Ao que tudo indica, o julgamento das famigeradas
ADCs (do
PEN, da
OAB e do
PCdoB) que questionam a
constitucionalidade do cumprimento da pena por réus condenado em segunda
instância será concluído hoje no plenário do
STF. Há duas semanas, quando sessão foi adiada pela segunda vez, os
votos de
Rosa Weber e
Ricardo Lewandowski levaram o placar a 4
a 3 pela mantença da jurisprudência vigente desde 2016 (na prática, é disso que o julgamento trata). Faltam votar
Cármen Lúcia,
Gilmar Mendes e
Celso de Mello — além do presidente da Corte, que, também ao que tudo indica, deverá desempatar o placar (
para que lado ele fará a balança pender,
porém, já é outra conversa).
Observação: Segundo o site O ANTAGONISTA, juízes e procuradores guardam na manga uma manobra para que a prisão em segunda instância volte em pouco mais de um ano, caso se confirme a mudança da jurisprudência. A ideia consiste em sugerir a ministros favoráveis à segunda instância que, após a proclamação do resultado, não liberem seus votos escritos e revisados para o relator compor o acórdão (documento que oficializa a decisão). Sem a publicação do acórdão, não é possível interpor embargos de declaração à própria Corte, e assim se vai empurrado a coisa até que a aposentadoria do decano permita a Bolsonaro escolher um novo ministro apto a formar uma nova maioria que vire, de novo, a jurisprudência. Um novo julgamento sobre a questão num recurso seria mais rápido do que em novas ações apresentadas à Corte, cuja tramitação poderia demorar, a depender do novo relator sorteado. O julgamento dos embargos dependeria de Luiz Fux, que assumirá a presidência do STF em setembro do ano que vem, e é francamente contrário ao trânsito em julgado.
Desde 2016, o Supremo
rediscutiu essa questão nada menos que três vezes, e manteve, ainda que por exígua maioria, a jurisprudência atual. Cármen Lúcia se negou a pautar o tema durante sua passagem pela presidência da corte, afirmando que fazê-lo seria apequenar o Tribunal. Toffoli também
empurrou a coisa com a barriga o quanto pode, mas acabou se rendendo às pressões, e agora terá de sair dessa sinuca de bico.
Dos anos 1940 a meados da década de 70, a prisão do
condenado era
conditio sine qua non
para a interposição de recurso à instância superior. Durante a ditadura militar,
Médici
fez o Congresso alterar o
CPP com a
lei nº 5.941, visando favorecer o delegado do
DOPS e notório torturador
Sérgio Fernando
Paranhos Fleury. A partir de então, condenados com bons antecedentes
poderiam pagar fiança e aguardar em liberdade o julgamento de seus recursos na
segunda instância. Em 1988, a Constituição Cidadã explicitou que "
ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Como o
reexame de matéria fática
se encerra na segunda instância, o
STJ editou a súmula 09, segundo a
qual "
a exigência da prisão
provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de
inocência".
Quando a
Lava-Jato começou a cafungar no cangote
dos políticos do andar de cima, o
Supremo
mudou seu entendimento e passou a vincular a prisão ao trânsito em julgado
decisão condenatória. Como isso significa executar a pena somente após se esgotarem todos os
recursos possíveis e imagináveis nas quatro instâncias da Justiça, criminosos
com cacife para contratar chicaneiras estrelados são beneficiados pela prescrição do poder punitivo do Estado e só veem o sol nascer quadrado
"no
dia de São Nunca". Essa aberração foi revista em 2016, mas aí começaram a
chover processos contra
Lula, e sua prisão levou a banda podre do
STF a torpedear o entendimento que o plenário
havia definido.
Caberia aos garantistas de araque
explicar como um sujeito pode ser considerado
"inocente" depois de ser declarado culpado por 20 magistrados (um
juiz federal de primeira instância, 3 desembargadores de um
Tribunal Regional e 8 ministros do
STJ) e de lhe terem sido negados inúmeros
pedidos de
habeas corpus. Não o
farão, é claro, pois acham-se os donos absolutos da verdade e entendem que suas decisões, por mais estapafúrdias que sejam, não são passíveis de questionamento. A não ser que o questionamento possa beneficiar seus bandidos de estimação.
Com 191 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal ainda exala o cheiro de bolor do tempo do Império.
Basta observar seus paramentos, rapapés,
salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras
papagaiadas. Manter esse dinossauro vivo — são 1150 funcionários concursados, cerca
de 1700 terceirizados; cada ministro pode ter até 40 assessores e
recrutar 3 juízes auxiliares — custa mais de R$ 1 bilhão por ano. Some a
isso os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST, os salários e mordomias de senadores, deputados federais,
governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores e os bilhões tragados
pelo ralo da corrupção e veja porque você trabalha 153 dias por ano só para
pagar impostos (que consomem 41,80% da sua renda) e o governo nunca tem dinheiro para investir em Saúde, Educação, Segurança,
etc.
A celeridade jamais foi o ponto forte do STF, mas a coisa ficou ainda pior a partir de 2002, com a transmissão ao vivo
das seções plenárias pela TV Justiça. Sob os holofotes, os vaidosos ministros passaram
a ler votos cada vez mais longos e se desentender mais com seus pares. O volume de
palavras que compõem os votos dos 11 membros da Corte (60.000, em média) a cada sessão dariam um livro de mais de 200 páginas (a média, num livro editado, é de 25 mil
palavras a cada 100 páginas). É muita lenha queimada para pouca fumaça do bom direito
produzida.
Observação: Segundo o regimento interno do STF, devem ir a plenário casos em que haja divergências entre as turmas ou entre uma delas e o plenário em relação à matéria em votação. Também cabem ao plenário as votações em que a questão jurídica em pauta é de maior relevância, quando for necessário prevenir divergência entre as turmas, ou quando estão em pauta crimes cometidos pelo Presidente da República, pelo vice-presidente, pelos presidentes da Câmara e do Senado, pelo Procurador-Geral da República, ou por um dos membros da Corte.
Os ministros trazem os votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações orais dos advogados, amici curiae, membros da PGR
e outros que sobem à tribuna para falar com as paredes. Para não caírem no sono enquanto esperam sua vez de falar, eles se entretêm com a
montoeira de papéis sobre a bancada, navegam na Web,
jogam Solitaire, enfim... Depois do
relator, os demais magistrados se pronunciam na ordem inversa de sua antiguidade no
cargo (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, o presidente profere
o voto de minerva.
Noves fora o relator, os demais decisores poderiam simplesmente dizer se o acompanham ou não o voto e, em sendo
o caso, expor em poucas palavras o motivo da divergência. Assim, em vez de se gastar uma sessão inteira na leitura de dois ou três votos, poder-se-ia julgar mais de um processo por sessão, o que melhoraria consideravelmente a
"performance" da Corte —
só
que concluiu até hoje um único julgamento de parlamentar processado no âmbito da Lava-Jato, enquanto a força-tarefa
contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos e recuperou
R$ 2,5 bilhões (uma média de
R$ 1,37 milhão por dia devolvido
aos cofres públicos desde 2014). No total de 13 acordos de leniência
com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de
R$ 13 bilhões, valor superior à
previsão de gastos da Justiça Federal (
R$
12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$
11,9 bi) descritos no Orçamento Anual
de 2019. Segundo o
MPF, o valor
apurado pode chegar a
R$ 40 bilhões.
Com raríssimas exceções, os ministros têm egos tamanho GGG e se encantam com o som da própria voz. As luzes da ribalta potencializam
essa característica e a disputa pelo protagonismo a exacerba ainda mais. Seria ingenuidade acreditar que sejam 100% imparciais, pois têm opiniões próprias e sujeitas à influência de paixões
político-partidárias
e interesse pessoais que eu prefiro não comentar, embora relembre o que disse o ministro
Barroso em entrevista à
Folha:
"No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto.
Sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos." Tire o leitor suas próprias conclusões.
AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEI:
Quem não se lembra do habeas corpus concedido ex-officio por Toffoli a Maluf por "motivos humanitários"? Se o turco ladrão estava mesmo à beira do desencarne na Papuda, ir para casa operou um verdadeiro milagre. Morrendo? Maluf? Só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça brasileira. Uma reportagem da revista eletrônica Crusoé salienta que o STF
é impiedoso com cidadãos pobres, presos por crimes menores e assistidos por
defensores públicos assoberbados de trabalho, mas complacente (para não dizer subserviente) com corruptos de alto coturno,
representados por criminalistas especializados em procrastinar o fim do processo até que a prescrição puna o Estado por não ter punido o criminoso em tempo hábil. A matéria lembra que, visando minimizar o impacto de um possível regresso ao status quo ante no julgamento de hoje, Toffoli enviou ao Congresso uma proposta para suspender a
prescrição nos casos que cheguem às cortes superiores (STJ e STF). E que esse mesmo magistrado negou a liberdade a um alcoólatra analfabeto, condenado a 1 ano e 7 meses de prisão por furtar uma bermuda de R$ 10 numa loja do centro de Viçosa (MG), uma semana depois de conceder a José Dirceu (de quem foi advogado, assessor e chefe
de gabinete durante o governo de Lula)
o direito de aguardar em liberdade o julgamento de um recurso — um
benefício, ressalte-se, que os advogados do ex-ministro sequer haviam
pedido (clique aqui para ler a íntegra da matéria)
Compete ao
Supremo
proteger a Constituição e servir aos interesses da sociedade, não protagonizar
espetáculos midiáticos. Mas o que já era ruim ficou pior depois
que Lula
e Dilma indicaram 7 membros da Corte. E os que acenderam ao cargo em outras gestões —
Celso de Mello, indicado por
José Sarney,
Marco Aurélio, pelo primo
Fernando
Collor,
Gilmar Mendes, por
Fernando Henrique, e
Alexandre de Moraes, por
Michel Temer —, bem, basta lembrar que
o fruto não costuma cair muito longe do pé.
O deputado federal
Capitão Augusto, Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, começou na última terça-feira a colher assinaturas de colegas em apoio a um manifesto pela manutenção da jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância. A ideia é reunir cerca de 150 assinaturas e entregar o manifesto pessoalmente a
Dias Toffoli antes da retomada do julgamento. Assim, os deputados se juntam aos senadores na defesa da jurisprudência atualmente em vigor — como revelou
O ANTAGONISTA, o senador
Lasier Martins, do Podemos, colheu 41 assinaturas de seus pares (mais da metade dos senadores), que também também deve ser entregue ao presidente da Corte. "
Exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para então autorizar prisão do condenado contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras, a exemplo das preocupações manifestadas por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas", diz um trecho do documento.
Luís Edson
Fachin, relator da Lava-Jato no STF, relativizou uma possível mudança na jurisprudência: "A
eventual alteração do marco temporal para a execução provisória da pena não
significa que, em lugar da execução provisória, quando for o caso, seja
decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo
Penal. A rigor, o que contribui para a percepção de
impunidade é o tempo demasiado entre o início e o fim do processo. Observadas todas as garantias processuais e o direito ao contraditório, o transcurso do processo penal deve atender ao princípio
constitucional da duração razoável do processo. Esse é o grande desafio que o
Poder Judiciário brasileiro tem". Ainda assim, o
ministro defendeu que a Corte mantenha o entendimento atual: "Acho
que o correto é aplicar-se o que nós temos aplicados hoje. O STJ e o Supremo
não reveem provas, não discutem mais o fato. Não cabe recurso espacial para
discutir matéria de fato. E o extraordinário só cabe se houver violação da
Constituição".
Assim como Gilmar Mendes, Dias Toffoli diz que não quer perder tempo no julgamento desta quinta-feira. De acordo com a FOLHA, “o presidente da corte e possível voto de minerva tem dito que fará exposição enxuta, de menos de 20 minutos”. Que Deus nos ajude e o bom senso prevaleça.
Em tempo: Conta-se que um senador americano, tido como
incorruptível, resolveu apresentar sua demissão. Perguntado por que estava
deixando o cargo, respondeu o parlamentar: "porque todo homem tem seu preço, e estão chegando no do meu".