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terça-feira, 19 de novembro de 2019

PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO (TERCEIRA PARTE)



Cerca de 15 horas depois de uma das mais abjetas decisões plenárias do STF — cuja composição é hoje a pior de toda a história do tribunal —, Lula já destilava seu ópio para uma penca de militantes. Não foi encontrar os filhos — que tampouco se deram ao trabalho de esperá-lo na saída da prisão —, nem levar flores ao túmulo da ex-primeira dama ou visitar as sepulturas do irmão e do neto (falecimentos que ele explorou com maestria de dentro de sua sala VIP na superintendência da PF em Curitiba). Em vez disso, como o bom mau caráter que é, preferiu escarrar vitupérios contra Bolsonaro e os ministros Moro e Guedes e exortar sua récua de jumentos amestrados a reproduzir no Brasil o que a esquerda chilena vem fazendo no país vizinho.

ObservaçãoLula não visitou os túmulos dos parentes mortos durante a temporada na cadeia porque “eles foram cremados”. A família do irmão Vavá informa: o corpo de Genival Inácio da Silva foi sepultado no Cemitério Pauliceia, em S. Bernardo do Campo. Alguém se surpreende com mais essa mentira vinda da que nasceu para mentir?

O placar de 6 votos a 5 pelo restabelecimento da jurisprudência nefasta que autoriza a prisão somente após o processo transitar em julgado — o que equivale a dizer "no dia de São Nunca" — foi alcançado no último dia 7 com o voto de minerva do Maquiavel de Marília, mas o cenário havia sido delineado na sessão do dia 27 de outubro, quando a ministra Rosa Weber, talvez por pura incompetência, talvez por gratidão a quem forneceu a toga que hoje lhe recobre os ombros — embora Rosa tenha sido indicada por Dilma, em 2011 a calamidade travestida de gente não dava um peido sem a devida aprovação de seu criador e mentor —, mudou o entendimento que mantinha até então e se aliou à fação pró-crime da nossa mais alta corte de injustiça.

Chegou-se a imaginar que o supremo mestre de picadeiro oferecesse uma terceira via, ou que votasse com a ala punitivista, mas, como o escorpião da fábula, o artrópode de toga não foi capaz de agir contra sua natureza e ficou do lado de Lula — responsável por sua nomeação para a Suprema Corte.

Em seu voto, cuja leitura demorou cerca de 3 horas, Antonio Maquiavel Dias Toffoli perorou absurdos com “lenda da impunidade” antes de concluir alegremente que a prisão após o trânsito em julgado não é o desejo de um juiz, mas a vontade do povo brasileiro (não foram exatamente essas suas palavras, mas o sentido foi exatamente esse). Ao final, como quem jogava migalhas aos cães, disse que a Corte não se oporia no caso de o Congresso alterar o CPP e "legalizar" a prisão após a condenação em segunda instância.

Acaba anão quem cuida de coisas pequenas, se deixa envolver por questões menores em detrimento da grandiosidade das decisões e confunde grandeza de espírito de espírito com espírito de grandeza, dizia Ulysses Guimarães. Toffoli preferiu entrar para a história como o presidente do STF que, para favorecer o PT e seu eterno presidente de honra, martelou o derradeiro prego no esquife da maior operação anticorrupção da história deste país, sobretudo porque defecou sobre a Constituição e usou como papel higiênico as páginas que restaram pautando esse julgamento num momento em que Lava-Jato está particularmente fragilizada devido à Vaza-Jato de Verdevaldo das Couves (esse, sim, deveria passar uns bons anos atrás das grades, de preferência num presídio comum, em cela apinhada de estupradores e assassinos contumazes) e ao clima nada alvissareiro para Deltan Dallagnol na suprema usina de injustiças.

E così la nave va. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

WALTER DELGATTI E A LAND ROVER DE MANUELA D'ÁVILA — NÃO SÃO NOSSAS VONTADES OU PREFERÊNCIAS QUE DETERMINAM O QUE É OU NÃO VERDADE



Perto de completar um mês, a prisão dos responsáveis pela invasão de celulares de autoridades já não desperta tanto interesse, a exemplo das mensagens supostamente trocadas entre o Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e procuradores da Lava-Jato, vazadas a partir de arquivos digitais obtidos criminosamente pelos hackers e cedidos graciosamente a Verdevaldo das Couves, o paladino da Justiça, pelo benemérito chefe do bando, Walter Delgatti Neto, conhecido como Vermelho, cuja capivara sugere que, de graça, ele não dá nem bom-dia. Mas o assunto continua servindo de pano de fundo para toda sorte de Fake News, como a que atribui à ex-deputada do PCdoB e ex-candidata a vice-presidente da República na chapa do PT, Manuela D'Ávila, a propriedade do Land Rover apreendida em poder de Vermelho.

Logo depois que Vermelho disse à PF que Manuela foi a intermediária que o colocou em contato com o comandante do panfleto digital esquerdista The Interpret, a ex-parlamentar divulgou nota afirmando que repassou o contato do jornalista, e autorizou seus advogados a “entregarem cópias das mensagens” a investigadores da PF. Mais adiante, um requerimento de autoria do deputado federal Capitão Augusto, do PL, aprovado na última terça-feira, convida Manuela a comparecer a uma audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara Federal, para dar explicações.

Embora a notícia sobre o Land Rover tenha viralizado nas redes sociais, não há provas — pelo menos até onde se sabe — de que Manoela pagou Vermelho pelo material hackeado, nem, muito menos, de que o tal veículo teria sido usado como moeda de troca. Aliás, nenhuma Land Rover foi apreendida com o hacker. Embora haja relatos de que, de fato, ele andasse com uma, não há nada que ligue a ex-vice na chapa encabeçada pelo bonifrate de Lula, o podre, com o carro em questão. 

Sabe-se, isso sim, que Delgatti ostenta uma respeitável capivara, com seis processos na Justiça paulista por crimes de estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas, e que acumula duas condenações. Sabe-se também que ele é um estelionatário fanfarrão, que já foi flagrado com uma carteira de estudante de medicina da USP e uma de delegado da Polícia Civil de São Paulo, e que publicou no Facebook fotos com um “leque” de ao menos vinte notas de 100 dólares e com um fuzil em um clube de tiro nos Estados Unidos. Que, poucos dias antes de ser preso pela PF, ele dirigia uma Land Rover branca pelas ruas de Ribeirão Preto, onde passara a viver. A bordo do carrão, deixou pendurada em um posto de gasolina da cidade uma fatura de R$ 200, alegando ao frentista que o cartão de crédito não estava funcionando. E nunca mais voltou lá. Todavia, as fotos usadas como “ilustração” nas tais mensagens nada têm a ver com ele. Uma delas foi retirada de um anúncio na OLX , e a outra, de uma operação da Polícia Federal que apreendeu carros em Goiás em janeiro de 2019.

Claro que isso não significa que o PT não esteja por trás dessa merdeira, nem que Vermelho esteja dizendo a verdade quando afirma que nada recebeu em troca do material entregue ao site comunista. Até porque o propósito dos vazamentos feitos pelo Interpret e seus satélites (FOLHA/UOL, BandNews e VEJA, entre outros) é denegrir a imagem do ex-juiz Sérgio Moro, do coordenador da Lava-Jato em Curitiba e da própria força-tarefa. Por outro lado, as "notícias" veiculadas nas redes sociais visando ligar Manuela ao carro são vagas, alarmistas e repletas de erros ortográfico-gramaticais, além de seguirem o tradicional formato usado em Fake News políticas. Como no caso do HB20 de Adélio Bispo — o estripador de Bolsonaro — que seria do ex-deputado Jean Wyllys —, ex-deputado federal do PSOL que desistiu de assumir o terceiro mandato e se autoexilou na Espanha por medo de acabar como a vereadora e colega de partido Danielle Franco, o deixando sua cadeira livre para o suplente, David Miranda, que acontece de ser marido de ninguém menos que... Verdevaldo das Couves.

Resumo da ópera: Nenhuma Land Rover foi apreendida com Vermelho e tampouco há provas de que o veículo que ele utilizava era de Manuela D’Ávila. Ou seja, as mensagens que circulam na Web não passam de Fake News. A verdade pode contrariar preceitos profundamente enraizados e não coadunar com o que queremos desesperadamente que seja verdade. Em outras palavras, não são nossas vontades ou preferências que determinam o que é ou não verdade.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

BOLSONARO É BOLSONARO. E PONTO FINAL.


Foi lamentável a maneira como o presidente Jair Bolsonaro tratou a questão do desaparecimento do pai de Felipe Santa Cruz, que agora pretende recorrer ao STF para “obter esclarecimentos” — como se nossa mais alta corte não tivesse nada mais importante para fazer do que se debruçar sobre as picuinhas do chefe do Executivo e as polêmicas geradas por seus pronunciamentos intempestivos. A declaração foi dada quando o capitão reclamava da OAB  — órgão do qual Felipe é presidente nacional — na investigação do caso de Adélio Bispo, o lunático inimputável: "Por que a OAB impediu que a PF entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", perguntou o presidente.

A coisa ficou pior depois que Bolsonaro, numa livre gravada na tarde de segunda-feira enquanto cortava o cabelo, apresentou uma versão dos fatos que colide frontalmente com a da Comissão da Verdade. Na manhã de ontem, após um café da manhã no Alvorada com Rodrigo Maia, o presidente se dirigiu aos jornalistas nos seguintes termos: “Vocês acreditam em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da comissão da verdade, foram 7 pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”. Questionado sobre a ação no STF iniciada por Santa Cruz, o presidente disse que é “direito dele”. E Falou ainda que não tem documentos que embasem o que comentou na última segunda feira: “O que eu sei é o que eu falei pra vocês. Não tem nada escrito, que foi isso ou foi aquilo… Meu sentimento era esse. Agora, você pode ver, a OAB não quer que se chegue aos mandantes da tentativa de homicídio minha”.

Dias antes, ao se manifestar sobre a portaria nº 666 do Ministério da Justiça e Segurança Pública — segundo a qual indivíduos envolvidos em atos de terrorismo, associação criminosa armada que tenha armas à disposição, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e até torcidas de futebol com histórico de violência em estádios podem ser sumariamente deportadas —, o presidente negou que fosse algum tipo de retaliação, até porque a medida não atinge o criador do site panfletário proselitista The Intercept Brasil, mas, ainda segundo o presidente, Greenwald poderia “pegar uma cana aqui mesmo”. A conclusão é uma só: diga Bolsonaro o que disser, sempre haverá polêmica.

Sobre a Vaza-Jato, a atuação espúria do site panfletário e seus associados, que vêm divulgando a conta-gotas supostos diálogos mantidos entre Moro e Dallagnol, e entre este e outros procuradores da Lava-Jato, salta aos olhos tratar-se de uma edição claramente tendenciosa, repleta de ilações feitas a partir de trechos retirados do contexto com o nítido propósito de anular processos e ajudar a libertar o picareta dos picaretas. Lamentavelmente, alguns juristas se respaldam na hermenêutica para agregar à previsão constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar suas fontes o condão de acobertar criminosos. Mas num país em que 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se poderia mesmo esperar que o exercício intelectual fosse o esporte nacional.

Igualmente fantasiosa me parece a hipótese de Walter Delgatti Neto, tido como o chefe da quadrilha que invadiu quase 1000 telefones, a maioria dos quais pertencente a membros da mais alta cúpula deste projeto de banânia, ter agido de moto próprio e cedido graciosamente o produto do crime ao manipulador do conta-gotas mais temido do Brasil. Nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em tamanha falácia (refiro-me à personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo os anos de chumbo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares).

Resta saber se, uma vez comprovada a suspeita de que o hacker foi pago pelo trabalho (segundo um integrante do grupo, a ideia era vender o material ao PT), Verdevaldo foi cúmplice ou apenas cometeu um “antiético”. Seja como for, a motivação política ficou evidente quando veio à tona que Manuela D’Ávila, ex-candidata a vice pelo PCdoB na chapa do bonifrate de Lula em 2018, serviu de intermediária entre Delgatti e o site The Intercept. E tudo indica que o gringo trastejão já estava de posse do material quando entrevistou Lula na prisão. Na entrevista que deu a Monica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes Jr, do El Pais, o petista disse que Moro, Dallagnol e sua turma seriam “desmascarados”, e semanas depois o Intercept pingou a primeira gota do seu veneno. Teria o molusco eneadáctilo se tornado clarividente devido à abstinência alcoólica ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência o caminhão de merda que Verdevaldo tencionava despejar?  

Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”

Em sua coluna n’O Globo, Merval Pereira especula se nas conversas de Dallagnol com outros procuradores, ou mesmo com Sérgio Moro, não havia um espaço para troca de informações sobre outros casos da Lava-Jato que não os relacionados a LulaDelgatti disse também que entrou nas conversas sobre a Operação Greenfield em Brasília, que apura desvios em fundos de pensão. Pelo seu relato, não encontrou nada de ilegal nas conversas, por isso não se interessou. Que estelionatário mais preparado, esse, que sabe onde há supostas irregularidades processuais e onde não há!

Voltando ao presidente, o que se vê é Bolsonaro sendo Bolsonaro. E isso dificilmente irá mudar. Depois de seis meses no cargo, o capitão ainda age como se estivesse em campanha, dando declarações “de palanque” endereçadas a sua base de apoiadores (os “bolsomínions”), conquanto devesse atuar em prol do restabelecimento da paz e se empenhar na aprovação de medidas que revertam a dura recessão que o país amarga desde a reeleição da nefelibata da mandioca. Aceitemos, se não de bom grado, ao menos com esforço de tolerância, que ele fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Lula, mas exitoso: seu eleitor de raiz está firme.

Segundo Dora Kramer, dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar o presidente por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-­los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga. Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula — a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política —, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade. Ele tem gosto especial por temas de menor relevância”.

À época, Luciana foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria. No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.

Um exemplo é a indicação de zero três para a embaixada em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado que muitos especulam se a ideia vai prosperar — eu acho que vai, porque Trump não se oporá à escolha, e o mesmo deverá acontecer (por motivos diversos, naturalmente) com os senadores que submeterão "o garoto" à sabatina de praxe, mesmo que o maior destaque em seu currículo seja ter fritado hambúrgueres numa lanchonete da rede Popeyes, que serve frango frito. A pergunta que não quer calar é: por que semear conflito justamente quando o governo deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara? Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.

Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Jair Bolsonaro. Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo temos a transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, o pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a Argentina.

Nada disso vai adiante, como não irão as ideias de transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.

terça-feira, 30 de julho de 2019

FATOS E VERSÕES NA REPÚBLICA DOS HACKEADOS

É bem possível — e até provável — que você esteja tão cheio de ler sobre este assunto quanto eu de escrever sobre ele, mas vamos lá: Todo fato tem pelo menos três versões: a sua, a minha e a verdadeira. Para não cair em contradições, convém afastar-se o mínimo possível da verdade. Mas Verdevaldo das Couves parece ter faltado à escola no dia que ensinaram essa lição. Na última sexta-feira, ao comentar no Twitter duas notícias sobre fatos que vieram à lume com a prisão do quarteto fantástico, o farsante vermelho não conseguiu decidir se seu contato inicial com o hacker que lhe passou o material roubado aconteceu antes, depois ou durante o ataque ao celular do ministro Sérgio Moro. E com a historieta publicada pela revista Veja desta semana, a versão de que a fonte era um whistleblower cai de vez por terra: a suposta mensagem publicada pela revista, repassada pelo The Intercept, mostra que o gringo intrujão sabia desde o início de que estava tratando com um criminoso. Mas a comédia de mau gosto não para por aí.

No script delirante assinado pelo trio assombro petista — Gleisi Hoffmann, Paulo Pimenta e Humberto Costa, todos políticos da melhor qualidade, cujos mandatos engrandecem nossas Casas Legislativas —, o partido dos picaretas acionou o STF e a PGR para pedir a prisão de Moro (veja aqui) e seu afastamento do Ministério da Justiça. É surreal!!!

O deputado Filipe Barros, do PSL, pagou na mesma moeda: na mesma sexta-feira o parlamentar protocolou na PGR um pedido de prisão temporária de Verdevaldo, o paladino impoluto. Segundo Barros, há fortes indícios de que o financiamento e a transmissão dos dados obtidos criminosamente colocam o dono do Intercept na posição de coautor dos crimes. Entrementes, Felipe Santa Cruz, o presidente lulista da OAB, disse à mais petista das colunistas da Folha de S. Verdevaldo que Morousa o cargo, aniquila a independência da PF e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”. Os advogados se sentem representados por esse cavalheiro?

Ainda não acabou: Em 27 de abril, Lula, em entrevista a Monica Bergamo e a Florestan Fernandes Jr, disse que Moro seria “desmascarado”. Quarenta e três dias depois, o Intercept Brasil pingou a primeira gota de seu veneno ao revelar suposta troca de mensagens entre o ex-juiz da Lava-Jato e o coordenador da força-tarefa no Paraná. Teria o picareta dos picaretas adquirido poderes paranormais ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência a maracutaia que ainda estava no forno?

Segundo o Estadão, semelhanças entre o filme em cartaz e os escândalos dos aloprados, da pasta rosa e do bunker do PT são gritantes: todos começaram com suspeitas de grandes conspirações internacionais e terminaram no quintal do vizinho — que no caso em tela acontece de ser o município paulista de Araraquara. Para quem não se lembra, o PT, quando no poder, usou e abusou da Abin para seus fins espúrios. Dilma, a inesquecível, chegou mesmo a colocar a agência de inteligência governamental para espionar o então juiz Sérgio Moro. Agora que não está mais no poder, quem não tem a Abin caça com hacker. Não fosse trágico, seria cômico.

No dia em que foram noticiadas a gravíssima invasão do celular do presidente da República e o roubo cinematográfico no aeroporto de Guarulhos, a manchete de Folha foi: “Deltan foi pago por palestra em empresa citada na Lava Jato”. No Jornal da Manhã da Jovem Pan, o acusado contou que se retirou da ação em que a empresa que o pagou tinha sido citada, mas a notícia foi mantida e reproduzida com o mesmíssimo viés e idêntico estardalhaço sensacionalista pelo Globo, levando Diogo Mainardi, d’O Antagonista, a constatar em artigo na Crusoé que “o jornalismo mancomunado com a bandidagem contamina e emporcalha todos nós”. Assino embaixo.

Em sua coluna no Estadão, o poeta, escritor e jornalista José Nêumanne recomenda esquecer essa denúncia vazia de palestra de Dallagnol ou o papo de estelionatário mequetrefe dizendo que hackeou telefones de autoridades em nome da justiça. O crime dessa quadrilha pé-de-chinelo é gravíssimo, pois ameaça as instituições democráticas e viola a privacidade dos cidadãos de bem. O duro martelo da lei deve cair sobre as cabeças dessa gentalha sem dó nem piedade.

Na mesmíssima sexta-feira, o Ministério da Justiça publicou a portaria nº 666, que dispõe sobre o “impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”. O texto cita como exemplos o terrorismo, a associação criminosa armada, o tráfico de drogas, a pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e a torcida com histórico de violência em estádios, e pode levar à deportação de Verdevaldo, o impoluto. 

Pulicada quatro dias depois da prisão dos hackers que invadiram cerca de 1000 celulares de autoridades, a medida foi criticada pelo bufão gringo, que acusa Sérgio Moro de "terrorismo". O ministro, por seu turno, afirma que as alterações feitas nas regras de imigração do País não “muda a generosidade da lei brasileira com imigrantes ou refugiados” e mantém proibida a expulsão de estrangeiros por “opinião política”, apenas permite a deportação sumária, acelerando a expulsão de suspeitos considerados perigosos.

Como bem assinalou Eliane Cantanhede em sua coluna, a realidade supera a ficção. Estamos vivendo uma sessão ininterrupta de cinema, intercalando filmes policiais, dramas e comédias pastelão, enquanto milhões de desempregados estão na rua da amargura e há uma guerrinha ideológica insana, quase infantil, entre uma esquerda acuada, deslocada da realidade, e uma direita simplória, mas ousada, cheia de si.

Quando hackers têm a audácia de violar os celulares e as conversas do presidente da República, dos presidentes da Câmara e do Senado, da PGR, de ministros do Supremo e do STJ, dos ministros da Justiça e da Fazenda, da líder do governo no Congresso, a gente começa a pensar que tudo é possível. No início das investigações, a PF tinha certeza de que o alvo era a força-tarefa da Lava-Jato. Agora, como se vê, a coisa vai muito além. 

Não se trata de uma obra de gênios da informática que atuam no ambiente internacional, nem de uma quadrilha sofisticada a serviço de governos ou grandes corporações. Ao contrário, os chefes de Poderes, as instituições, talvez as posições estratégicas e até questões sigilosas de Estado, podem, em tese, ter ficado à mercê de uma gangue cibernética de fundo de quintal. Vulnerabilidade inadmissível. 

Walter Delgatti, o “Vermelho”, que parece ser o chefe e mentor das operações criminosas, é um bandidinho com ficha policial manjada: roubo, estelionato, falsidade de documentos. Os demais movimentam volumes de dinheiro incompatíveis com suas rendas oficiais. Todos são simplórios, mas capazes de atacar o centro do poder federal e deixar muitas dúvidas. Por exemplo:  que uso Delgatti e seus comparsas poderiam fazer desse material que não vendê-lo a quem interessar pudesse? Falta descobrir esse "quem", e é exatamente nesse ponto que se misturam e se confundem perigosamente as versões. Mas ainda é cedo para tirar conclusões. 

É fato que os quatro detidos são peixes muito miúdos para serem os únicos ou mesmo os maiores responsáveis por um ataque de tal magnitude, mas ainda não dá para concluir se eles agiram por conta própria, para depois vender ou repassar o material a possíveis interessados, ou se receberam uma encomenda de grupos dispostos a botar fogo no circo, implodir as instituições. A PF está apurando se eles venderam essas informações e com qual motivação. Uma coisa é clara: eles não iam fazer isto de graça. E não fizeram, tanto que aparece dinheiro. O chefe do grupo disse que sua intenção era vender as informações hackeadas para o PT.

Também é fato que Brasília está de pernas para o ar e, até a conclusão das investigações, espera-se um festival de versões e acusações mútuas. Estamos em plena república dos hackeados. Salve-se quem puder.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

VAZA-JATO — NEM TUDO É O QUE PARECE SER



Vermelho, ora conhecido como “o hacker de Araraquara”, revelou à PF como acessou o telefone do procurador de Deltan Dallagnol depois de invadir celulares da ex-presidanta Dilma o do ministro Alexandre de Moraes. Disse ainda que entrou em contato com Verdevaldo através da ex-deputada Manuela D’Ávila, candidata a vice na chapa encabeçada pelo bonifrate de Lula em 2018, e que lhe forneceu, de forma anônima e não remunerada, o material obtido criminosamente. Acredite você se quiser, se não vir problema em ser misólogo ou ter sua inteligência insultada por um bando de intrujões hipócritas. 

No depoimento publicado pela GloboNews, o hacker benemérito — que é dono de uma capivara de dar inveja a muito criminoso de quatro costados — disse que acessou a caixa postal das vítimas para conectar-se a suas contas no Telegram, mas especialistas em cibersegurança apontam incoerências entre seu relato e o modus operandi necessário para uma invasão de tal magnitude e tamanha abrangência. Segundo o ex-hacker Daniel Lofrano Nascimento, dono da consultoria de segurança digital DNPontoCom, a narrativa do invasor não se sustenta. Primeiro, porque método de invasão por caixa postal é "ultrapassado" e não seria usado por um hacker com capacidade de chegar aos principais nomes do cenário político nacional; segundo, porque uma invasão como essa levaria bem mais do que uns poucos meses para ser executada: "Eles ligaram para mais de 1.000 caixas postais, uma por uma, em poucos meses? É muito trabalho. Não dá para hackear 1.000 telefones, mesmo que estivéssemos falando de quatro hackers de ponta”.

O Spoofing — técnica que consiste em enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável — é mais usado para levar o alvo a acreditar, por exemplo, que está acessando um site de internet banking, quando na verdade trata-se de uma página falsa, construída para roubar informações confidenciais das vítimas. De acordo com Lofrano, um ataque como o que foi executado pelo grupo começa pela invasão da operadoras telefônicas para espelhamento das linhas, que ficam ativa tanto no aparelho da vítima quanto no do hacker, e a partir daí este último pode agir como se fosse o verdadeiro titular da linha. 

Ao contrário do que a mídia vem noticiando, o grupo ora preso em Brasília não teria usado a caixa postal, mas sim solicitado e recebido o código do Telegram via SMS, que, uma vez autenticado no chip clonado, dá acesso ao aplicativo também na versão web. Como eu mencionei na sequência em que comparei a segurança do Telegram com a do WhatsApp, esse procedimento é padrão no mensageiro russo, mas não na maioria dos concorrentes, como o próprio WhatsApp, que vincula o acesso ao histórico de mensagens a uma senha criada pelo próprio usuário.

Invadir uma operadora demanda expertise, dá trabalho e leva de tempo. Para atingir mais de 1.000 pessoas, entre elas o “crème de la crème” do panorama político e jurídico nacional, a técnica mais provável seria um "ataque zumbi", que recruta um pelotão de máquinas de terceiros e as comanda remotamente para disparar ataques em massa contra os dispositivos das vítimas. Ainda que não se descarte a possibilidade de Vermelho ter tido acesso físico aos dispositivos as autoridades — ou que houvesse proximidade geográfica que permitisse acesso à mesma rede Wi-Fi que elas utilizam —, isso parece pouco provável.

A maneira de invadir o celular de uma "pessoa comum" comum é, basicamente, a mesma usada para hackear figuras de alta patente política. Todavia, nos casos internacionais de hackeamento, tanto os métodos de segurança como a técnica dos invasores costumam ser mais sofisticados. A título de exemplo, cito o vazamento dos emails que então secretária de Estado Hillary Clinton enviou a partir de um servidor particular. Mas o que mais chama a atenção no furdunço tupiniquim é a rejeição do alto escalão desta república de bananas aos celulares encriptados recomendados pela Abin (que tanto Moro quanto Bolsonaro já adotaram), talvez porque não seja possível instalar nesses aparelhos aplicativos de terceiros, como o WhatsApp e o próprio Telegram.

No despacho em que determinou a prisão provisória do bando, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, disse haver “fortes indícios de que os investigados integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades públicas brasileiras via invasão do aplicativo Telegram". Mesmo que isso não seja uma referência direta às mensagens vazadas trocadas por Moro e Dallagnol e publicadas pelo The Intercept como produto do material supostamente recebido de Vermelho e sua gangue, tanto o ex-juiz da Lava-Jato quanto o coordenador da força-tarefa em Curitiba — e praticamente toda população minimamente racional deste país — somaram dois mais dois e acharam quatro. O hacker de Araraquara, aliás, já confessou ser o protagonista das invasões e a “fonte anônima” do Intercept.

Vallisney menciona ainda que a tecnologia VOIP utilizada pelos hackers é provida pela empresa Brvoz, cujos clientes podem utilizar a função identificador de chamadas para realizar ligações telefônicas simulando o número de qualquer terminal telefônico como origem das chamadas, inclusive o da própria vítima. Segundo o magistrado, a PF apurou que as ligações efetuadas para o telefone de Moro partiram de um usuário registrado na operadora, e a partir daí identificou os IPs de onde partiram os ataques.

Observação: Uma das muitas dúvidas não esclarecidas é o fato de Moro não usar o Telegram desde 2017: mesmo sem o aplicativo instalado, é possível que ele apareça como dono de uma conta web para ser alvo potencial do golpe? Os responsáveis pela plataforma dizem que não, que as mensagens são apagadas de seus servidores depois que o usuário deixa de acessar o app pelo período de seis meses. Outra questão controversa remete ao material vazado a conta-gotas por Greenwald e seus satélites, já que, ao se recusar a identificar a fonte, o gringo bucéfalo impede a autenticação do conteúdo, que pode ter sido adulterado, e como os envolvidos não têm mais acesso aos originais, não há como checar. Na impossibilidade de comprovar a veracidade das conversas divulgadas pelo Intercept e, principalmente, pela fato de a obtenção criminosa (hackeamento digital) tornar o material imprestável como prova na Justiça, por que diabos esse sujeito insiste em continuar divulgando essa merdeira?

O advogado que representa o DJ Gustavo Santos e sua mulher afirmou que seus clientes atribuem a Vermelho o golpe contra as autoridades e afirma que seu objetivo era vender as informações para o PT — a até aí, nenhuma surpresa, embora a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional da seita dos picaretas, acuse Moro de tramar contra o partido: "Tenha vergonha Moro, você não pode comandar investigação na qual está envolvido", escreveu a “amante” em postagem publicada nas redes sociais.

Para a maioria dos espectadores que acompanham as publicações do folhetim partidário de Verdevaldo das Couves e associados (Folha/UOL, El Pais, Veja, BandNews, Reinaldo Azevedo, etc.), o elo entre o grupo detido e as publicações do Intercept é de uma clareza meridiana. Os primeiros vazamentos ocorreram no dia 9 do mês passado, o que caracterizaria, segundo o site panfletário, desvio de conduta de Moro e Dallagnol, e justificaria a anulação das condenações impostas ao pseudo parteiro do Brasil Maravilha, ora reduzido à condição de presidiário em Curitiba. Mas tudo isso já foi discutido ao longo de incontáveis postagens; só faço essa remissão para lembrar que a novela da Vaza-Jato começou há quase dois meses e, ao que tudo indica, terá tantos (e tão emocionantes) capítulos quanto a folhetim global Malhação, que está na 27ª temporada (o primeiro episódio foi ao ar em 1995). 

A conferir.

sábado, 27 de julho de 2019

QUEM ESTÁ POR TRÁS DA TENTATIVA DE DESTRUIR A LAVA JATO?


Eis uma boa pergunta, e uma das características das boas perguntas é dar margem a respostas complexas. A mais simples, no caso, seria Greenwald e seus cupinchas no Intercept, mas não se deve perder de vista o fato de que eminências pardas têm atuado de maneira orquestrada nos bastidores dessa ópera bufa.

A princípio, o Verdevaldo rechaçou a hipótese de Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, ser sua tal “fonte anônima”. Depois, dada a dificuldade de tapar o sol com peneira, admitiu a possibilidade de ter recebido de Vermelho e companhia as tais “mensagens tóxicas” que seu site espúrio vem vazando há quase dois meses. Mesmo assim, ele mantém a versão de que o repasse se deu de forma anônima e sem contrapartida financeira — o que nos leva a perguntar por que diabos alguém arriscaria o rabo hackeando altas autoridades se não fosse por razões ligadas ao “vil metal”.

Para que novos elementos venham a lume, a quebra dos sigilos fiscal e bancário do marido do deputado David Miranda — a quem ele diz “amar mais do que tudo” — tornou-se fundamental depois que os quatro bois de piranha foram apanhados e seu líder confessou ser o responsável pelas invasões, liberou para a polícia seus arquivos armazenados na nuvem e afirmou ter dado ao site The Intercept o acesso a informações capturadas do aplicativo Telegram em sua mega invasão.

Como as investigações correm sob sigilo, quase nada se sabe além do pouco que já foi divulgado, mas sempre se pode especular. E especular parece ser a palavra de ordem, a julgar pelo que fizeram Folha, BandNews, Veja e outros veículos de imprensa, que deveriam ter vergonha de se aliarem ao Intercept a pretexto do “interesse público”, quando não havia nada havia no conteúdo vazado que caracterizasse fraudes na investigação e nas provas obtidas pela Lava-Jato contra Lula ou qualquer outro réu em ações criminais resultantes dos trabalhos da força-tarefa.

Como escreveu Mario Sabino em O Antagonista, “no afã de vilipendiar os mocinhos e vitimizar o bandido, os colaboracionistas nem tentaram contextualizar integralmente os diálogos publicados, porque a contextualização enfraqueceria a tese do interesse público no conteúdo”. E não há que falar em “interesse público” quando o único interesse era tirar da cadeia o chefe do maior esquema de corrupção da história desta banânia, pintando-o como vítima de um golpe político-jurídico. E o interesse privado quase prevaleceu, prossegue Sabino, quando se quis que o STF soltasse o condenado, a pretexto de que o então juiz Sérgio Moro agiu ilegalmente (volto a essa questão mais adiante). É de se imaginar o estrago que seria feito ao verdadeiro interesse público se a soltura tivesse se dado nessas condições.

O veículos que colaboraram na divulgação das mensagens roubadas passaram a ser vistos por muitos dos seus leitores como cúmplices de estelionatários a serviço de ideólogos cavilosos e aliados menos
interessados em redimir a humanidade do que em salvar o próprio couro. Seria bom que gente essa gente suja nunca mais pautasse os jornais e revistas do país — embora a liberdade de imprensa também assegure o direito à autodestruição.

Observação: O caso de Veja é emblemático. Como eu escrevi no último dia 8, sua mudança de viés jornalístico não tarda a refletir no número de assinantes — entre os quais eu me incluo —, que tende a se igualar em breve ao de eleitores do PSTU ou do PC do B. O que é uma pena, pois a revista sempre foi implacável no combate aos crimes cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam as dezenas de matérias de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista com Pedro Collor, que foi decisiva para o impeachment do ex-caçador de marajás de araque, hoje senador pelo PTB de Alagoas, réu na Lava-Jato e aliado de Lula.

Na avaliação de Diogo Mainardi, os vazamentos verdevaldianos implodiram a imprensa. “Para tirar da cadeia Lula e seus comparsas, uma turminha mais desavergonhada entregou-se a estelionatários, que saquearam telefones celulares de centenas (milhares?) de pessoas. Não se trata apenas da Lava-Jato, portanto: as mensagens hackeadas podem ter alimentado uma rede de golpistas e chantagistas. A PF ainda está investigando quem intermediou os contatos entre estelionatários e jornalistas. E quem financiou a falcatrua. Não é improvável que algum aloprado da imprensa seja preso, e eu vou comemorar, porque os criminosos devem ser expurgados da profissão. Ao mesmo tempo, a imagem do jornalismo mancomunado com a bandidagem contamina e emporcalha todos nós. Já fiz prognósticos estapafúrdios sobre os assuntos mais disparatados, mas não sei prognosticar o futuro da imprensa — se é que ela terá um futuro”. 

Eu pretendia dividir este texto em duas ou três postagens, mas a frequência com que novos fatos vêm à luz me levou a reconsiderar, sobre pena de a matéria se tornar “jornal de ontem” antes mesmo de o último capítulo ser publicado. Portanto, segue o baile.

Muita gente não se lembra — e a quem se lembra custa acreditar — que Gilmar Mendes já foi defensor da prisão em segunda instância: em 2016, ao fundamentar seu voto, ele afirmou que “mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade”. Sete meses depois, aquele a quem o também ministro supremo Luís Roberto Barroso qualificou de “pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”, e J.R. Guzzo de “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país“, passou a acolher todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância — alternativa proposta pelo atual presidente da Corte, que, como se pode ver neste vídeo, também era favorável à prisão em segunda instância.

O ódio recíproco entre o PT e Gilmar atingiu seu ápice, segundo a revista Crusoé, em setembro de 2015, quando o STF derrubou a doação empresarial para campanhas eleitorais. Contrário a essa medida, Mendes se valeu do avanço da Lava-Jato para atacar a ORCRIM, que então rapinava o país com os auspícios de Dilma, a inesquecível. “O partido consegue captar recurso na faixa dos bilhões continuamente, tendo como base os contratos de uma estatal do tamanho da Petrobras — e só estamos falando da Petrobras —, e passa a ser o defensor, defende bravamente o julgamento da inconstitucionalidade da doação de empresas privadas. Fico emocionado em saber, me toca o coração”. Era bom lembrar que as empresas estatais são patrimônio público. Elas não podem ser assaltadas por grupos de pessoas. A rigor, temos que reconhecer, é um partido de vanguarda porque instaurou o financiamento público de campanha antes de sua aprovação, disse Gilmar.

As manifestações do magistrado levaram o PT a ameaçar processá-lo. O partido falava em “desvario do ministro”, acusando-o de “faltar com a verdade” e proferir “impropérios e destemperos anti-PT”. Em resposta, Mendes disse: “O que se instalou no país nesses últimos anos e está sendo revelado na Operação Lava-Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”. E completou: “Não roubam só para o partido, é o que está se revelando, roubam para comprar quadros” e que “estamos nesse caos por conta desse método de governança corrupta”.

A roda girou, a fila andou, Dilma caiu, Temer assumiu, Lula foi preso, Aécio se enrolou e Gilmar, de inimigo, tornou-se o principal aliado do PT no STF, superando até mesmo Dias Toffoli cujo maior mérito foi ter sido advogado do PT nas campanhas de Lula, assessor de José Dirceu e advogado-geral da União durante o governo do molusco —, que sempre disputou com Ricardo Lewandowski o status de queridinho da legenda na mais alta corte do país. O namoro de Mendes com os petistas começou quando o PT deixou o Palácio do Planalto e a Lava-Jato já avançava sobre outros partidos, como o PSDB, e sobre o Judiciário. Deu-se a partir daí um casamento de conveniência do qual partem as maiores ameaças à operação. De um lado, um partido buscando um rumo desde que Lula foi preso; do outro, um juiz que, a pretexto de defender direitos individuais, move montanhas para enfraquecer a maior ofensiva contra a corrupção da história deste país. E como que para reforçar o desejo de ambos, o Intercept deu início à Vaza-Jato, publicando mensagens obtidas criminosamente e descontextualizadas para vender a ideia de que o hoje ministro da Justiça, tido e havido pelo PT como o algoz de Lula, orientava a acusação contra o petralha quando era juiz da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.

Depois que Verdevaldo vazou a primeira leva de mensagens, em 9 de junho, criaram-se condições para que a liberdade de Lula voltasse a ser debatida pelo STF — sempre, é claro, com Gilmar no comando. A primeira estratégia foi devolver à pauta de julgamentos um recurso que a defesa apresentara em 2018, pedindo a anulação da condenação de Lula por supostas arbitrariedades atribuídas a Moro na instrução dos processos, tais como a condução coercitiva do ex-presidente sem prévia intimação, em março de 2017, e — a cereja do bolo — de Moro ter aceitado o convite para ser ministro de Bolsonaro, inimigo figadal do PT. O recurso começou a ser julgado em dezembro pela 2ª turma, e caminhava para a rejeição quando Gilmar pediu vista do processo e só o devolveu dois dias depois que que as primeiras mensagens atribuídas a Moro e Dallagnol foram vazadas pelo panfleto eletrônico The Intercept

O prosseguimento do julgamento se deu no dia 25 de junho — data do, digamos assim, casamento oficial entre Gilmar e o PT, com direito a um palco especial, a “Igrejinha”, como é conhecido o prédio anexo da corte na qual as duas turmas do STF se reúnem. Na oportunidade, Gilmar pediu que fosse concedida uma liminar que garantisse liberdade provisória a Lula até que a corte julgasse o mérito da suspeição de Moro. A proposta começou a ser debatida por volta das 18 h, com o voto do próprio Mendes a favor, naturalmente. Mas Edson Fachin votou contra, e embora Lewandowski acompanhasse o voto de Gilmar e pedisse a conclusão do julgamento do mérito, o decano Celso de Mello mijou no chope da petralhada com seu voto, segundo o qual condutas abusivas não implicam parcialidade. Com o voto Cármen Lúcia, a proposta foi rejeitada por 3 a 2, fechando, para desgosto de Gilmar, mais essa janela de oportunidade para tirar Lula da cadeia.

Como o PT não conseguiu até hoje reunir assinaturas suficientes para instalar uma CPI com o fito de investigar a conduta de Moro e dos procuradores da Lava-Jato, os petralhas vêm em Gilmar seu maior trunfo. O ministro, que andava calado desde a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018 e a nomeação de Moro para a pasta da Justiça, saiu da toca após os vazamentos para dizer, por exemplo, que provas ilícitas não necessariamente devem ser anuladas — o que surpreende, já que ele próprio já decidiu diversas decisões em sentido oposto —, que juiz não pode ser chefe de força-tarefa e que Deltan Dallagnol era “um bobinho”. Conhecido por seus canais com o mundo da política, o ministro também atuou para que o presidente do Senado (também enrolado na Justiça) articulasse a aprovação em plenário do projeto sobre abuso de autoridade.

A própria solução proposta na 2ª turma para adiar o julgamento do mérito sobre a suspeição de Moro e conceder um salvo-conduto para Lula revela que a estratégia principal está diretamente ligada à Vaza-Jato, dada a expectativa de que entre as próximas revelações de Verdevaldo e seus asseclas estivesse a tão sonhada bala de prata que anularia a condenação do molusco no processo do tríplex e produziria um efeito cascata que derrubasse também a condenação no caso do sítio de Atibaia, cuja fase de instrução transcorreu enquanto Moro ainda era o juiz da 13ª Vara Federal do Paraná. Só que a Vaza-Jato produziu mais fumaça do que fogo, e com a prisão dos quatro suspeitos, a confissão de um deles e a amplitude das invasões — fala-se em cerca de 1000 celulares, entre aparelhos de procuradores, políticos, membros da alta cúpula do Judiciário e até do presidente da República —, o otimismo da petralhada em relação ao resultado do julgamento da suspeição de Moro arrefeceu. Sem mencionar que diversos elementos nessa equação podem prolongar a estada de Lula na prisão.

Além de o “material tóxico” vazado pelo Intercept ser fruto de hackeamento digital — e o STF tem inúmeras decisões contrárias à utilização de provas ilícitas em julgamentos —, é praticamente impossível comprovar a autenticidade do conteúdo. Além disso, Lula é réu em pelo menos 6 processos que ainda não foram julgados, e entre os que foram, a exemplo do caso do tríplex, o do sítio em Atibaia também resultou em condenação — pena de mais 12 anos e fumaça —, que possivelmente o TRF-4 virá a confirmar dentro mais alguns meses. Isso sem falar na ação sobre a cobertura em SBC e o terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, cujos autos estão conclusos para sentença desde o final do ano passado — o que significa que o juiz Luís Antônio Bonat, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, pode dar a sentença a qualquer momento. Qualquer acréscimo na pena imposta a Lula no processo do tríplex, que o STJ reduziu para 8 anos e 10 meses, frustraria a expectativa do condenado de progredir de regime para a prisão domiciliar (por questões de logística, o semiaberto foi descartado, porque, nesse caso, o preso dorme na cadeia e trabalha durante o dia, mas há décadas que o picareta dos picaretas não sabe o que é um chão de fábrica).

Uma eventual libertação de Lula teria reflexos no cenário político tupiniquim e na maior operação de combate à corrupção da história desta banânia, sem mencionar que o retorno do comandante da ORCRIM acirraria a polarização da qual emergiu Jair Bolsonaro, com óbvias vantagens para o capitão. Com o jogo em andamento, a única certeza que se tem é a de que Gilmar Mendes se casou para sempre com Lula

Quem sabe se um dia ambos não dividam a mesma cela?

quinta-feira, 25 de julho de 2019

PRESOS OS SUSPEITOS DO HACKEAMENTO QUE ABASTECEU O INTERCEPT COM O MATERIAL CRIMINOSO QUE O CONTA-GOTAS MAIS FAMOSO DO BRASIL VEM DIVULGANDO COM O APOIO DA IMPRENSA “CUMPANHÊRA”


A Polícia Federal prendeu nesta terça-feira quatro suspeitos de terem invadido os celulares do ministro Sérgio Moro, do desembargador do TRF-2 Abel Gomes, relator dos processos da Lava-Jato do Rio em 2ª instância, e de outras autoridades, jornalistas e afins. Na chamada Operação Spoofing, foram cumpridos mandados de busca e apreensão expedidos pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, em sete endereços dos investigados em São Paulo, Araraquara e Ribeirão Preto. O inquérito está sendo conduzido pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, que, em 2005 e 2006, presidiu o inquérito do Mensalão.

Observação: No âmbito da segurança digital, o termo “Spoofing” designa uma técnica de engenharia social que busca enganar uma rede ou pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação espúria é confiável.

No início de junho, o Sérgio Moro informou à PF que seu telefone foi invadido depois que ele atendeu uma ligação proveniente do próprio número. O ex-juiz da Lava-Jato já afirmou que a invasão virtual foi realizada por um grupo criminoso organizado, cujo objetivo é invalidar condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, interromper investigações em andamento ou “simplesmente atacar instituições”. Por conta da exploração sensacionalista das supostas mensagens trocadas com procuradores da força-tarefa, o ora ministro da Justiça foi submetido a duas longas sessões de inquisição, uma no Senado e outra na Câmara dos Deputados, durante as quais foi duramente achincalhado por parlamentares petistas e de outros partidos de esquerda.

Também em junho, Deltan Dallagnol relatou a amigos que um hacker teve livre acesso à sua conta no Telegram por pelo menos dois dias, e que tentou acessar também seus emails. Na mesma época o telefone de Rodrigo Janot foi hackeado, mas o invasor não teve sucesso porque o ex-PGR não atendeu às insistentes ligações nem acessou os códigos — segundo Janot, no final de abril um hacker tentou acessar, por mais de dez horas, tanto suas redes sociais quanto suas contas bancárias.

Em maio, Ronaldo Queiroz, ex-chefe de gabinete substituto do ex-procurador-geral, e dois ex-auxiliares de Janot relataram ao GLOBO que haviam sido vítimas de ataques, a exemplo de Eduardo El Hage, coordenador da Lava-Jato no Rio, que reagiu rapidamente à tentativa de invasão e impediu que seu celular fosse utilizado pelo invasor. Também foram hackeados os procuradores Januário Paludo, Danilo Dias e Andrey Borges de Mendonça. Em Curitiba, o procurador Paulo Galvão recebeu uma ligação no meio da noite e, sem atentar para o risco, seguiu as instruções do hacker. Quando se deu conta, o aparelho já havia sido invadido, mas não se sabe se o criminoso teve ou não tempo de copiar os dados.

Também em maio, a Lava-Jato em São Paulo confirmou que dois procuradores sofreram tentativa de hackeamento, mas perceberam a tempo e bloquearam os ataques. A ex-coordenadora Thaméa Danelon recebeu mensagens de que uma nova sessão do Telegram estava sendo aberta e derrubou a sessão quatro vezes. Delegados federais de São Paulo também sofreram tentativas de invasão: o telefone do conselheiro do CNMP Marcelo Weitzel, por exemplo, e enviou mensagens a José Robalinho, ex-presidente da Associação Nacional de Procuradores. O jornalista Gabriel Mascarenhas, repórter da coluna de Lauro Jardim, teve sua conta no Telegram invadida em 11 de maio, e o criminoso se passou por ele para enviar mensagens intimidadoras ao procurador regional da República Danilo Pinheiro Dias.

Os suspeitos que foram presos nesta terça-feira são Gustavo Henrique Elias Santos — que já respondeu por porte ilegal de arma —, sua mulher, SuelenWalter Delgatti Neto Danilo Cristiano Marques — conhecido em Araraquara pelo envolvimento em golpes na internet. De acordo com a PF, a gangue foi responsável por centenas de invasões a celulares de autoridades governamentais ou ligadas a elas. As investigações, que seguem em sigilo na Justiça Federal do DF, buscam apurar também o que foi feito com o material que não tem relação com a Lava-Jato. A PF ainda avalia se os presos serão transferidos para Brasília ou se permanecerão em São Paulo.

No último dia 22 foi a vez de Paulo Guedes ser hackeado — ele não usa o Telegram, mas o invasor criou uma conta para se passar pelo ministro. Na véspera, a deputada Joice Hasselmann relatou pelas redes sociais ter recebido ligações do seu próprio número (mais detalhes nesta postagem), e que mensagens foram enviadas a partir de sua conta no aplicativo para o jornalista Lauro Jardim.

De acordo com José Nêumanne, cair no conto de vigaristas que hackearam mais de mil telefones de autoridades e jornalistas, conforme revelou a PF ao desencadear a Operação Spoofing, foi o erro da mídia brasileira denunciado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Para o jornalista de televisão Fernando Coelho, a imprensa ganhou poder usando astúcia de repórteres e o perde deixando-se manipular por escroques. Mário Sabino qualificou o episódio como a maior vergonha da História de nossos meios de comunicação. E os três estão certos (para ouvir o comentário na íntegra, clique aqui).

Segundo Merval Pereira, o alcance do ataque deixa claro que o crime nada tem de amador. A partir da certeza de que os suspeitos foram realmente os responsáveis, a PF deverá apurar quem contratou os hackers, quem os pagou e quem entregou o conteúdo ligado à Lava-Jato a Verdevaldo, bem como o que foi feito do material que não tem ligação direta com a força-tarefa.

domingo, 7 de julho de 2019

O ESTRANHO BILIONÁRIO QUE FINANCIA OS ATAQUES CONTRA MORO



Pela lógica, Pierre Omidyar, o engenheiro que criou ouro puro ao desenhar o site de leilões eBay, deveria estar do lado de Sérgio Moro e de todos os brasileiros engajados no combate ao veneno cruel da corrupção.

O bilionário americano nascido em Paris de pais iranianos quer fazer o bem, segundo seus propósitos declarados. E tem 13 bilhões de dólares para bancar seus desejos, aparentemente contraditórios.

Pierre detesta aparecer, mas é um pouquinho vaidoso — usa uma foto de muitos anos atrás no Twitter. E deu o próprio nome a uma das organizações mais importantes que criou, a Omidyar Network.

É ambicioso também: através da “rede global de inovadores, empreendedores, tecnologistas, militantes, investidores, ativistas e organizações comprometidas em enfrentar os assuntos mais prementes de nosso tempo”, pretende mudar o mundo influenciando em áreas importantes.

Segue quatro “imperativos estratégicos”: reimaginar o capitalismo, melhorar a vida de quem precisa através da “tecnologia benéfica”, identificar assuntos emergentes que moldarão o futuro e expandir a capacidade humana.

Quem fala em “reimaginar” o capitalismo já está fora do debate dos adultos. Exceto, claro, se tiver 13 bilhões de dólares.

A linguagem meio infantilizada das organizações bancadas pelo bilionário é meio new age por um bom motivo: Omidyar, nascido com o nome persa de Parvaz, é da escola californiana de budismo, provavelmente por influência da mulher, Pamela Kerr. Obviamente, não um budista qualquer. Omidyar banca viagens, palestras e outras atividades do Dalai Lama.

O nome foi afrancesado para Pierre porque ele nasceu em Paris, onde os pais foram estudar. O pai seguiu carreira como cirurgião e a mãe como pesquisadora de linguística. Separaram-se depois que se mudaram para os Estados Unidos.

A influência global de Omidyar tem diferentes ramos. O jornalístico é o que mais interessa aqui. Como George Soros, ele contribui para diversos sites e organizações com profissionais de alto nível , jornalistas, ativistas ou ambos, para disseminar suas ideias.

Mas, ao contrário do americano de origem húngara, financiador de causas chamadas progressistas, como a liberação das drogas e a reforma penal em favor de criminosos, sem contar a eleição de políticos simpáticos a elas, Omidyar participa diretamente de projetos jornalísticos próprios.

O alinhamento ideológico também não é tão claro quanto o de Soros. Omidyar já foi acusado de neoliberal, um dos xingamentos máximos na escala esquerdista, e de agir em conluio com a inteligência americana na época das convulsões na Ucrânia.

Também não desfruta de boa reputação nos meios bancados pela Rússia, como a RT (ex-Russian TV) e o site Sputnik. Ambos são bons sinalizadores ideológicos: incentivam todo e qualquer tipo de antiamericanismo, o que de imediato esclarece o posicionamento dos “players”.

Na RT, em fevereiro passado, ele foi descrito como “grande patrocinador da mudança de regime” – expressão que significa interferência política em países que a Rússia quer para sua esfera de influência, desde a Ucrânia até a Síria.

A reportagem cita um obscuro site de Minnesota chamado MintPress, financiado pela família palestina de origem jordaniana Muhawesh. Estranhamente, para um órgão que defende a Síria de Bashar Assad e a Venezuela de Nicolás Maduro, a série de reportagens do site sobre Omidyar é boa, uma vez eliminado o viés ideológico.

O mais interessante é o gráfico sobre a rede de Omidyar. Um dos nódulos é a Luminate, organização-mãe das atividades filantrópicas que incluem o Poynter Institute (faculdade de jornalismo na Flórida, proprietária do jornal Tampa Bay), Bellingcat (um site investigativo que, ao contrário do Intercept, ao qual chegaremos em breve, dá uma canseira nos russos) e o Consórcio Nacional de Repórteres Investigativos (conhecido pela divulgação dos Panama Papers).

Apesar da bem sucedida tática de não aparecer, é fato conhecido que Omidyar “viu a luz” quando o operador de inteligência Edward Snowden divulgou a esmagadora quantidades de dados desviados da NSA, a agência americana de espionagem virtual. Ficou abalado, ironicamente, com os riscos para a privacidade dos cidadãos — totais, por sinal: não existe quem não possa ser invadido por operadores estatais, criminosos supranacionais, hackers, crackers e até o filho da vizinha que passa o dia inteiro sentado na frente do computador.

Pensou em comprar o Washington Post, mas foi batido pelo dez vezes mais rico Jeff Bezos. Em lugar disso, criou a First Look Media, o guarda-chuva do Intercept. Contratou jornalistas conhecidos, como Glenn Greenwald (ex-Guardian, jornal que também recebe patrocínio de Omidyar e lá ganhou um Pulitzer pelas reportagens sobre o gigantesco vazamento), Laura Poitras (diretora do documentário sobre Snowden) e Jeremy Scahill (ex-The Nation).

“Podemos nos dar ao luxo de fazer uma coisa diferente porque temos por trás um tipo de apoio com recursos infinitos”, disse Greenwald à revista New York para uma reportagem sobre Omidyar. Mesmo depois da criação do site, Greenwald nunca tinha se encontrado pessoalmente com o misterioso Omidyar, embora o considerasse o tipo de “bilionário normal e amigável” antes de ser abalado pelo caso Snowden.

É nessa reportagem que aparece a “conversão” do dono do eBay. Obamista apaixonado e grande contribuidor da Fundação Clinton, ele mudou de lado. Supostamente, mas a tal ponto que todas as informações roubadas por Snowden, asilado na Rússia para não ser preso e julgado por espionagem nos Estados Unidos, hoje estão sob o guarda-chuva de Omidyar.
Imaginem o poder que um cofre dessas dimensões dá a um único homem, protegido pela fortuna que fez aos 31 anos e movido pela missão de mudar o mundo.

Quando foi lançado, o Intercept era essencialmente voltado contra os órgãos de inteligência dos Estados Unidos. Greenwald ficou mais conhecido nos Estados Unidos depois que Donald Trump foi eleito e oposição democrata, espicaçada pela maioria dos órgãos de imprensa, passou a atribuir a sua vitória a algum tipo de conspiração com os russos.

Ao assumir com brilhante agressividade a narrativa contrária, Greenwald virou uma espécie de herói da direita trumpista. Substituiu as entrevistas a programas “progressistas” de canais a cabo, dadas de terno, gravata e bermudas quando estava no Rio, por entrevistas à Fox News, considerada a besta-fera pela esquerda, e similares.

Uma breve interrupção: Omidyar, seu financiador, também bancou um ramo da direita antitrumpista representada por Bill Kristol. No seu site sobre jornalismo, um projeto da Vox Media chamado The Coral Project (“Como os corais, criamos as estruturas para permitir às comunidades prosperar”, é a definição new age), a missão é descrita assim: “Aumentar a confiança do púbico no jornalismo, aperfeiçoar a diversidade de vozes e experiências nas reportagens, fortalecer o jornalismo tornando-o mais relevante na vida das pessoas, criar um diálogo online mais seguro e produtivo”.

Pois é, um sujeito que usa esse tipo de linguagem é o financiador do Intercept, cujas reportagens sobre mensagens vazadas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol recorrem, só para dar um exemplo da militância, a termos assim: “Os diálogos revelados pelo Intercept mostram que a Lava-Jato desfilava como uma deusa grega da ética na sociedade, mas atuava à margem da lei na alcova”. “O processo foi corrompido, comprometendo o julgamento das instâncias superiores. Qualquer interpretação diferente dessa está fadada ao ridículo e cairá na lata de lixo da história.”

O que Omidyar acharia disso como exemplo de texto que contribui para “fortalecer o jornalismo” e aumentar a confiança do público?

São atividades jornalísticas completamente diferentes divulgar mensagens vazadas, mesmo que tenham origem criminosa, e fazer campanha declarada e cerrada contra Moro e Dallagnol, com o objetivo de anular julgamentos de conhecidos condenados.

Sem falar nos conflitos de interesses. Como o Intercept cobriria, com os recursos infinitos propiciados por Omidyar, vazamentos comprometedores para o PT e o PSOL feitos pelo marido jornalista de um deputado do PSL? Tendo o mesmo deputado chegado ao cargo como suplente, via saída do país do titular por medo de ameaças de morte?

E será que Omidyar dorme o sono dos justos em sua casa encantada numa praia no Havaí sabendo da contribuição ativa que está dando para a impunidade dos responsáveis por uma rede de corrupção que se espalhou do Brasil para países vizinhos, sugando os recursos dos mesmos pobres de sempre?

“Vocês devem ter notado que gosto de voar abaixo do radar”, já disse o bilionário sobre sua aversão a aparecer. A turma que ele está ajudando também gostava.

Texto de Vilma Gryzinski.

Para concluir: