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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DILMA DISCURSAVA EM DILMÊS; TOFFOLI VOTA EM TOFFOLÊS


O voto tamanho XGG de Dias Toffoli — cuja leitura, na sessão da última quarta-feira, levou quase cinco horas — me fez pensar se o presidente da nossa mais alta Corte não teria sido "tomado" pelo espírito de Abelardo Barbosa, mais conhecido como "Chacrinha", que se notabilizou pela frase: "Eu não vim para explicar, vim para confundir". Tanto é que a maioria do togados supremos deixaram a sessão sem entender o que, de fato, seu presidente quis dizer naquele interminável pregação (talvez a mais longa de toda a história centenária do STF).

Sem citar a liminar que concedeu monocraticamente a Flávio Bolsonaro, Toffoli acatou o recurso extraordinário do MP no processo sub-judice, anulando a decisão do desembargador José Marcos Lunardelli (que havia tornado ilegal o compartilhamento de dados da Receita com o MP, sem autorização judicial, na condenação do casal Hilario e Toyoka Hashimoto pelo crime de sonegação fiscal), e reafirmou que o UIF (ex-Coaf) pode compartilhar relatórios de inteligência financeira, mas desde que incluam somente informações de movimentações globais das pessoas físicas ou jurídicas e que não haja “encomenda” contra determinada pessoa. Disse ainda o nobre ministro que, em relação ao compartilhamento de representações fiscais da Receita com o MP, este deve instaurar uma investigação ao receber as informações e encaminhar o caso para a Justiça, que, a partir da instauração da investigação, possa acompanhar todo o desdobramento do caso.

O voto quilométrico surpreendeu a todos, tanto pelo tamanho e pela linguagem tortuosa quanto por abrir caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação. Mas a cereja do bolo foi tentar convencer a todos de que em momento algum ele, Toffoli, teria impedido que os inquéritos prosseguissem, atribuindo essa "fake news" a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa que divulgaram essas informações de forma "terrorista". A pergunta que fica é: se foi mesmo assim, por que o ministro levou tanto tempo para se explicar? Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente para lhe atribuir a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, por que, então, não expediu prontamente uma nota oficial ou convocou uma coletiva para dar conta do "equívoco" e acabar com o “terrorismo” da imprensa?

No que diz respeito ao hoje senador Flavio Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento, a defesa do filho do presidente alega que o repasse dos dados ao MP sem autorização da Justiça caracterizaria quebra de sigilo, mas o fato é que a quebra do sigilo fora autorizada pela Justiça, e uma proibição do uso desses dados significaria impedir ad aeternum a investigação de zero um. Como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”.

Josias de Souza, com o humor cáustico que caracteriza seus comentários no Jornal da Gazeta, explicou que o Toffoli se expressou num idioma muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês. Quem conseguiu ouvir toda a explanação sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem autorização judicial. O ex-Coaf não poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho — o de Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações — ficaria condicionada a uma análise caso a caso. As restrições seriam ainda maiores para a Receita Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o MP seria obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que supervisionaria o inquérito.

As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas as informações transmitidas por Toffoli, os repórteres tiraram suas próprias confusões e, um tanto constrangidos, cercaram o orador no início da noite para lhe pedir que trocasse em miúdos o voto que começara a ler no expediente da manhã. "Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações", declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova." Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já funciona exatamente assim. Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês para o português, o gabinete de Toffoli informou que, no caso do Coaf, não há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no formato atual. Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro e os outros 935 dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.

Em seu voto-latifúndio, Toffoli disse que o MP não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao UIF (novo nome do Coaf). Na tradução do gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de informações recebidas da unidade de inteligência. Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro, reiterando a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a pedido da defesa do primogênito do presidente, havia paralisado "poucos processos".

Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa. Alguns ministros esforçaram-se para reprimir uma risadinha enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência Negra." Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou: "O voto do relator foi um autêntico samba do crioulo doido". Vivo, Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo entoou: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa, mas era taxativo. Dias Toffoli, por gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares, pois vários deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.

O fato é que Toffoli começou com dois pés esquerdos a leitura do seu voto. Logo de início, o presidente do STF produziu duas pérolas. A primeira: "Aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro". A segunda: "poucos processos foram paralisados por sua decisão; seus críticos é que tentaram criar um "clima de terrorismo".

Foi graças a um habeas corpus da defesa de Flávio Bolsonaro que Toffoli enfiou o Coaf dentro de um processo que envolvia apenas a Receita Federal. Foi por conta do mesmo recurso que Toffoli congelou o inquérito que corre contra o filho do presidente e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. Toffoli jura que o vínculo do filho do presidente com o processo, assim como o Saci-Pererê, jamais existiu. Mas o advogado do zero um estava presente na sessão da Suprema Corte. Assim como as autoridades que cuidam dos outros 935 processos travados por Toffoli, o defensor de Flávio Bolsonaro esfregava as mãos, na perspectiva de que o caso contra seu cliente seria anulado. Quer dizer: Ao contrário do Saci, o interesse dos encrencados é real e tem múltiplas pernas. Dependendo da decisão a ser tomada pelo Supremo, o UIF é que pode sair do julgamento como uma "lenda urbana", um órgão de controle mudo e sem pernas.

AtualizaçãoA sessão suprema de ontem foi dedicada integralmente à complementação (ou tentativa de explicação) do voto de Toffoli e ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Para os que não sabem, depois do relator, que é o primeiro a votar, os ministros se pronunciam por ordem de antiguidade, do mais recente para o mais antigo. Pelo que se pôde entender do voto de Toffoli — que fica mais difícil de interpretar a cada vez que seu autor tenta explicá-lo —, Moraes, que votou pela validade do compartilhamento de dados financeiros do UIF (antigo Coaf) e da Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial, teria aberto a divergência, ainda que parcial, levado o placar a 1 a 1. Na sequência, o julgamento foi suspenso, devendo ter prosseguimento na sessão da próxima quarta-feira (27). Considerando que ainda faltam os votos de 9 ministros e que o Judiciário entre em recesso no dia 20 de dezembro, não está afastada a possibilidade de o resultado final ser conhecido somente em fevereiro do ano que vem.

sábado, 9 de novembro de 2019

HOMENAGEM À VERGONHA NACIONAL



A vergonhosa decisão tomada pela ala dita garantista do Supremo na noite da última quinta-feira já começou a produzir resultados. A estimativa de que 170 mil presos seriam beneficiados era exagerada, mas o número correto é significativo: são 4.895 condenados, dentre quais os criminosos Lula — que menos de 18 horas depois deixou a sala VIP onde esteve hospedado por 580 dias (ao custo de R$ 4,8 milhões).

Depois do sumo pontífice da seita do inferno, deixaram a cadeia o guerrilheiro de araque José Dirceu e o tucano Eduardo Azeredo (prova de que os togados supremos que votaram a favor dessa vergonha não se preocuparam em favorecer somente seus bandidos de estimação da patuleia).

Em entrevista por telefone ao programa do Datena, minutos antes de o molusco abjeto ser solto, o judas supremo repisou os mesmíssimos argumentos que fundamentaram seu voto de minerva, enxovalhando mais uma vez nossa inteligência. Mas expressão de incredulidade do apresentador diante dos argumentos do magistrado valeu a entrevista.

Se a patuleia em geral e a petralhada em particular comemoraram o desserviço supremo, parlamentares e lideranças partidárias repercutiram a soltura do criminoso de Garanhuns. João Amoedo, presidente do partido Novo e candidato derrotado ao Planalto em 2018, disse que a libertação do ex-presidente significa um retrocesso na luta contra a impunidade. Amoedo defende a prisão em segunda instância e pede mobilização por um Brasil “admirável, seguro e sem impunidade".

O deputado federal Eduardo Bolsonaro lamentou a decisão do Supremo. “Pedem prisão [para] assassinos de Marielle, mas querem soltar bandidos de seus partidos. Piada”, disse pelo Twitter. Eduardo ainda escreveu que “quem trabalha sente no dia de hoje um tapa na cara”.

É certo que o zero três fala muita abobrinha, mas, neste caso específico, ele está coberto de razão. Curiosamente, seu papai, habitualmente loquaz como uma maritaca, não abriu o bico (talvez por não querer se indispor com aquele de quem se tornou vassalo para blindar zero um das investigações em curso no MP-RJ). Sérgio Moro e os coordenados da Lava-Jato fizeram breves comentários, sem afrontar diretamente a decisão do tribunal, mas deixaram clara sua posição favorável à prisão em segunda instância.

Observação: Minutos após a Justiça ordenar a soltura do petralha, às 16h23, quando a notícia já havia sido publicada em portais de notícias, um assessor de imprensa se aproximou de Bolsonaro e lhe mostrou a tela de um celular. O capitão, que acompanhava um evento em Goiânia, evitou a imprensa em eventos dos quais participou na cidade e desistiu de uma entrevista marcada para acontecer logo em seguida.

Os principais movimentos políticos brasileiros estão se mobilizando nas redes sociais e prometem manifestações em centenas de cidades do país neste sábado. O que é bom, considerando ser fundamental mostrar aos congressistas que os anseios da sociedade nem passam perto dos que Toffoli disse terem norteado o legislador, quando se vinculou o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória, em homenagem à presunção de inocência — o que, com já discutimos dezenas de vezes, não passa de mera cantilena para dormitar bovinos. Mas não se pode esperar coisa diferente de ministros que se julgam semideuses e olham para este pobre país com o olho do rabo.

O grupo Vem pra Rua havia convidado, até às 16h desta sexta-feira (8), cerca de 300 mil pessoas em sua página oficial e demais perfis na internet. Em São Paulo, o movimento promete se concentrar na esquina da Avenida Paulista com a rua Pamplona, a partir das 16h — mesmo horário em que será iniciado um protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. No Rio, a manifestação será realizada, a partir das 10h, na avenida Prefeito Mendes de Morais, na praia de São Conrado. O ato terá apoio do MBL, que deverá reunir integrantes para engrossar as manifestações em diversos municípios. "Estaremos nas ruas amanhã para exigir a CPI da Lava-Toga e a aprovação da PEC da prisão em segunda instância", afirmou o deputado federal Kim Kataguiri em vídeo postado nas redes sociais do MBL.

Diz um velho ditado que é de pequenino que se entorta o pepino. Outro, que é preciso cortar o mal pela raiz. Bolsonaro, num dos poucos pronunciamentos do qual eu não tive como discordar, disse que o erro da ditadura foi ter prendido de mais e matado de menos. Cão danando não se prende. Sacrifica-se. Figueiredo — o último general-presidente (ou seria presidente-general) da ditadura, notabilizado pela frase "eu prendo e arrebento" — pensava mais ou menos da mesma maneira: "A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República. Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é." Na verdade, Figueiredo prendeu e arrebentou, mas não necessariamente quem deveria ter sido arrebentado. E depois que vira metástase, meus caros, o câncer fica muito mais difícil de ser combatido.

Em homenagem à decisão suprema da última quinta e às consequências que já se fazem sentir, providencie os seguinte ingredientes (as quantidades sugeridas rendem massa para 4 discos):

- 2 colheres (sopa) de fermento biológico seco;
- 2 colheres (chá) de açúcar;
- 2 1
2 xícaras de água morna;
- 6 x
ícaras de farinha de trigo;
- 2 colheres (ch
á) de sal;
- 1/4 de x
ícara de azeite;
- Farinha de trigo para polvilhar a bancada;
- Azeite para untar a tigela.

Numa tigela, misture o fermento e o açúcar, junte a água morna e mexa até dissolver. Reserve e deixe descansar em temperatura ambiente por cerca de 5 minutos (quando a mistura deve começar a espumar). 

Enquanto espera, misture numa outra tigela a farinha e o sal, forme uma concavidade no centro da massa e despeje a mistura que você havia reservado. Adicione o azeite e misture com a ajuda de uma espátula (apenas o suficiente para incorporar os ingredientes).

Sove numa batedeira com gancho, em velocidade baixa, por cerca de 5 minutos. Ao final, aumente a velocidade aos poucos e deixe bater até que se forme uma massa macia e uniforme. Desligue a batedeira quando essa massa descolar da lateral da tigela e formar uma bola no gancho. Amasse-a com os dedos, coloque-a numa tigela grande e junte duas colheres de azeite. Cubra com plástico filme e deixe descansar por uma hora (ou até a massa dobrar de tamanho).

Polvilhe farinha de trigo numa superfície lisa e seca (pode ser a mesa da cozinha ou o tampo da pia), abra a massa com um rolo apropriado (na falta dele, use uma garrafa de vinho) e divida-a em quatro porções. Abra as porções necessária com um rolo apropriado (as demais, você pode usar em outra oportunidade) e acrescente a cobertura de sua preferência.
Sugestão de cobertura para pizza marguerita:

- 1 cebola grande picada;
- 2 dentes de alho graúdos picados;
- Azeite de oliva extravirgem a gosto;
- 1 lata de tomates pelados (os italianos são os melhores);
- Sal e pimenta do reino (moída na hora) a gosto;
- 250g de queijo tipo mozzarella (em fatias finas ou ralado);
- 2 tomates vermelhos cortados em rodelas;
- Folhas de manjericão e orégano a gosto.


Esprema os tomates pelados de maneira a um purê e refogue numa panela com o azeite, o alho e cebola. Acerte o ponto do sal e da pimenta do reino. Deixe amornar e besunte o disco de pizza uma camada generosa desse molho. Salpique o orégano, cubra com o queijo, decore com as rodelas de tomate e as folhas de manjericão. Preaqueça o forno por 15 minutos (a 200ºC), coloque a pizza, deixe assar por 20 minutos, regue com um fio de azeite e sirva em seguida.

sábado, 19 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O SEGREDO DE POLICHINELO — PRIMEIRA PARTE


Ao trilar do apito supremo do supremo togado que preside os demais togados supremos (melhor dizendo, que coordena os trabalhos da suprema corte, como fez questão de frisar o ministro Marco Aurélio), iniciou-se mais um supremo jogo de cartas marcadas. A partida foi adiada, mas, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos, a vitória do supremo time favorito está garantida  ou seja, ao final de mais essa batota, será conhecido somente o supremo placar.

Como tuitou o jurista Modesto Carvalhosa, a aberração jurídica do nosso pretório excelso nesse teatro do absurdo é uma quebra do sistema penal e está criando uma grave crise institucional ao deixar de atender aos interesses legítimos da sociedade e passar a desagregar o próprio Estado Democrático de Direito. O jornalista, acadêmico e comentarista político Merval Pereira, por seu turno, comparou essa celeuma suprema a um episódio ocorrido em 1827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos, jornalista e deputado do Império, subiu à tribuna para criticar o que considerava um excesso de recursos no sistema judicial brasileiro. Passados 192 anos, ainda não se chegou a uma conclusão.

Não tenho como não relembrar mais uma vez, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, que esse imbróglio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação foi uma questão de somenos enquanto políticos de alto coturno não eram alcançados pelo braço da lei. É certo que existe um dispositivo na famigerada Constituição Cidadã que dá guarida à tese dos garantistas de araque, mas é igualmente certo que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o então chefão do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Herança de nossa colonização portuguesa, essa profusão de instâncias recursais chegou a cinco: a primeira, uma segunda, que era o Tribunal da Relação, uma terceira, a Casa da Suplicação, uma quarta, o Supremo Tribunal de Justiça, que originou o STF, e a graça Real — o último recurso, que era endereçado diretamente ao Rei. O retro mencionado Bernardo de Vasconcelos, autor do projeto legislativo do Código Criminal do Império, defendia que os recursos não deveriam suspender a condenação, exceto em pena de morte: “o contrário é estabelecer o reinado da chicana”.

A Constituição de 1824 e o sistema recursal do Império só admitiam duas instâncias — a do juiz monocrático e a do tribunal da relação como corte de apelação. Reagia-se contra o excesso de recursos do Antigo Regime, visto como garantidor de privilégios e impunidade. Daí termos hoje 4 instâncias, sendo a última o STF, que, de corte constitucional, passou a ser a um só tempo uma espécie de Valhala na Asgard tupiniquim e uma curva de rio, onde se acumula todo tipo de porcaria.

O código de Bernardo de Vasconcelos representou a primeira codificação criminal autenticamente nacional, definindo princípios hoje consagrados em toda legislação criminal do ocidente: princípio da legalidade, anterioridade, proporcionalidade e cumulação das penas, assim como a imprescritibilidade. Juristas estrangeiros aprenderam português só para lê-lo no original, que inovou em vários aspectos, entre os quais o da maioridade penal, que não era abordada por nenhum código ocidental. Pelo visto, os eminentes togados supremos atuais não têm o mesmo apreço pela obra de Vasconcelos. O que é uma pena.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

BRASIL, O PAÍS DO DEUS NOS LIVRE E GUARDE



Dizem que Deus é brasileiro, mas que se autoexilou e queimou o passaporte quando Bolsonaro foi eleito. Outros afirmam que Ele jogou a toalha semanas antes, quando viu que os eleitores haviam escalado dois cavaleiros do apocalipse para o embate final. Até Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil há 90 anos, está tão assustada com a situação do país que deu entrada num pedido de adicional por insalubridade. De acordo com o site Sensacionalista, a Santa, constantemente atacada pela bancada evangélica do Congresso — que a acusa de ter conseguido o emprego por ser mãe do chefe — chegou a cogitar de largar o posto e passar a ser padroeira da Síria. O que ela queria mesmo era se aposentar, mas tem apenas 300 anos e, portanto, ainda não tem direito ao benefício.

Brincadeiras à parte, a figura que ilustra esta postagem dá uma boa ideia do tamanho da encrenca. O desalento é geral. Menos entre os bolsomínions, é claro — a exemplo de como se comportam os devotos da seita do inferno diante de seu sumo pontífice ora presidiário, as toupeiras bolsonaristas, cegas pelo fanatismo desbragado, se deliciam com qualquer flatulência do "mito", pouco lhes importando o fato de o capitão vira-casaca ter quebrado suas promessas de campanha, como acabar com a reeleição, combater o crime, a corrupção e o PT.

Depois de preterir Deltan Dallagnol para o cargo de PGR e nomear Augusto Aras — que ameaça destituir Dallagnol do comando da Lava-Jato em Curitiba devido aos factoides criados pela Vaza-Jato de Verdevaldo das Couves —, o capitão promete indicar para o STF ninguém menos que o atual AGU, André Luiz de Mendonça, que é protegido de Toffoli e apoia de forma ampla, geral e irrestrita o inquérito aberto na Suprema Corte para perseguir qualquer cidadão que fale mal dos togados. Mas pior seria se pior fosse: se o bonifrate do sevandija de Garanhuns tivesse vencido o pleito, aí, sim, olharíamos para o brejo e veríamos da vaca somente as pontas dos chifres.

Seja como for, não há motivos para comemorações. Ao celebrar um acordão com os chefes dos demais podres Poderes — para escapar de uma deposição que estaria sendo articulada por parlamentares e parte da sociedade civil, além de blindar seu primogênito contra as investigações do escândalo Queiroz —, Bolsonaro se tornou refém do Congresso e do Judiciário. E falando no Judiciário, tão logo retornou do Vaticano, onde se fez de romeiro devoto de Santa Dulce dos Pobres, o mestre de cerimônias do circo supremo mandou abrir as bilheterias e apregoar que amanhã haverá função, e que o ponto alto do espetáculo será a prisão após condenação em segunda instância exibindo-se no trapézio sem rede de segurança.

Analogias à parte, eventual reversão na jurisprudência que vem se sustentando a duras penas fará com que cerca de 170 mil condenados, entre os quais o picareta dos picaretas, deixem a cadeia e aguardam em liberdade o julgamento de seus recursos. Por conta do vasto cardápio de chicanas protelatórias que as quatro instâncias do Judiciário colocam à disposição de criminalistas estrelados, esses criminosos só voltarão para a cadeia no dia de São Nunca, já que a pretensão punitiva do Estado não tem como vencer a corrida contra o trânsito em julgado das condenações.

O encarceramento de condenados em duas instâncias representou uma reviravolta. Além de levar à cadeia gente que se imaginava invulnerável, inverteu a lógica dos recursos. Preso, o condenado mantém intacto o direito de recorrer, mas perde o interesse pela postergação dos julgamentos. A abertura das celas restabelece a lógica da procrastinação. Com a restauração do velho ambiente propício à impunidade, a restrição do foro privilegiado, que parecia o fim de um privilégio, pode virar um superprivilégio: quem é julgado no STF não tem a quem recorrer, mas um corrupto empurrado para a primeira instância passa a dispor de todo o manancial de recursos judiciais. Com sorte e dinheiro para contratar bons advogados, provavelmente baterá as botas e passará a comer capim pela raiz na Chácara do Vigário muito antes de ver o sol nascer quadrado.

Quando assumiu a presidência do Supremo, Toffoli sinalizou que submeteria ao plenário uma proposta "conciliatória", que definiria como marco inicial do cumprimento da pena a condenação em terceira instância. Quando o recurso de Lula foi rejeitado por unanimidade no STJ, o interesse da banda podre da Corte por essa alternativa foi pro brejo junto com a vaca. Agora, ao pautar a rediscussão do tema (será a quarta vez em menos de quatro anos), o eminente ex-advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, do PT e das campanha de Lula pode realizar o sonho de todos os bandidos de colarinho-branco e do crime organizado do Brasil, que é cometer crimes e, se pilhados com a boca na botija, recorrer em liberdade até o trânsito em julgado de suas sentenças.

Nunca é demais lembrar que quem está por trás desse rebosteio é ninguém menos que o ministro Gilmar Mendes, apelidado de Maritaca de Diamantino por Augusto Nunes e brilhantemente definido pelo também togado supremo Luís Roberto Barroso como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento". A anunciada mudança de posição desse magistrado — que foi indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHC, e que votou a favor da prisão em segunda instância e se mostrava disposto a aceitar a proposta de Toffoli —, somada aos votos de Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, pode desencadear um formidável retrocesso se sensibilizar os ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber.

Moraes, indicado por Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki, é o novato da Corte e unha e carne com seu atual presidente. Este, que deve o cargo a Lula e ostenta em seu invejável currículo, além de uma longa lista de bons serviços prestados ao PT, duas reprovações em exames para juiz de primeira instância, pode ser levado a apoiar o trânsito em julgado se sua proposta não for aceita. Já a ministra Rosa, cujos votos costumam ser tão ininteligíveis quanto os pronunciamentos que a ex-presidanta Dilma fazia de improviso, já se declarou a favor do trânsito em julgado, mas vinha acompanhando a maioria a favor da prisão em segunda instância por entender que o tribunal deve manter coerência em suas decisões. Para evitar o pior, é preciso que os cinco ministros que votaram a favor da prisão em segunda instância — Moraes, Barroso, Fux, Fachin e Carmem — apoiem a proposta de Toffoli, que assim derrotaria seus próprios aliados.

Por último, mas não menos importante: o julgamento das nefastas ADCs (que dificilmente será concluído na sessão de amanhã) pode ter consequências também no âmbito político-eleitoral. Mesmo que o plenário decida pelo trânsito em julgado, Lula estaria impedido de se candidatar, pois a lei da Ficha-Limpa explicita que um condenado em segunda instância fica inelegível por oito anos contados a partir do cumprimento da pena. A menos que a 2ª Turma do STF anule no caso do triplex, só restará ao petralha tentar deslegitimar a própria lei, argumentando que, se a condenação em segunda instância deixou de ser o final de um processo penal, ela não pode ser considerada como fator impeditivo de uma candidatura eleitoral. Isso daria azo a outra disputa jurídica que fatalmente desaguaria no STF.

Merval Pereira lembra que a exigência de não ter condenação em segunda instância para um candidato é igual à exigência da idade mínima ou ao domicílio eleitoral, ou seja, nada tem a ver com a legislação penal. Mesmo porque ela foi aprovada em 1990, quando ainda vigia a exigência do STF do trânsito em julgado para a prisão de um condenado. Por outro lado, não se pode perder de vista que o ministro Gilmar Mendes (sempre ele) faz críticas severas à lei em questão, chegando mesmo a afirmar que ela parece ter sido escrita por um bêbado.

Como o futuro a Deus pertence, vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos. E torcer. Se isso não ajudar, atrapalhar é que não vai.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A LEI, ORA A LEI — PARTE 2



Enquanto ocupou a presidência do STF, a ministra Cármen Lúcia se esquivou de pautar as ADCs que questionam a prisão em segunda instância por entender que discutir o assunto novamente seria apequenar a Corte. Mas Toffoli, que a sucedeu no cargo a partir de setembro do ano passado, rendeu-se à insistência do ministro laxante Marco Aurélio, relator das tais ações, e pautou-as para 10 de abril de 2019. Depois, a pretexto de atender um pedido da OAB, retirou-as da pauta e adiou o julgamento sine die. Agora, fala-se que o tema será rediscutido ainda este mês, juntamente com a estapafúrdia tese gestada e parida pelo Tribunal, que concede a à defesa de réus delatados o direito de apresentar suas razões finais depois dos réus delatores.

A ala garantista na nossa mais alta corte de injustiça quer a volta da prisão somente após o trânsito em julgado — regra que vigeu no Brasil em 7 dos últimos 77 anos, mais exatamente entre 2009 e 2016. O atual mestre de cerimônia do cirquinho supremo, que posa de conciliador, sugere a condenação em terceira instância como marco inicial para cumprimento da pena.

Se a jurisprudência for mudada novamente, haverá impacto no combate à corrupção como um todo, mas Lula, que é tido e havido como o maior beneficiário desse retrocesso, já foi condenado pelo STJ (no caso do tríplex), não havendo, portanto, que falar em anulação da sentença, pois não havia réus delatores naquele processo. Por outro lado, sua condenação nas outras ações pode ser retardada: no caso do sítio de Atibaia, por exemplo, que está grau de recurso no TRF-4 (para quem não se lembra, a juíza federal Gabriela Hardt, que substituiu o hoje ministro Sérgio Moro na 13ª Vara Federal do Paraná até a efetivação do juiz Luiz Antônio Bonat, condenou o safardana a 12 anos e 11 meses de prisão), havia réus delatores e delatados, e portanto pode retornar à fase das alegações finais.   

Cristiano Zanin e companhia, que já interpuseram mais de uma centena de recursos no caso do tríplex, agora apostam suas fichas no reconhecimento da parcialidade do então juiz Sérgio Moro, que teria agido de caso pensado, pois aceitou ser ministro da Justiça o governo de Bolsonaro. O argumento não para em pé, mas o "animus condenandi" de alguns maugistrados supremos os leva até a validar as mensagens roubadas por Vermelho e seu bando, embora sejam imprestáveis como prova.

Em tese, o que não está nos autos não existe para o decisor, mas a Vaza-Jato pode, sim, ter efeito na decisão do STF, já que as revelações midiáticas causaram prejuízos à imagem dos procuradores. Como é Moro que está em questão, é difícil que um argumento tão frágil tenha potencial para anular uma condenação que sobreviveu ao escrutínio de suas instâncias recursais (TRF-4 e STJ). Mas no meio do caminho tem uma pedra — a famosa maritaca de Diamantino, na impagável definição de Augusto Nunes. Então, se a tese estapafúrdia da defesa prosperar, o cefalópode petista não precisará nascer de novo para deixar a prisão pela porta da frente, exibindo o atestado supremo de que foi realmente perseguido e injustiçado. E é por isso que ele rejeita o regime semiaberto.

A progressão de regime é uma regalia que nossa bizarra Lei de Execuções Penais garante aos condenados que cumprem uma fração da pena (isso varia conforme o tipo de delito que motivou a condenação) e apresentem "bom comportamento carcerário" (há outras condições pessoais, como no caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, por exemplo, mas isso não vem ao caso).

Para crimes especiais, a lei pode exigir requisitos específicos. No caso de delitos praticados contra a Administração Pública, por exemplo, reza o art. 33, § 4º, do Código Penal: “O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. ”Ou seja, aquele que comete delitos dessa natureza só progride de regime se, além de satisfazer os requisitos anteriores, também ressarce o dano causado ou devolve tudo que lucrou com o ilícito.

Lula já teria atendido o requisitos temporal e de bom comportamento carcerário, mas estaria impedindo de progredir de regime por não satisfazer o pressuposto retrocitado. Como foi condenado por crime de corrupção passiva — delito previsto no Título XI do Código Penal, que elenca as infrações penais contra a Administração Pública —, o petista tem de reparar os danos para passar do regime fechado para o semiaberto. Aliás, a própria sentença condenatória previu expressamente essa condicionante nos seguintes termos: “Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime fica, em princípio, condicionada à reparação do dano no termos do art. 33, §4o, do CP.” E tanto o TRF-4 quanto o STJ mantiveram a decisão de primeira instância nesse sentido.

O valor fixado pelo STJ como “produto do crime” foi de R$ 2.424.991, que deverá, segundo trecho não modificado da sentença, ser “corrigido monetariamente e agregado de 0,5% de juros simples ao mês a partir de 10/12/2009”. Demais disso, a corte entendeu que os valores decorrentes da venda do imóvel não podem ser abatidos da indenização mínima a ser paga pelo condenado.

Atendidos todos esses pressupostos, Lula teria direito ao regime semiaberto, que em Curitiba é cumprido na Colônia Penal Agrícola do Complexo de Piraquara. Não havendo vaga, a defesa pode pleitear o regime semiaberto harmonizado, no qual o apenado permanece fora da colônia penal, mas monitorado por tornozeleira eletrônica. A nenhum condenado da Lava-Jato no Paraná foi concedida a transferência direta do regime fechado para a prisão domiciliar, mas Lula é Lula, e Lula manda e desmanda no STF, onde nada menos que sete ministros foram nomeados por ele ou por sua nefasta sucessora.

domingo, 6 de outubro de 2019

A LEI, ORA A LEI



Você sabe o que é um “garantista”? É provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes.

É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar sua culpa. Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal.

O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549. Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa.

Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei.

É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil. Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime.

O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais sejam as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Só que a lei existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.