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quinta-feira, 27 de junho de 2019

AINDA SOBRE O JULGAMENTO DOS HCs DE LULA E O ROTO FALANDO DO ESFARRAPADO



Na sessão desta terça-feira da 2ª Turma do Supremo — a última antes do recesso de meio de ano — esperava-se que o pedido de soltura de Lula não fosse julgado — havia antes dele uma dúzia de outras questões na pauta, e só o voto do ministro Gilmar Mendes tinha mais de 40 páginas. Como em Brasília as coisas mudam como as nuvens no céu, os argumentos do conspícuo criminalista Cristiano Zanin —  de que seu cliente é idoso e está preso há mais de 400 dias — sensibilizaram os togados supremos, e não um, mas dois recursos foram examinados pela Turma.

Ao final, como bem salientou José Nêumanne, o fato de um dos habeas corpus ter sido negado (por 4 votos a 1) produziu alívio, pois ainda não foi desta vez que a atuação de Gilmar e Lewandowski auxiliando defesa resultou na libertação do criminoso. Já o adiamento da decisão sobre o outro pedido — note que o que foi rejeitado por 3 votos a 2 foi somente a moção da defesa, prontamente abraçada por Gilmar Mendes, que visava à soltura do petralha até que que o mérito da ação seja julgado — foi vergonhoso, pois manteve a Nação sequestrada pelo jornalista americano Gleen Greenwald e seu site esquerdista, o The Interceptor Brasil.

Em algum momento o Supremo terá de se debruçar sobre o pedido de suspeição de Sergio Moro, e está claro que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são a favor de Lula, enquanto Cármen Lúcia e Edson Fachin são contra. O fiel da balança será o decano Celso de Mello, cujo voto, na terça-feira, formou a maioria que manteve o condenado na prisão. Mas o ministro deixou claro que não estava se posicionando sobre o mérito, e, portanto, a espada continua pendente sobre a cabeça do ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro e, por que não dizer, de todos os cidadãos de bem deste país, que não aguentam mais tanta a corrupção.

Sobre o Intercept e o material obtido criminosamente que o site vem publicando a conta-gotas, volto a falar numa próxima postagem. Para concluir a de hoje, veja o que disse José Nêumanne sobre a inversão de papéis feita pelo presidente do Congresso, que num momento de euforia resolveu dar uma aula de ética ao ministro da Justiça — como se ele, Alcolumbre, fosse um santo e Moro, um malandro contumaz:

Naqueles ágapes infindáveis do Planalto Central, o amapaense Davi Alcolumbre, deslumbrado pelo posto que ocupa de presidente do Senado, mas invejoso da popularidade do ministro da Justiça, Sérgio Moro, deitou falação contra o herói popular que ele jamais conseguirá ser. Disse, entre outras patacoadas, que, se o ex-juiz da Lava-Jato fosse parlamentar, as revelações do site The Intercept Brasil já o teriam levado à cassação ou à prisão. Omitindo os próprios crimes, esqueceu-se de contar quais malfeitos teria cometido o outro.”

Alcolumbre, nunca é demais lembrar, é investigado em dois inquéritos no STF por supostas irregularidades relacionadas à campanha de 2014, quando se elegeu senador. De acordo com reportagem da FOLHA, as suspeitas são de que ele tenha utilizado notas frias para comprovar gastos de sua campanha, entre outras irregularidades. O senador nega, naturalmente, e o principal inquérito está sob segredo de Justiça.

O hoje presidente do Senado também já foi alvo de outras investigações, como as da Operação Pororoca (que trata de superfaturamento de obras no Amapá), e as da Operação Miquéias (sobre fraudes na Previdência de prefeituras). No segundo caso, houve interceptação de uma ligação telefônica dele com doleiro Fayed Trabouli, pivô do esquema, mas não houve condenação. Em 2017, quando a 1ª Turma do STF determinou o afastamento do ex-senador e agora deputado federal Aécio Neves, ele votou contra a cassação do tucano (na ocasião, o Senado livrou o mineiro do afastamento por 44 votos contra 26 e Aécio pôde retornar as atividades de parlamentar). E votou também a favor do aumento de 16% nos salários dos ministros do STF, que passaram de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. Como deputado, em 2009, ele conseguiu aprovar um projeto de lei para homenagear seu tio Alberto Alcolumbre, acrescentando o nome do parente ao título do Aeroporto de Macapá. Em 2013, ainda deputado, usou verba de gabinete para abastecer seus carros no posto de gasolina Salomão Alcolumbre e Cia. Ltda., que também pertence a um parente seu.

Na melhor as hipóteses, temos um roto criticando um esfarrapado.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

AS CRÍTICAS DE MARCO AURÉLIO



Se as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que os ministros dos tribunais são aposentados compulsoriamente —, o ministro Marco Aurélio Mello deixará o STF em julho de 2021. Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, sua excelência parece disposto a queimar os últimos cartuchos buscando alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos, nas sessões plenárias da Corte, que ele tartamudeia com voz de animador de velório.

Em 19 de dezembro passado, por exemplo, Mello esperou os primeiros minutos do recesso de final de ano para publicar uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte (reedição revista, atualizada e abrilhantada com requintes de suprema-toga do igualmente lamentável “caso Favreto”). Dias atrás, o ministro supremo criticou Toffoli por estreitar relações com os presidentes da República, da Câmara e do Senado e participar de um “pacto institucional” sem o aval do STF, e acusou Sérgio Moro — indicado “antecipadamente” para assumir a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no ano que vem — de ter virado as costas para a carreira de juiz ao assumir a pasta da Justiça e Segurança Pública, demonstrando não ter vocação para a Magistratura.

Toffoli merece críticas por participar do tal “pacto institucional” sem o aval dos demais ministros supremos, até porque a negociata envolve temas que podem ser futuramente julgados como controversos pelo colegiado do tribunal. E mais ainda por sua nomeação se ter sido mais uma demonstração cabal de falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro do STF. A propósito, nunca é demais lembrar que, além da reprovação em dois concursos para juiz de primeira instância, o brilhante currículo do indicado contava apenas com serviços prestados ao PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, depois como subchefe para assuntos jurídicos na Casa Civil da Presidência (sob o comando de José Dirceu) e advogado-geral da União, cargo que exerceu até 2009, quando vestiu a toga suprema por cima da farda de militante petista (clique aqui e aqui para mais detalhes).

É possível que o ciúme e o despeito tenham levado Marco Aurélio a destilar seu veneno, já que jamais conseguiu, em quase 30 anos no STF, uma fração do protagonismo e aprovação popular que Moro granjeou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná. Demais disso, todos têm direito a suas opiniões, mas fala-se muita bobagem hoje em dia. Prova disso é a sugestão estapafúrdia de Bolsonaro em sua recente viagem à Argentina, de que as duas maiores economias da América do Sul possam ter uma moeda única, semelhante ao euro (de tão estapafúrdia, a ideia pode até dar certo, mas eu ainda acho que isso é o tipo de notícia que causa um tremendo alvoroço num dia e é esquecido no dia seguinte). E também se critica demais — sobretudo nos tribunais virtuais das redes sociais —, mas não raro a contundência da crítica se dilui diante da postura e da vida pregressa do crítico.

Talvez Marco Aurélio tenha razão em reprovar o aumento da interferência política na definição da pauta de julgamentos do STF. É fato que nas últimas semanas, depois de se reunir com Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e parlamentares da bancada evangélica, Toffoli tirou da pauta temas delicados, como a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e legalização do aborto em casos da infecção da gestante pelo vírus da zika. Mas isso é conversa para outra hora. Vamos ao que interessa, lembrando inicialmente uma velha modinha popular que encerra um mundo de sabedoria:



A trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Depois de se formar em Direito pela UFRJ, em 1973, o dito-cujo ingressou na vida pública, em 1981, como procurador na Justiça do Trabalho — excrescência gestada e parida por Getúlio Vargas, nos anos 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder do “trabalhismo”. O cargo foi obtido não por concurso, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, que até hoje é reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito — seu prestígio era tal que o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que Marco Aurélio a assumisse tão logo completasse 35 anos. Foi também o prestígio paterno que guindou o pimpolho de Plínio ao TST, em Brasília, onde, anos mais tarde, o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria e cobriria com uma toga suprema.

Observação: Entrelaçam-se nesse caso parentela, compadrio e interesses corporativos, e o ex-presidente Collor merece citação especial. Seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho; seu pai, Arnon, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu desafeto no plenário do Senado, e matou com um tiro no peito o acreano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. Uma tragédia, mas também um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros.

Marco Aurélio, na brilhante definição do jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, é um misto de Hidra de Lerna — com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás. No mítico Raso da Catarina do sertão de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio surge como um misto do beato Antônio Conselheiro e do cabra Corisco, com o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra, e se alia a Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso e Mello — e Toffoli, antes de este assumir a presidência do Tribunal — na soltura de presidiários de colarinho-branco. Mais do que contrariar a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância, o escrete togado sobrepõe, com sua arrogância, às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou seus interesses pessoais, sejam eles quais forem, corroborando, em última análise, o veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) do especialista Joaquim Falcão, da FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra de Lerna com o deus romano Jano.

Processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo, tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, afirma o supremo togado, referindo-se ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Sua frase dá eco ao discurso dos arautos do profeta da Vila Euclides, segundo os quais Lula e outros presos sem que a condenação tenha transitado em julgado (coisa que no Brasil, onde há quatro instâncias e espaço para uma miríade de apelos, recursos, embargos e chicanas de todo tipo, só acontece no dia de São Nunca), são vítimas de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que controlam a polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.

Marco Aurélio, que sempre teve predileção especial por ser voto vencido, foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Se ainda lhe sobrar tempo — e você tiver estômago forte —, leia a entrevista que o nobre ministro concedeu dias atrás a BBC NEWS BRASIL.