As suspeitas de rachadinha no gabinete do então deputador Flávio Bolsonaro já causavam preocupação no ano
passado, antes mesmo das eleições. Prova disso é que seu ex-motorista e ex-assessor,
Fabrício Queiroz, disse a um amigo através de um vídeo no WhatsApp:
"O MP está com uma pica do tamanho
de um cometa para enterrar na gente". Noutro trecho, ele afirmou:
"Não vejo ninguém mover nada para
tentar me ajudar".
Observação: Vale lembrar que a rachadinha — retenção, em benefício do parlamentar, de parte dos
salários dos assessores e funcionários do gabinete — é uma prática tão
enraizada na política tupiniquim quanto o caixa dois de campanha, mas isso não a
torna legal ou menos imoral.
Em meio ao turbilhão, o advogado Paulo Klein, alegando "questões de foro íntimo",
abandonou a defesa de Queiroz no
momento mais delicado da investigação que fecha o cerco ao ex-assessor e o ex-assessorado.
Foi Klein quem ajudou a articular a
entrevista concedida ao SBT em dezembro
de 2018, na qual Queiroz tentou
explicar as movimentações atípicas em sua conta. Com a investigação cada vez
mais próxima de Zero Um, o mal-estar
no governo ganhou outra dimensão. “Venham
para cima, não vão me pegar”, desafiou o presidente. Será que não?
A julgar pela fumaça, o incêndio é grande. O primogênito do
presidente frequenta a investigação como suspeito da prática de dois crimes:
lavagem de dinheiro e peculato. Os promotores poderiam ter enviado a polícia às
ruas depois das festas de final de ano, mas parecem dispostos a recuperar o
atraso provocado pela blindagem que Dias
Toffoli ofereceu ao "Ronaldinho
dos Imóveis" — e estendeu oportunisticamente às advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, mulheres do próprio Toffoli e de seu amigo e parceiro de maracutaias.
O inquérito permaneceu suspenso por quase 5 meses.
Ironicamente, Queiroz voltou às
manchetes horas depois de o Congresso ter aprovado a medida provisória editada
por Bolsonaro para desossar o Coaf. Os parlamentares enterraram o
novo nome proposto pelo presidente (UIF),
mas mantiveram a decisão de enfiar o órgão de controle nos fundões do
organograma do Banco Central. Foi
graças a descobertas do Coaf que Queiroz estilhaçou o discurso da
família Bolsonaro, aproximando a
dinastia presidencial da turma do PT.
Queiroz nunca
prestou depoimento. Entregou ao MP-RJ
uma manifestação por escrito. Não conseguiu explicar a movimentação de R$ 1,2
milhão em sua conta nem os R$ 24 mil repassadas para a conta da hoje primeira-dama.
Reconheceu que se apropriava de parte dos salários de assessores de Flávio, mas alegou que fazia isso para
pagar "colaboradores informais" do então deputado e jamais exibiu
recibos. Mesmo assim, o Ministério Público ainda não promoveu — como deveria — a
condução coercitiva do ex-assessor, embora Veja tenha revelado que ele é
vizinho de Marcelo Odebrecht no
bairro do Morumbi.
A defesa de Flávio
Bolsonaro impetrou um habeas corpus no STF
para tentar suspender novamente as investigações. O caso tramita sob sigilo sob
a relatoria da Maritaca de Diamantino. Na última quinta-feira, o semideus
togado pediu ao MP-RJ, "com
urgência", informações sobre a investigação. Seria muita safadeza se...
enfim, vindo de quem vem, nada surpreende.
A semana que termina foi considerada a mais turbulenta para
a família Bolsonaro desde a posse.
Tanto que na noite da operação do GAECO,
Flávio foi ao encontro do pai, no
Palácio da Alvorada. A reunião, que contou com a presença de Zero Três, durou quase duas horas. Questionado sobre esse salseiro, o
presidente, sempre grandiloquente, disse apenas não ter “nada a ver” com as
suspeitas levantadas pelo MP e que “o Brasil é muito maior do que pequenos
problemas”. Ato contínuo, fechou-se em copas. Aos repórteres mais
insistentes, disse apenas: "Perguntem
aos advogados".
Somente Flávio e
o papai presidente sabem o tamanho real do buraco em que se meteram. Toda crise
tem um custo. O capitão precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai
aumentando com o tempo, e ainda lhe restam três anos de governo. A pressa do MP recomenda ao inquilino do Planalto que acenda a luz.