Jair Bolsonaro
quer porque quer indicar o filho
zero
três para o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. A decisão, por inusitada e polêmica — para não dizer estapafúrdia —, vem
repercutindo na mídia e nas redes sociais.
Sem fazer aqui qualquer julgamento
de valor, relembro que
Eduardo Bolsonaro,
ao defender sua nomeação, disse ser qualificado para o cargo porque
fala inglês
e espanhol, é amigo da família presidencial norte-americana e, dentre outros
méritos, fritou hambúrgueres no estado
do Maine.
Até onde se sabe, experiência como chapeiro de lanchonete não faz
parte dos requisitos exigidos de um candidato a embaixador, mas o detalhe é que
a rede de fast-food Popeyes, na qual
ele diz ter trabalhado, não serve
hambúrgueres, e sim frango
frito.
Pelo visto, grelhar discos de carne virou item importante no currículo de aspirantes ao cargo de embaixador brasileiro no Distrito de Columbia. Melhor ainda se o dito-cujo tiver realizado essa intrincada tarefa sob o frio do
Maine — estado americano que faz divisa com o gelado
Canadá.
Se a moda pega,
Flávio Bolsonaro — que não só ostenta no currículo incomparável habilidade em fazer
investigação virar pizza, como é um dos poucos pizzaiolos habilitados a preparar a incomum
pizza de laranja — pode pleitear o cargo de
embaixador do Brasil na Itália, e
zero dois... bem, ainda não se sabe qual embaixada o garoto pretende chamar de sua, mas fontes do Planalto afirmam que o pitbull palaciano apresentará sua reivindicação assim que aprender a escrever em português no
Twitter.
Bolsonaro
diz que zero três tem faro para negócios, que sabe defender os interesses do
Brasil, que será seus olhos e os ouvidos no EUA e que sua nomeação está longe
de ferir a lei do nepotismo — acredite quem quiser. A propósito, Ricardo Noblat lembra que Bolsonaro
não seria Bolsonaro se não falasse
pelos cotovelos e não dissesse muitas idiotices. Na última sexta-feira, ele usou seu programa semanal
no Facebook para voltar ao assunto
pela terceira vez — na quinta, foram quatro vezes — e, deixando de lado o que antes repetia para assombrar o mais devotado dos seus
devotos, deu as seguintes declarações:
“Lógico, que é filho
meu, eu pretendo beneficiar filho meu, sim. Pretendo, se puder, dar filé
mignon, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon, nada a ver, é
realmente, nós aprofundarmos um relacionamento com um país que é a maior
potência econômica e militar do mundo”.
“Se eu quiser hoje, eu
não vou fazer isso jamais, chamo o Ernesto
Araújo [Ministro das Relações Exteriores] e falo: O Ernesto vai para Washington, que eu vou botar o Eduardo no Ministério da Relações
Exteriores”.
O presidente da
República confessa que quer beneficiar um dos seus filhos designando-o para o
cargo mais importante da diplomacia brasileira. Podendo dar filé mignon ao
filho, por que não daria? O raciocínio é tão primário, tão rudimentar e tão
antirrepublicano quanto seu autor. Se a lei do nepotismo permitisse a nomeação
de Eduardo, a confissão do seu pai
deveria bastar para barrá-la de uma vez. Fosse este país naturalmente sério.
Em seus quase trinta anos como deputado, Bolsonaro pôs a família acima de tudo,
empregando parentes em gabinetes, elegendo os filhos vereador, deputado e
senador. Essa história de Brasil acima
de tudo, Deus acima de todos, é slogan de campanha para tocar a alma dos
eleitores. A dos evangélicos foi tocada pelo batismo do capitão nas águas do Rio Jordão, e a facada em Juiz de Fora se
encarregou do resto. Mas a autenticidade do capitão, antes louvada pela massa de indignados que resolveram virar o país de
ponta-cabeça, acabará mais dia, menos dia, se voltando contra ele.
*******
Uma das tarefas mais difíceis desta vida, por alguma razão
ainda não explicada pela ciência, é aprender uma de suas regras mais fáceis.
A regra é a seguinte: certas coisas não se fazem. Não têm nada a ver com o
fato de serem permitidas ou não por lei. Também podem não ser, em si mesmas,
boas ou más, certas ou erradas. São, apenas, coisas que não se fazem. Por quê?
Porque não se fazem, só por isso — não por uma pessoa dotada de coeficientes
médios de decência, consideração pelos outros e boa educação. E quais são elas?
Aí, se você não sabe, temos um problema. Ou se aprende isso antes dos 10 anos
de idade, ou não se aprende nunca.
A língua inglesa tem uma expressão admirável a esse
respeito: “It’s not done”. Na
tradução mais direta quer dizer: “Não se faz” — e há todo um universo moral
contido nesse “não se faz”. É o que divide, no fundo, a qualidade interior dos
seres humanos. Quem sabe naturalmente o que não se deve fazer, sem ter de
perguntar a cada meia hora se deve agir assim ou assado, está no lado do bem. Quem
não sabe, está no lado escuro da força.
Uma das coisas mais evidentes no bloco daquilo que “não se
faz” é nomear seu filho como embaixador do Brasil nos Estados
Unidos — se você, justamente, é o presidente do Brasil. Quem, com um
mínimo de bom-senso, pode ter alguma dúvida a respeito de uma coisa dessas?
Tanto faz se ele vai, no fim das contas, ser embaixador ou não: um homem
público, seja qual for o seu cargo no governo, não pode nomear parentes para
outro cargo público, qualquer cargo público. Se for o presidente da República,
então, aí é que não pode mesmo — principalmente se vai ter de fazer isso na
frente de todo mundo. Uma coisa, muito bacana, é promover os valores da
família. Outra, muito diferente e muito ruim, é promover os membros de sua
família a empregos cinco-estrelas dentro do governo. Quer dizer que o filho do
presidente, só por ser filho do presidente, não pode ser embaixador nos Estados
Unidos? Sim, quer dizer isso mesmo: não pode.
Pois é, a vida é assim — e ainda bem que é assim.
Presidentes da República, mais que quaisquer outros servidores da população,
têm de pagar um pedágio alto para ocupar o seu cargo, e ninguém precisa ficar
com dó, pois eles estão lá porque quiseram muito estar; não foram obrigados.
A decisão do presidente Bolsonaro de
indicar seu filho Eduardo para
a embaixada brasileira em Washington é um desastre com perda total. A soma das
qualificações que Eduardo tem para o
cargo não chega a zero. Mas mesmo que ele fosse o melhor embaixador possível de
ter hoje nos Estados Unidos, um novo Barão
do Rio Branco, isso não mudaria nada, porque filho não pode ser nomeado — e
pronto. Bolsonaro, nesse caso, teria
de mandar para lá o segundo melhor, e tocar a bola para a frente. Paciência.
Não vale, também, o argumento de que os diplomatas
brasileiros detestam Bolsonaro, e
que o Brasil se prejudica com isso. É verdade. Em geral eles já têm
vergonha de ser brasileiros; com Bolsonaro
na Presidência, então, passaram a ter pavor de representar um governo
“fascista”. E daí? Eles vão continuar exatamente assim; isso não se resolve nem
se você nomear Deus Padre em pessoa para Washington.
Ninguém se lembra quem foram os embaixadores brasileiros nos
Estados Unidos nos últimos anos, diz o presidente. De fato: daria para encher
um museu de nulidades com o pessoal que tem passado por lá. Mas a saída, então,
seria nomear mais uma nulidade? É certo, também, que Bolsonaro não é defendido pela diplomacia brasileira das acusações
de ser um ditador, um homofóbico e um racista. Mas os fatos estão a seu favor.
Ditadores não aprovam projetos com 74% dos votos da Câmara dos Deputados, como
acaba de ocorrer na reforma da Previdência. Não há, em seis meses de seu
governo, uma única decisão contra homossexuais. Não há um episódio sequer de
racismo. É nisso que o presidente tem de investir — nos fatos, e não em Eduardo. Em vez de reclamar, e nomear o
filho para ser embaixador, ele terá de continuar demonstrando, pelos seus atos,
que não é ditador, homofóbico nem racista. Ponto-final.
Pessoas que muito erraram na vida têm um sonho tão precioso
quanto impossível: voltar ao passado, por uns modestos instantes, só para não
fazer os erros que fizeram. O arrependimento, como se sabe, deveria vir antes
do pecado; a vida seria outra se fosse assim. Infelizmente, as consequências só
vêm depois — e aí já não adianta nada. Bolsonaro,
nessa história, tem a chance de se arrepender antes de pecar. Deveria
aproveitar, correndo.
Com
J.R. Guzzo.
Sabatina do Bolsokid
Eduardo no Senado Federal segundo o blog
Opinião sem Medo
— Deputado, o senhor sabe falar inglês?
— Moroless. Mas nunca passei fome nos EUA. Sempre me virei.
— Deputado, o senhor conhece a fundo a cultura americana?
— Claro! Sei de cor a receita do Big Mac: Dois hamburgueres, alface, queijo, molho especial, cebola
e picles num pão com gergelim.
— Deputado, o que o senhor sabe sobre a economia dos
Estados Unidos?
— Sei que o Walmart
é muito barato. Ah! a Dollar Three
também.
— Deputado, como será seu relacionamento com Washington?
— Bem, por enquanto só conheço o Trump, mas tenho certeza que iremos nos dar muito bem.
— E o sistema jurídico de lá, o senhor está por dentro?
— Um pouco. Sei que o Foro de São Paulo e o Foro Privilegiado
não existem nos States.
— Deputado, o que o senhor pensa em fazer para melhorar o
comércio entre Brasil e Estados Unidos?
— Aumentar imediatamente a cota de compras no exterior.
Quinhentos dólares é muito pouco.
— Deputado, o que acha da posição americana sobre o clima?
— Onde morei, no Colorado, faz bastante frio, e me parece
que os americanos não são favoráveis a nenhuma mudança.
— Deputado, o senhor prevê dificuldades no novo cargo?
— De jeito nenhum. Já fritei hambúrguer, viajei o mundo
quase todo… me viro muito bem.
— Olavo de Carvalho terá algum cargo na embaixada?
— Claro. Será relações públicas. Ele é muito sociável.
— Como o senhor irá tratar a questão comercial com os
produtores de laranja da Flórida?
— Aí não é comigo. É com meu irmão Flávio e seu assessor Queiroz.
— Deputado, se o senhor não fosse filho do presidente, acha
que poderia ser escolhido?
— Sim. Sou um expert em EUA. Fiz intercâmbio lá. Até sei
fazer “arminha”, com os dedos, em inglês.
— Se o presidiário Lula,
quando presidente, houvesse indicado o Lulinha, qual seria sua reação?
— Contrária, é claro!
— Por quê?
— Ora, porque… porque… porque… Vou perguntar pro Olavo e depois eu respondo, talquei?
— Deputado, o senhor terá uma boa interlocução com o
Presidente Trump?
— A melhor! Meu irmão Carlos
irá comigo. Ele e Trump são amigos
no Twitter e no Facebook.