Eis uma boa pergunta, e uma das características das boas
perguntas é dar margem a respostas complexas. A mais simples, no caso, seria
Greenwald e seus cupinchas no
Intercept, mas não se deve perder de
vista o fato de que eminências pardas têm atuado de maneira orquestrada nos bastidores
dessa ópera bufa.
A princípio, o Verdevaldo rechaçou a hipótese de Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, ser sua tal “fonte anônima”.
Depois, dada a dificuldade de tapar o sol com peneira, admitiu a possibilidade
de ter recebido de Vermelho e companhia as tais “mensagens tóxicas” que seu site
espúrio vem vazando há quase dois meses. Mesmo assim, ele mantém a versão de que o repasse se deu de forma anônima
e sem contrapartida financeira — o que nos leva a perguntar por que diabos
alguém arriscaria o rabo hackeando altas autoridades se não fosse por razões
ligadas ao “vil metal”.
Para que novos elementos venham a lume, a quebra dos sigilos
fiscal e bancário do marido do deputado
David
Miranda — a quem ele diz “amar mais do que tudo” — tornou-se fundamental
depois que os quatro bois de piranha foram apanhados e seu líder
confessou
ser o responsável pelas invasões, liberou para a polícia seus arquivos
armazenados na nuvem e afirmou
ter dado
ao site The Intercept o acesso a informações capturadas do aplicativo Telegram em
sua mega invasão.
Como as investigações correm sob sigilo, quase nada se
sabe além do pouco que já foi divulgado, mas sempre se pode especular. E especular
parece ser a palavra de ordem, a julgar pelo que fizeram
Folha,
BandNews,
Veja e outros veículos de imprensa, que
deveriam ter vergonha de se aliarem ao
Intercept
a pretexto do “interesse público”, quando não havia nada havia no conteúdo
vazado que caracterizasse fraudes na investigação e nas provas obtidas pela
Lava-Jato contra
Lula ou qualquer outro réu em ações criminais resultantes dos
trabalhos da força-tarefa.
Como escreveu Mario
Sabino em O Antagonista, “no afã de vilipendiar os mocinhos e
vitimizar o bandido, os colaboracionistas nem tentaram contextualizar
integralmente os diálogos publicados, porque a contextualização enfraqueceria a
tese do interesse público no conteúdo”. E não há que falar em “interesse público”
quando o único interesse era tirar da cadeia o chefe do maior esquema de
corrupção da história desta banânia, pintando-o como vítima de um golpe político-jurídico. E o interesse privado
quase prevaleceu, prossegue Sabino, quando
se quis que o STF soltasse o
condenado, a pretexto de que o então juiz Sérgio
Moro agiu ilegalmente (volto a essa questão mais adiante). É de se
imaginar o estrago que seria feito ao verdadeiro interesse público se a soltura
tivesse se dado nessas condições.
O veículos que colaboraram na divulgação das mensagens
roubadas passaram a ser vistos por muitos dos seus leitores como cúmplices de
estelionatários a serviço de ideólogos cavilosos e aliados menos
interessados em redimir a humanidade do que em salvar o
próprio couro. Seria bom que gente essa gente suja nunca mais pautasse os
jornais e revistas do país — embora a liberdade de imprensa também assegure o
direito à autodestruição.
Observação:
O caso de Veja é emblemático. Como eu escrevi no último dia 8, sua mudança de
viés jornalístico não tarda a refletir no número de assinantes — entre os quais eu me incluo —, que
tende a se igualar em breve ao de eleitores do PSTU ou do PC do B. O
que é uma pena, pois a revista sempre foi implacável no combate aos crimes
cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam as dezenas de
matérias de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista
com Pedro Collor, que foi decisiva para o impeachment do ex-caçador de marajás de araque, hoje
senador pelo PTB de Alagoas, réu na Lava-Jato e aliado de Lula.
Na avaliação de Diogo
Mainardi, os vazamentos verdevaldianos implodiram a imprensa. “Para tirar da cadeia Lula e seus comparsas, uma turminha mais desavergonhada entregou-se
a estelionatários, que saquearam telefones celulares de centenas (milhares?) de
pessoas. Não se trata apenas da Lava-Jato,
portanto: as mensagens hackeadas podem ter alimentado uma rede de golpistas e chantagistas.
A PF ainda está investigando quem
intermediou os contatos entre estelionatários e jornalistas. E quem financiou a
falcatrua. Não é improvável que algum aloprado da imprensa seja preso, e eu vou
comemorar, porque os criminosos devem ser expurgados da profissão. Ao mesmo tempo,
a imagem do jornalismo mancomunado com a bandidagem contamina e emporcalha
todos nós. Já fiz prognósticos estapafúrdios sobre os assuntos mais
disparatados, mas não sei prognosticar o futuro da imprensa — se é que ela terá
um futuro”.
Eu pretendia dividir este texto em duas ou três postagens,
mas a frequência com que novos fatos vêm à luz me levou a reconsiderar, sobre
pena de a matéria se tornar “jornal de ontem” antes mesmo de o último capítulo
ser publicado. Portanto, segue o baile.
Muita gente não se lembra — e a quem se lembra custa
acreditar — que
Gilmar Mendes já foi
defensor da prisão em segunda instância:
em 2016, ao fundamentar seu voto, ele afirmou que “
mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de
nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade”. Sete meses depois,
aquele a quem o também ministro supremo
Luís
Roberto Barroso qualificou de “
pessoa horrível, uma mistura do mal com
atraso e pitadas de psicopatia”, e
J.R.
Guzzo de “
fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na
multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país“,
passou a acolher todos os pedidos de
habeas
corpus que lhe caíram no colo e a
defender
a prisão após a condenação em 3.ª instância — alternativa
proposta pelo atual presidente da Corte, que, como se pode ver
neste
vídeo, também era favorável à prisão em segunda instância.
O ódio recíproco entre o PT e Gilmar atingiu seu
ápice, segundo a revista Crusoé, em setembro
de 2015, quando o STF derrubou a
doação empresarial para campanhas eleitorais. Contrário a essa medida, Mendes se valeu do avanço da Lava-Jato para atacar a ORCRIM, que então rapinava o país com
os auspícios de Dilma, a inesquecível.
“O
partido consegue captar recurso na faixa dos bilhões continuamente, tendo como
base os contratos de uma estatal do tamanho da Petrobras — e só estamos falando
da Petrobras —, e passa a ser o defensor, defende bravamente o julgamento da
inconstitucionalidade da doação de empresas privadas. Fico emocionado em saber,
me toca o coração”. Era bom lembrar que as empresas estatais
são patrimônio público. Elas não podem ser assaltadas por grupos de pessoas. A
rigor, temos que reconhecer, é um partido de vanguarda porque instaurou o
financiamento público de campanha antes de sua aprovação”, disse Gilmar.
As manifestações do magistrado levaram o PT a ameaçar processá-lo. O partido
falava em “desvario do ministro”, acusando-o de “faltar com a verdade” e
proferir “impropérios e destemperos anti-PT”.
Em resposta, Mendes disse: “O que
se instalou no país nesses últimos anos e está sendo revelado na Operação Lava-Jato
é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de
cleptocracia”. E completou: “Não roubam só para o partido, é o que está
se revelando, roubam para comprar quadros” e que “estamos nesse caos por conta
desse método de governança corrupta”.
A roda girou, a fila andou, Dilma caiu, Temer assumiu,
Lula foi preso, Aécio se enrolou e Gilmar,
de inimigo, tornou-se o principal aliado do PT no STF, superando até
mesmo Dias Toffoli — cujo maior mérito foi ter sido
advogado do PT nas campanhas de Lula, assessor de José Dirceu e advogado-geral da União durante o governo do molusco —,
que sempre disputou com Ricardo Lewandowski
o status de queridinho da legenda na mais alta corte do país. O namoro de Mendes com os petistas começou quando o
PT deixou o Palácio do Planalto e a Lava-Jato já avançava sobre outros
partidos, como o PSDB, e sobre o
Judiciário. Deu-se a partir daí um casamento de conveniência do qual partem as
maiores ameaças à operação. De um lado, um partido buscando um rumo desde que Lula foi preso; do outro, um juiz que, a
pretexto de defender direitos individuais, move montanhas para enfraquecer a
maior ofensiva contra a corrupção da história deste país. E como que para
reforçar o desejo de ambos, o Intercept
deu início à Vaza-Jato, publicando mensagens
obtidas criminosamente e descontextualizadas para vender a ideia de que o hoje
ministro da Justiça, tido e havido pelo PT
como o algoz de Lula, orientava a
acusação contra o petralha quando era juiz da 13ª Vara Federal do Paraná, em
Curitiba.
Depois que Verdevaldo
vazou a primeira leva de mensagens, em 9 de junho, criaram-se condições para
que a liberdade de Lula voltasse a
ser debatida pelo STF — sempre, é claro,
com Gilmar no comando. A primeira
estratégia foi devolver à pauta de julgamentos um recurso que a defesa apresentara
em 2018, pedindo a anulação da condenação de Lula por supostas arbitrariedades atribuídas a Moro na instrução dos processos, tais como a condução coercitiva do
ex-presidente sem prévia intimação, em março de 2017, e — a cereja do bolo — de
Moro ter aceitado o convite para ser ministro de Bolsonaro, inimigo figadal do PT.
O recurso começou a ser julgado em dezembro pela 2ª turma, e caminhava para a rejeição quando Gilmar pediu vista do processo e só o devolveu dois dias depois que
que as primeiras mensagens atribuídas a Moro
e Dallagnol foram vazadas pelo
panfleto eletrônico The Intercept.
O prosseguimento do
julgamento se deu no dia 25 de junho — data do, digamos assim, casamento
oficial entre Gilmar e o PT, com direito a um palco especial, a
“Igrejinha”, como é conhecido o prédio anexo da corte na qual as duas turmas do
STF se reúnem. Na oportunidade, Gilmar pediu que fosse concedida uma
liminar que garantisse liberdade provisória a Lula até que a corte julgasse o mérito da suspeição de Moro. A proposta começou a ser debatida
por volta das 18 h, com o voto do próprio Mendes
a favor, naturalmente. Mas Edson Fachin votou contra, e embora Lewandowski acompanhasse o voto de Gilmar e pedisse a conclusão do
julgamento do mérito, o decano Celso de
Mello mijou no chope da petralhada com seu voto, segundo o qual condutas
abusivas não implicam parcialidade. Com o voto Cármen Lúcia, a proposta foi rejeitada por 3 a 2, fechando, para
desgosto de Gilmar, mais essa janela
de oportunidade para tirar Lula da cadeia.
Como o PT não
conseguiu até hoje reunir assinaturas suficientes para instalar uma CPI com o fito de investigar a conduta
de Moro e dos procuradores da Lava-Jato, os petralhas vêm em Gilmar seu maior trunfo. O ministro,
que andava calado desde a vitória de Bolsonaro
na eleição de 2018 e a nomeação de Moro
para a pasta da Justiça, saiu da toca após os vazamentos para dizer, por
exemplo, que provas ilícitas não necessariamente devem ser anuladas — o que surpreende,
já que ele próprio já decidiu diversas decisões em sentido oposto —, que juiz
não pode ser chefe de força-tarefa e que Deltan
Dallagnol era “um bobinho”. Conhecido por seus canais com o mundo da
política, o ministro também atuou para que o presidente do Senado (também
enrolado na Justiça) articulasse a aprovação em plenário do projeto sobre abuso
de autoridade.
A própria solução proposta na 2ª turma para adiar o julgamento do mérito sobre a suspeição de Moro e conceder um salvo-conduto para Lula revela que a estratégia principal
está diretamente ligada à Vaza-Jato,
dada a expectativa de que entre as próximas revelações de Verdevaldo e seus asseclas estivesse a tão sonhada bala de prata que anularia a condenação
do molusco no processo do tríplex e produziria um efeito cascata que derrubasse
também a condenação no caso do sítio de Atibaia, cuja fase de instrução
transcorreu enquanto Moro ainda era o
juiz da 13ª Vara Federal do Paraná. Só que a Vaza-Jato produziu mais fumaça do que fogo, e com a prisão dos
quatro suspeitos, a confissão de um deles e a amplitude das invasões — fala-se
em cerca de 1000 celulares, entre aparelhos de procuradores, políticos, membros
da alta cúpula do Judiciário e até do presidente da República —, o otimismo da
petralhada em relação ao resultado do julgamento da suspeição de Moro arrefeceu. Sem mencionar que diversos
elementos nessa equação podem prolongar a estada de Lula na prisão.
Além de o “material tóxico” vazado pelo Intercept ser fruto de hackeamento digital — e o STF tem inúmeras decisões contrárias à
utilização de provas ilícitas em julgamentos —, é praticamente impossível
comprovar a autenticidade do conteúdo. Além disso, Lula é réu em pelo menos 6 processos que ainda não foram julgados, e
entre os que foram, a exemplo do caso do tríplex, o do sítio em Atibaia também
resultou em condenação — pena de mais 12 anos e fumaça —, que possivelmente o
TRF-4 virá a confirmar dentro mais alguns meses. Isso sem falar na ação sobre a
cobertura em SBC e o terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, cujos autos estão conclusos
para sentença desde o final do ano passado — o que significa que o juiz Luís Antônio Bonat, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, pode dar a sentença a
qualquer momento. Qualquer acréscimo na pena imposta a Lula no processo do tríplex, que o STJ reduziu para 8 anos e 10 meses, frustraria a expectativa do
condenado de progredir de regime para a prisão
domiciliar (por questões de logística, o semiaberto foi descartado, porque,
nesse caso, o preso dorme na cadeia e trabalha durante o dia, mas há décadas
que o picareta dos picaretas não sabe o que é um chão de fábrica).
Uma eventual libertação de Lula teria reflexos no cenário político tupiniquim e na maior
operação de combate à corrupção da história desta banânia, sem mencionar que o
retorno do comandante da ORCRIM
acirraria a polarização da qual emergiu Jair
Bolsonaro, com óbvias vantagens para o capitão. Com o jogo em andamento, a única
certeza que se tem é a de que Gilmar
Mendes se casou para sempre com Lula.
Quem sabe se um dia ambos não dividam a mesma cela?