segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A SEMANA PROMETE


Aproxima-se o final do julgamento das nefastas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, que questionam a constitucionalidade do cumprimento antecipado da pena após condenação por juízo colegiado. Se nada mudar, na próxima quinta-feira os togados que ainda não votaram devem se pronunciar e o mestre de cerimônias do circo supremo, desempatar o previsível placar de 5 a 5. Que Deus nos ajude.

O Vem Pra Rua convocou para o próximo sábado (9) uma manifestação popular visando pressionar o Congresso a fazer seu papel — só a mudança da lei pode evitar interpretações perversas do STF no futuro, e só o Legislativo pode resolver o problema de forma definitiva. A Coalizão Convergência protocolou junto à PGR uma petição de DENÚNCIA de ilegalidade em todo o processo em andamento no STF. No entendimento de seus signatários — entre os quais está o jurista Modesto Carvalhosa —, a denúncia indica que o julgamento não poderia estar ocorrendo porque o próprio STF já tinha pacificado a constitucionalidade da prisão em 2ª instância quando, em Repercussão Geral, julgou o Habeas Corpus nº 126.292, processo este que se tornou paradigma para o TEMA 925
  
Voltando à família real (não dá para não falar nessa usina de crises), a aversão de Jair Bolsonaro à imprensa que o imprensa revela que, embora seja beneficiário direto da democracia, o capitão caverna não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar e dez meses de exercício da Presidência os rudimentos da noção de cidadania. Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada em nome de ideais democráticos, Bolsonaro ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia de fachada. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.

Na semana em que o príncipe-herdeiro caçula contaminou a atmosfera com a ideia tóxica de um "novo AI-5", o pai imperador editou o primeiro ato institucional da nova era ao ordenar a todas as repartições públicas federais que cancelem assinaturas do jornal Folha de S.Paulo. Fez isso macaqueando seu amado Pato Donald Trump, que anunciara dias antes o corte das subscrições do New York Times e do Washington Post.

O mito tropical esboçou o seu AI-2. Ameaçou cassar a concessão que mantém no ar a TV Globo. Ironicamente, Folha e Grupo Globo sustentam em suas linhas editorias ideias congruentes com as que o Posto Ipiranga tenta colocar em prática. Coisas como responsabilidade fiscal, privatizações, eliminação de privilégios, enxugamento da estrutura do Estado, desburocratização, integração do Brasil à economia mundial… Mas o que preocupa Bolsonaro é a sua agenda paralela: controlar a caixa registradora do PSL, blindar o Zero Um, sedar o ex-factótum Fabrício Queiroz e seus vínculos milicianos, virar do avesso o depoimento do porteiro, livrar o Zero Dois na CPI das Fake News e servir filé mignon para o Zero Três.

A despeito da energia que desperdiça fabricando as crises internas que prejudicam o seu próprio governo, nosso indômito capitão ainda encontra tempo para desmantelar o aparato ambiental, caluniar ONGs, desmoralizar cientistas, fustigar instituições com a fábula do leão e das hienas, criticar artistas, sufocar organizações culturais e intimidar a imprensa — sobretudo o pedaço da imprensa que veicula em voz alta, com franqueza e lealdade à opinião pública, as coisas que os próprios ministros e aliados do governo comentam às suas costas.

Para Bolsonaro, a Folha desceu "às profundezas do esgoto" e a Rede Globo dedica-se à patifaria. O penúltimo presidente que expressou sentimentos semelhantes foi o demiurgo de Garanhuns, que tachava a Folha de "preconceituosa" — em 2010, o molusco se retirou bruscamente de uma mesa de almoço no jornal, alegando estar ofendido com um par de perguntas do então diretor de redação Otávio Frias Filho sobre sua política fisiológica de alianças e sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo, mesmo depois de se tornar um líder nacional. Quanto à emissora, Lula disse há nove dias, numa das inúmeras entrevistas que vem concedendo de suas acomodações VIP na Superintendência da PF em Curitiba: "Um dos desejos que eu tenho é fazer um ato público na frente da TV Globo. Passar um dia inteiro falando e mostrando as mentiras contadas a meu respeito".

Bolsonaro e Lula sustentam que a imprensa está desmoralizada e perde relevância. O morubixaba do Partido dos Trabalhadores que não trabalham diz isso desde a cadeia, enquanto aguarda por uma manobra do Supremo que anule suas sentenças. O capitão já foi informado por pesquisas de diferentes institutos de que não é incondicional nem inesgotável a boa vontade da plateia. Às voltas com uma popularidade declinante, o inquilino do Planalto torce para que o Supremo não desative os escudos que inibem investigações sobre os subterrâneos da família.

A imprensa tem muitos defeitos, mas arrosta a antipatia de gente como Bolsonaro e Lula por conta de uma virtude: cumpre a missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não o contrário, como prefeririam os imperadores da política. O papel da imprensa não é o de apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias.

Jair Bolsonaro, por exemplo, não aceita senão o apoio irrestrito e a capitulação. Por isso sonha com uma democracia de fachada, sem imprensa independente. Há pessoas cuja obra só será devidamente entendida daqui a um século. Bolsonaro só poderia ser perfeitamente entendido no século passado.

Com Josias de Souza.