quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE OS INIMIGOS DO POVO


José Antonio Dias Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e do ex-ministro petralha José Dirceu. Atuou como advogado nas campanhas de Lula à presidência em 1998, 2002 e 2006 e como subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República. Em 2007, foi promovido pelo cumpanhêro Lula ao cargo de Advogado Geral da União, que exerceu até 2009, quando, mais uma vez graças a Lula, foi guindado ao Supremo na vaga aberta com a morte do ministro Menezes Direito. Abrilhantam seu invejável currículo duas reprovações em concursos para juiz de primeiro grau em São Paulo, sempre na primeira fase que testa conhecimentos gerais e noções básicas de Direito dos candidatos —, o que demonstra a cabal falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro do STF.

Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, a carreira de Toffoli se limitava a serviços prestados ao PT. Uma vez no Supremo, sem os laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, o ministro novato seguiu o caminho usual dos fracos: no melhor estilo República Velha, foi buscar apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político —, e uma vez consolidado no habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho. Quando o Mensalão estourou, em 2005, Toffoli trabalhava na Casa Civil e respondia diretamente a José Dirceu, apontado como chefe do esquema, mas nem assim se deu por impedido de participar do julgamento do mensalão e votar pela absolvição de Dirceu, alegando que não havia provas suficientes contra o guerrilheiro de araque.

Concluído este breve resumo, passemos ao que interessa: Toffoli assumiu a presidência do Supremo com duas missões: reduzir os conflitos internos, que tanto desgastaram a imagem pública do tribunal, e tirar a Corte do centro do debate político, deixando para o Executivo e o Legislativo os papéis de protagonistas. Até agora, conseguiu avançar na primeira tarefa, mas fracassou na segunda por não conseguir convencer seus pares a privilegiar a segurança jurídica deixando que prevaleça a posição da maioria da Corte, ainda que esta contrarie o desejo individual de cada magistrado.

A atitude do ministro Marco Aurélio ilustra bem essa situação. Além de conceder uma estapafúrdia liminar que, não fosse pela pronta ação de Toffoli, poderia ter resultado na soltura de quase 170 mil presos, aí incluído o famigerado criminoso de Garanhuns, esse magistrado — promovido a ministro supremo pelo ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, de quem é primo — jogou outra batata quente nas mãos de Toffoli ao determinar que eleição para a presidência do Senado seja feita mediante voto aberto, embora o regimento interno preveja “escrutínio secreto". Eunício Oliveira, embora não tenha conseguido se reeleger e, portanto, perderá sua boquinha de senador na próxima legislatura, subiu nas tamancas, e agora caberá a Toffoli descascar mais esse abacaxi.

Observação: No mesmo dia em que mandou suspender a execução de pena de quem ainda não tem o processo com trânsito em julgado, Marco Aurélio concedeu habeas corpus ao empresário Renato Archilla, condenado por tentar matar a própria filha em 2001 (e isso a despeito de a decisão condenatória já ter transitado em julgado). Em março, quando o plenário do Supremo debatia o pedido de habeas corpus preventivo de Lula, ele foi o primeiro a comunicar que teria de se ausentar, chegando mesmo a exibir um cartão de embarque para o Rio de Janeiro (pelo visto, sua palavra não seria suficiente), onde discursaria no 15.º Colóquio da Academia Brasileira do Trabalho. Um compromisso inadiável, disse o magistrado. Questionado pela imprensa, sua insolência reclamou de estar sendo crucificado por ser um “cumpridor de compromissos”.

É lamentável que ministros se valham do início do recesso para tomar decisões individuais em assuntos controvertidos, que deveriam ser levados ao escrutínio do plenário da Corte. Essa maracutaia jurídica — sem entrar no mérito dos interesses que se escondem por trás de cada liminar solitária concedida — visa tornar fato consumado veredictos no mínimo polêmicos, salvo em recursos impetrados no plantão da Corte, que podem ser decididos pelo seu presidente. Marco Aurélio, talvez se espelhando nos 15 minutos de fama obtidos pelo obscuro desembargador cumpanhêro Rogério Favreto, do TRF-4, resolveu reencenar o espetáculo circense de 8 de julho, planejando cada passo de maneira que a merda batesse no ventilador somente depois do início do recesso. Depois de deixar seu despacho pronto para a publicação e de instruir seus assessores a propósito, o ministro participou da sessão que encerrou o ano judiciário e do almoço de confraternização dos magistrados, sem dar um pio sobre o pesadelo kafkiano que estava articulando. Caso prosperasse, sua perrice seria um duro golpe não só na Lava-Jato, mas também na esperança que a sociedade passou a ter de ver o Brasil se tornar uma República de fato, em que a lei vale mesmo para todos.

Embora tenha todo o direito de se alinhar com a ala garantista da Corte e de discordar da decisão da ex-presidente Cármen Lúcia — que se recusou a rediscutir a prisão em segunda instância a pretexto de não apequenar o Supremo —, o senhor birrento agiu muito mal, sobretudo porque tinha pleno conhecimento de que Toffoli já havia pautado o julgamento da ADC do PCdoB para abril do ano que vem. Tudo visto e examinado, fareja-se a léguas o cheiro pútrido da má-fé e do revanchismo que balizou a atitude de Marco Aurélio nesse episódio (perguntado por que escolheu aquele momento para assinar a nefanda liminar, o ministro respondeu ao jornalista: “isso lá é pergunta que se faça?”).

Passando agora ao cumprimento antecipado da pena (após decisão condenatória proferida ou confirmada por um juízo colegiado), temos que o assunto é controverso e suscita discussões apaixonadas, sobretudo num país onde a dicotomia maniqueísta campeia solta. Há bons argumentos de parte a parte, mas contra fatos não há argumentos. Aliás, essa discussão somente ganhou vulto porque afeta diretamente o bandido de Garanhuns, mas isso é outra conversa. O fato é que aqueles que defendem o “princípio constitucional da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória” não se lembram (ou fingem malandramente se esquecer) de que a prisão de condenados em segunda instância foi regra de 1941 até 1973, quando então a ditadura militar fez o Congresso aprovar uma lei — para beneficiar o delegado e notório torturador Sérgio Paranhos Fleury — que garantia a réus primários e com bons antecedentes o direito de recorrer em liberdade, mas perdeu a eficácia depois que a Constituição de 1988 restabeleceu o correto princípio de 1941.

Para não encompridar muito este texto (afinal, esta semana segue em marcha-lenta), o resto fica para as próximas postagens. Inté.