A notícia de que o ministro Marco Aurélio, o libertador, decidiu monocraticamente, na última quarta-feira, determinar a soltura imediata dos quase 170 mil condenados em segunda instância
que aguardam presos o julgamento de recursos às instâncias superiores caiu como
uma bomba (e, dizem as más línguas, quase
matou de inveja o ministro Gilmar
Mendes).
Marco Aurélio — a
quem José Nêumanne definiu certa vez
como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano" — é primo do ex-presidente
impichado Fernando Collor de Mello, que foi o responsável por sua indicação ao Supremo.
Relator das ADCs que questionam a
constitucionalidade da prisão em segunda instância, o ministro reclamou ao
longo de todo este ano de as ter liberado em abril, mas nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli as terem incluído na pauta do plenário. Semanas
atrás, o presidente da Corte finalmente pautou o julgamento, mas nem
assim o magistrado sossegou: ao final do almoço de confraternização do STF (após o qual a Corte entrou em
recesso), ele acolheu um pedido do PC do B — partido da quase candidata à
presidência da República, Manoela D’Ávila,
que acabou concorrendo como “vice do vice” e com ele foi derrotada por Jair Bolsonaro — e produziu uma versão revista e
atualizada do “caso Favreto”.
Observação: Em
julho passado o desembargador-plantonista-cumpanhêro
do TRF-4 Rogério Favreto acatou um pedido de habeas corpus impetrado por três
deputados petistas e determinou a imediata soltura do criminoso Lula, provocando uma guerra de liminares
que acabou não soltando o petralha, mas deu muito pano pra manga.
Face à liminar concedida pelo laxante supremo, os advogados de Lula
levaram míseros 48 minutos para pedir a
expedição do alvará de soltura, dispensando, inclusive, o exame de corpo de
delito. A juíza Carolina Lebbos, responsável
pela Execução Penal do petralha, ponderou que sequer havia sido intimada, mas
entendia que a liminar não tornava "imediata" a necessidade de soltar
o preso, e resolveu ouvir o MPF antes
de decidir. Nesse entretempo, a procuradora-geral Raquel Dodge recorreu, argumentando, dentre outras coisas, que as
prisões após condenação em segunda instância são constitucionais e configuram
medida que "contribui para o fim da impunidade"; que Lula confunde o "direito à ampla
defesa" com "direito à defesa ilimitada", e que o ministro desrespeitou sucessivas decisões colegiadas da própria Corte, já que as prisões
após segunda instância foram autorizadas por maioria no julgamento
realizado no final de 2016 (o assunto foi rediscutido em abril deste ano,
e mais uma vez o cumprimento antecipado da pena foi considerado legal).
Pouco antes das oito da noite de quarta-feira o ministro Dias Toffoli — a quem, na condição de
presidente do Supremo, compete tomar
decisões em caráter de urgência durante o recesso do Judiciário — cassou a decisão de Marco Aurélio e pôs água no chope da petralhada. Como
era de se esperar, a defesa de Lula
recorreu, mas as chances de êxito são mínimas, até porque, em razão do recesso,
o pedido deverá ser julgado pelo próprio
Toffoli. Caso não advenha nenhuma outra surpresa — não percamos de vista o
fato de estarmos no Brasil —, a liminar do purgante togado ficará suspensa
até o plenário do STF julgar as tais
ADCs, em abril de 2019.
Jair Bolsonaro
elogiou a pronta ação de Toffoli: "Parabéns ao presidente do Supremo Tribunal Federal por derrubar a
liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda
instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já
sofre diariamente com o caos da violência generalizada!", disse o presidente
eleito por meio de sua conta no Twitter.
Parlamentares da base aliada do futuro governo estudam apresentar um pedido de
impeachment contra Mello — a
ação é liderada pelos deputados eleitos Filipe
Barros e Bia Kicis, que viram no
episódio uma articulação espúria entre o magistrado supremo e o PT em prol da soltura de Lula.
O futuro ministro da Justiça e
ex-juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro,
preferiu não se manifestar: "Sem
comentários, não vou falar sobre isso", disse ele à Folha, na última quarta-feira, após
deixar a primeira reunião ministerial da equipe de Bolsonaro.
Resumo da ópera: se todos os magistrados que não honram a toga fossem transformados em ar condicionado, a sensação térmica na cidade paranaense de Antonina, que atingiu 81ºC na última quarta-feira, seria a mesma do pico do Monte Everest.