Está havendo muito espanto, e até bem mais do que isso, cada
vez que o novo presidente Jair Bolsonaro
anuncia algum nome para o ministério ou o primeiro escalão do seu governo.
Alguns, para dizer a verdade, são aceitos sem muita conversa — gente para o
Banco Central, o Ministério da Infraestrutura, a chefia do Tesouro Nacional
etc., mesmo porque boa parte do público nem sabe que existe um Tesouro
Nacional. São coisas sérias, chatas e, fora os próprios interessados nos
cargos, quem vai discutir para valer por um negócio desses? Não dá bem para
ver, realmente, nenhuma briga de foice por causa do novo secretário-geral
adjunto da Fazenda, por exemplo, ou algo parecido — também não se veem, nesses
casos, amizades íntimas que explodem, rixas de morte dentro das famílias ou
bloqueios tempestuosos no Facebook,
como se tornou praxe na campanha eleitoral. Mas assim que aparece uma nomeação
mais vistosa, daquelas que mexem com os chamados “grandes temas nacionais”, o
tempo fecha. Os surtos de irritação, impaciência e nervosismo que têm
acompanhado o anúncio dos nomes se concentram, até agora, numa questão básica:
como é que foram escolher um sujeito desses? O novo ministro das Relações
Exteriores, por exemplo, foi descrito pelos cientistas políticos praticamente
como um doente mental. O da Educação se viu mais ou menos acusado de acreditar
que a Terra é plana. A ministra “da Mulher”, ou coisa que o valha, é outro
objeto de assombro.
O que está acontecendo? A resposta é: não está acontecendo
nada. Ou melhor, está acontecendo exatamente aquilo que tinha de acontecer. No
último dia 28 de outubro, o deputado Jair
Bolsonaro ganhou as eleições para presidente da República e, dali por
diante, passou a escolher para o governo o tipo de pessoa que o seu eleitorado
quer ver lá — ou, pelo menos, as pessoas que ele imagina serem as mais capazes
de fazer as coisas que prometeu aos 58 milhões de brasileiros que votaram nele.
Forçosamente, se você não gosta do que Bolsonaro
propôs para o Brasil do começo ao fim de sua campanha eleitoral, e em seus
trinta anos de vida pública, também não pode gostar das figuras que ele tem
escolhido para ajudar no governo. Não há outro jeito. Como poderia haver? Se o
novo presidente estivesse colocando nos ministérios figuras aplaudidas,
aprovadas ou aceitáveis por quem votou contra ele, alguma coisa estaria
profundamente errada na história toda. Quem está contra Bolsonaro, e há muita gente contra, tem mais é que não gostar mesmo
das escolhas feitas por ele. Quem tem de gostar são os que estão a favor do
novo presidente — e há mais gente a favor do que contra, razão, aliás, pela
qual é Bolsonaro, e não Lula, quem está nomeando os ministros.
Fazer o quê, a esta altura? Esperar que o governo comece, só isso. Aí, sim — se
os escolhidos não fizerem o que foi combinado na campanha, ou fizerem mal,
haverá toda a razão para dizer que suas nomeações foram um desastre.
O ministro nomeado para o Itamaraty, Ernesto Araújo, ilustra bem esse curioso descompasso entre o
resultado da eleição e a condenação do ministério de Bolsonaro pela crítica. Araújo
acha que o Brasil deve ter os Estados Unidos como o principal aliado em suas
relações exteriores. Não gosta de Cuba, da Venezuela nem de ditaduras
africanas, tampouco de que recebam dinheiro de presente do BNDES. Desconfia de
toda essa constelação internacional de doutrinas que vê com alarme o
agronegócio no Brasil, quer que os países abram suas fronteiras à imigração ou
imagina um mundo governado por comitês da ONU e burocracias do mesmo gênero.
Mas não é justamente tudo isso que o eleitorado de Bolsonaro espera de um novo
Itamaraty? Os brasileiros que gastarão 20 bilhões de dólares em viagens ao
exterior em 2018 vão para os Estados Unidos e o mundo capitalista, não para a
Guiné Equatorial ou a Faixa de Gaza — quem gosta desses lugares é o
ex-chanceler Celso Amorim, só que
ele está do lado que perdeu. A população, na verdade, nem sabe quem é esse
Araújo; o que sabe, isso sim, é que os Estados Unidos dão mais certo que a
Palestina. Se o novo ministro também acha isso, ótimo.
Da mesma forma, criou-se grande escândalo em torno da
ministra Damares Alves — ela é
contra o aborto, acha que há meninos e meninas, e não “meninxs”, e é a favor do
ensino religioso, que existe no Brasil desde o padre Anchieta. O novo ministro
da Educação é considerado um homem da Idade da Pedra por ser contra a escola
“com partido” — e assim por diante. Queriam o quê? Outro ministério, agora, só
com outra eleição.