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segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

AS CRÍTICAS DE MARCO AURÉLIO



Se as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que os ministros dos tribunais são aposentados compulsoriamente —, o ministro Marco Aurélio Mello deixará o STF em julho de 2021. Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, sua excelência parece disposto a queimar os últimos cartuchos buscando alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos, nas sessões plenárias da Corte, que ele tartamudeia com voz de animador de velório.

Em 19 de dezembro passado, por exemplo, Mello esperou os primeiros minutos do recesso de final de ano para publicar uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte (reedição revista, atualizada e abrilhantada com requintes de suprema-toga do igualmente lamentável “caso Favreto”). Dias atrás, o ministro supremo criticou Toffoli por estreitar relações com os presidentes da República, da Câmara e do Senado e participar de um “pacto institucional” sem o aval do STF, e acusou Sérgio Moro — indicado “antecipadamente” para assumir a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no ano que vem — de ter virado as costas para a carreira de juiz ao assumir a pasta da Justiça e Segurança Pública, demonstrando não ter vocação para a Magistratura.

Toffoli merece críticas por participar do tal “pacto institucional” sem o aval dos demais ministros supremos, até porque a negociata envolve temas que podem ser futuramente julgados como controversos pelo colegiado do tribunal. E mais ainda por sua nomeação se ter sido mais uma demonstração cabal de falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro do STF. A propósito, nunca é demais lembrar que, além da reprovação em dois concursos para juiz de primeira instância, o brilhante currículo do indicado contava apenas com serviços prestados ao PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, depois como subchefe para assuntos jurídicos na Casa Civil da Presidência (sob o comando de José Dirceu) e advogado-geral da União, cargo que exerceu até 2009, quando vestiu a toga suprema por cima da farda de militante petista (clique aqui e aqui para mais detalhes).

É possível que o ciúme e o despeito tenham levado Marco Aurélio a destilar seu veneno, já que jamais conseguiu, em quase 30 anos no STF, uma fração do protagonismo e aprovação popular que Moro granjeou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná. Demais disso, todos têm direito a suas opiniões, mas fala-se muita bobagem hoje em dia. Prova disso é a sugestão estapafúrdia de Bolsonaro em sua recente viagem à Argentina, de que as duas maiores economias da América do Sul possam ter uma moeda única, semelhante ao euro (de tão estapafúrdia, a ideia pode até dar certo, mas eu ainda acho que isso é o tipo de notícia que causa um tremendo alvoroço num dia e é esquecido no dia seguinte). E também se critica demais — sobretudo nos tribunais virtuais das redes sociais —, mas não raro a contundência da crítica se dilui diante da postura e da vida pregressa do crítico.

Talvez Marco Aurélio tenha razão em reprovar o aumento da interferência política na definição da pauta de julgamentos do STF. É fato que nas últimas semanas, depois de se reunir com Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e parlamentares da bancada evangélica, Toffoli tirou da pauta temas delicados, como a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e legalização do aborto em casos da infecção da gestante pelo vírus da zika. Mas isso é conversa para outra hora. Vamos ao que interessa, lembrando inicialmente uma velha modinha popular que encerra um mundo de sabedoria:



A trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Depois de se formar em Direito pela UFRJ, em 1973, o dito-cujo ingressou na vida pública, em 1981, como procurador na Justiça do Trabalho — excrescência gestada e parida por Getúlio Vargas, nos anos 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder do “trabalhismo”. O cargo foi obtido não por concurso, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, que até hoje é reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito — seu prestígio era tal que o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que Marco Aurélio a assumisse tão logo completasse 35 anos. Foi também o prestígio paterno que guindou o pimpolho de Plínio ao TST, em Brasília, onde, anos mais tarde, o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria e cobriria com uma toga suprema.

Observação: Entrelaçam-se nesse caso parentela, compadrio e interesses corporativos, e o ex-presidente Collor merece citação especial. Seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho; seu pai, Arnon, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu desafeto no plenário do Senado, e matou com um tiro no peito o acreano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. Uma tragédia, mas também um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros.

Marco Aurélio, na brilhante definição do jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, é um misto de Hidra de Lerna — com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás. No mítico Raso da Catarina do sertão de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio surge como um misto do beato Antônio Conselheiro e do cabra Corisco, com o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra, e se alia a Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso e Mello — e Toffoli, antes de este assumir a presidência do Tribunal — na soltura de presidiários de colarinho-branco. Mais do que contrariar a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância, o escrete togado sobrepõe, com sua arrogância, às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou seus interesses pessoais, sejam eles quais forem, corroborando, em última análise, o veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) do especialista Joaquim Falcão, da FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra de Lerna com o deus romano Jano.

Processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo, tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, afirma o supremo togado, referindo-se ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Sua frase dá eco ao discurso dos arautos do profeta da Vila Euclides, segundo os quais Lula e outros presos sem que a condenação tenha transitado em julgado (coisa que no Brasil, onde há quatro instâncias e espaço para uma miríade de apelos, recursos, embargos e chicanas de todo tipo, só acontece no dia de São Nunca), são vítimas de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que controlam a polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.

Marco Aurélio, que sempre teve predileção especial por ser voto vencido, foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Se ainda lhe sobrar tempo — e você tiver estômago forte —, leia a entrevista que o nobre ministro concedeu dias atrás a BBC NEWS BRASIL.

domingo, 9 de junho de 2019

FESTIVAL DE DESPISTES OU BARAFUNDA DE UM GOVERNO SEM RUMO?


O STF decidiu que o governo pode vender subsidiárias de empresas estatais ou mistas sem a autorização do Congresso. A venda das estatais propriamente ditas, no entanto, continua exigindo o aval Legislativo. Há quase 418 estatais no Brasil, enquanto países como Suíça, Japão e Áustria, têm, respectivamente, 4, 8 e 10. Em sua esmagadora maioria, as estatais tupiniquins não passam de cabides de emprego.

Os Correios, por exemplo, são hoje a mais completa tradução da ineficiência, do apadrinhamento político e da falta de seriedade em lidar com a coisa pública. Entre 2013 e 2018 foram mais de 3 bilhões de reais de prejuízo (e o número só não foi pior porque o governo de Michel Temer tomou algumas medidas saneadoras). O mesmo resultado negativo ocorre com seu fundo de pensão, o Postalis, que apresenta um rombo atuarial de 11,5 bilhões de reais. No total, essa estrutura paquidérmica custa nada menos que 18 bilhões de reais por ano ao combalido caixa da União. Sem conseguir acompanhar a concorrência, a empresa terá seu valor de mercado brutalmente reduzido em cinco anos. Ou seja: o ideal seria privatizá-la o quanto antes, enquanto ela ainda oferece alguma atratividade aos potenciais compradores.

Observação: Manter estatais sob o guarda-chuva do Estado interessa àqueles que querem utilizar a política em proveito próprio, dado o manancial de cargos e, consequentemente, de verbas que elas representam. Não por acaso existe uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores em defesa da manutenção da estatal. Vale lembrar que todo o processo do mensalão nasceu a partir da CPI dos Correios, depois que um de seus diretores, Maurício Marinho (uma indicação do PTB), foi filmado recebendo um maço de notas para direcionar a compra de serviços de determinada companhia. 

Seja como for, a decisão do Supremo representou uma vitória para o Palácio do Planalto, que, sem articulação política que se preze e com as torneiras do “toma-lá-dá-cá” pingando, e não mais jorrando como nos governos anteriores, tem sofrido uma caudalosa sucessão de derrotas no Congresso.

Mudando de pato para ganso, Lula se tornou réu mais uma vez na Justiça Federal do DF, onde já respondia a outros quatro processos. Na última quinta-feira, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira aceitou nova denúncia do MPF (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro) contra ele e seus ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, além do empresário Marcelo Odebrecht. Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, também entrou na dança, mas, como tem direito a foro privilegiado, ela foi denunciada pela PGR, cabendo ao Supremo aceitar ou não a denúncia.

Observação: É a décima vez que Lula se torna réu. São sete ações penais  sub judice na primeira instância da JF em Brasília, Paraná e São Paulo. No processo sobre o tríplex no Guarujá, o petralha foi condenado em primeira, segunda e terceira instâncias; no da cobertura em SBC e do terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos, aguardando a decisão do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Sérgio Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba; no do sítio em Atibaia, ele foi condenado pela juíza substituta Gabriela Hardt no início deste ano, e o TRF-4 deve julgar a qualquer momento o recurso interposto pela defesa.

A morosidade da Justiça brasileira é desalentadora. Para piorar, mesmo condenado em dois processos e respondendo a outros oito, Lula é considerado réu primário até que pelo uma das sentenças condenatórias transite em julgado. No Brasil, a primariedade é ligada ao processo, e não à realidade, à reiteração criminosa. Para alguns togados supremos isso é homenagear a Constituição, mas na verdade esse entendimento estapafúrdio favorece a impunidade e permite que políticos e empresários corruptos paguem milhões em honorários a criminalistas estrelados (com o dinheiro da corrupção, o que só agrava o quadro) para ter direito a apelos, recursos, embargos e toda sorte de chicanas protelatórias visando eternizar a tramitação dos processos. E Lula pode acabar cumprindo a pena em prisão domiciliar, já que, por questões de logística e de segurança, o regime semiaberto não é uma opção.



Mudando agora de ganso para marreco, o presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. "Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência", disse. Alguns objetariam à qualificação de "povo" para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão  deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um "pacto pelo Brasil". Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades  ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?

Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?

A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os R$ 133 600 que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série  seriam 37, segundo as últimas contas do MP-RJ  que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

O "pacto pelo Brasil" discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de "embromation".

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Texto de Roberto Pompeu de Toledo publicado em VEJA # 2637