a emparedar o Congresso, à moda de Hugo Chávez. É uma maluquice dentro da outra. 

A pretexto de se contrapor a um inexistente levante esquerdista de rua, o filho do monarca sugere a adoção do veneno como antídoto. Esse penúltimo despautério produzido no seio da primeira-família chega dias depois da estupidez anterior, que foi a veiculação do vídeo em que o presidente-leão estava cercado por hienas-rivais. Bolsonaro desculpou-se pelo post que Carlos Bolsonaro, o príncipe Zero Dois, disse que ele mesmo havia divulgado. Desculpas já não resolvem. Pode-se apagar um vídeo do Twitter. Mas é impossível deletar os pendores autoritários do DNA dos Bolsonaro. Por sorte, a democracia tem remédios contra esse tipo de patologia.

Sobre o infeliz vídeo que compara Bolsonaro a um leão e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições a um bando de hienas, disse o togado supremo Marco Aurélio que pode ser uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz. É possível que desta vez o ministro esteja certo — afinal, nem ele é capaz de errar todas as vezes. Aliás, o decano supremo também criticou o vídeo, que foi publicado na conta oficial do presidente no Twitter e depois apagado, devido à repercussão negativa. Detalhe: Em 1989, quando foi promovido a ministro supremo, Celso de Mello foi chamado de “juiz de merda” pelo então ministro da Justiça (Saulo Ramos). Vejam vocês onde fomos amarrar nosso bode.

Bolsonaro retornou ao Brasil nesta quinta-feira, depois de um périplo pela Ásia e Oriente Médio que começou pelo Japão, no dia 22, passou pela China, pelo Catar e pelos Emirados Árabes, terminou na Arábia Saudita e cumpriu (ao menos em parte) o objetivo de fechar parcerias comerciais e atrair investimentos para o Brasil — o destaque foi a notícia de que o fundo soberano da Arábia Saudita investirá US$ 10 bilhões no Brasil, e que, na China, o governo assinou protocolos sanitários para exportar farelo de algodão e carne termoprocessada. Mas o que mais repercutiu na mídia foi a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. E, claro, as polêmicas do vídeo do leão entre hienas e da menção do nome de Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco.

Nesta semana, tanto a FOLHA quanto O GLOBO divulgaram áudios em que Queiroz aparece falando sobre a demissão de uma funcionária "fantasma" do gabinete de Zero Dois, que é vereador no Rio de Janeiro (a Cileide, que eu não sei se é a mesma do Doutor Pimpolho). Durante a viagem, o capitão afirmou que a funcionária do gabinete do filho não era fantasma e que sua demissão “não tem nada para espantar”.

Sobre o imbróglio Marielle, a perícia feita pelo MP não detectou se algum áudio foi excluído do sistema do condomínio de Bolsonaro, mas encontrou a gravação de Ronnie Lessa autorizando a entrada de Élcio de Queiroz no dia da morte da vereadora. Seja lá como for, essa relação da primeira família com milicianos não vem de hoje. Galinha que anda com pato acaba se afogando. Para bom entendedor...

A despeito de toda essa merdeira, a Bolsa bateu mais um recorde na quarta-feira, encerrando o pregão com alta de 0,79%, aos 108.407 pontos. Na manhã da quinta, porém, a Bovespa voltou a registrar uma forte queda, com negócios ainda ditados pela temporada de balanços corporativos do terceiro trimestre, após reunião do COPOM confirmar expectativa do mercado de corte na taxa básica de juros (Selic): às 11:12 do dia das bruxas, o índice B3 registrava baixa de 1,83%, com 106.426,88 pontos, mas se recuperou ao longo do dia e fechou em 107.219,83 pontos — ainda em baixa, mas de "apenas" 1.10%.

Até onde se consegue ver em meio à poeira que ainda não baixou totalmente, esse furdunço parece ter nascido morto, pelo menos à luz do que já se apurou sobre o depoimento do porteiro. Mas tem potencial para azedar de vez a relação do presidente com Wilson Witzel, que evoluiu de ruim para muito pior. Antes, Bolsonaro estava em rota de colisão com o governador fluminense; agora, entrou no estágio da explosão. 

Bolsonaro atribui a Witzel o vazamento de informações judiciais sigilosas sobre o depoimento em que um porteiro o envolveu "levianamente" no caso Marielle, e acusa o ex-aliado de ter ordenado à polícia civil do Rio a manipulação do inquérito — um "ato criminoso" de quem tem a ambição de chegar ao trono presidencial. Aliás, é impressionante a competência do capitão em semear inimizades (cito os casos do ex-coordenador de campanha e ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno e, mais recentemente, do general Santos Cruz e de ex-correligionários como Luciano BivarAlexandre Frota e Joice Hasselmann, apenas para ficar nos mais notórios).

Bolsonaro disparou também contra a Globo — usando, inclusive, termos como "patifaria", "porra", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre". A irritação se justifica: uma matéria isenta deveria focar as contradições no depoimento do porteiro, e não da forma como a notícia foi veiculada, plantando a dúvida para só depois atrelar frases adversativas, como "mas o registro da Câmara aponta que Bolsonaro estava em Brasília", por exemplo. Na avaliação de José Nêumanne, a "barrigada" da emissora foi fruto de vagabundagem no duplo sentido da palavra: preguiça e abandono de mínimos cuidados a ser tomados em qualquer denúncia, caso de dar a palavra ao denunciado, qualquer que seja ele. A Vênus Platinada errou ao não ouvir a versão de Bolsonaro e este, ao fazer uma live furiosa, insinuando, inclusive, que pode tornar bastante difícil a vida da Globo em 2022, quando ela deverá renovar sua concessão de TV pública. Segundo especialistas em comunicações, porém, o poder do presidente da República de interferir na concessão de uma emissora de TV é remoto, justamente para preservar a liberdade de imprensa.

Enfim, quem revirar esse angu ainda vai encontrar muitos dentes de coelho — como um segundo áudio, que teria sido apagado, o sumiço de imagens das câmeras de segurança, sem mencionar o vazamento de dados (vale lembrar que a investigação corre sob sigilo na Justiça do Rio). Vamos continuar acompanhando.