sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

MARCO AURÉLIO, O LIBERTADOR



A notícia de que o ministro Marco Aurélio, o libertador, decidiu monocraticamente, na última quarta-feira, determinar a soltura imediata dos quase 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de recursos às instâncias superiores caiu como uma bomba (e, dizem as más línguas, quase matou de inveja o ministro Gilmar Mendes).

Marco Aurélio — a quem José Nêumanne definiu certa vez como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano" — é primo do ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, que foi o responsável por sua indicação ao Supremo. Relator das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, o ministro reclamou ao longo de todo este ano de as ter liberado em abril, mas nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli as terem incluído na pauta do plenário. Semanas atrás, o presidente da Corte finalmente pautou o julgamento, mas nem assim o magistrado sossegou: ao final do almoço de confraternização do STF (após o qual a Corte entrou em recesso), ele acolheu um pedido do PC do B — partido da quase candidata à presidência da República, Manoela D’Ávila, que acabou concorrendo como “vice do vice” e com ele foi derrotada por Jair Bolsonaro — e produziu uma versão revista e atualizada do “caso Favreto”.

Observação: Em julho passado o desembargador-plantonista-cumpanhêro do TRF-4 Rogério Favreto acatou um pedido de habeas corpus impetrado por três deputados petistas e determinou a imediata soltura do criminoso Lula, provocando uma guerra de liminares que acabou não soltando o petralha, mas deu muito pano pra manga.

Face à liminar concedida pelo laxante supremo, os advogados de Lula levaram míseros 48 minutos para pedir a expedição do alvará de soltura, dispensando, inclusive, o exame de corpo de delito. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela Execução Penal do petralha, ponderou que sequer havia sido intimada, mas entendia que a liminar não tornava "imediata" a necessidade de soltar o preso, e resolveu ouvir o MPF antes de decidir. Nesse entretempo, a procuradora-geral Raquel Dodge recorreu, argumentando, dentre outras coisas, que as prisões após condenação em segunda instância são constitucionais e configuram medida que "contribui para o fim da impunidade"; que Lula confunde o "direito à ampla defesa" com "direito à defesa ilimitada", e que o ministro desrespeitou sucessivas decisões colegiadas da própria Corte, já que as prisões após segunda instância foram autorizadas por maioria no julgamento realizado no final de 2016 (o assunto foi rediscutido em abril deste ano, e mais uma vez o cumprimento antecipado da pena foi considerado legal). 

Pouco antes das oito da noite de quarta-feira o ministro Dias Toffoli — a quem, na condição de presidente do Supremo, compete tomar decisões em caráter de urgência durante o recesso do Judiciário — cassou a decisão de Marco Aurélio e pôs água no chope da petralhada. Como era de se esperar, a defesa de Lula recorreu, mas as chances de êxito são mínimas, até porque, em razão do recesso, o pedido deverá ser julgado pelo próprio Toffoli. Caso não advenha nenhuma outra surpresa — não percamos de vista o fato de estarmos no Brasil —, a liminar do purgante togado ficará suspensa até o plenário do STF julgar as tais ADCs, em abril de 2019.

Jair Bolsonaro elogiou a pronta ação de Toffoli: "Parabéns ao presidente do Supremo Tribunal Federal por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada!", disse o presidente eleito por meio de sua conta no Twitter

Parlamentares da base aliada do futuro governo estudam apresentar um pedido de impeachment contra Mello — a ação é liderada pelos deputados eleitos Filipe Barros e Bia Kicis, que viram no episódio uma articulação espúria entre o magistrado supremo e o PT em prol da soltura de Lula

O futuro ministro da Justiça e ex-juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, preferiu não se manifestar: "Sem comentários, não vou falar sobre isso", disse ele à Folha, na última quarta-feira, após deixar a primeira reunião ministerial da equipe de Bolsonaro.

Resumo da ópera: se todos os magistrados que não honram a toga fossem transformados em ar condicionado, a sensação térmica na cidade paranaense de Antonina, que atingiu 81ºC na última quarta-feira, seria a mesma do pico do Monte Everest.