Foi lamentável a maneira como o presidente Jair Bolsonaro tratou a questão do desaparecimento do pai de Felipe Santa Cruz, que agora
pretende recorrer ao STF para “obter
esclarecimentos” — como se nossa mais alta corte não tivesse nada mais importante
para fazer do que se debruçar sobre as picuinhas do chefe do Executivo e as polêmicas
geradas por seus pronunciamentos intempestivos. A declaração foi dada quando o capitão
reclamava da OAB — órgão do qual Felipe é presidente nacional — na investigação do
caso de Adélio Bispo, o lunático
inimputável: "Por que a OAB impediu
que a PF entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual
a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", perguntou o presidente.
A coisa ficou pior depois que Bolsonaro, numa livre gravada na tarde de segunda-feira enquanto
cortava o cabelo, apresentou uma versão dos fatos
que colide frontalmente com a da Comissão
da Verdade. Na manhã de ontem, após um café da manhã no Alvorada com Rodrigo Maia, o presidente se dirigiu
aos jornalistas nos seguintes termos: “Vocês acreditam em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da
comissão da verdade, foram 7 pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”. Questionado
sobre a ação no STF iniciada por Santa Cruz, o presidente disse que é
“direito dele”. E Falou ainda que não tem documentos que embasem o que comentou
na última segunda feira: “O que eu sei é
o que eu falei pra vocês. Não tem nada escrito, que foi isso ou foi aquilo… Meu
sentimento era esse. Agora, você pode ver, a OAB não quer que se chegue aos
mandantes da tentativa de homicídio minha”.
Dias antes, ao se manifestar sobre a portaria nº 666 do Ministério
da Justiça e Segurança Pública — segundo a qual indivíduos envolvidos em atos
de terrorismo, associação criminosa armada que tenha armas à disposição,
tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual
infanto-juvenil e até torcidas de futebol com histórico de violência em estádios
podem ser sumariamente deportadas —, o presidente negou que fosse algum tipo de
retaliação, até porque a medida não atinge o criador do site panfletário
proselitista The Intercept Brasil,
mas, ainda segundo o presidente, Greenwald
poderia “pegar uma cana aqui mesmo”.
A conclusão é uma só: diga Bolsonaro o que disser, sempre haverá polêmica.
Sobre a Vaza-Jato,
a atuação espúria do site panfletário e seus associados, que vêm divulgando a
conta-gotas supostos diálogos mantidos entre Moro e Dallagnol, e
entre este e outros procuradores da Lava-Jato,
salta aos olhos tratar-se de uma edição claramente tendenciosa, repleta de
ilações feitas a partir de trechos retirados do contexto com o nítido propósito
de anular processos e ajudar a libertar o picareta dos picaretas.
Lamentavelmente, alguns juristas se respaldam na hermenêutica para agregar à
previsão constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar suas
fontes o condão de acobertar criminosos. Mas num país em que 7% da população (cerca
de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se poderia
mesmo esperar que o exercício intelectual fosse o esporte nacional.
Igualmente fantasiosa me parece a hipótese de Walter Delgatti Neto, tido como o chefe
da quadrilha que invadiu quase 1000 telefones, a maioria dos quais pertencente
a membros da mais alta cúpula deste projeto de banânia, ter agido de moto próprio
e cedido graciosamente o produto do crime ao manipulador do conta-gotas mais
temido do Brasil. Nem mesmo a finada Velhinha
de Taubaté acreditaria em tamanha falácia (refiro-me à personagem criada
por Luiz Fernando Veríssimo durante
o governo os anos de chumbo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade
de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares).
Resta saber se, uma vez comprovada a suspeita de que o
hacker foi pago pelo trabalho (segundo um integrante do grupo, a ideia era
vender o material ao PT), Verdevaldo foi cúmplice ou apenas
cometeu um “antiético”. Seja como for, a motivação política ficou evidente quando
veio à tona que Manuela D’Ávila, ex-candidata
a vice pelo PCdoB na chapa do
bonifrate de Lula em 2018, serviu de
intermediária entre Delgatti e o
site The Intercept. E tudo indica que
o gringo trastejão já estava de posse do material quando entrevistou Lula na prisão. Na entrevista que deu a Monica Bergamo, da Folha, e Florestan
Fernandes Jr, do El Pais, o petista
disse que Moro, Dallagnol e sua turma seriam
“desmascarados”, e semanas depois o Intercept
pingou a primeira gota do seu veneno. Teria o molusco eneadáctilo se tornado
clarividente devido à abstinência alcoólica ou será que um passarinho lhe
revelou com antecedência o caminhão de merda que Verdevaldo tencionava despejar?
Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”
Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”
Em sua coluna n’O
Globo, Merval Pereira especula
se nas conversas de Dallagnol com
outros procuradores, ou mesmo com Sérgio Moro, não havia um espaço para troca
de informações sobre outros casos da Lava-Jato que não os relacionados a Lula? Delgatti disse também que entrou nas conversas sobre a Operação Greenfield em Brasília, que
apura desvios em fundos de pensão. Pelo seu relato, não encontrou nada de
ilegal nas conversas, por isso não se interessou. Que estelionatário mais
preparado, esse, que sabe onde há supostas irregularidades processuais e onde
não há!
Voltando ao presidente, o que se vê é Bolsonaro sendo Bolsonaro.
E isso dificilmente irá mudar. Depois de seis meses no cargo, o capitão ainda
age como se estivesse em campanha, dando declarações “de palanque” endereçadas
a sua base de apoiadores (os “bolsomínions”), conquanto devesse atuar em prol
do restabelecimento da paz e se empenhar na aprovação de medidas que revertam a
dura recessão que o país amarga desde a reeleição da nefelibata da mandioca. Aceitemos,
se não de bom grado, ao menos com esforço de tolerância, que ele fale aos
seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas
pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade
de afastar o PT do poder.
É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles”
de Lula, mas exitoso: seu
eleitor de raiz está firme.
Segundo Dora Kramer,
dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar o presidente
por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais
antes de apresentá-los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de
sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado
pela cientista política Luciana
Veiga. Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula — a ponto de serem celebradas suas
exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política —, a cientista
pontuava: “O presidente usa argumentos
que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam
se cotejados com a precisão da realidade. Ele tem gosto especial por temas de menor relevância”.
À época, Luciana foi
ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a
ouvem a respeito do jeito Bolsonaro
de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise
sobre Lula. A tal da quase
lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria. No
caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões
pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo
e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.
Um exemplo é a indicação de zero três para a embaixada
em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à
carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado que muitos
especulam se a ideia vai prosperar — eu acho que vai, porque Trump não se oporá à escolha, e o mesmo deverá acontecer (por motivos diversos, naturalmente) com os senadores que submeterão "o garoto" à sabatina de praxe, mesmo que o maior destaque em seu currículo seja
ter fritado hambúrgueres numa lanchonete da rede Popeyes, que serve frango frito. A pergunta
que não quer calar é: por que semear conflito justamente quando o governo
deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara?
Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.
Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não
mereça a atenção de Jair Bolsonaro.
Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no
modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo
temos a transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, o
pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a
obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a
Argentina.
Nada disso vai adiante, como não irão as ideias de
transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de
Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há
necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está
permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.