Pela lógica, Pierre
Omidyar, o engenheiro que criou ouro puro ao desenhar o site de leilões
eBay, deveria estar do lado de Sérgio
Moro e de todos os brasileiros engajados no combate ao veneno cruel da
corrupção.
O bilionário americano nascido em Paris de pais iranianos
quer fazer o bem, segundo seus propósitos declarados. E tem 13 bilhões de
dólares para bancar seus desejos, aparentemente contraditórios.
Pierre detesta aparecer, mas é um pouquinho vaidoso — usa uma foto de muitos anos atrás no Twitter. E deu o próprio nome a uma das organizações mais importantes que criou, a Omidyar Network.
É ambicioso também: através da “rede global de inovadores, empreendedores, tecnologistas, militantes, investidores, ativistas e organizações comprometidas em enfrentar os assuntos mais prementes de nosso tempo”, pretende mudar o mundo influenciando em áreas importantes.
Segue quatro “imperativos estratégicos”: reimaginar o capitalismo, melhorar a vida de quem precisa através da “tecnologia benéfica”, identificar assuntos emergentes que moldarão o futuro e expandir a capacidade humana.
Quem fala em “reimaginar” o capitalismo já está fora do debate dos adultos. Exceto, claro, se tiver 13 bilhões de dólares.
Pierre detesta aparecer, mas é um pouquinho vaidoso — usa uma foto de muitos anos atrás no Twitter. E deu o próprio nome a uma das organizações mais importantes que criou, a Omidyar Network.
É ambicioso também: através da “rede global de inovadores, empreendedores, tecnologistas, militantes, investidores, ativistas e organizações comprometidas em enfrentar os assuntos mais prementes de nosso tempo”, pretende mudar o mundo influenciando em áreas importantes.
Segue quatro “imperativos estratégicos”: reimaginar o capitalismo, melhorar a vida de quem precisa através da “tecnologia benéfica”, identificar assuntos emergentes que moldarão o futuro e expandir a capacidade humana.
Quem fala em “reimaginar” o capitalismo já está fora do debate dos adultos. Exceto, claro, se tiver 13 bilhões de dólares.
A linguagem meio infantilizada das organizações bancadas
pelo bilionário é meio new age por um bom motivo: Omidyar, nascido com o nome persa de Parvaz, é da escola californiana de budismo, provavelmente por influência
da mulher, Pamela Kerr. Obviamente,
não um budista qualquer. Omidyar
banca viagens, palestras e outras atividades do Dalai Lama.
O nome foi afrancesado para Pierre porque ele nasceu em Paris, onde os pais foram estudar. O
pai seguiu carreira como cirurgião e a mãe como pesquisadora de linguística.
Separaram-se depois que se mudaram para os Estados Unidos.
A influência global de Omidyar
tem diferentes ramos. O jornalístico é o que mais interessa aqui. Como George Soros, ele contribui para
diversos sites e organizações com profissionais de alto nível , jornalistas,
ativistas ou ambos, para disseminar suas ideias.
Mas, ao contrário do americano de origem húngara,
financiador de causas chamadas progressistas, como a liberação das drogas e a
reforma penal em favor de criminosos, sem contar a eleição de políticos
simpáticos a elas, Omidyar participa
diretamente de projetos jornalísticos próprios.
O alinhamento ideológico também não é tão claro quanto o de
Soros. Omidyar já foi acusado de
neoliberal, um dos xingamentos máximos na escala esquerdista, e de agir em
conluio com a inteligência americana na época das convulsões na Ucrânia.
Também não desfruta de boa reputação nos meios bancados pela
Rússia, como a RT (ex-Russian TV) e o site Sputnik. Ambos são bons sinalizadores
ideológicos: incentivam todo e qualquer tipo de antiamericanismo, o que de
imediato esclarece o posicionamento dos “players”.
Na RT, em
fevereiro passado, ele foi descrito como “grande patrocinador da mudança de
regime” – expressão que significa interferência política em países que a Rússia
quer para sua esfera de influência, desde a Ucrânia até a Síria.
A reportagem cita um obscuro site de Minnesota chamado MintPress, financiado pela família
palestina de origem jordaniana Muhawesh.
Estranhamente, para um órgão que defende a Síria de Bashar Assad e a Venezuela
de Nicolás Maduro, a série de reportagens do site sobre Omidyar é boa, uma vez eliminado o viés ideológico.
O mais interessante é o gráfico sobre a rede de Omidyar. Um dos nódulos é a Luminate, organização-mãe das
atividades filantrópicas que incluem o Poynter
Institute (faculdade de jornalismo na Flórida, proprietária do jornal Tampa Bay), Bellingcat (um site investigativo que, ao contrário do Intercept, ao qual chegaremos em breve,
dá uma canseira nos russos) e o Consórcio
Nacional de Repórteres Investigativos (conhecido pela divulgação dos Panama Papers).
Apesar da bem sucedida tática de não aparecer, é fato
conhecido que Omidyar “viu a luz”
quando o operador de inteligência Edward
Snowden divulgou a esmagadora quantidades de dados desviados da NSA, a agência americana de espionagem
virtual. Ficou abalado, ironicamente, com os riscos para a privacidade dos
cidadãos — totais, por sinal: não existe quem não possa ser invadido por
operadores estatais, criminosos supranacionais, hackers, crackers e até o filho
da vizinha que passa o dia inteiro sentado na frente do computador.
Pensou em comprar o Washington
Post, mas foi batido pelo dez vezes mais rico Jeff Bezos. Em lugar disso, criou a First Look Media, o guarda-chuva do Intercept. Contratou jornalistas conhecidos, como Glenn Greenwald (ex-Guardian, jornal que também recebe
patrocínio de Omidyar e lá ganhou um
Pulitzer pelas reportagens sobre o
gigantesco vazamento), Laura Poitras
(diretora do documentário sobre Snowden)
e Jeremy Scahill (ex-The Nation).
“Podemos nos dar ao luxo de fazer uma coisa diferente porque
temos por trás um tipo de apoio com recursos infinitos”, disse Greenwald à revista New
York para uma reportagem sobre Omidyar. Mesmo depois da criação do site, Greenwald nunca tinha se encontrado
pessoalmente com o misterioso Omidyar,
embora o considerasse o tipo de “bilionário normal e amigável” antes de ser
abalado pelo caso Snowden.
É nessa reportagem que aparece a “conversão” do dono do eBay. Obamista apaixonado e grande contribuidor da Fundação Clinton, ele mudou de lado. Supostamente, mas a tal ponto
que todas as informações roubadas por Snowden,
asilado na Rússia para não ser preso e julgado por espionagem nos Estados
Unidos, hoje estão sob o guarda-chuva de Omidyar.
Imaginem o poder que um cofre dessas dimensões dá a um único
homem, protegido pela fortuna que fez aos 31 anos e movido pela missão de mudar
o mundo.
Quando foi lançado, o Intercept era essencialmente voltado
contra os órgãos de inteligência dos Estados Unidos. Greenwald ficou mais conhecido nos Estados Unidos depois que Donald Trump foi eleito e oposição
democrata, espicaçada pela maioria dos órgãos de imprensa, passou a atribuir a
sua vitória a algum tipo de conspiração com os russos.
Ao assumir com brilhante agressividade a narrativa
contrária, Greenwald virou uma
espécie de herói da direita trumpista. Substituiu as entrevistas a programas
“progressistas” de canais a cabo, dadas de terno, gravata e bermudas quando
estava no Rio, por entrevistas à Fox
News, considerada a besta-fera pela esquerda, e similares.
Uma breve interrupção: Omidyar,
seu financiador, também bancou um ramo da direita antitrumpista representada
por Bill Kristol. No seu site sobre
jornalismo, um projeto da Vox Media
chamado The Coral Project (“Como os
corais, criamos as estruturas para permitir às comunidades prosperar”, é a
definição new age), a missão é descrita assim: “Aumentar a confiança do púbico
no jornalismo, aperfeiçoar a diversidade de vozes e experiências nas
reportagens, fortalecer o jornalismo tornando-o mais relevante na vida das
pessoas, criar um diálogo online mais seguro e produtivo”.
Pois é, um sujeito que usa esse tipo de linguagem é o
financiador do Intercept, cujas reportagens sobre mensagens vazadas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol recorrem, só para dar um exemplo da militância, a
termos assim: “Os diálogos revelados pelo Intercept mostram que a Lava-Jato desfilava como uma deusa
grega da ética na sociedade, mas atuava à margem da lei na alcova”. “O processo
foi corrompido, comprometendo o julgamento das instâncias superiores. Qualquer
interpretação diferente dessa está fadada ao ridículo e cairá na lata de lixo
da história.”
O que Omidyar
acharia disso como exemplo de texto que contribui para “fortalecer o
jornalismo” e aumentar a confiança do público?
São atividades jornalísticas completamente diferentes
divulgar mensagens vazadas, mesmo que tenham origem criminosa, e fazer campanha
declarada e cerrada contra Moro e Dallagnol, com o objetivo de anular
julgamentos de conhecidos condenados.
Sem falar nos conflitos de interesses. Como o Intercept cobriria, com os recursos
infinitos propiciados por Omidyar,
vazamentos comprometedores para o PT
e o PSOL feitos pelo marido
jornalista de um deputado do PSL? Tendo
o mesmo deputado chegado ao cargo como suplente, via saída do país do titular
por medo de ameaças de morte?
E será que Omidyar
dorme o sono dos justos em sua casa encantada numa praia no Havaí sabendo da
contribuição ativa que está dando para a impunidade dos responsáveis por uma
rede de corrupção que se espalhou do Brasil para países vizinhos, sugando os
recursos dos mesmos pobres de sempre?
“Vocês devem ter notado que gosto de voar abaixo do radar”,
já disse o bilionário sobre sua aversão a aparecer. A turma que ele está
ajudando também gostava.
Texto de Vilma Gryzinski.
Para concluir:
Para concluir: