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sábado, 23 de novembro de 2019

NÃO PRECISA EXPLICAR, EU SÓ QUERIA ENTENDER



Depois de proferir em toffolês um voto de proporções siderais e de ocupar boa parte da sessão seguinte tentando explicar o que nem ele próprio entendeu, Dias Toffoli passou a palavra para o dono da calva mais luzidia do STF e, ao final do voto do colega, suspendeu o julgamento do recurso que definirá se informações sigilosas de órgãos de controle podem ser compartilhadas com o Ministério Público sem autorização judicial.

Salvo chuva, salvo engano, o julgamento prosseguirá na sessão ordinária da próxima quarta-feira, quando votarão os demais ministros por ordem inversa de antiguidade. O problema é o ritmo imprimido aos trabalhos pelo atual presidente da Corte — o mesmo cidadão reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de Direito e que não pode, por consequência, ser juiz em nenhuma das quase 5.500 comarcas do Brasil, mas preside a mais alta corte de justiça do país, para onde foi promovido pelo Padim Lula em 2009, graças aos "bons serviços" prestados ao PT, a José Dirceu e ao próprio Lula. Enfim, restam 8 sessões até o início do recesso do Judiciário, e faltam os votos de 9 ministros. Façam as contas.

De acordo com Josias de Souza, do célebre voto que Toffoli demorou quase 5 horas para ler e cujo teor ninguém entendeu direito dando a impressão de que o ministro procurava ideias desesperadamente, como um cachorro que esqueceu onde escondeu o osso  e das explicações complementares que ocuparam boa parte da sessão de quinta-feira, vislumbra-se no horizonte uma reversão de expectativas que pode extinguir a blindagem concedida a Flávio Bolsonaro pelo Maquiavel de Marília e reforçada pela Maritaca de Diamantino.

Observação: Se Toffoli perorou por quase cinco horas seguidas, e nem seus pares na Corte entenderam patavina do que o homem estava dizendo, imagine-se, então, o público que paga a subsistência dos onze supremos togados e em nome de quem eles dão expediente em seu palácio brasiliense. Ao final, o ministro Luís Roberto Barroso fez a única sugestão prática para desvendar a massa bruta de palavrório despejada sobre a sessão: “Vamos chamar um professor de javanês”.

Segundo J.R. GuzzoToffoli e seus parceiros de facção no STF são hoje a pior ameaça ao estado de direito, às instituições e à democracia no Brasil. Não são os “bots” das redes sociais, as “milícias”, a “extrema direita” e sabe lá Deus quem mais. São eles. Em geral, suas excelências fazem isso ordenando que os criminosos sejam protegidos e tenham direito à impunidade, sobretudo nos casos de corrupção. Mas a destruição da lei e a proibição de se prestar justiça no Brasil inclui, também, a incapacidade funcional de entender questões básicas de Direito. Estamos tendo mais uma prova disso. Senão vejamos.

Depois de congelar o inquérito contra Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações, depois de enfiar o ex-Coaf num processo que tratava exclusivamente da Receita Federal, depois de requisitar os dados sigilosos de 600 mil pessoas e empresas, depois de tudo isso, Toffoli finalmente reconheceu ser "absolutamente constitucional" o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público e a Polícia Federal sem autorização judicial. Ou seja: a pretexto de socorrer o primogênito do presidente desta banânia, Toffoli paralisou desnecessariamente, durante quatro longos meses, investigações que deveriam estar em franco andamento.

Segundo a votar, Alexandre de Moraes reforçou a constitucionalidade da atuação do ex-Coaf, agora chamado de UIF, e sustentou que também a Receita Federal tem o dever de compartilhar com o Ministério Público o resultado da apuração de delitos tributários, algo que Toffoli ensaiara limitar, em contradição com a jurisprudência do próprio Supremo. Antes que a sessão de quinta-feira terminasse, alguns togados — entre os quais Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski manifestaram seu desconforto em discutir a atuação do Coaf num julgamento sobre a Receita. Ainda que seja impossível antecipar os veredictos de suas excelências, há no plenário da Corte um jeitão de virada.

A certa altura, Fachin como que constrangeu Toffoli a reconhecer que, prevalecendo seu voto ou o voto de Alexandre de Moraes, a liminar que enviou ao freezer os casos de Zero Um e outros 925 investigados iria para o beleléu. Confirmando-se a derrubada da liminar, Toffoli deveria se auto incluir, na condição de réu, no processo secreto que abriu para investigar ataques contra o Supremo e seus membros, visto que, no momento, ninguém desmoraliza mais o tribunal do que seu presidente (cujo mandato, salvo impeachment ou outro imprevisto qualquer, termina somente em setembro do ano que vem).

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DILMA DISCURSAVA EM DILMÊS; TOFFOLI VOTA EM TOFFOLÊS


O voto tamanho XGG de Dias Toffoli — cuja leitura, na sessão da última quarta-feira, levou quase cinco horas — me fez pensar se o presidente da nossa mais alta Corte não teria sido "tomado" pelo espírito de Abelardo Barbosa, mais conhecido como "Chacrinha", que se notabilizou pela frase: "Eu não vim para explicar, vim para confundir". Tanto é que a maioria do togados supremos deixaram a sessão sem entender o que, de fato, seu presidente quis dizer naquele interminável pregação (talvez a mais longa de toda a história centenária do STF).

Sem citar a liminar que concedeu monocraticamente a Flávio Bolsonaro, Toffoli acatou o recurso extraordinário do MP no processo sub-judice, anulando a decisão do desembargador José Marcos Lunardelli (que havia tornado ilegal o compartilhamento de dados da Receita com o MP, sem autorização judicial, na condenação do casal Hilario e Toyoka Hashimoto pelo crime de sonegação fiscal), e reafirmou que o UIF (ex-Coaf) pode compartilhar relatórios de inteligência financeira, mas desde que incluam somente informações de movimentações globais das pessoas físicas ou jurídicas e que não haja “encomenda” contra determinada pessoa. Disse ainda o nobre ministro que, em relação ao compartilhamento de representações fiscais da Receita com o MP, este deve instaurar uma investigação ao receber as informações e encaminhar o caso para a Justiça, que, a partir da instauração da investigação, possa acompanhar todo o desdobramento do caso.

O voto quilométrico surpreendeu a todos, tanto pelo tamanho e pela linguagem tortuosa quanto por abrir caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação. Mas a cereja do bolo foi tentar convencer a todos de que em momento algum ele, Toffoli, teria impedido que os inquéritos prosseguissem, atribuindo essa "fake news" a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa que divulgaram essas informações de forma "terrorista". A pergunta que fica é: se foi mesmo assim, por que o ministro levou tanto tempo para se explicar? Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente para lhe atribuir a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, por que, então, não expediu prontamente uma nota oficial ou convocou uma coletiva para dar conta do "equívoco" e acabar com o “terrorismo” da imprensa?

No que diz respeito ao hoje senador Flavio Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento, a defesa do filho do presidente alega que o repasse dos dados ao MP sem autorização da Justiça caracterizaria quebra de sigilo, mas o fato é que a quebra do sigilo fora autorizada pela Justiça, e uma proibição do uso desses dados significaria impedir ad aeternum a investigação de zero um. Como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”.

Josias de Souza, com o humor cáustico que caracteriza seus comentários no Jornal da Gazeta, explicou que o Toffoli se expressou num idioma muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês. Quem conseguiu ouvir toda a explanação sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem autorização judicial. O ex-Coaf não poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho — o de Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações — ficaria condicionada a uma análise caso a caso. As restrições seriam ainda maiores para a Receita Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o MP seria obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que supervisionaria o inquérito.

As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas as informações transmitidas por Toffoli, os repórteres tiraram suas próprias confusões e, um tanto constrangidos, cercaram o orador no início da noite para lhe pedir que trocasse em miúdos o voto que começara a ler no expediente da manhã. "Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações", declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova." Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já funciona exatamente assim. Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês para o português, o gabinete de Toffoli informou que, no caso do Coaf, não há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no formato atual. Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro e os outros 935 dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.

Em seu voto-latifúndio, Toffoli disse que o MP não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao UIF (novo nome do Coaf). Na tradução do gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de informações recebidas da unidade de inteligência. Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro, reiterando a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a pedido da defesa do primogênito do presidente, havia paralisado "poucos processos".

Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa. Alguns ministros esforçaram-se para reprimir uma risadinha enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência Negra." Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou: "O voto do relator foi um autêntico samba do crioulo doido". Vivo, Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo entoou: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa, mas era taxativo. Dias Toffoli, por gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares, pois vários deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.

O fato é que Toffoli começou com dois pés esquerdos a leitura do seu voto. Logo de início, o presidente do STF produziu duas pérolas. A primeira: "Aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro". A segunda: "poucos processos foram paralisados por sua decisão; seus críticos é que tentaram criar um "clima de terrorismo".

Foi graças a um habeas corpus da defesa de Flávio Bolsonaro que Toffoli enfiou o Coaf dentro de um processo que envolvia apenas a Receita Federal. Foi por conta do mesmo recurso que Toffoli congelou o inquérito que corre contra o filho do presidente e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. Toffoli jura que o vínculo do filho do presidente com o processo, assim como o Saci-Pererê, jamais existiu. Mas o advogado do zero um estava presente na sessão da Suprema Corte. Assim como as autoridades que cuidam dos outros 935 processos travados por Toffoli, o defensor de Flávio Bolsonaro esfregava as mãos, na perspectiva de que o caso contra seu cliente seria anulado. Quer dizer: Ao contrário do Saci, o interesse dos encrencados é real e tem múltiplas pernas. Dependendo da decisão a ser tomada pelo Supremo, o UIF é que pode sair do julgamento como uma "lenda urbana", um órgão de controle mudo e sem pernas.

AtualizaçãoA sessão suprema de ontem foi dedicada integralmente à complementação (ou tentativa de explicação) do voto de Toffoli e ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Para os que não sabem, depois do relator, que é o primeiro a votar, os ministros se pronunciam por ordem de antiguidade, do mais recente para o mais antigo. Pelo que se pôde entender do voto de Toffoli — que fica mais difícil de interpretar a cada vez que seu autor tenta explicá-lo —, Moraes, que votou pela validade do compartilhamento de dados financeiros do UIF (antigo Coaf) e da Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial, teria aberto a divergência, ainda que parcial, levado o placar a 1 a 1. Na sequência, o julgamento foi suspenso, devendo ter prosseguimento na sessão da próxima quarta-feira (27). Considerando que ainda faltam os votos de 9 ministros e que o Judiciário entre em recesso no dia 20 de dezembro, não está afastada a possibilidade de o resultado final ser conhecido somente em fevereiro do ano que vem.