Aproxima-se o final do julgamento das nefastas ADCs do PEN, da OAB e
do PCdoB, que questionam a constitucionalidade do cumprimento antecipado da
pena após condenação por juízo colegiado. Se nada mudar, na próxima quinta-feira
os togados que ainda não votaram devem se pronunciar e o mestre de cerimônias
do circo supremo, desempatar o previsível placar de 5 a 5. Que Deus nos ajude.
O Vem Pra Rua
convocou para o próximo sábado (9) uma manifestação popular visando pressionar
o Congresso a fazer seu papel — só a
mudança da lei pode evitar interpretações perversas do STF no futuro, e só o Legislativo
pode resolver o problema de forma definitiva. A Coalizão Convergência protocolou junto à PGR uma petição
de DENÚNCIA de ilegalidade em todo o processo em andamento no STF. No entendimento de seus
signatários — entre os quais está o jurista Modesto Carvalhosa —, a denúncia indica que o julgamento não
poderia estar ocorrendo porque o próprio STF
já tinha pacificado a constitucionalidade da prisão em 2ª instância quando, em Repercussão Geral, julgou o Habeas Corpus nº 126.292, processo este
que se tornou paradigma para o TEMA 925.
Voltando à família real (não dá para não falar nessa usina
de crises), a aversão de Jair Bolsonaro
à imprensa que o imprensa revela que, embora seja beneficiário direto da
democracia, o capitão caverna não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar
e dez meses de exercício da Presidência os rudimentos da noção de cidadania.
Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada
em nome de ideais democráticos, Bolsonaro
ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia
de fachada. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.
Na semana em que o príncipe-herdeiro caçula contaminou a
atmosfera com a ideia tóxica de um "novo
AI-5", o pai imperador editou o primeiro ato institucional da nova era
ao ordenar a todas as repartições públicas federais que cancelem assinaturas do
jornal Folha de S.Paulo. Fez isso
macaqueando seu amado Pato Donald Trump,
que anunciara dias antes o corte das subscrições do New York Times e do Washington
Post.
O mito tropical esboçou o seu AI-2. Ameaçou cassar a concessão que mantém no ar a TV Globo. Ironicamente, Folha e Grupo Globo sustentam em suas linhas editorias ideias congruentes
com as que o Posto Ipiranga tenta
colocar em prática. Coisas como responsabilidade fiscal, privatizações,
eliminação de privilégios, enxugamento da estrutura do Estado,
desburocratização, integração do Brasil à economia mundial… Mas o que preocupa Bolsonaro é a sua agenda paralela:
controlar a caixa registradora do PSL,
blindar o Zero Um, sedar o ex-factótum
Fabrício Queiroz e seus vínculos
milicianos, virar do avesso o depoimento do porteiro, livrar o Zero Dois na CPI das Fake News e servir filé mignon para o Zero Três.
A despeito da energia que desperdiça fabricando as crises
internas que prejudicam o seu próprio governo, nosso indômito capitão ainda
encontra tempo para desmantelar o aparato ambiental, caluniar ONGs, desmoralizar cientistas, fustigar
instituições com a fábula do leão e das hienas, criticar artistas, sufocar
organizações culturais e intimidar a imprensa — sobretudo o pedaço da imprensa que
veicula em voz alta, com franqueza e lealdade à opinião pública, as coisas que
os próprios ministros e aliados do governo comentam às suas costas.
Para Bolsonaro, a Folha
desceu "às profundezas do esgoto" e a Rede Globo dedica-se à patifaria. O penúltimo presidente que
expressou sentimentos semelhantes foi o demiurgo de Garanhuns, que tachava a Folha de "preconceituosa" — em
2010, o molusco se retirou bruscamente de uma mesa de almoço no jornal,
alegando estar ofendido com um par de perguntas do então diretor de redação Otávio Frias Filho sobre sua política
fisiológica de alianças e sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo, mesmo
depois de se tornar um líder nacional. Quanto à emissora, Lula disse há nove dias, numa das inúmeras entrevistas que vem concedendo
de suas acomodações VIP na Superintendência da PF em Curitiba: "Um dos desejos que eu tenho é fazer um ato
público na frente da TV Globo. Passar um dia inteiro falando e mostrando as
mentiras contadas a meu respeito".
Bolsonaro e Lula sustentam que a imprensa está
desmoralizada e perde relevância. O morubixaba do Partido dos Trabalhadores que
não trabalham diz isso desde a cadeia, enquanto aguarda por uma manobra do Supremo que anule suas sentenças. O
capitão já foi informado por pesquisas de diferentes institutos de que não é
incondicional nem inesgotável a boa vontade da plateia. Às voltas com uma
popularidade declinante, o inquilino do Planalto torce para que o Supremo não desative os escudos que
inibem investigações sobre os subterrâneos da família.
A imprensa tem muitos defeitos, mas arrosta a antipatia de
gente como Bolsonaro e Lula por conta de uma virtude: cumpre a
missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não o contrário,
como prefeririam os imperadores da política. O papel da imprensa não é o de
apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que
tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento
intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias.
Jair Bolsonaro,
por exemplo, não aceita senão o apoio irrestrito e a capitulação. Por isso
sonha com uma democracia de fachada, sem imprensa independente. Há pessoas cuja
obra só será devidamente entendida daqui a um século. Bolsonaro só poderia ser perfeitamente entendido no século passado.
Com Josias de Souza.