Mostrando postagens com marcador PEC da Bengala. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador PEC da Bengala. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 10 de junho de 2019

AS CRÍTICAS DE MARCO AURÉLIO



Se as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que os ministros dos tribunais são aposentados compulsoriamente —, o ministro Marco Aurélio Mello deixará o STF em julho de 2021. Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, sua excelência parece disposto a queimar os últimos cartuchos buscando alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos, nas sessões plenárias da Corte, que ele tartamudeia com voz de animador de velório.

Em 19 de dezembro passado, por exemplo, Mello esperou os primeiros minutos do recesso de final de ano para publicar uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte (reedição revista, atualizada e abrilhantada com requintes de suprema-toga do igualmente lamentável “caso Favreto”). Dias atrás, o ministro supremo criticou Toffoli por estreitar relações com os presidentes da República, da Câmara e do Senado e participar de um “pacto institucional” sem o aval do STF, e acusou Sérgio Moro — indicado “antecipadamente” para assumir a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no ano que vem — de ter virado as costas para a carreira de juiz ao assumir a pasta da Justiça e Segurança Pública, demonstrando não ter vocação para a Magistratura.

Toffoli merece críticas por participar do tal “pacto institucional” sem o aval dos demais ministros supremos, até porque a negociata envolve temas que podem ser futuramente julgados como controversos pelo colegiado do tribunal. E mais ainda por sua nomeação se ter sido mais uma demonstração cabal de falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro do STF. A propósito, nunca é demais lembrar que, além da reprovação em dois concursos para juiz de primeira instância, o brilhante currículo do indicado contava apenas com serviços prestados ao PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, depois como subchefe para assuntos jurídicos na Casa Civil da Presidência (sob o comando de José Dirceu) e advogado-geral da União, cargo que exerceu até 2009, quando vestiu a toga suprema por cima da farda de militante petista (clique aqui e aqui para mais detalhes).

É possível que o ciúme e o despeito tenham levado Marco Aurélio a destilar seu veneno, já que jamais conseguiu, em quase 30 anos no STF, uma fração do protagonismo e aprovação popular que Moro granjeou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná. Demais disso, todos têm direito a suas opiniões, mas fala-se muita bobagem hoje em dia. Prova disso é a sugestão estapafúrdia de Bolsonaro em sua recente viagem à Argentina, de que as duas maiores economias da América do Sul possam ter uma moeda única, semelhante ao euro (de tão estapafúrdia, a ideia pode até dar certo, mas eu ainda acho que isso é o tipo de notícia que causa um tremendo alvoroço num dia e é esquecido no dia seguinte). E também se critica demais — sobretudo nos tribunais virtuais das redes sociais —, mas não raro a contundência da crítica se dilui diante da postura e da vida pregressa do crítico.

Talvez Marco Aurélio tenha razão em reprovar o aumento da interferência política na definição da pauta de julgamentos do STF. É fato que nas últimas semanas, depois de se reunir com Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e parlamentares da bancada evangélica, Toffoli tirou da pauta temas delicados, como a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e legalização do aborto em casos da infecção da gestante pelo vírus da zika. Mas isso é conversa para outra hora. Vamos ao que interessa, lembrando inicialmente uma velha modinha popular que encerra um mundo de sabedoria:



A trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Depois de se formar em Direito pela UFRJ, em 1973, o dito-cujo ingressou na vida pública, em 1981, como procurador na Justiça do Trabalho — excrescência gestada e parida por Getúlio Vargas, nos anos 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder do “trabalhismo”. O cargo foi obtido não por concurso, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, que até hoje é reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito — seu prestígio era tal que o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que Marco Aurélio a assumisse tão logo completasse 35 anos. Foi também o prestígio paterno que guindou o pimpolho de Plínio ao TST, em Brasília, onde, anos mais tarde, o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria e cobriria com uma toga suprema.

Observação: Entrelaçam-se nesse caso parentela, compadrio e interesses corporativos, e o ex-presidente Collor merece citação especial. Seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho; seu pai, Arnon, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu desafeto no plenário do Senado, e matou com um tiro no peito o acreano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. Uma tragédia, mas também um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros.

Marco Aurélio, na brilhante definição do jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, é um misto de Hidra de Lerna — com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás. No mítico Raso da Catarina do sertão de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio surge como um misto do beato Antônio Conselheiro e do cabra Corisco, com o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra, e se alia a Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso e Mello — e Toffoli, antes de este assumir a presidência do Tribunal — na soltura de presidiários de colarinho-branco. Mais do que contrariar a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância, o escrete togado sobrepõe, com sua arrogância, às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou seus interesses pessoais, sejam eles quais forem, corroborando, em última análise, o veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) do especialista Joaquim Falcão, da FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra de Lerna com o deus romano Jano.

Processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo, tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, afirma o supremo togado, referindo-se ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Sua frase dá eco ao discurso dos arautos do profeta da Vila Euclides, segundo os quais Lula e outros presos sem que a condenação tenha transitado em julgado (coisa que no Brasil, onde há quatro instâncias e espaço para uma miríade de apelos, recursos, embargos e chicanas de todo tipo, só acontece no dia de São Nunca), são vítimas de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que controlam a polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.

Marco Aurélio, que sempre teve predileção especial por ser voto vencido, foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Se ainda lhe sobrar tempo — e você tiver estômago forte —, leia a entrevista que o nobre ministro concedeu dias atrás a BBC NEWS BRASIL.

sábado, 18 de maio de 2019

A SUPREMA VERGONHA



A possibilidade de Sérgio Moro vir a ser guindado ao STF na vaga do decano Celso de Mello apavora a banda podre do Congresso, que já se mobiliza para aumentar dos atuais 75 para 80 anos a idade em que os integrantes dos tribunais superiores são aposentados compulsoriamente (e quem sabe mudar para Supremo Asilo Federal o nome da nossa mais alta corte). Mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Embora alguns togados supremos se considerem semideuses, nada indica que sejam imortais — e nada os impede de deixe o cargo voluntariamente a qualquer tempo, como fez Joaquim Barbosa em 2014. A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, que está com 65 anos, já sinalizou que não tenciona esperar uma década para se dedicar full time ao golfe, ao crochê ou seja lá o que for que ela pretenda fazer quando pendurar as chuteiras.

Antes de prosseguirmos, um pouco de história: Encerrada a longa noite de 21 anos da ditadura militar (ditadura essa que hoje sabemos não ter existido), a Constituição Cidadã criou o Supremo Tribunal Federal e extinguiu o Tribunal Federal de Recursos, que havia sido criado pela Constituição de 1946 para julgar ações envolvendo a União ou autoridade federal, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar. A partir de 1965, com a recriação da Justiça Federal, o TFR passou a julgar os recursos dali originários e os conflitos de jurisdição entre juízes federais. O Ato Institucional nº 2 aumentou de 9 para 13 o número de juízes — oito nomeados dentre magistrados e cinco dentre advogados e membros do Ministério Público —, que só passariam a ser denominados ministros a partir da Constituição de 1967. Em 1977, a Emenda Constitucional nº 7 aumentou para 27 o número de ministros, que assim permaneceu até 1988, quando, como dito, a atual Constituição extinguiu o TFR, criou o STF e cinco Tribunais Regionais Federais.

Observação: Há hoje no Brasil 60 tribunais na esfera federal (além do STF), sendo 4 tribunais superiores, 27 tribunais regionais eleitorais (um em cada unidade federativa), 24 tribunais regionais do trabalho, um por unidade federativa (exceto São Paulo, que tem um na capital e outro em Campinas) e 5 tribunais regionais federais. Já na esfera estadual há 30 tribunais: 27 tribunais de justiça (um por unidade federativa) e três tribunais de justiça militar estaduais (apenas São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul possuem tribunais de justiça militar estaduais). Apesar disso — ou talvez por isso —, o Brasil é o país da impunidade.

O Supremo é uma corte constitucional, mas também funciona como suprema corte, ou seja, como última instância de apelação. Sua composição atual é uma das piores de todos os tempos. Dos seus 11 ministros, 7 foram nomeados nos governos petistas — Ricardo LewandowskiCármen Lúcia e Dias Toffoli pelo criminoso de Garanhuns e Luiz FuxRosa WeberLuis Roberto Barroso e Luís Edson Fachin por sua deplorável sucessora (que também nomeou o finado Teori Zavascki, morto num trágico acidente aéreo em janeiro de 2017). O decano Celso de Mello foi indicado por José Sarney; Gilmar Mendes por Fernando HenriqueMarco Aurélio por Fernando Collor; e Alexandre de Moraes por Michel Temer

Com exceção de FHC, todos os ex-presidentes vivos têm pendências com a Justiça: Sarney — eterno donatário da capitania hereditária do Maranhão — é investigado pelo suposto recebimento de recursos desviados de contratos da Transpetro; Collor — o caçador de Marajás de araque — e Dilma — a mãe de todas as calamidades —, além de terem deixado o Planalto pela porta dos fundos, são réus na Lava-Jato; Lula — a autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil — já foi condenado em dois processos (nem deles, em primeira, segunda e terceira instâncias), é réu em pelo menos mais 6 ações penais e está cumprindo pena há mais de um ano em Curitiba; Temer — o ex-vampiro do Jaburu — conseguiu a proeza de se tornar réu 6 vezes em menos de 5 meses, e já foi preso preventivamente em duas ocasiões.

Voltando ao STF, para ingressar nessa seleta confraria não é preciso ser advogado nem (muito menos) galgar, uma a uma, todas as instâncias do Judiciário. Nossa Constituição Cidadã exige apenas que o candidato seja brasileiro nato, tenha entre 35 anos e 65 anos, goze de seus direitos políticos, tenha reputação ilibada e notável saber jurídico. Com esses ingredientes, não é de estranhar que a corte seja atualmente presidida por um birrepetente em concursos para juiz de primeiro grau, que — parafraseando J.R. Guzzo —, apesar de ter sido declarado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior, tornou-se um dos onze juízes supremos do Brasil — ou, pior ainda, o presidente de todos eles.

Observação: Guzzo diz ainda que nenhum dos gigantes da nossa vida pública que aceitam mansamente a presença de Toffoli na presidência do STF conseguiria explicar por que raios uma aberração com esse grau de grosseria deve ser imposta a 200 milhões de brasileiros. Não conseguem, simplesmente, porque nenhum ser humano consegue. Tof­foli, pelos conhecimentos que demonstrou, não tem capacidade para ser juiz nem de um jogo de futebol, mas pode ser presidente do mais alto tribunal de Justiça do país. Não perca o seu tempo tentando entender, porque é impossível entender. Toffoli é também um fenômeno de suspeição e parcialidade provavelmente sem similar no mundo civilizado. Foi nomeado para o STF pelo ex-presidente Lula depois de ter sido alto funcionário do seu governo e, antes disso, advogado do PT. Está no cargo exclusivamente porque prestou serviços a Lula e a seu partido — e, portanto, não poderia julgar nada que tivesse a menor relação com qualquer um dos dois. Mas o que está acontecendo é justamente o contrário. Ele é um dos onze juízes que a cada meia hora decidem mais um recurso dos advogados do ex-­presidente, na tentativa permanente de anular sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro.

Toffoli e quem o leva a sério — a começar pelos colegas que o chamam de excelência, passando pela mídia e pelo mundo oficial — insistem todos os dias em tratar o Brasil como um país de idiotas. Portanto, esperar que esta banânia melhore no curto prazo é o mesmo que acreditar em Papai Noel, Coelho da Páscoa e Fada do Dente, tudo junto e ao mesmo tempo.

Continua, talvez não no post de amanhã, mas continua...