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domingo, 22 de dezembro de 2019

BOLSONARO — FALTA DE COMPOSTURA QUE BEIRA A INSANIDADE


Jair Bolsonaro vem numa escalada de falta de compostura que beira a insanidade. O episódio da última sexta-feira, em que ele destratou jornalistas, demonstrando falta de educação e preconceitos, é próprio de quem se sente acuado, e de fato o presidente está acuado, tanto pela queda de sua popularidade quanto pelas limitações que as instituições democráticas lhe impõem, sem mencionar as denúncias contra seu primogênito, que envolvem toda uma família ampliada que, pelas acusações do MP-RJ, vivia às custas do Erário público.

Bolsonaro anda também cercado de fantasmas, desde as alucinações de que querem vê-lo morto para tomarem-lhe a presidência, até o impeachment político. O delírio persecutório que revela assiduamente pode fazer parte de uma personalidade paranoica, agravado pelo atentado contra sua vida, bastante real.

Mas o impeachment já está colocado e, como é um instrumento sobretudo político, será acionado, ou não, quando as forças políticas no Congresso desejarem. Motivos, o capitão já deu de sobra, e a falta de decoro é apenas mais um — e não será o último. A despeito de todos os aspectos negativos, talvez não fosse uma má ideia restabelecer a hierarquia nesta Banânia: sai o capitão, entra o general.

A investigação contra Zero Dois certamente está abalando a já desequilibrada personalidade do presidente, embora a punição dificilmente venha a acontecer em razão direta das denúncias do Ministério Público. Mas podem atingir Bolsonaro no correr das investigações.

O próprio Bolsonaro, demonstrando o quanto o assunto o incomoda, já disse que surgirão diálogos que sugerirão que ele tem ligações com milicianos do Rio de Janeiro. O ex-ministro Bebianno, acusado indiretamente de desejar ser seu vice para substituí-lo em caso de morte, disse claramente que as ligações do presidente com milicianos serão demonstradas nas investigações.

A punição ao senador Flávio Bolsonaro, se houver, não virá através do Congresso. David Alcolumbre já disse que nenhuma denúncia poderá ser analisada no Conselho de Ética porque, se algo aconteceu, foi quando Flávio era deputado estadual.

Uma possível condenação vai depender de denúncia do Ministério Público, com argumentos fortes o bastante para convencer o Senado a permitir a punição, mas acho que essa autorização não será dada. No entanto, politicamente a situação é muito ruim para a família Bolsonaro, e essa investigação ainda vai bater em situações delicadas, apesar de, concretamente, ser difícil condenar o senador — a não ser que a coisa evolua de tal maneira que se chegue a uma situação de impeachment.

Rodrigo Maia, disse que Bolsonaro não tem motivos para se preocupar com um processo de impeachment, mas sobre outro assunto. O presidente passou dias sugerindo que vetará a proposta de fundo eleitoral de R$ 2 bilhões aprovado pelo Congresso para a campanha municipal do próximo ano. Fez até uma enquete populista com apoiadores, na porta do Alvorada, perguntando, como se fosse um animador de auditório, quem achava que devia vetar o projeto. Foi aplaudido quando disse que não aprovaria dinheiro para fazerem campanha eleitoral. 

Bolsonaro jogou o Congresso contra a opinião pública dizendo que, numa comparação absurda, com uma verba dessas o ministro da Infraestrutura faria várias obras necessárias para o país. Em uma live nas redes sociais, afirmou ainda que aguardava parecer jurídico para saber se poderia vetar o Fundão Eleitoral, com receio de sofrer um impeachment como retaliação política. Mais uma tentativa de jogar seus seguidores contra o Congresso. Sua relação com os parlamentares, que havia entrado em módulo de pacificação, voltou a ficar conturbada. A simples ameaça de vetar o Fundo Eleitoral acirrou os ânimos no Congresso, que promete derrubar o veto — inclusive porque a proposta de R$ 2 bilhões veio no Orçamento enviado pelo Palácio do Planalto.

Os problemas da família Bolsonaro com a Justiça, porém, servirão certamente de instrumento para tentativas de constranger o Palácio do Planalto. E isso não é paranoia do presidente, é apenas a baixa política, que sempre foi o terreno das manobras de Bolsonaro.

Com Merval Pereira

sábado, 21 de dezembro de 2019

SOBRE O FURDUNÇO QUEIROZ/FLÁVIO BOLSONARO



As suspeitas de rachadinha no gabinete do então deputador Flávio Bolsonaro já causavam preocupação no ano passado, antes mesmo das eleições. Prova disso é que seu ex-motorista e ex-assessor, Fabrício Queiroz, disse a um amigo através de um vídeo no WhatsApp: "O MP está com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente". Noutro trecho, ele afirmou: "Não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar".

Observação: Vale lembrar que a rachadinha — retenção, em benefício do parlamentar, de parte dos salários dos assessores e funcionários do gabinete — é uma prática tão enraizada na política tupiniquim quanto o caixa dois de campanha, mas isso não a torna legal ou menos imoral.

Em meio ao turbilhão, o advogado Paulo Klein, alegando "questões de foro íntimo", abandonou a defesa de Queiroz no momento mais delicado da investigação que fecha o cerco ao ex-assessor e o ex-assessorado. Foi Klein quem ajudou a articular a entrevista concedida ao SBT em dezembro de 2018, na qual Queiroz tentou explicar as movimentações atípicas em sua conta. Com a investigação cada vez mais próxima de Zero Um, o mal-estar no governo ganhou outra dimensão. “Venham para cima, não vão me pegar”, desafiou o presidente. Será que não?

A julgar pela fumaça, o incêndio é grande. O primogênito do presidente frequenta a investigação como suspeito da prática de dois crimes: lavagem de dinheiro e peculato. Os promotores poderiam ter enviado a polícia às ruas depois das festas de final de ano, mas parecem dispostos a recuperar o atraso provocado pela blindagem que Dias Toffoli ofereceu ao "Ronaldinho dos Imóveis" — e estendeu oportunisticamente às advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, mulheres do próprio Toffoli e de seu amigo e parceiro de maracutaias.

O inquérito permaneceu suspenso por quase 5 meses. Ironicamente, Queiroz voltou às manchetes horas depois de o Congresso ter aprovado a medida provisória editada por Bolsonaro para desossar o Coaf. Os parlamentares enterraram o novo nome proposto pelo presidente (UIF), mas mantiveram a decisão de enfiar o órgão de controle nos fundões do organograma do Banco Central. Foi graças a descobertas do Coaf que Queiroz estilhaçou o discurso da família Bolsonaro, aproximando a dinastia presidencial da turma do PT.

Queiroz nunca prestou depoimento. Entregou ao MP-RJ uma manifestação por escrito. Não conseguiu explicar a movimentação de R$ 1,2 milhão em sua conta nem os R$ 24 mil repassadas para a conta da hoje primeira-dama. Reconheceu que se apropriava de parte dos salários de assessores de Flávio, mas alegou que fazia isso para pagar "colaboradores informais" do então deputado e jamais exibiu recibos. Mesmo assim, o Ministério Público ainda não promoveu — como deveria — a condução coercitiva do ex-assessor, embora Veja tenha revelado que ele é vizinho de Marcelo Odebrecht no bairro do Morumbi.

A defesa de Flávio Bolsonaro impetrou um habeas corpus no STF para tentar suspender novamente as investigações. O caso tramita sob sigilo sob a relatoria da Maritaca de Diamantino. Na última quinta-feira, o semideus togado pediu ao MP-RJ, "com urgência", informações sobre a investigação. Seria muita safadeza se... enfim, vindo de quem vem, nada surpreende.

A semana que termina foi considerada a mais turbulenta para a família Bolsonaro desde a posse. Tanto que na noite da operação do GAECO, Flávio foi ao encontro do pai, no Palácio da Alvorada. A reunião, que contou com a presença de Zero Três, durou quase duas horas. Questionado sobre esse salseiro, o presidente, sempre grandiloquente, disse apenas não ter “nada a ver” com as suspeitas levantadas pelo MP e que “o Brasil é muito maior do que pequenos problemas”. Ato contínuo, fechou-se em copas. Aos repórteres mais insistentes, disse apenas: "Perguntem aos advogados".

Somente Flávio e o papai presidente sabem o tamanho real do buraco em que se meteram. Toda crise tem um custo. O capitão precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo, e ainda lhe restam três anos de governo. A pressa do MP recomenda ao inquilino do Planalto que acenda a luz.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

FILHOS? MELHOR NÃO TÊ-LOS — OU: FILHO DE LULA, LULINHA É!


FILHOS? MELHOR NÃO TÊ-LOS. MAS SE NÃO OS TEMOS, COMO SABÊ-LO?

A frase acima abre o POEMA ENJOADINHO, de Vinicius de Moraes, (que você pode apreciar clicando aqui). Mas nem tudo é poesia na política nem flores no jardins do Palácio do Planalto.

Três dos cinco filhos de Jair Bolsonaro têm mandato. Zero um é senador, zero dois, vereador e zero três, deputado federal, mas ficam sob as asas do presidente como pintinhos de uma galinha, e são tão barulhentos quanto. E zero quatro — ou Bolsokid, como Jair Renan se apresenta — deve se juntar aos irmãos em breve. Que Deus nos ajude.

Flávio Bolsonaro está tão afundado no caso Queiroz quanto os destroços do Titanic na costa de Newfoundland, no Canadá. As investigações foram suspensas por uma estapafúrdia liminar do togado supremo que preside os demais togados, mas o plenário fechou esse guarda-chuva ao deliberar pela constitucionalidade de troca de dados entre o UIF (antigo Coaf) e a Receita Federal com o Ministério Público sem prévia autorização judicial. 

Semanas atrás, o primogênito do capitão-super-herói da luta contra a corrupção votou a favor do aumento do fundo eleitoral de R$ 1,7 para R$ 3,8 bilhões. Cuspiu na cara dos 4 milhões de brasileiros que o elegeram senador. "Foi por engano, e agora não dá para voltar atrás”, justificou-se o senador distraído. Pode uma coisa dessas? Ele acha que sim. Mas isso demonstra que, além de compactuar com as gangues partidárias do Congresso, o sujeito ainda nos tem na conta de burros.

Observação: Pressionados pelo governo, líderes do Congresso já admitem reduzir a verba para R$ 2,5 bilhões. Em reunião nesta terça-feira, 10, para fechar acordo sobre votações no Legislativo até o fim do ano, os parlamentares ouviram que o novo valor não enfrentaria resistência por parte de Jair Bolsonaro.

Mudando o foco para Fabio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, (que, por sinal, detesta o apelido), e os sócios dele, Fernando Bittar, Kalil Bittar e Jonas Suassuna (tutti buona gente), que são alvos da 69ª fase da Lava-Jato. Há anos que se tem conhecimento de que a ascensão profissional/patrimonial do "Ronaldinho dos Negócios" é, no mínimo, suspeita. Até o criminoso de Garanhuns ser eleito presidente, seu primogênito trabalhava como catador de bosta de elefante no zoo de São Paulo. Com o papai no Planalto, esse gênio das finanças abriu uma firmeca de tecnologia chamada Gamecorp, travestiu-se de empreendedor bem sucedido e amealhou um patrimônio considerável.

O menino-prodígio mora num apartamento registrado em nome de Jonas Suassuna — o mesmo que figura como um dos donos do folclórico Sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Nunca houve contrato formal assinado entre eles, apenas o repasse de umas poucas mensalidades de R$ 15 mil, que, segundo os investigadores, “não contemplavam todos os meses do período de maio de 2014 fevereiro de 2016, assim como eram em valor inferior à estimativa realizada pelo fisco federal para valor do aluguel do imóvel” (que em 2016, foi estimado em R$ 40 mil mensais).

Impulsionado pelo grupo telefônico Oi/Telemar, cuja fusão com a Brasil Telecom foi azeitada graças à benevolência do governo durante o reinado de Lula, o filho do pai se tornou um próspero empresário. Segundo a força-tarefa de Curitiba, a boa vontade de Brasília resultou em repasses injustificados da telefônica para a firma de Lulinha que somaram R$ 132 milhões entre 2004 e 2016. Por uma dessas doces coincidências, dois dos sócios do Bill Gates tupiniquimBittar e Suassuna— se juntaram para comprar o sítio em Atibaia que era desfrutado pelo ex-presidente lalau. Foi nesse sítio que a Odebrecht e a OAS despejaram verbas roubadas da Petrobras para financiar os confortos do petralha — e que rendeu uma pena de mais de 17 anos na recente sentença condenatória de segunda instância.

Lula, o pai, foi libertado após amargar um ano e sete meses de cana. Só continua livre porque o Supremo derrubou por 6 votos a 5 a regra que permitia a prisão de condenados em segunda instância. O sucesso da Lava-Jato era atribuído a três novidades: 1) A corrupção passara a dar cadeia; 2) O medo da prisão potencializara as delações; 3) As colaborações judiciais impulsionaram as descobertas. Esse círculo virtuoso foi interrompido pela suprema banda-podre. Assim, é improvável que Lulinha passe na cadeia temporada semelhante à que foi imposta ao pai. Não por falta de material, mas porque a Lava-Jato, agora aleijada, arrasta-se pela conjuntura sem meter medo. O supremo retrocesso reintroduziu no processo penal brasileiro dois vocábulos nefastos: prescrição e impunidade.

Para assistir a um vídeo onde o assunto é abordado forma bem-humorada, clique aqui.

sábado, 23 de novembro de 2019

NÃO PRECISA EXPLICAR, EU SÓ QUERIA ENTENDER



Depois de proferir em toffolês um voto de proporções siderais e de ocupar boa parte da sessão seguinte tentando explicar o que nem ele próprio entendeu, Dias Toffoli passou a palavra para o dono da calva mais luzidia do STF e, ao final do voto do colega, suspendeu o julgamento do recurso que definirá se informações sigilosas de órgãos de controle podem ser compartilhadas com o Ministério Público sem autorização judicial.

Salvo chuva, salvo engano, o julgamento prosseguirá na sessão ordinária da próxima quarta-feira, quando votarão os demais ministros por ordem inversa de antiguidade. O problema é o ritmo imprimido aos trabalhos pelo atual presidente da Corte — o mesmo cidadão reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de Direito e que não pode, por consequência, ser juiz em nenhuma das quase 5.500 comarcas do Brasil, mas preside a mais alta corte de justiça do país, para onde foi promovido pelo Padim Lula em 2009, graças aos "bons serviços" prestados ao PT, a José Dirceu e ao próprio Lula. Enfim, restam 8 sessões até o início do recesso do Judiciário, e faltam os votos de 9 ministros. Façam as contas.

De acordo com Josias de Souza, do célebre voto que Toffoli demorou quase 5 horas para ler e cujo teor ninguém entendeu direito dando a impressão de que o ministro procurava ideias desesperadamente, como um cachorro que esqueceu onde escondeu o osso  e das explicações complementares que ocuparam boa parte da sessão de quinta-feira, vislumbra-se no horizonte uma reversão de expectativas que pode extinguir a blindagem concedida a Flávio Bolsonaro pelo Maquiavel de Marília e reforçada pela Maritaca de Diamantino.

Observação: Se Toffoli perorou por quase cinco horas seguidas, e nem seus pares na Corte entenderam patavina do que o homem estava dizendo, imagine-se, então, o público que paga a subsistência dos onze supremos togados e em nome de quem eles dão expediente em seu palácio brasiliense. Ao final, o ministro Luís Roberto Barroso fez a única sugestão prática para desvendar a massa bruta de palavrório despejada sobre a sessão: “Vamos chamar um professor de javanês”.

Segundo J.R. GuzzoToffoli e seus parceiros de facção no STF são hoje a pior ameaça ao estado de direito, às instituições e à democracia no Brasil. Não são os “bots” das redes sociais, as “milícias”, a “extrema direita” e sabe lá Deus quem mais. São eles. Em geral, suas excelências fazem isso ordenando que os criminosos sejam protegidos e tenham direito à impunidade, sobretudo nos casos de corrupção. Mas a destruição da lei e a proibição de se prestar justiça no Brasil inclui, também, a incapacidade funcional de entender questões básicas de Direito. Estamos tendo mais uma prova disso. Senão vejamos.

Depois de congelar o inquérito contra Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações, depois de enfiar o ex-Coaf num processo que tratava exclusivamente da Receita Federal, depois de requisitar os dados sigilosos de 600 mil pessoas e empresas, depois de tudo isso, Toffoli finalmente reconheceu ser "absolutamente constitucional" o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público e a Polícia Federal sem autorização judicial. Ou seja: a pretexto de socorrer o primogênito do presidente desta banânia, Toffoli paralisou desnecessariamente, durante quatro longos meses, investigações que deveriam estar em franco andamento.

Segundo a votar, Alexandre de Moraes reforçou a constitucionalidade da atuação do ex-Coaf, agora chamado de UIF, e sustentou que também a Receita Federal tem o dever de compartilhar com o Ministério Público o resultado da apuração de delitos tributários, algo que Toffoli ensaiara limitar, em contradição com a jurisprudência do próprio Supremo. Antes que a sessão de quinta-feira terminasse, alguns togados — entre os quais Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski manifestaram seu desconforto em discutir a atuação do Coaf num julgamento sobre a Receita. Ainda que seja impossível antecipar os veredictos de suas excelências, há no plenário da Corte um jeitão de virada.

A certa altura, Fachin como que constrangeu Toffoli a reconhecer que, prevalecendo seu voto ou o voto de Alexandre de Moraes, a liminar que enviou ao freezer os casos de Zero Um e outros 925 investigados iria para o beleléu. Confirmando-se a derrubada da liminar, Toffoli deveria se auto incluir, na condição de réu, no processo secreto que abriu para investigar ataques contra o Supremo e seus membros, visto que, no momento, ninguém desmoraliza mais o tribunal do que seu presidente (cujo mandato, salvo impeachment ou outro imprevisto qualquer, termina somente em setembro do ano que vem).

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SOBRE BOLSOSIMBA E MAIS SOBRE O DIVÓRCIO DE GUZZO E VEJA


Sobre Bolsosimba, o bolsolion das arábias, a usina de crises funciona a pleno vapor também no exterior. Se o presidente fosse eficiente assim na produção do que interessa, o Brasil seria um grande país.

O sapientíssimo ministro Marco Aurélio afirmou que o vídeo que compara o Jair Bolsonaro a um leão, e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições, a hienas (e que foi apagado da conta do presidente no Twitter, diante da forte repercussão negativa) pode ser encarado como uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz, que é investigado pela prática de "rachadinha" do gabinete de Flávio Bolsonaro, a chamada "rachadinha". 

Não é lá muito convincente a justificativa de Bolsonaro de que houve um “erro” (na publicação do tal vídeo), porque o próprio capitão assume a “responsabilidade”, embora dê a entender que o filme foi veiculado sem seu aval. Ou está mentindo, ou está dizendo à nação que seu esquema de redes sociais é seara fora de controle. uma legítima casa da mãe joana, para usar de expressão vulgar ao alcance do entendimento do próprio. Assista ao clipe para mais detalhes sobre mais esse episódio surreal em nossa bizarra republiqueta da Bananas:



Enquanto essa polêmica absurda e fora de hora sobre a analogia infeliz feita pelo mito, assoma no horizonte mais um imbróglio com potencial para causar mais frisson (como dizia o saudoso Ricardo Boechat, morre-se de tudo no jornalismo, menos de tédio) e nos levar a amaldiçoar (mais uma vez) Lula e o PT por nos forçar a "escolher" esse toco para amarrar nosso bode. 

Deve-se essa nova crise às relações perigosas da família Bolsonaro com milicianos. Para evitar que uma dificuldade aparentemente pequena se torne crítica e passe a influenciar o rumo do governo, o presidente precisaria acender a luz de casa, aconselha Josias de Souza. Mas, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, o mito ficou fora de si. A irritação compromete seu discernimento e o impede de ver que o nome da crise não é imprensa, e sim família Bolsonaro. Mas vamos por partes.

Deu no Jornal Nacional da última terça-feira que o nome do presidente foi suscitado na (interminável) investigação da morte da vereadora psolista Marielle Franco. Segundo o noticioso da Globo, a polícia do Rio descobriu que o suspeito Élcio de Queiroz entrou no condomínio Vivendas da Barra, no dia em que a parlamentar foi assassinada, alegando que visitaria (o então deputado) Jair Bolsonaro, quando na verdade foi encontrar com, Ronnie Lessa, também suspeito de ter participado do crime.

Após a veiculação da reportagem, o capitão afirmou que tem presença registrada no painel de votações da Câmara dos Deputados não só no dia 14 de março, mas também nos dias anteriores e posteriores ao do caso citado pelo porteiro à polícia (de fato, registros da Câmara acusam sua presença em duas votações no plenário no dia do crime, uma às 14h e outra às 20h30). Também negou a versão do porteiro e reiterou que não conhece os acusados pela morte da vereadora. Disse que o depoimento foi forjado em uma tentativa de atingi-lo, que se trata de uma fraude, uma farsa para atacar a imagem e a reputação do presidente da República. Sua defesa levanta, inclusive, a hipótese de que a pessoa que afirmou ter ido procurar Jair Bolsonaro o tenha dito com intuito de incriminar o presidente da República.

MP-RJ consultou Dias Toffoli — o diplomata da injustiça — para saber se pode prosseguir com as investigações — vale lembrar que, segundo o § 4º do artigo 86 da Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções"  (o grifo é meu).

Atualização: O ministro da Justiça pediu à PGR a abertura de inquérito para apurar “todas as circunstâncias” da citação do nome de Bolsonaro nas investigações do assassinato da vereadora psolista (ocorrido há exatos 597 dias). Na edição de ontem, o JN noticiou que Élcio Queiroz esteve na casa de Ronnie Lessa, embora tenha anunciado ao porteiro que iria à casa de Bolsonaro e de o funcionário ter dito que “seu Jair” autorizou sua entrada. Também na noite de ontem o capitão reafirmou numa live que os registros no painel de votação da Câmara comprovam sua presença em Brasília no dia em questão e especulou sobre os motivos que podem ter levado o porteiro a citar o seu nome em depoimento: "Ou o porteiro mentiu, ou foi induzido a cometer um falso testemunho, ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo". O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse considerar o depoimento do porteiro "muito fraco", mas que seria leviano dizer que o objetivo é atingir a pessoa do presidente, embora seja essa a impressão que se tem. Ouça mais sobre mais esse furdunço em https://soundcloud.com/jose-neumanne-pinto/neumanne-301019-direto-ao-assunto 

Enfim, a novidade chega num instante em que Fabrício Queiroz, um policial militar que trabalhou com os Bolsonaro, envia pelo WhatsApp sinais de que se considera abandonado. O ex-assessor de Zero Um na Alerj ainda não forneceu ao MP-RJ uma explicação que fique em pé sobre suas movimentações financeiras. Amigo de Queiroz, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, teve a mãe e a mulher pendurados na folha salarial do gabinete de Flávio Bolsonaro. Apelidado de "Caveira", o oficial Adriano foi expulso da corporação. Comandava uma milícia em Rio das Pedras. Está foragido.

É contra esse pano de fundo que a polícia civil do Rio encosta na biografia de Bolsonaro um letreiro de neon com o nome de Marielle. A novidade mistura-se aos passivos que não saem das manchetes. Acusado de peculato e lavagem de dinheiro, Zero Um percorre os corredores do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Duplamente blindado pelo Supremo — por uma liminar de Dias Toffoli e outra de Gilmar Mendes —, o ora senador toma distância de Queiroz: "Não falo com ele há quase um ano". Bolsonaro ecoa o filho. 

Afora os crimes de peculato e lavagem de dinheiro atribuídos a Flávio Bolsonaro e a rachadinha administrada por Queiroz, o MP-RJ esquadrinha a folha do gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal do Rio. Recolheram-se indícios de que funcionava ali outro ninho de ilegalidades funcionais. Num ambiente assim, presidente que se queixa da imprensa soa como capitão de navio que reclama da existência do mar. Só Bolsonaro sabe o tamanho real do buraco em que ele e sua família estão metidos. 

Toda crise tem um custo. Bolsonaro precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo. Em tese, ele ainda dispõe de três anos e dois meses de governo. Não há blindagem que dure tanto tempo. Melhor acender a luz, nem que seja num dos cômodos: o quarto das crianças.

Sobre o "divórcio" mencionado no título, segue a transcrição do texto autoexplicativo que J.R. Guzzo postou na casa nova:

Desde o último dia 15 não sou mais colaborador da revista “Veja”, na qual entrei em 1968, quando da sua fundação, e onde mantinha uma coluna quinzenal desde fevereiro de 2008. A primeira foi publicada na edição de 13/02/2008. A partir daí a coluna não deixou de sair em nenhuma das quinzenas para as quais estava programada.

Na última edição, com data de 16/10/19, a revista decidiu não publicar a coluna que eu havia escrito. O artigo era sobre o STF, e sustentava, como ponto central, que só o calendário poderia melhorar a qualidade do tribunal — já que, com a passagem do tempo, cada um dos 11 ministros completaria os 75 anos de idade e teria de ir para casa.

Supondo-se que será impossível nomear ministros piores que os destinados a sair nos próximos três ou quatro anos, a coluna chegava à conclusão que o STF tende a melhorar.

A liberdade de imprensa tem duas mãos. Em uma delas, qualquer cidadão é livre para escrever o que quiser. Na outra, nenhum veículo tem a obrigação de publicar o que não quer.

Ao recusar a publicação da coluna mencionada acima, “Veja” exerceu o seu direito de não levar a público algo que não quer ver impresso em suas páginas. A partir daí, em todo caso, o prosseguimento da colaboração ficou inviável.

Ouvimos, desde crianças, que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.

Espero que esta coluna tenha sido um bem que não durou, e não um mal que enfim acabou. Muito obrigado.

sábado, 14 de setembro de 2019

A CRISE É FALTA DE VERGONHA NA CARA



Esta é para começar bem o final de semana: Deu na Folha de ontem que uma das signatárias do requerimento para criar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar integrantes do STF, a senadora Juíza Selma (PSL-MT), disse que foi procurada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e pelo senador Flávio Bolsonaro, o enroladíssimo Zero Um, para retirar sua assinatura e inviabilizar a CPI da Lava-Toga

Isso mostra como estamos "bem representados", politicamente falando, e, por extensão, como o presidente da vez, que elegemos para evitar a volta do abjeto molusco de Garanhuns — representado pelo bonifrate de plantão, o ex-prefeito de um só mandato e um dos mais mal avaliados alcaides da história de Sampa — prioriza os interesses próprios, de seus filhos e apaniguados. Sob esse prisma, a política é sempre a mesma merda, mudam apenas as moscas, e olhe lá.

Não se trata de estar arrependido de ter votado contra o PT — ou de ter votado em Bolsonaro — já que o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim não deixou outra opção ao fulminar, no primeiro turno, juntamente com quase uma dezena de lunáticos, fanáticos e delirantes, umas duas alternativas que poderíamos ter experimentado. Agora é tarde, Inês é morta e não adianta chorar sobre o leite derramado.

A questão é que, até não muito tempo atrás, com o Legislativo mergulhado até os chifres na lama da corrupção, ainda podíamos contar com o Judiciário. Mas isso mudou depois que a cizânia do "nós contra eles" contaminou o STF, onde togados posam de garantistas para — em troca sabe Deus de quê — garantir que políticos de alto coturno e empresários poderosos, representados por criminalistas estrelados que cobram seu peso em ouro, tenham acesso a toda sorte de chicanas para empurrar para as calendas sua condenação e consequente cumprimento da pena. Até hoje, um mísero parlamentar com foro privilegiado foi condenado no STF, e continua livre, leve e solto, já que ninguém se dignou de determinar a expedição do competente mandado de prisão.

Adicione-se a esse banquete — já difícil de deglutir — mais um acepipe repugnante: apesar de ter ligações com a esquerda no passado, o indicado para comandar a PGR o foi, de acordo com a versão palaciana, por "ser católico e de perfil conservador". Mas basta ler as letrinhas miúdas para ver que a escolha se deveu à propensão do subprocurador à subserviência e sua disposição para rezar pelo catecismo bolsonariano, do qual o pontífice da seita suprimiu o capítulo e todos os versículos que tratavam da cruzada anticorrupção quando o Ministério Público começou a apertar o laço em torno do pescoço rechonchudo de seus rebentos. 

Observação: Como medida de cautela, o capitão mandou substituir o papel higiênico (que anda em falta no palácio devido à penúria que se abateu sobre os cofres públicos) por cópias do projeto anticrime e anticorrupção do superministro da Justiça, que só continua no cargo porque sua popularidade sustenta, em grande medida, esse deplorável castelo de cartas bolsonariano.

O slogan deste governo pode até ser "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos", mas basta ler nas entrelinhas para ver como a coisa, no mundo real, é a família (do presidente) que paira sobranceira. Não bastasse o imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e seu ex-motorista e assessor parlamentar, emergem, agora, do mesmo mar de podridão indícios de que também no gabinete de Carluxo, na Câmara Municipal do Rio, a "rachadinha" campeava solta. 

Pelo visto, Zero Um foi um excelente professor e Zero Dois, um aluno mais que exemplar.  

domingo, 1 de setembro de 2019

ACHARAM O QUEIROZ — MAS E DAÍ?


Depois de semanas a fio publicando "notícias de interesse público" — como a diarreia da vaza-jato e fofocas sobre a avó traficante e a mãe falsária da primeira-dama —, a revista VEJA pôs seus jornalistas investigativos no encalço de Fabrício Queiroz... e não é que achou o sujeito?

Queiroz, como se sabe, tem laços de amizade com a família Bolsonaro desde os anos 1980, quando conheceu o hoje presidente no serviço militar da Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio, e, além de ser policial militar aposentado, trabalhou como assessor parlamentar e motorista do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro. Mas o que mais lhe abrilhanta o currículo é sua extraordinária capacidade de desaparecer sem deixar rastros (de dar inveja a Harry Houdini, David Copperfield, Chris Angel e outros mestres no métier).

A reportagem publicada na edição impressa de VEJA desta semana dá conta de que o abantesma mora atualmente no bairro do Morumbi (zona sul da capital paulista), próximo do Hospital Israelita Albert Einstein (um dos mais conceituados e caros nosocômios tupiniquins), onde ficou internado por uma semana, no final de 2018, para remover um tumor maligno do intestino. As despesas com honorários médicos e hotelaria hospitalar custaram R$ 133600, que Queiroz pagou em dinheiro vivo, nota em cima de nota.

A internação se deu semanas depois que a imprensa noticiou que o Coaf identificara movimentações suspeitas de R$ 1,2 milhão de na conta bancária do avejão, supostamente provenientes de "rachadinha" — prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos funcionários de seus gabinetes, e ainda que essa maracutaia seja considerada pelo catecismo político como um simples pecado venial, isso não a torna menos lícita nem moralmente aceitável (para mais detalhes sobre o imbróglio Flávio-Queiroz, releia esta postagem). O mesmo relatório do COAF que colocou invisível sob as luzes da ribalta lista “transações atípicas” de 75 assessores de 20 deputados de partidos como PT, PSC e PSOL, que somam R$ 207 milhões.

Observação: Quando administrava o gabinete de zero um na Alerj, o fantasminha camarada emplacou duas filhas e a mulher em cargos comissionados, com salários entre R$ 9,8 mil e R$ 12 mil. Uma das filhas conciliava a profissão de personal trainer com as atividades de gabinete. Como estas preveem jornada semanal de 40 horas, não é difícil concluir que o pedágio envolveria salários de funcionários-fantasma, que sequer apareciam para trabalhar, mas cujos proventos engordavam o caixa administrado por Queiroz.

No final da tarde do último dia 26, a equipe de VEJA flagrou o Gasparzinho, de quem não se tinha notícia desde janeiro, tomando café na lanchonete do hospital. Segundo a reportagem, ele luta contra o mesmo câncer no intestino que o levou para a mesa de cirurgia pouco antes de as notícias sobre as apurações do Coaf serem publicadas pela imprensa.

Vale lembrar que tanto o Ghost quanto a mulher e as filhas não atenderam diversas convocações do MP/RJ para prestar esclarecimentos, a exemplo do hoje senador Flávio Bolsonaro. De lá para cá, tanto o ex-assessor quanto o hoje senador deram entrevistas a emissoras "simpatizantes", mas suas desculpas esfarrapadas não convenceram.  

Queiroz atribuiu o dinheiro a lucros provenientes da venda de carros usados, depois admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de zero um "para contratar mais gente para a equipe do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Zero um, por sua vez, primeiro afirmou que não era elo o investigado e que cabia a Queiroz se explicar ao MP-RJ, mas, ad cautelam, seus advogados alegaram em juízo que as investigações atraíam a competência do Supremo.

Observação: Para explicar 48 depósitos no valor de R$ 2 mil cada um, Flávio Bolsonaro disse que o dinheiro era parte do sinal que recebeu pela venda de um apartamento — aliás, sobre outra movimentação considerada suspeita pelo Coaf, no valor de R$ 1.016.839 e referente a um título bancário da Caixa Econômica, ele alegou tratar-se do pagamento de um empréstimo tomado para a compra, na planta, do tal apartamento —, e que usou o caixa de autoatendimento da Alerj para escapar de filas e evitar que o dinheiro fosse contado na frente de várias pessoas. Uma sábia decisão; afinal, a segurança pública no Rio de Janeiro é aquela que sabemos. Acontece, porém, que o Banco Central exige informações quando o valor de um depósito em espécie ultrapassa R$ 50 mil, e no banco onde o senador eleito tem conta o preenchimento do formulário é exigido em depósitos a partir de R$ 10 mil. As conclusões ficam por conta de cada um.

O ministro Marco Aurélio negou o pedido, mas Dias Toffoli, que de uns tempos a esta parte é unha e carne com Jair Bolsonaro, valeu-se do plantão e da hermenêutica para suspender liminarmente todos os processos em que houve compartilhamento de informações fiscais e bancárias pelo Coaf sem prévia autorização judicial, livrando a cara de zero um, de Queiroz, do próprio Toffoli, de Gilmar Mendes e de suas respectivas caras-metades, que também estavam no radar da Receita Federal.

A decisão do togado supremo que preside os demais supremos togados gerou uma teoria conspiratória (bastante plausível, por sinal) que logo ganhou a Praça dos Três Poderes: se no Rio haveria um conluio para fulminar a primeira-família da República, em Brasília haveria um acordo, envolvendo até o Supremo, para blindá-la. Toffoli, obviamente, nega a acusação, e promete levar sua decisão ao plenário do STF até novembro.


O caso Queiroz se tornou prioridade para o presidente Bolsonaro antes mesmo de ele tomar posse. Se seguisse adiante, a investigação pairaria como a espada de Dâmocles sobre sua cabeça, pondo em xeque o discurso de combate à corrupção e atrapalhando a tramitação de projetos considerados prioritários. Daí porque, no campo jurídico, era preciso impedir a condenação de zero um pela prática de rachadinha, e no político, evitar que as suspeitas fossem usadas para desgastar seu governo e obstar sua reeleição.

O presidente e seu clã se referem à cúpula dos poderes no Rio como “organização criminosa” e “quadrilha”. Desde que o caso eclodiu, aliados estão em campo para reunir informações desabonadoras sobre promotores e juízes envolvidos na investigação. Flávio jura inocência — até aí, Lula também — e diz que não sabia da movimentação financeira milionária de Queiroz (só se fosse cego, surdo ou muito burro, e ele não é nada disso), que ignorava que o então assessor retinha parte dos salários dos colegas e que não tinha ciência nem mesmo dos nomes de alguns dos funcionários de seu gabinete. Convenhamos: isso não convenceria nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté.

Haveria muito mais a dizer, mas eu vou ficando por aqui. Este país virou um circo, e os palhaços, como sempre, somos nós, que votamos nessa caterva e pagamos impostos escorchantes para bancar salários aviltantes e mordomias nababescas de magistrados que, se esta banânia fosse mesmo um país sério, sequer poderiam atuar como juiz em pelada de várzea.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

O GOVERNO E O KÖNIG DER SCHEIßE




O supremo laxante ataca outra vez. Na tarde de ontem, o paladino de araque soltou Júlio Cesar Pinto de Andrade e Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, que estavam presos por determinação do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Os pedidos dos dois não tinham terminado de tramitar nas instâncias inferiores, situação em que é de praxe o STF rejeitá-los sem sequer analisar seus argumentos. Infelizmente, as leis são criadas, no Brasil, para não funcionar ou  para favorecer criminosos com cacife para bancar advogados estrelados e, mediante a interposição de toda sorte de recursos, embargos e chicanas nas quatro instâncias do Judiciário, empurrar para as calendas o julgamento final dos processos e o consequente cumprimento da pena. Enquanto a Lava-Jato contabilizou 244 condenações contra 159 acusados, o STF levou 3 anos, 2 meses e 26 dias para condenar Nelson Meurero único político com foro privilegiado condenado pelo Supremo até agora —, cujo nome figurava na primeira "Lista de Janot", entregue pelo ex-procurador em março de 2015. É ou não é escarnecer dos contribuintes, que são submetidos a impostos escorchantes para bancar essa e outras afrontas supremas? Quosque tandem, Catilina?
 
Dito isso, segue o baile:

Desde a proclamação da independência, o Brasil já teve sete constituições (ou oito, já que muitos consideram a Emenda nº 1, outorgada pela junta militar em 1969, como a “Constituição de 1969”). A mais atual, promulgada em e de outubro de 1988, tem 250 artigos, e não só é o obelisco da prolixidade, mas também uma colcha de retalhos — na medida em que foi remendada mais de uma centena de vezes. A título de comparação, a constituição norte-americana, promulgada em 1787, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas nos últimos 220 anos.

A reforma previdenciária se tornou necessária quase no mesmo instante em que a Constituição Cidadã distribuiu direitos a rodo, mas sem apontar qual seria a origem dos recursos que os bancariam. Aliás, a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes na nossa Carta Magna, enquanto "Dever" surge apenas 4 oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” aparecem duas e uma vez, respectivamente, o que nos leva à seguinte pergunta: O que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? No máximo, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.

Voltando à PEC da Previdência, há duas décadas que se vem tentando, sem êxito, mexer nesse vespeiro. Diante da insustentabilidade da situação, coube a Bolsonaro, muito a contragosto, pôr a questão como um dos focos principais de seu governo e nomear Paulo Guedes para auxiliá-lo.

Graças ao Posto Ipiranga e a Rodrigo Maia, a proposta foi aprovada em segundo turno na Câmara e, uma vez chancelada pelo Senado, deverá gerar uma economia de quase 1 trilhão de reais nos próximos dez anos, liberando dinheiro para investimentos em outras áreas, como saúde e educação. Trata-se da maior vitória política do governo até o momento, apesar de o presidente ter feito o possível para embolar o meio de campo. É certo que o projeto foi bombardeado pela oposição, mas é igualmente certo que Bolsonaro foi o maior responsável por atrasos e outros percalços — isso sem mencionar o amadorismo e o egocêntrico irresponsável das hostes bolsonaristas no Congresso.

O conjunto de medidas anticrime e anticorrupção, outra promessa de campanha do capitão, arrasta-se a duras penas, não só pela falta de articulação do Executivo com o Legislativo, mas principalmente porque muitos parlamentares veem no ex-juiz da Lava-Jato o maior pesadelo dos políticos corruptos. E com efeito: não fosse sua atuação à frente da operação em Curitiba, o picareta dos picaretas estaria livre, leve, solto e muito provavelmente aboletado na poltrona do gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto. Mas o fato é que o projeto do ministro Sérgio Moro está paralisado e corre o risco de sair da Câmara bem mais magro do que entrou — já foram retiradas do texto a parte que toca à prisão em segunda instância e a que implanta o plea bargain (instrumento que permite ao acusado se declarar culpado e se livrar do processo).

A exemplo de como atuou durante a tramitação da mexida previdenciária na Câmara, Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda o avanço da proposta de medidas anticrime. Não à toa, FHC, Marco Aurélio Mello, Tasso Jereissati, Simone Tebet e até Alexandre Frota já lhe recomendaram, cada qual a sua maneira e com suas próprias palavras, que calasse a boca. E com razão: somente nos 100 primeiros dias de governo o capitão colecionou uma miríade de episódios de desgaste político, dentre os quais vale citar a investigação sobre milícias envolvendo o gabinete de zero um na Alerj, as candidaturas de laranjas de seu partido, os entrechoques entre militares e a ala do governo sob influência do escritor Olavo de Carvalho, a crise no MEC, a troca de farpas com o Congresso e a dificuldade no encaminhamento da reforma da Previdência.

Como se vê, deixar-se fotografar como um mulambo em cerimônia no Alvorada, com camisa do Palmeiras sob o paletó e chinelos deixando aparecer os dedos dos pés, seria o de menos. E o mesmo vale para o compartilhamento de um vídeo escatológico e obsceno, durante o Carnaval, a pretexto de homenagear a moralidade. E como se nada isso bastasse, o ministro da Economia foi massacrado por uma caterva de parlamentares de esquerda — carnificina que se repetiu quando o ministro da Justiça prestou esclarecimentos aos deputados sobre os vazamentos tendenciosos do material criminoso obtido pelo Interpret de Verdevaldo das Couves, o impoluto.

Dos 5 filhos que Bolsonaro teve em 3 casamentos, os três mais velhos palpitam alegremente no governo e agem como se o clã fosse uma espécie de Família Real. Essa insólita relação familiar tem provocado uma série de intrigas intra murus — especialmente entre os militares — e desestabilizado uma gestão que começou mal e que já esteve sob séria ameaça de ser abortada pelo menos uma vez. Sem cargos no governo, mas agindo como membros de uma monarquia, a prole presidencial se dedica a fabricar crises.

Zero Um é senador, mas seus rolos com a Justiça remontam ao mandato de deputado federal, devido a suspeitas de contratação de funcionários-fantasma e retenção de parte dos salários dos que compareciam de corpo presente para dar expediente no gabinete de Flávio na Alerj, gerenciado por Fabrício Queiroz, ex-factótum da família Bolsonaro que domina a arte do desaparecimento com desenvoltura capaz de deixar David Copperfield, Chris Angel e outros mestres do ilusionismo roxos de inveja. Graças ao papai presidente, as investigações foram suspensas pelo togado supremo e presidente de todos os togados supremos, de quem, de uma hora para outra, Jair Bolsonaro se tornou amigo de fé, irmão e camarada (volto a esse assunto mais adiante).

Quem quiser se esconder do Zero Dois pode dar plantão na porta de seu gabinete na Câmara Municipal do Rio. Em Brasília, onde passa a maior parte do tempo, se empenha em fazer jus ao epíteto de pitbull presidencial criando polêmicas e semeando a cizânia no entorno palaciano. Foi ele o responsável pela demissão de Gustavo Bebianno, em fevereiro, e do general Carlos Alberto Santos Cruz, em junho, apenas para mencionar dois de seus feitos mais emblemáticos. Genioso, beligerante e adepto a teorias conspiratórias, já arreganhou os dentes para o general Mourão e atacou mais de uma vez o general Augusto Heleno. Sua relação com o pai chega a ser obsessiva. Em 2000, aos 17 anos, desbancou a mãe e se tornou o vereador mais jovem do Rio, mas sentiu-se usado quando descobriu que o pai apoiou sua candidatura para evitar a reeleição da ex-esposa. Pai e filho ficaram sem se falar por anos e, para reconquistar o rebento, o primeiro passou a ser mais tolerante com os caprichos do segundo.

Observação: Carluxo jamais simpatizou com Bebianno e sempre teve ciúmes de sua influência sobre o pai. As rusgas começaram durante a campanha, quando o factótum tinha carta branca para tomar as decisões mais delicadas e o rebento, que tinha um palpite a dar sobre tudo, se via limitado a cuidar das redes sociais da família. Vencida a eleição, o poder do “cão de guarda” se sobrepôs ao do “pitbull”: o primeiro assumiu a Secretaria-Geral da Presidência da República e o segundo, que aspirava ao comando da Secretaria de Comunicação, ficou sem cargo no governo.

Entre os 22 ministros de Estado, nenhum compartilhou mais a intimidade do presidente do que Bebianno, que atuou como faz-tudo durante a campanha e, antes disso, como advogado, ganhou a confiança do então deputado ao se oferecer para defendê-lo de graça de uma acusação de homofobia. Pego no contrapé, o ministro disse não entender a violência com que vinha sendo atacado e a facilidade com que foi abandonado. A certa altura das gravações que vieram a público, disse Bebianno a Bolsonaro: O senhor está bem envenenado. Mais adiante, ele revelaria o nome do envenenador: “O senhor Carlos Bolsonaro fez macumba psicológica na cabeça do pai”.

Zero Três é deputado federal. Até onde se sabe, não tem contas a acertar com a Justiça, como o irmão mais velho, nem é tão polêmico quanto o do meio, mas é defensor ferrenho do porte e posse de armas de fogo e constantemente lembrado por um comentário que fez em julho do ano passado, durante uma palestra em Cascavel (PR): perguntado sobre a hipótese de uma intervenção militar no caso de o STF impedir que o então candidato Jair Bolsonaro, se eleito, assumisse a presidência, Eduardo disse que aí já se estaria caminhando para um regime de exceção, e que para fechar o Supremo não era preciso mandar sequer um jipe, bastava enviar um soldado e um cabo. Tirada do contexto, sua assume ares de provação, e como tal viralizou nas redes sociais a uma semana do segundo turno das eleições.

Dono de um ego grande como o dos irmãos, o caçula dos três se tem na conta de "assessor presidencial especialíssimo" e já disse que pretende concorrer à Presidência, caso o pai não dispute a reeleição em 2022. Por enquanto, serve-lhe o cargo de embaixador nos EUA, para o qual é tão despreparado quanto o pai para presidir esta banânia: ao defender sua nomeação, "o garoto", como é tratado pelo presidente, disse ser qualificado porque fala inglês e espanhol, é amigo da família presidencial norte-americana e, dentre outros méritos, fritou hambúrgueres no estado do Maine.

Até onde se sabe, a experiência como como chapeiro de lanchonete não faz parte dos requisitos exigidos de um candidato a embaixador, sem mencionar que a rede Popeyes, onde Zero Três diz ter trabalhado, não serve hambúrgueres, mas frango frito. Demais disso, a consultoria legislativa do Senado elaborou parecer — respaldado na Súmula Vinculante nº 13 do STF — segundo o qual a indicação, se realmente for formalizada, configura nepotismo. Bolsonaro nega, talvez porque "nepotismo" vem de "nipote", que, numa tradução direta do italiano, significa neto ou sobrinho, e "o garoto é filho, talkey? ".

Gozações à parte, o Supremo já se manifestou com a interpretação de que, para agentes políticos, a súmula não se aplica. No entendimento dos consultores legislativos, porém, embaixadores não são agentes políticos. Discute-se agora se a inclusão de representantes diplomáticos nessa categoria é rejeitada pelo conjunto de leis e não encontra eco no histórico do STF. 

Se a moda pega, Zero Um — que ostenta no currículo habilidade inigualável em fazer investigação virar pizza e é um dos poucos pizzaiolos habilitados a preparar a incomum pizza de laranja — pode pleitear o cargo de embaixador do Brasil na Itália. Quanto a Zero Dois... bem, ainda não se sabe qual embaixada o menino prodígio pretende chamar de sua, mas fontes do Planalto afirmam que ele apresentará sua reivindicação assim que aprender a escrever em português no Twitter. 

Falta presidente à Presidência. Falta presidente para dar vida à figura do presidente e pôr ordem no governo, na bancada do Congresso, na família, enfim... Ser carismático, só, não basta. Falando em carisma, leia a seguir o que Dora Kramer escreveu em sua coluna na edição de Veja desta semana, que, juntamente com a de J.R. Guzzo, é tudo que ainda vale a pena ler depois que a revista juntou a Verdevaldo na tentativa de assassinar a reputação de Moro e procuradores da Lava-Jato e soltar o repulsivo parteiro do Brasil Maravilha, aquele que se diz a alma viva mais honesta da galáxia, enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários:

No Brasil é praxe considerar o carisma um ativo no capital político de candidatos a cargos majoritários. É visto pelo eleitorado como um bom atributo, embora não imprescindível, conforme atestaram as duas vitórias de Fernando Henrique em primeiro turno. Contariam como regra as derrotas de José Serra e Geraldo Alckmin para a Presidência caso não tivessem sido eleitos governadores em São Paulo e perdido a disputa nacional para Dilma Rousseff, nota zero no quesito magnetismo pessoal. 

É relativo, portanto, o valor do fascínio, algo inexplicável exercido sobre o eleitorado, embora tal fator tenha peso nas disputas eleitorais. Disso dão notícia as licenças obtidas por Fernando Collor, Luiz Inácio da Silva e Jair Bolsonaro para dar expediente no Palácio do Planalto, que caracterizam-se pela vulgaridade na linguagem, nos excessos cometidos em nome da informalidade de modo a transparecer autenticidade, o que, ao mesmo tempo, lhes confere uma autoconfiança inesgotável. Do ego hipertrofiado emerge a intolerância ao contraditório e se estabelece a dinâmica da atuação via confronto permanente. No universo deles a luta é uma constante, a razão de ser. Costumam cultivar mitologia em torno de si, sustentados numa biografia que nem sempre conta a verdade completa. Alimentam fantasias persecutórias de modo a ativar desejos de desmontes de alegadas conspirações. Para isso recorrem a instrumentos de identificação, ressentimento e distração.

No primeiro momento dizem o que a maioria quer ouvir. No segundo, exacerbam sentimentos e finalmente ocupam todos os espaços com um falatório sem importância, embora atrativo para os opositores, a fim de distrair o público, que, assim, estaria afastado do debate sobre os problemas concretos, imobilizado quanto a cobranças de governança eficaz. Todos eles manifestam horror à imprensa livre, ao mesmo tempo que recorrem sistematicamente a ela para se manter populares, cultuam uma biografia mitológica nem sempre baseada em fatos e procuram dar a impressão de que vêm “de fora”, não obstante tenham se valido das regras “de dentro” para se eleger.

A dinâmica desse tipo é manter-se permanentemente como centro das atenções, para o bem ou para o mal. Para isso eles lançam mão de quaisquer recursos, por mais fora de esquadro que sejam ao juízo da racionalidade, pois falam aos que com eles se identificam pela via do ressentimento à deriva. Cultivam inimigos externos e internos, menosprezam o papel do Parlamento — seja composto de “300 picaretas” ou de representantes da “velha política”. São imunes aos chamamentos à razoabilidade, pois se veem como heróis cujo roteiro privilegia a fé em detrimento do conhecimento. Tudo isso os une, e não seria preciso estar atento a eles não fosse a necessidade de combatê-los por terem também inequívoca e malévola parte com o autoritarismo.