domingo, 19 de maio de 2019

VIVA A JUSTIÇA E VIVA O POVO BRASILEIRO!


Faz quatro meses e meio que Bolsonaro foi diplomado e empossado legitimamente como presidente de todos os brasileiros, com todas as prerrogativas e deveres do cargo. Não pode, agora, continuar agindo como se ainda estivesse no palanque falando para seus prosélitos e criticando seus adversários. Ao definir os manifestantes dos protestos contra cortes na educação como “idiotas úteis”, “massa de manobra” e “militantes” (ainda que com alguma razão), entrou numa briga de boteco sujo, quando deveria estar empenhado em tirar o Brasil da crise em que foi afundado pelo PT e cúmplices e satélites desse bando de meliantes que já estão fora do poder.

Não há como o capitão se queixar de que não sabia como a banda toca. O sistema de governo brasileiro obriga um campeão de votos diretos (ele) a lidar com um Legislativo de baixa representatividade (o sistema de voto proporcional brasileiro garante a desproporção), fracionado entre dezenas de partidos políticos – alguns semelhantes a quadrilhas – mas cheio de prerrogativas. Isso faz do presidente da Câmara uma espécie de primeiro ministro, até com pauta própria, enquanto o chefe do Executivo legisla por medida provisória.

Não há novidade nesse embate, nem mesmo o fato de o campeão de votos dar sinais contraditórios sobre como pretende enfrentar essa questão basilar da natureza do nosso sistema de governo. No entanto, por vezes o presidente acena com gestos políticos que são inerentes à necessidade de se entender com as forças dentro do Legislativo (eventualmente cedendo à pressão fisiológica por cargos); por outras, despreza a prática da articulação política – a começar pela condução da própria bancada –, qualificando-a como porcaria com a qual não quer se sujar. Na prática, ele não está fazendo nem uma coisa nem outra, e vai sendo implacavelmente encurralado por prazos de tempo sobre os quais não tem controle. Arrisca-se a ver perdida a reestruturação administrativa por conta de votação de MP mal conduzida na Câmara. Arrisca-se a ver a crise fiscal esmagar ainda mais o espaço para o Orçamento, enquanto já vai atrasado na aprovação de alguma reforma na Previdência. Arrisca-se a entregar de bandeja a adversários políticos uma narrativa política de impacto, como o contingenciamento das verbas da Educação.

No conjunto da obra, está sendo desmoralizado – ajudou a enfraquecer seu ministro mais popular, ao já nomeá-lo para o STF, e vai vendo o mundo legislativo e jurídico fazendo o mesmo gesto de atirar, só que desta vez contra seu predileto decreto de flexibilização do porte de armas. Chega a ser perverso constatar, nesse contexto, que o “fundo do poço” ao qual se referiu o ministro Paulo Guedes, ao falar da situação fiscal, não está convencendo deputados a aprovar o que o governo quer, mas, sim, dando a ideia a eles de que o governo não sabe o que fazer.

Observação: Um texto apócrifo divulgado pelo presidente na sexta (17) fala de pressões dos poderes e dificuldades de governar. A mensagem (cuja autoria é atribuída a Paulo Portinho, um analista da Comissão de Valores Mobiliários) foi interpretada no Congresso como mais um ataque do capitão ao que ele classifica de velha política, e por alguns analistas como um sinal de que uma renúncia está a caminho, sobretudo porque o país “está disfuncional” e até agora o presidente “não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou”. De fato, como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”. Ao convocar a sociedade para uma solução, Bolsonaro tenta manter ativas suas redes de apoio, após manifestações contrárias ao governo tomarem as ruas do País. Como resposta, aliados do capitão planejam uma marcha em apoio a ele, no dia 26. 

Não há dúvidas sobre a espúria motivação de nutrido grupo de parlamentares (a famosa área bandalha da Câmara) ao bloquear a reforma administrativa ou impor sucessivas derrotas ao governo. Ocorre que grande parte da relevância que esse chamado Centrão assumiu nas últimas quatro semanas é sobretudo o resultado de um vácuo político a partir da “base” de sustentação de Bolsonaro na Câmara. A constatação tem sido reiterada pelos próprios parlamentares governistas, não é “papo da mídia”.

Aos apoiadores, o presidente e seus filhos têm repetido que “não há jeito”, que uma maioria imbatível no Congresso se comporta “contra o Brasil”, que a área política “não se deixa moralizar” e que ele está sendo encurralado por parlamentares bandidos e mídia podre e adversa a: a) ceder ao fisiologismo e bandalha, acabando na cadeia, ou: b) a cometer um crime fiscal e ser “impichado”. Se abraçada até as últimas consequências, essa percepção que Bolsonaro aparentemente tem das causas das dificuldades em realizar os projetos que considera mais valiosos, e de aprovar reformas que admite serem necessárias, o levará a agir de forma contundente. Resta saber quem e quantos estarão no pelotão que irá atrás do capitão.

Mudando de pato para ganso, diz José Nêumanne – e eu não vejo como discordar – que um dos privilégios mais odientos gozados por personalidades da política e celebridades brasileiras é o gozo de privilégios quando estão privadas da liberdade. Três casos chamaram a atenção no noticiário da semana passada: a instalação em “salas de Estado Maior” dos ex-presidentes Lula, condenado e sem nenhuma sombra de dúvida criminoso, e Michel Temer, cumprindo prisão preventiva, ambos por crimes comuns de corrupção e lavagem de dinheiro, e a permanência do curandeiro João de Deus por cinco meses fora da cadeia, a pretexto de tratamento de saúde. A vida mansa na prisão ou no hospital desses criminosos é um escárnio à sociedade.

Na votação que soltou Temer por 4 votos a zero, o presidente da 6.ª Turma do STJ defendeu decisão afirmando: “Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos da nação. Deve conduzir o processo pela lei e a Constituição, com imparcialidade e somente ao final do processo, sopesando as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade.”

Observação: O STJ não inocentou o emedebista em nenhum dos 6 processos criminais a que ele responde e ainda o impediu de praticar várias atividades a que qualquer homem livre está habilitado. Da mesma forma, ao julgar o recurso de Lula no caso do tríplex a corte não absolveu o petista; apenas reduziu sua pena para algo próximo do que Moro havia estabelecido em julho de 2017. Mas tanto a soltura de Temer quanto a redução da pena de Lula foram, de certa forma, um tapa na cara do cidadão de bem desta banânia. Mas é inegável que o STJ deixou claro que seus ministros não cuidam de fazer justiça; limitam-se a decidir se devem cair na lábia jurídica de promotores que acusam ou de advogados que defendem.

Este, meus caros, é o país em que vivemos. Mais é prosa.