terça-feira, 30 de julho de 2019

FATOS E VERSÕES NA REPÚBLICA DOS HACKEADOS

É bem possível — e até provável — que você esteja tão cheio de ler sobre este assunto quanto eu de escrever sobre ele, mas vamos lá: Todo fato tem pelo menos três versões: a sua, a minha e a verdadeira. Para não cair em contradições, convém afastar-se o mínimo possível da verdade. Mas Verdevaldo das Couves parece ter faltado à escola no dia que ensinaram essa lição. Na última sexta-feira, ao comentar no Twitter duas notícias sobre fatos que vieram à lume com a prisão do quarteto fantástico, o farsante vermelho não conseguiu decidir se seu contato inicial com o hacker que lhe passou o material roubado aconteceu antes, depois ou durante o ataque ao celular do ministro Sérgio Moro. E com a historieta publicada pela revista Veja desta semana, a versão de que a fonte era um whistleblower cai de vez por terra: a suposta mensagem publicada pela revista, repassada pelo The Intercept, mostra que o gringo intrujão sabia desde o início de que estava tratando com um criminoso. Mas a comédia de mau gosto não para por aí.

No script delirante assinado pelo trio assombro petista — Gleisi Hoffmann, Paulo Pimenta e Humberto Costa, todos políticos da melhor qualidade, cujos mandatos engrandecem nossas Casas Legislativas —, o partido dos picaretas acionou o STF e a PGR para pedir a prisão de Moro (veja aqui) e seu afastamento do Ministério da Justiça. É surreal!!!

O deputado Filipe Barros, do PSL, pagou na mesma moeda: na mesma sexta-feira o parlamentar protocolou na PGR um pedido de prisão temporária de Verdevaldo, o paladino impoluto. Segundo Barros, há fortes indícios de que o financiamento e a transmissão dos dados obtidos criminosamente colocam o dono do Intercept na posição de coautor dos crimes. Entrementes, Felipe Santa Cruz, o presidente lulista da OAB, disse à mais petista das colunistas da Folha de S. Verdevaldo que Morousa o cargo, aniquila a independência da PF e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”. Os advogados se sentem representados por esse cavalheiro?

Ainda não acabou: Em 27 de abril, Lula, em entrevista a Monica Bergamo e a Florestan Fernandes Jr, disse que Moro seria “desmascarado”. Quarenta e três dias depois, o Intercept Brasil pingou a primeira gota de seu veneno ao revelar suposta troca de mensagens entre o ex-juiz da Lava-Jato e o coordenador da força-tarefa no Paraná. Teria o picareta dos picaretas adquirido poderes paranormais ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência a maracutaia que ainda estava no forno?

Segundo o Estadão, semelhanças entre o filme em cartaz e os escândalos dos aloprados, da pasta rosa e do bunker do PT são gritantes: todos começaram com suspeitas de grandes conspirações internacionais e terminaram no quintal do vizinho — que no caso em tela acontece de ser o município paulista de Araraquara. Para quem não se lembra, o PT, quando no poder, usou e abusou da Abin para seus fins espúrios. Dilma, a inesquecível, chegou mesmo a colocar a agência de inteligência governamental para espionar o então juiz Sérgio Moro. Agora que não está mais no poder, quem não tem a Abin caça com hacker. Não fosse trágico, seria cômico.

No dia em que foram noticiadas a gravíssima invasão do celular do presidente da República e o roubo cinematográfico no aeroporto de Guarulhos, a manchete de Folha foi: “Deltan foi pago por palestra em empresa citada na Lava Jato”. No Jornal da Manhã da Jovem Pan, o acusado contou que se retirou da ação em que a empresa que o pagou tinha sido citada, mas a notícia foi mantida e reproduzida com o mesmíssimo viés e idêntico estardalhaço sensacionalista pelo Globo, levando Diogo Mainardi, d’O Antagonista, a constatar em artigo na Crusoé que “o jornalismo mancomunado com a bandidagem contamina e emporcalha todos nós”. Assino embaixo.

Em sua coluna no Estadão, o poeta, escritor e jornalista José Nêumanne recomenda esquecer essa denúncia vazia de palestra de Dallagnol ou o papo de estelionatário mequetrefe dizendo que hackeou telefones de autoridades em nome da justiça. O crime dessa quadrilha pé-de-chinelo é gravíssimo, pois ameaça as instituições democráticas e viola a privacidade dos cidadãos de bem. O duro martelo da lei deve cair sobre as cabeças dessa gentalha sem dó nem piedade.

Na mesmíssima sexta-feira, o Ministério da Justiça publicou a portaria nº 666, que dispõe sobre o “impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”. O texto cita como exemplos o terrorismo, a associação criminosa armada, o tráfico de drogas, a pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e a torcida com histórico de violência em estádios, e pode levar à deportação de Verdevaldo, o impoluto. 

Pulicada quatro dias depois da prisão dos hackers que invadiram cerca de 1000 celulares de autoridades, a medida foi criticada pelo bufão gringo, que acusa Sérgio Moro de "terrorismo". O ministro, por seu turno, afirma que as alterações feitas nas regras de imigração do País não “muda a generosidade da lei brasileira com imigrantes ou refugiados” e mantém proibida a expulsão de estrangeiros por “opinião política”, apenas permite a deportação sumária, acelerando a expulsão de suspeitos considerados perigosos.

Como bem assinalou Eliane Cantanhede em sua coluna, a realidade supera a ficção. Estamos vivendo uma sessão ininterrupta de cinema, intercalando filmes policiais, dramas e comédias pastelão, enquanto milhões de desempregados estão na rua da amargura e há uma guerrinha ideológica insana, quase infantil, entre uma esquerda acuada, deslocada da realidade, e uma direita simplória, mas ousada, cheia de si.

Quando hackers têm a audácia de violar os celulares e as conversas do presidente da República, dos presidentes da Câmara e do Senado, da PGR, de ministros do Supremo e do STJ, dos ministros da Justiça e da Fazenda, da líder do governo no Congresso, a gente começa a pensar que tudo é possível. No início das investigações, a PF tinha certeza de que o alvo era a força-tarefa da Lava-Jato. Agora, como se vê, a coisa vai muito além. 

Não se trata de uma obra de gênios da informática que atuam no ambiente internacional, nem de uma quadrilha sofisticada a serviço de governos ou grandes corporações. Ao contrário, os chefes de Poderes, as instituições, talvez as posições estratégicas e até questões sigilosas de Estado, podem, em tese, ter ficado à mercê de uma gangue cibernética de fundo de quintal. Vulnerabilidade inadmissível. 

Walter Delgatti, o “Vermelho”, que parece ser o chefe e mentor das operações criminosas, é um bandidinho com ficha policial manjada: roubo, estelionato, falsidade de documentos. Os demais movimentam volumes de dinheiro incompatíveis com suas rendas oficiais. Todos são simplórios, mas capazes de atacar o centro do poder federal e deixar muitas dúvidas. Por exemplo:  que uso Delgatti e seus comparsas poderiam fazer desse material que não vendê-lo a quem interessar pudesse? Falta descobrir esse "quem", e é exatamente nesse ponto que se misturam e se confundem perigosamente as versões. Mas ainda é cedo para tirar conclusões. 

É fato que os quatro detidos são peixes muito miúdos para serem os únicos ou mesmo os maiores responsáveis por um ataque de tal magnitude, mas ainda não dá para concluir se eles agiram por conta própria, para depois vender ou repassar o material a possíveis interessados, ou se receberam uma encomenda de grupos dispostos a botar fogo no circo, implodir as instituições. A PF está apurando se eles venderam essas informações e com qual motivação. Uma coisa é clara: eles não iam fazer isto de graça. E não fizeram, tanto que aparece dinheiro. O chefe do grupo disse que sua intenção era vender as informações hackeadas para o PT.

Também é fato que Brasília está de pernas para o ar e, até a conclusão das investigações, espera-se um festival de versões e acusações mútuas. Estamos em plena república dos hackeados. Salve-se quem puder.