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domingo, 7 de julho de 2019

O ESTRANHO BILIONÁRIO QUE FINANCIA OS ATAQUES CONTRA MORO



Pela lógica, Pierre Omidyar, o engenheiro que criou ouro puro ao desenhar o site de leilões eBay, deveria estar do lado de Sérgio Moro e de todos os brasileiros engajados no combate ao veneno cruel da corrupção.

O bilionário americano nascido em Paris de pais iranianos quer fazer o bem, segundo seus propósitos declarados. E tem 13 bilhões de dólares para bancar seus desejos, aparentemente contraditórios.

Pierre detesta aparecer, mas é um pouquinho vaidoso — usa uma foto de muitos anos atrás no Twitter. E deu o próprio nome a uma das organizações mais importantes que criou, a Omidyar Network.

É ambicioso também: através da “rede global de inovadores, empreendedores, tecnologistas, militantes, investidores, ativistas e organizações comprometidas em enfrentar os assuntos mais prementes de nosso tempo”, pretende mudar o mundo influenciando em áreas importantes.

Segue quatro “imperativos estratégicos”: reimaginar o capitalismo, melhorar a vida de quem precisa através da “tecnologia benéfica”, identificar assuntos emergentes que moldarão o futuro e expandir a capacidade humana.

Quem fala em “reimaginar” o capitalismo já está fora do debate dos adultos. Exceto, claro, se tiver 13 bilhões de dólares.

A linguagem meio infantilizada das organizações bancadas pelo bilionário é meio new age por um bom motivo: Omidyar, nascido com o nome persa de Parvaz, é da escola californiana de budismo, provavelmente por influência da mulher, Pamela Kerr. Obviamente, não um budista qualquer. Omidyar banca viagens, palestras e outras atividades do Dalai Lama.

O nome foi afrancesado para Pierre porque ele nasceu em Paris, onde os pais foram estudar. O pai seguiu carreira como cirurgião e a mãe como pesquisadora de linguística. Separaram-se depois que se mudaram para os Estados Unidos.

A influência global de Omidyar tem diferentes ramos. O jornalístico é o que mais interessa aqui. Como George Soros, ele contribui para diversos sites e organizações com profissionais de alto nível , jornalistas, ativistas ou ambos, para disseminar suas ideias.

Mas, ao contrário do americano de origem húngara, financiador de causas chamadas progressistas, como a liberação das drogas e a reforma penal em favor de criminosos, sem contar a eleição de políticos simpáticos a elas, Omidyar participa diretamente de projetos jornalísticos próprios.

O alinhamento ideológico também não é tão claro quanto o de Soros. Omidyar já foi acusado de neoliberal, um dos xingamentos máximos na escala esquerdista, e de agir em conluio com a inteligência americana na época das convulsões na Ucrânia.

Também não desfruta de boa reputação nos meios bancados pela Rússia, como a RT (ex-Russian TV) e o site Sputnik. Ambos são bons sinalizadores ideológicos: incentivam todo e qualquer tipo de antiamericanismo, o que de imediato esclarece o posicionamento dos “players”.

Na RT, em fevereiro passado, ele foi descrito como “grande patrocinador da mudança de regime” – expressão que significa interferência política em países que a Rússia quer para sua esfera de influência, desde a Ucrânia até a Síria.

A reportagem cita um obscuro site de Minnesota chamado MintPress, financiado pela família palestina de origem jordaniana Muhawesh. Estranhamente, para um órgão que defende a Síria de Bashar Assad e a Venezuela de Nicolás Maduro, a série de reportagens do site sobre Omidyar é boa, uma vez eliminado o viés ideológico.

O mais interessante é o gráfico sobre a rede de Omidyar. Um dos nódulos é a Luminate, organização-mãe das atividades filantrópicas que incluem o Poynter Institute (faculdade de jornalismo na Flórida, proprietária do jornal Tampa Bay), Bellingcat (um site investigativo que, ao contrário do Intercept, ao qual chegaremos em breve, dá uma canseira nos russos) e o Consórcio Nacional de Repórteres Investigativos (conhecido pela divulgação dos Panama Papers).

Apesar da bem sucedida tática de não aparecer, é fato conhecido que Omidyar “viu a luz” quando o operador de inteligência Edward Snowden divulgou a esmagadora quantidades de dados desviados da NSA, a agência americana de espionagem virtual. Ficou abalado, ironicamente, com os riscos para a privacidade dos cidadãos — totais, por sinal: não existe quem não possa ser invadido por operadores estatais, criminosos supranacionais, hackers, crackers e até o filho da vizinha que passa o dia inteiro sentado na frente do computador.

Pensou em comprar o Washington Post, mas foi batido pelo dez vezes mais rico Jeff Bezos. Em lugar disso, criou a First Look Media, o guarda-chuva do Intercept. Contratou jornalistas conhecidos, como Glenn Greenwald (ex-Guardian, jornal que também recebe patrocínio de Omidyar e lá ganhou um Pulitzer pelas reportagens sobre o gigantesco vazamento), Laura Poitras (diretora do documentário sobre Snowden) e Jeremy Scahill (ex-The Nation).

“Podemos nos dar ao luxo de fazer uma coisa diferente porque temos por trás um tipo de apoio com recursos infinitos”, disse Greenwald à revista New York para uma reportagem sobre Omidyar. Mesmo depois da criação do site, Greenwald nunca tinha se encontrado pessoalmente com o misterioso Omidyar, embora o considerasse o tipo de “bilionário normal e amigável” antes de ser abalado pelo caso Snowden.

É nessa reportagem que aparece a “conversão” do dono do eBay. Obamista apaixonado e grande contribuidor da Fundação Clinton, ele mudou de lado. Supostamente, mas a tal ponto que todas as informações roubadas por Snowden, asilado na Rússia para não ser preso e julgado por espionagem nos Estados Unidos, hoje estão sob o guarda-chuva de Omidyar.
Imaginem o poder que um cofre dessas dimensões dá a um único homem, protegido pela fortuna que fez aos 31 anos e movido pela missão de mudar o mundo.

Quando foi lançado, o Intercept era essencialmente voltado contra os órgãos de inteligência dos Estados Unidos. Greenwald ficou mais conhecido nos Estados Unidos depois que Donald Trump foi eleito e oposição democrata, espicaçada pela maioria dos órgãos de imprensa, passou a atribuir a sua vitória a algum tipo de conspiração com os russos.

Ao assumir com brilhante agressividade a narrativa contrária, Greenwald virou uma espécie de herói da direita trumpista. Substituiu as entrevistas a programas “progressistas” de canais a cabo, dadas de terno, gravata e bermudas quando estava no Rio, por entrevistas à Fox News, considerada a besta-fera pela esquerda, e similares.

Uma breve interrupção: Omidyar, seu financiador, também bancou um ramo da direita antitrumpista representada por Bill Kristol. No seu site sobre jornalismo, um projeto da Vox Media chamado The Coral Project (“Como os corais, criamos as estruturas para permitir às comunidades prosperar”, é a definição new age), a missão é descrita assim: “Aumentar a confiança do púbico no jornalismo, aperfeiçoar a diversidade de vozes e experiências nas reportagens, fortalecer o jornalismo tornando-o mais relevante na vida das pessoas, criar um diálogo online mais seguro e produtivo”.

Pois é, um sujeito que usa esse tipo de linguagem é o financiador do Intercept, cujas reportagens sobre mensagens vazadas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol recorrem, só para dar um exemplo da militância, a termos assim: “Os diálogos revelados pelo Intercept mostram que a Lava-Jato desfilava como uma deusa grega da ética na sociedade, mas atuava à margem da lei na alcova”. “O processo foi corrompido, comprometendo o julgamento das instâncias superiores. Qualquer interpretação diferente dessa está fadada ao ridículo e cairá na lata de lixo da história.”

O que Omidyar acharia disso como exemplo de texto que contribui para “fortalecer o jornalismo” e aumentar a confiança do público?

São atividades jornalísticas completamente diferentes divulgar mensagens vazadas, mesmo que tenham origem criminosa, e fazer campanha declarada e cerrada contra Moro e Dallagnol, com o objetivo de anular julgamentos de conhecidos condenados.

Sem falar nos conflitos de interesses. Como o Intercept cobriria, com os recursos infinitos propiciados por Omidyar, vazamentos comprometedores para o PT e o PSOL feitos pelo marido jornalista de um deputado do PSL? Tendo o mesmo deputado chegado ao cargo como suplente, via saída do país do titular por medo de ameaças de morte?

E será que Omidyar dorme o sono dos justos em sua casa encantada numa praia no Havaí sabendo da contribuição ativa que está dando para a impunidade dos responsáveis por uma rede de corrupção que se espalhou do Brasil para países vizinhos, sugando os recursos dos mesmos pobres de sempre?

“Vocês devem ter notado que gosto de voar abaixo do radar”, já disse o bilionário sobre sua aversão a aparecer. A turma que ele está ajudando também gostava.

Texto de Vilma Gryzinski.

Para concluir: