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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A INDECÊNCIA QUE POSA DE INOCÊNCIA



Legislativo e Judiciário já estão em clima de recesso de final de ano — o que é no mínimo imoral: considerando a situação que o país atravessa, deixar para fevereiro assuntos de grande relevância, como as reformas pós-Previdência e a autorização para a prisão de condenados em segunda instância, é uma irresponsabilidade. Mas incluir no Orçamento a proposta aprovada pela Comissão Mista do Congresso, que aumenta consideravelmente o valor do fundão eleitoral em relação ao ano passado, é cuspir na cara do contribuinte tupiniquim, que é obrigado a sustentar calado essa verdadeira farra do boi.

Chegou-se a cogitar um valor de quase R$ 4 bilhões para financiar as campanhas eleitorais no ano que vem, mas, diante da indignação popular, suas insolências valeram-se do velho truque do bode, reduzindo a mordida R$ 2,5 bilhões. Assim, lucrariam meio bilhão de reais e confirmariam que enxergam no povo brasileiro um bando de idiotas. Ao final, o texto que foi aprovado noite de ontem destina R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral, prevê R$ 1.031 para o salário mínimo e estima em até R$ 124 bilhões o déficit das contas públicas.

Nunca é demais lembrar que uma coisa é viabilizar eleições e outra, bem diferente, é sustentar partidos e respectivos candidatos.

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O cangaceiro das Alagoas sonha em ver na cadeia o procurador federal Deltan Dallagnol. Renan, um prontuário ambulante disfarçado de parlamentar, é estimulado pela simpatia dissimulada de um bando de colegas de Dallagnol, pela omissão covarde de cardeais do MPF e pelo apoio ostensivo da bancada suprapartidária dos cafajestes. Mas a prisão do coordenador da Lava-Jato no Paraná é tão viável quanto a substituição do Exército por tropas de cangaceiros chefiados por Fernando Collor.

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Sobre a investigação de Lulinha pela Lava-Jato, disse Lulão: “O espetáculo produzido pela Força Tarefa da Lava Jato é mais uma demonstração da pirotecnia de procuradores viciados em holofotes que, sem responsabilidade, recorrem a malabarismos no esforço de me atingir, perseguindo, ilegalmente, meus filhos e minha família”. Na versão do picareta dos picaretas, foi por coincidência que a Oi, amparada no critério da meritocracia, doou mais de 130 milhões de reais ao "Ronaldinho dos Negócios" pouco antes de seu papai presidente ter assinado o decreto que permitia à empresa fazer exatamente o que queria.

Um e-mail de 13 de novembro de 2007, incluído pela Lava-Jato na representação que fundamentou as buscas da operação da semana passada, revela muito sobre como funcionava a rede de proteção que mantinha — não com muito sucesso, diga-se — a vida de luxos de Fábio Luís Lula da Silva no anonimato. Em mensagem batizada de “Mocó dos Pica-Pau”, endereçada a Kalil Bittar e Jonas Suassuna, o "menino de ouro", preocupado com o apartamento que estava prestes a alugar em São Paulo por R$ 7 mil reais, pede que todas as contas relacionadas ao imóvel sejam registradas no nome da Gol, empresa de Jonas Suassuna

Para justificar o repasse, Lulinha usa os porteiros do prédio: “Como eu disse ao Jonas, na semana passada, acho ruim tudo relacionado ao apartamento ficar em meu nome. Não é nada demais, mesmo porque eu atualmente tenho condições de arcar com os custos do mesmo, mas quando as contas começam a chegar em meu nome, em menos de uma semana os porteiros se comunicam, que contam para as empregadas, que contam para os vizinhos, que estudam em frente, que contam para deus e o mundo, ou seja, vai ser um inferno”. Na mesma mensagem, o ex-catador de bosta de elefante deixa claro que “o Jonas concordou comigo que podemos fazer tudo em nome da Gol”.

A Lava-Jato separa um capítulo da investigação para detalhar quantas mordomias semelhantes ao apartamento foram bancadas pelo sócio de Lulinha. Compras de toda natureza estão listadas na investigação. “A percepção de benefícios por Fábio Luís, assumidos e pagos por Jonas Suassuna, remonta o ano 2007. E-mails apreendidos comprovam que desde esta época Jonas, com o auxílio de Kalil Bittar, foi responsável por custear despesas de locação em imóvel ocupado por Fábio Luís, da ordem de 7.000 reais por mês”, registram os investigadores. A mensagem, por reveladora, mostra que Lulinha só conseguiu dinheiro depois do milagre da Gamecorp. Mostra também que não era só Lula que usava amigos para esconder a vida de bacana em São Paulo.

Observação: A PF chegou a pedir, em representação que culminou na Operação Mapa da Mina, fase 69 da Lava Jato, a prisão temporária de Lulinha e dos empresários Kalil Bittar e Jonas Suassuna, sócios do grupo Gamecorp/Gol. O documento foi apresentado à 13.ª Vara Federal do Paraná em junho de 2018, mas só foi analisado pela juíza substituta Gabriela Hardt em setembro passado, após manifestação do MPF. Hardt negou o pedido, levando em consideração o tempo decorrido desde a representação e também acolhendo o parecer da força-tarefa no Paraná, de que não havia necessidade de decretação de reclusão dos investigados. Curiosamente, a mídia "cumpanhêra" não fez alarde dessa decisão, ao contrário do que fez quando o TRF-4 anulou uma sentença em que a magistrada reproduziu, como se fossem seus, argumentos do MPF, copiando peça processual sem indicação da fonte (note que essa decisão não remete a processo da Lava-Jato).
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Por último, mas não menos afrontoso: Felipe Santa Cruz — que também parece ter especial predileção por menosprezar a inteligência alheia — saiu-se com a seguinte pérola: “Estou convencido e vou falar uma coisa dura: quem segue apoiando o governo é porque tem algum desvio de caráter”. Na valiosa opinião do presidente da OAB, só não tem desvio de caráter quem, como ele próprio, segue apoiando Lula, Dilma e o resto da quadrilha que saqueou o país por 13 anos consecutivos.

sábado, 3 de agosto de 2019

O DESTEMPERO BOLSONARIANO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


A Justiça Federal do DF decidiu converter em preventivas as prisões temporárias dos quatro suspeitos de envolvimento na invasão de celulares de autoridades, que estão presos desde a semana passada, quando a PF deflagrou a Operação Spoofing. A propósito, o chefe do bando, Walter Delgatti Neto, é réu por ter aplicado um golpe de R$ 623 mil no Itaú, em 2017, quando desbloqueou 44 cartões de crédito para fazer compras. Mas ele garante que hackeou autoridades e jornalistas de graça, por patriotismo e senso de justiça. Como disse Millôr Fernandes, “desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal”.

Nem a Velhinha de Taubaté para acreditar nessa falácia, no patriotismo de Verdevaldo, na honestidade de Lula e na ponte que partiu toda essa cambada de fidumas. Dito isso, segue o baile:

Dizia Ricardo Boechat que se pode morrer de várias maneiras no jornalismo, menos de tédio. Com efeito. É impossível fugir a essa dura realidade. Sobretudo quando se escreve sobre o cenário político nacional: você nem bem termina de redigir um artigo e novos acontecimentos já o transformam em matéria vencida.

Depois da posse do presidente em meio à novela do caso Queiroz, o rompimento da barragem do Córrego de Feijão desviou o foco da mídia. Na sequência, para ficar somente nos casos mais notórios, vieram o incêndio do Ninho do Urubua exoneração de Gustavo Bebiannoo escândalo escatológico do Golden Showera denúncia de estupro apresentada por Najila Trindade contra Neymar Cai-Cai — que deu em nada; o jogador não será indiciado e a suposta vítima pode responder por crime de denunciação caluniosa — a Vaza-Jato de Verdevaldo e a escolha de zero três para ocupar a Embaixada do Brasil nos EUA, sem mencionar toda sorte de crises geradas pela guerra de egos entre Bolsonaro e Rodrigo Maia durante a claudicante tramitação da PEC Previdenciária e de um sem-número de pronunciamentos infelizes do capitão, que ainda age como se estivesse em plena campanha eleitoral.

Ter um presidente sem tramela, mordaça ou “freio de arrumação” é um teste para nossa incipiente democracia (a mordaça é sugestão do ministro Marco Aurélio, que bem poderia tomar ele próprio uma colherada desse remédio). Mas esperar que Bolsonaro mude sua natureza é o mesmo que acreditar na Fada do Dente ou na inocência de Lula. Nem a finada Velhinha de Taubaté!

A maneira “desrespeitosa” com que o capitão tratou o “desaparecimento” do ativista político Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente lulista da OAB — que não é flor que se cheire, quando mais não seja por ter dito em entrevista à Folha de S. Verdevaldo que “Sergio Moro usa o cargo, aniquila a independência da PF e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”, além de injuriar uma colega advogada insinuando que ela é uma “prostituta”, assim como a mãe de tantos outros colegas de profissão — continua dando pano pra manga. E o mesmo se aplica à resposta dada a jornalistas por Bolsonaro ao ser perguntado sobre a chacina no Centro de Recuperação Prisional de Altamira, no Pará “Perguntem às vítimas dos que morreram lá o que elas acham e depois eu respondo”.

Feitos por cidadãos comuns num balcão do boteco, comentários como esses seriam toleráveis, mas são indesculpáveis quando vêm de um presidente da República (qualquer que seja ele). Pode-se dizer que o capitão se espelha em Trump, e que suas frases destemperadas o aproximam dos bolsominions. Porém, ao fazer como Lula e o PT, cujas narrativas são direcionadas à patuleia que segue cegamente a seita do inferno (e, portanto, não precisa ser convencida de nada), Bolsonaro frustra milhões de eleitores que votaram nele justamente para evitar o retorno dessa caterva ao poder. As reformas estruturais, fundamentais para um recomeço de crescimento econômico, não podem ficar ameaçadas por arroubos personalistas de quem continua no palanque, obcecado por destruir adversários reais ou imaginários.

Ainda que a linguagem do capitão não seja exatamente “presidencial”, não se pode perder de vista que o sistema prisional tupiniquim está falido. Em sua fala, Bolsonaro foi na contramão da “criminolatria”, hoje tão em moda no Brasil, onde o foco do sistema penitenciário é o relaxamento de prisões, o abrandamento das penas e a “ressocialização” dos criminosos. Os presídios se transformaram e universidades do crime, onde entram batedores de carteira e saem assaltantes, latrocidas, estupradores ou coisa pior.

O ex-ministro Raul Jungmann já havia feito esse diagnóstico, e Moro vem se empenhando em reverter o quadro com seu pacote de medidas anticrime, mas a banda podre do Congresso e do Judiciário se aliam a criminalistas “garantistas” visando criminalizar o ex-juiz da Lava-Jato e os integrantes da força-tarefa, bem como buscar artimanhas legais para devolver à liberdade o ex-presidente criminoso que, nunca é demais lembrar, está preso há quase 16 meses e deve ser condenado novamente numa das sete ações penais em que é réu e ainda não foi julgado. Mas isso é conversa para outra hora.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O BOLSORROTO E O PETRALHA ABJETO


Há meio ano na Presidência, Bolsonaro repete fantasias de militância de extrema direita no baixo clero da Câmara, esquecendo os deveres do cargo e semeando (e favorecendo) inimigos. Agora, ao provocar o presidente nacional da OABFelipe Santa Cruz (detalhes na postagem anterior), o capitão perdeu mais uma excelente oportunidade de suster a metralhadora giratória que o transforma num boquirroto (ou Bolsorroto, de acordo com o jornalista José Nêumanne).

A OAB, hoje, não passa de um sindicato de advogados abonados, e seu presidente, de um militante do PT que não ganhou eleição nem para vereador no Rio. Mas a polêmica gerada pelo pronunciamento intempestivo do capitão, segundo o qual Fernando Santa Cruz — pai de Felipe e militante da Ação Popular Marxista-Leninista — teria sido “justiçado” pelos companheiros da Ação Popular (AP), e não morto pela repressão, como reconhece atestado de óbito, transformou o presidente da entidade retrocitada em mais um herói da liberdade e da resistência à ditadura.

Observação: Santa Cruz protocolou no Supremo uma interpelação judicial para que Bolsonaro explique suas declarações. Essa medida visa esclarecer se o que o interpelado disse é ou não ofensivo, o que pode gerar uma ação de crime contra honra. Mesmo que seja notificado, o presidente não é obrigado a responder; caso não o faça, o Tribunal dá conta disso ao interpelante, que decide se entra ou não com a ação.

Na manhã de terça-feira, questionado sobre o a execução de 57 detentos no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no sudoeste do Pará, decorrente de uma briga entre facções, o capitão afirmou: "Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que elas acham. Depois eu falo com vocês".

Em meio a polêmicas absurdas, tais como a nomeação do filho caçula para a embaixada em Washington e o tour de helicóptero de parentes por ocasião do casamento do pimpolho, o presidente  dificulta a vida daqueles que torcem para seu governo dar certo — não pelo bem de Bolsonaro, mas do Brasil (afinal, estamos todos no mesmo barco, embora a esquerda desvairada não se dê conta disso ao fazer oposição irresponsável, sem oferecer propostas alternativas, o que, em última análise, é bancar o espírito de porco). Entrementes, Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido dos picaretas, exercita seus dotes de comediante pedindo uma investigação contra Sérgio Moro na PGR, a pretexto de suposta prevaricação e abuso de autoridade no processo eleitoral do ano passado.

Como me é impossível dissociar a “amante” (ou “coxa”, como a deputada obnubilada era designada nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht) do criminoso mais famoso do Brasil, cumpre dizer que Lula, da sala de 15 metros quadrados que ocupa no 4.º andar da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, usa e abusa dos meios de comunicação a seu dispor, como Folha, El País, Veja Intercept, para se vingar-se do juiz que o condenou e do procurador que o acusou. Para tanto, o picareta dos picaretas conta com a cumplicidade de Lewandowski e Toffoli, seus ministros amigos no STF, que derrubaram liminar do colega Fux para permitir a comunicação permanente do molusco com aliados fora da grade, caso do advogado que se passa por jornalista americano Glenn Greenwald, dono do site Intercept, no qual destila seu veneno a conta-gotas.

Sobre a Vaza-Jato, o que estava em jogo no grande furdunço que se formou era comprometer Moro e favorecer a libertação de Lula. Uma proposta modesta se considerarmos o potencial que essa incursão pelos telefones de poderosos teria se os hackers fossem, por exemplo, interessados em abalar a segurança nacional, coletando diuturnamente os dados, analisando-os e usando-os a seu favor. Num país em que um sargento entra com 39 quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial, o tema da segurança cibernética pode parecer distante, mas deveria ser objeto da melhor atenção por parte das autoridades competentes.

O propósito do Vermelho era combater a Lava-Jato, como ficou claro também em suas postagens na rede. Mas ele gosta de dinheiro, deu alguns golpes, tinha atalhos para entrar em contas bancárias. Mesmo se conseguir provar que estava apenas numa “cruzada pela justiça”, esse sujeito era o tipo ideal para ser contatado para um trabalho puro de espionagem. Anteontem, após ouvir os bando em audiência de custódia, o juiz Vallisney de Souza Oliveira decidiu manter a prisão dos quatro investigados. Gustavo Santos, Suelen Priscila de Oliveira, Danilo Marques e Walter Delgatti Neto, conhecido como Vermelho, vão continuar detidos pelo menos até esta quinta-feira, quando se encerra o prazo da prisão temporária renovada na sexta passada.

Já o ministro Sérgio Moro teria afirmado que o material obtido criminosamente pela quadrilha presa pela PF seria descartado, mas como descartá-lo e, ao mesmo tempo, comprovar sua existência e punir os responsáveis pelo crime?  

quarta-feira, 31 de julho de 2019

BOLSONARO É BOLSONARO. E PONTO FINAL.


Foi lamentável a maneira como o presidente Jair Bolsonaro tratou a questão do desaparecimento do pai de Felipe Santa Cruz, que agora pretende recorrer ao STF para “obter esclarecimentos” — como se nossa mais alta corte não tivesse nada mais importante para fazer do que se debruçar sobre as picuinhas do chefe do Executivo e as polêmicas geradas por seus pronunciamentos intempestivos. A declaração foi dada quando o capitão reclamava da OAB  — órgão do qual Felipe é presidente nacional — na investigação do caso de Adélio Bispo, o lunático inimputável: "Por que a OAB impediu que a PF entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", perguntou o presidente.

A coisa ficou pior depois que Bolsonaro, numa livre gravada na tarde de segunda-feira enquanto cortava o cabelo, apresentou uma versão dos fatos que colide frontalmente com a da Comissão da Verdade. Na manhã de ontem, após um café da manhã no Alvorada com Rodrigo Maia, o presidente se dirigiu aos jornalistas nos seguintes termos: “Vocês acreditam em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da comissão da verdade, foram 7 pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”. Questionado sobre a ação no STF iniciada por Santa Cruz, o presidente disse que é “direito dele”. E Falou ainda que não tem documentos que embasem o que comentou na última segunda feira: “O que eu sei é o que eu falei pra vocês. Não tem nada escrito, que foi isso ou foi aquilo… Meu sentimento era esse. Agora, você pode ver, a OAB não quer que se chegue aos mandantes da tentativa de homicídio minha”.

Dias antes, ao se manifestar sobre a portaria nº 666 do Ministério da Justiça e Segurança Pública — segundo a qual indivíduos envolvidos em atos de terrorismo, associação criminosa armada que tenha armas à disposição, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e até torcidas de futebol com histórico de violência em estádios podem ser sumariamente deportadas —, o presidente negou que fosse algum tipo de retaliação, até porque a medida não atinge o criador do site panfletário proselitista The Intercept Brasil, mas, ainda segundo o presidente, Greenwald poderia “pegar uma cana aqui mesmo”. A conclusão é uma só: diga Bolsonaro o que disser, sempre haverá polêmica.

Sobre a Vaza-Jato, a atuação espúria do site panfletário e seus associados, que vêm divulgando a conta-gotas supostos diálogos mantidos entre Moro e Dallagnol, e entre este e outros procuradores da Lava-Jato, salta aos olhos tratar-se de uma edição claramente tendenciosa, repleta de ilações feitas a partir de trechos retirados do contexto com o nítido propósito de anular processos e ajudar a libertar o picareta dos picaretas. Lamentavelmente, alguns juristas se respaldam na hermenêutica para agregar à previsão constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar suas fontes o condão de acobertar criminosos. Mas num país em que 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se poderia mesmo esperar que o exercício intelectual fosse o esporte nacional.

Igualmente fantasiosa me parece a hipótese de Walter Delgatti Neto, tido como o chefe da quadrilha que invadiu quase 1000 telefones, a maioria dos quais pertencente a membros da mais alta cúpula deste projeto de banânia, ter agido de moto próprio e cedido graciosamente o produto do crime ao manipulador do conta-gotas mais temido do Brasil. Nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em tamanha falácia (refiro-me à personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo os anos de chumbo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares).

Resta saber se, uma vez comprovada a suspeita de que o hacker foi pago pelo trabalho (segundo um integrante do grupo, a ideia era vender o material ao PT), Verdevaldo foi cúmplice ou apenas cometeu um “antiético”. Seja como for, a motivação política ficou evidente quando veio à tona que Manuela D’Ávila, ex-candidata a vice pelo PCdoB na chapa do bonifrate de Lula em 2018, serviu de intermediária entre Delgatti e o site The Intercept. E tudo indica que o gringo trastejão já estava de posse do material quando entrevistou Lula na prisão. Na entrevista que deu a Monica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes Jr, do El Pais, o petista disse que Moro, Dallagnol e sua turma seriam “desmascarados”, e semanas depois o Intercept pingou a primeira gota do seu veneno. Teria o molusco eneadáctilo se tornado clarividente devido à abstinência alcoólica ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência o caminhão de merda que Verdevaldo tencionava despejar?  

Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”

Em sua coluna n’O Globo, Merval Pereira especula se nas conversas de Dallagnol com outros procuradores, ou mesmo com Sérgio Moro, não havia um espaço para troca de informações sobre outros casos da Lava-Jato que não os relacionados a LulaDelgatti disse também que entrou nas conversas sobre a Operação Greenfield em Brasília, que apura desvios em fundos de pensão. Pelo seu relato, não encontrou nada de ilegal nas conversas, por isso não se interessou. Que estelionatário mais preparado, esse, que sabe onde há supostas irregularidades processuais e onde não há!

Voltando ao presidente, o que se vê é Bolsonaro sendo Bolsonaro. E isso dificilmente irá mudar. Depois de seis meses no cargo, o capitão ainda age como se estivesse em campanha, dando declarações “de palanque” endereçadas a sua base de apoiadores (os “bolsomínions”), conquanto devesse atuar em prol do restabelecimento da paz e se empenhar na aprovação de medidas que revertam a dura recessão que o país amarga desde a reeleição da nefelibata da mandioca. Aceitemos, se não de bom grado, ao menos com esforço de tolerância, que ele fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Lula, mas exitoso: seu eleitor de raiz está firme.

Segundo Dora Kramer, dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar o presidente por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-­los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga. Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula — a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política —, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade. Ele tem gosto especial por temas de menor relevância”.

À época, Luciana foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria. No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.

Um exemplo é a indicação de zero três para a embaixada em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado que muitos especulam se a ideia vai prosperar — eu acho que vai, porque Trump não se oporá à escolha, e o mesmo deverá acontecer (por motivos diversos, naturalmente) com os senadores que submeterão "o garoto" à sabatina de praxe, mesmo que o maior destaque em seu currículo seja ter fritado hambúrgueres numa lanchonete da rede Popeyes, que serve frango frito. A pergunta que não quer calar é: por que semear conflito justamente quando o governo deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara? Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.

Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Jair Bolsonaro. Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo temos a transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, o pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a Argentina.

Nada disso vai adiante, como não irão as ideias de transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.