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domingo, 3 de novembro de 2019

IMBRÓGLIOS, SALSEIROS E ASNICES DA NOVA FAMÍLIA REAL



Além de ainda não ter formado uma base de apoio parlamentar e de ter declarado guerra ao partido pelo qual se elegeu, nosso indômito presidente vem terminando amizades de longa data (mais detalhes nas postagens de ontem e de amanhã) e fulminando aliados um após o outro. Não demora e lhe restará somente o apoio dos três filhos com mandato parlamentar — o que não serve de consolo, considerando que, para blindar Zero Um, o papai presidente se sujeitou a lamber as botas de Toffoli, Alcolumbre e Gilmar; Zero Dois insiste em botar fogo no circo (sua penúltima estultice foi o vídeo do leão e as hienas); e Zero Três, que já "defendeu o fechamento do STF" (clique aqui para assistir ao vídeo e conferir em que contexto ele disse isso), agora volta à carga com a reedição do AI-5 (mais detalhes nos posts anteriores e no de amanhã).

Com desgraça pouca é bobagem, depois que a Globo veiculou (de forma açodada, se não maliciosa) uma matéria sobre sua suposta ligação com o caso Marielle, o capitão insinuou que que a emissora terá problemas para renovar sua concessão: "Teremos uma conversa em 2022", disse, para logo depois tentar recolocar o gênio na garrafa. Mas aí a mídia já havia caído de pau. No dia seguinte, Bolsonaro voltou à carga e anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal, além de fazer ameaças aos anunciantes do veículo. Quase que ao mesmo tempo, o terceiro filho concedeu a bizarra entrevista que "estarreceu o país" — continuo achando que houve muito oportunismo nessa indignação toda, mas enfim...

Apeado do sonho (por ora impossível) de assumir a embaixada do Brasil nos EUA (com as bençãos de Pato Donald Trump), Eduardo Bolsonaro assumiu a liderança do PSL na Câmara. Não foi uma boa ideia. Falta-lhe discernimento para diferenciar o que pode ser dito entre amigos, numa mesa de boteco, do que se pode falar em público. Embora não exista no governo cargo de "filho de presidente", esta administração o criou informalmente quando o monarca se cercou dos príncipes-herdeiros, e estes, deslumbrados com o poder, escudam-se na imunidade parlamentar para proferir asnices de todas as cores, cheiros e sabores.   

A declaração do Zero Três sobre o AI-5 foi repudiada por partidos de todo o espectro ideológico — inclusive do próprio PSL. Bolsonaro pai desautorizou o filho: "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí. Cobrem vocês dele, ele é independente." E completou: "Qualquer palavra nossa vira um tsunami." Mas a flecha já havia sido lançada, a oportunidade de calar, perdida, e o estrago, feito.

Em entrevista ao Brasil urgente, o deputado emendou o soneto: "Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem de tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror." Não adiantou.

A mídia não perdoa qualquer deslize da primeira-família, e a declaração estapafúrdia do caçula foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, e pode, pelo menos em tese, levar à cassação de seu mandato. Mas as ações apresentadas contra ele no STF, sob acusação de "incitar publicamente ato criminoso", não devem prosperar (considerando a atual composição da Corte, que conta com ministros como o que mandou soltar Anthony Garotinho e senhora um dia depois de o ex-governador lalau ser preso pela quinta vez e a madame, pela terceira, pode-se esperar qualquer coisa).

Observação: Para quem não sabe de qual togado estou falando, aqui vão algumas dicas: ele foi indicado para o STF por FHC, classificado por um colega de tribunal como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", apelidado por Augusto Nunes de "Maritaca de Diamantino" e era presidente do TSE quando a chapa Dilma/Temer foi absolvida por "excesso de provas". Quer mais? Então vamos lá: ele tem ódio da Lava-Jato, do procurador Deltan Dallagnol e do atual ministro da Justiça e do juiz Marcelo Bretas, além de ostentar um formidável par de beiços (que pesam uns bons cinco quilos).

Questionado por jornalistas, Jair Bolsonaro negou ter feito ameaças à imprensa. Perguntado se não teme comparações com Hugo Chávez, o tiranete venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da emissora de maior audiência no país por discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista". Disse o capitão: "Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura. Qualquer concessão tem de cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."

Observação: A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de o STF rever o entendimento sobre a prisão em segunda instância (novela cujo próximo capítulo deve ser transmitido na próxima quinta-feira), o perfil do presidente no Twitter publicou em 17 uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância. "Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância". A mensagem foi interpretada por autoridades como uma tentativa de pressão (?!) sobre o Judiciário e o Legislativo e apagada logo depois por Zero Dois, que atua como ghostwriter  do pai, que pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"

E é com coisas assim que se preocupam a imprensa, os políticos e outros desocupados. Como se o Brasil não tivesse nada mais importante para fazer.

Bom domingo a todos.

sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.