sábado, 27 de julho de 2019

QUEM ESTÁ POR TRÁS DA TENTATIVA DE DESTRUIR A LAVA JATO?


Eis uma boa pergunta, e uma das características das boas perguntas é dar margem a respostas complexas. A mais simples, no caso, seria Greenwald e seus cupinchas no Intercept, mas não se deve perder de vista o fato de que eminências pardas têm atuado de maneira orquestrada nos bastidores dessa ópera bufa.

A princípio, o Verdevaldo rechaçou a hipótese de Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, ser sua tal “fonte anônima”. Depois, dada a dificuldade de tapar o sol com peneira, admitiu a possibilidade de ter recebido de Vermelho e companhia as tais “mensagens tóxicas” que seu site espúrio vem vazando há quase dois meses. Mesmo assim, ele mantém a versão de que o repasse se deu de forma anônima e sem contrapartida financeira — o que nos leva a perguntar por que diabos alguém arriscaria o rabo hackeando altas autoridades se não fosse por razões ligadas ao “vil metal”.

Para que novos elementos venham a lume, a quebra dos sigilos fiscal e bancário do marido do deputado David Miranda — a quem ele diz “amar mais do que tudo” — tornou-se fundamental depois que os quatro bois de piranha foram apanhados e seu líder confessou ser o responsável pelas invasões, liberou para a polícia seus arquivos armazenados na nuvem e afirmou ter dado ao site The Intercept o acesso a informações capturadas do aplicativo Telegram em sua mega invasão.

Como as investigações correm sob sigilo, quase nada se sabe além do pouco que já foi divulgado, mas sempre se pode especular. E especular parece ser a palavra de ordem, a julgar pelo que fizeram Folha, BandNews, Veja e outros veículos de imprensa, que deveriam ter vergonha de se aliarem ao Intercept a pretexto do “interesse público”, quando não havia nada havia no conteúdo vazado que caracterizasse fraudes na investigação e nas provas obtidas pela Lava-Jato contra Lula ou qualquer outro réu em ações criminais resultantes dos trabalhos da força-tarefa.

Como escreveu Mario Sabino em O Antagonista, “no afã de vilipendiar os mocinhos e vitimizar o bandido, os colaboracionistas nem tentaram contextualizar integralmente os diálogos publicados, porque a contextualização enfraqueceria a tese do interesse público no conteúdo”. E não há que falar em “interesse público” quando o único interesse era tirar da cadeia o chefe do maior esquema de corrupção da história desta banânia, pintando-o como vítima de um golpe político-jurídico. E o interesse privado quase prevaleceu, prossegue Sabino, quando se quis que o STF soltasse o condenado, a pretexto de que o então juiz Sérgio Moro agiu ilegalmente (volto a essa questão mais adiante). É de se imaginar o estrago que seria feito ao verdadeiro interesse público se a soltura tivesse se dado nessas condições.

O veículos que colaboraram na divulgação das mensagens roubadas passaram a ser vistos por muitos dos seus leitores como cúmplices de estelionatários a serviço de ideólogos cavilosos e aliados menos
interessados em redimir a humanidade do que em salvar o próprio couro. Seria bom que gente essa gente suja nunca mais pautasse os jornais e revistas do país — embora a liberdade de imprensa também assegure o direito à autodestruição.

Observação: O caso de Veja é emblemático. Como eu escrevi no último dia 8, sua mudança de viés jornalístico não tarda a refletir no número de assinantes — entre os quais eu me incluo —, que tende a se igualar em breve ao de eleitores do PSTU ou do PC do B. O que é uma pena, pois a revista sempre foi implacável no combate aos crimes cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam as dezenas de matérias de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista com Pedro Collor, que foi decisiva para o impeachment do ex-caçador de marajás de araque, hoje senador pelo PTB de Alagoas, réu na Lava-Jato e aliado de Lula.

Na avaliação de Diogo Mainardi, os vazamentos verdevaldianos implodiram a imprensa. “Para tirar da cadeia Lula e seus comparsas, uma turminha mais desavergonhada entregou-se a estelionatários, que saquearam telefones celulares de centenas (milhares?) de pessoas. Não se trata apenas da Lava-Jato, portanto: as mensagens hackeadas podem ter alimentado uma rede de golpistas e chantagistas. A PF ainda está investigando quem intermediou os contatos entre estelionatários e jornalistas. E quem financiou a falcatrua. Não é improvável que algum aloprado da imprensa seja preso, e eu vou comemorar, porque os criminosos devem ser expurgados da profissão. Ao mesmo tempo, a imagem do jornalismo mancomunado com a bandidagem contamina e emporcalha todos nós. Já fiz prognósticos estapafúrdios sobre os assuntos mais disparatados, mas não sei prognosticar o futuro da imprensa — se é que ela terá um futuro”. 

Eu pretendia dividir este texto em duas ou três postagens, mas a frequência com que novos fatos vêm à luz me levou a reconsiderar, sobre pena de a matéria se tornar “jornal de ontem” antes mesmo de o último capítulo ser publicado. Portanto, segue o baile.

Muita gente não se lembra — e a quem se lembra custa acreditar — que Gilmar Mendes já foi defensor da prisão em segunda instância: em 2016, ao fundamentar seu voto, ele afirmou que “mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade”. Sete meses depois, aquele a quem o também ministro supremo Luís Roberto Barroso qualificou de “pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”, e J.R. Guzzo de “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país“, passou a acolher todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância — alternativa proposta pelo atual presidente da Corte, que, como se pode ver neste vídeo, também era favorável à prisão em segunda instância.

O ódio recíproco entre o PT e Gilmar atingiu seu ápice, segundo a revista Crusoé, em setembro de 2015, quando o STF derrubou a doação empresarial para campanhas eleitorais. Contrário a essa medida, Mendes se valeu do avanço da Lava-Jato para atacar a ORCRIM, que então rapinava o país com os auspícios de Dilma, a inesquecível. “O partido consegue captar recurso na faixa dos bilhões continuamente, tendo como base os contratos de uma estatal do tamanho da Petrobras — e só estamos falando da Petrobras —, e passa a ser o defensor, defende bravamente o julgamento da inconstitucionalidade da doação de empresas privadas. Fico emocionado em saber, me toca o coração”. Era bom lembrar que as empresas estatais são patrimônio público. Elas não podem ser assaltadas por grupos de pessoas. A rigor, temos que reconhecer, é um partido de vanguarda porque instaurou o financiamento público de campanha antes de sua aprovação, disse Gilmar.

As manifestações do magistrado levaram o PT a ameaçar processá-lo. O partido falava em “desvario do ministro”, acusando-o de “faltar com a verdade” e proferir “impropérios e destemperos anti-PT”. Em resposta, Mendes disse: “O que se instalou no país nesses últimos anos e está sendo revelado na Operação Lava-Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”. E completou: “Não roubam só para o partido, é o que está se revelando, roubam para comprar quadros” e que “estamos nesse caos por conta desse método de governança corrupta”.

A roda girou, a fila andou, Dilma caiu, Temer assumiu, Lula foi preso, Aécio se enrolou e Gilmar, de inimigo, tornou-se o principal aliado do PT no STF, superando até mesmo Dias Toffoli cujo maior mérito foi ter sido advogado do PT nas campanhas de Lula, assessor de José Dirceu e advogado-geral da União durante o governo do molusco —, que sempre disputou com Ricardo Lewandowski o status de queridinho da legenda na mais alta corte do país. O namoro de Mendes com os petistas começou quando o PT deixou o Palácio do Planalto e a Lava-Jato já avançava sobre outros partidos, como o PSDB, e sobre o Judiciário. Deu-se a partir daí um casamento de conveniência do qual partem as maiores ameaças à operação. De um lado, um partido buscando um rumo desde que Lula foi preso; do outro, um juiz que, a pretexto de defender direitos individuais, move montanhas para enfraquecer a maior ofensiva contra a corrupção da história deste país. E como que para reforçar o desejo de ambos, o Intercept deu início à Vaza-Jato, publicando mensagens obtidas criminosamente e descontextualizadas para vender a ideia de que o hoje ministro da Justiça, tido e havido pelo PT como o algoz de Lula, orientava a acusação contra o petralha quando era juiz da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.

Depois que Verdevaldo vazou a primeira leva de mensagens, em 9 de junho, criaram-se condições para que a liberdade de Lula voltasse a ser debatida pelo STF — sempre, é claro, com Gilmar no comando. A primeira estratégia foi devolver à pauta de julgamentos um recurso que a defesa apresentara em 2018, pedindo a anulação da condenação de Lula por supostas arbitrariedades atribuídas a Moro na instrução dos processos, tais como a condução coercitiva do ex-presidente sem prévia intimação, em março de 2017, e — a cereja do bolo — de Moro ter aceitado o convite para ser ministro de Bolsonaro, inimigo figadal do PT. O recurso começou a ser julgado em dezembro pela 2ª turma, e caminhava para a rejeição quando Gilmar pediu vista do processo e só o devolveu dois dias depois que que as primeiras mensagens atribuídas a Moro e Dallagnol foram vazadas pelo panfleto eletrônico The Intercept

O prosseguimento do julgamento se deu no dia 25 de junho — data do, digamos assim, casamento oficial entre Gilmar e o PT, com direito a um palco especial, a “Igrejinha”, como é conhecido o prédio anexo da corte na qual as duas turmas do STF se reúnem. Na oportunidade, Gilmar pediu que fosse concedida uma liminar que garantisse liberdade provisória a Lula até que a corte julgasse o mérito da suspeição de Moro. A proposta começou a ser debatida por volta das 18 h, com o voto do próprio Mendes a favor, naturalmente. Mas Edson Fachin votou contra, e embora Lewandowski acompanhasse o voto de Gilmar e pedisse a conclusão do julgamento do mérito, o decano Celso de Mello mijou no chope da petralhada com seu voto, segundo o qual condutas abusivas não implicam parcialidade. Com o voto Cármen Lúcia, a proposta foi rejeitada por 3 a 2, fechando, para desgosto de Gilmar, mais essa janela de oportunidade para tirar Lula da cadeia.

Como o PT não conseguiu até hoje reunir assinaturas suficientes para instalar uma CPI com o fito de investigar a conduta de Moro e dos procuradores da Lava-Jato, os petralhas vêm em Gilmar seu maior trunfo. O ministro, que andava calado desde a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018 e a nomeação de Moro para a pasta da Justiça, saiu da toca após os vazamentos para dizer, por exemplo, que provas ilícitas não necessariamente devem ser anuladas — o que surpreende, já que ele próprio já decidiu diversas decisões em sentido oposto —, que juiz não pode ser chefe de força-tarefa e que Deltan Dallagnol era “um bobinho”. Conhecido por seus canais com o mundo da política, o ministro também atuou para que o presidente do Senado (também enrolado na Justiça) articulasse a aprovação em plenário do projeto sobre abuso de autoridade.

A própria solução proposta na 2ª turma para adiar o julgamento do mérito sobre a suspeição de Moro e conceder um salvo-conduto para Lula revela que a estratégia principal está diretamente ligada à Vaza-Jato, dada a expectativa de que entre as próximas revelações de Verdevaldo e seus asseclas estivesse a tão sonhada bala de prata que anularia a condenação do molusco no processo do tríplex e produziria um efeito cascata que derrubasse também a condenação no caso do sítio de Atibaia, cuja fase de instrução transcorreu enquanto Moro ainda era o juiz da 13ª Vara Federal do Paraná. Só que a Vaza-Jato produziu mais fumaça do que fogo, e com a prisão dos quatro suspeitos, a confissão de um deles e a amplitude das invasões — fala-se em cerca de 1000 celulares, entre aparelhos de procuradores, políticos, membros da alta cúpula do Judiciário e até do presidente da República —, o otimismo da petralhada em relação ao resultado do julgamento da suspeição de Moro arrefeceu. Sem mencionar que diversos elementos nessa equação podem prolongar a estada de Lula na prisão.

Além de o “material tóxico” vazado pelo Intercept ser fruto de hackeamento digital — e o STF tem inúmeras decisões contrárias à utilização de provas ilícitas em julgamentos —, é praticamente impossível comprovar a autenticidade do conteúdo. Além disso, Lula é réu em pelo menos 6 processos que ainda não foram julgados, e entre os que foram, a exemplo do caso do tríplex, o do sítio em Atibaia também resultou em condenação — pena de mais 12 anos e fumaça —, que possivelmente o TRF-4 virá a confirmar dentro mais alguns meses. Isso sem falar na ação sobre a cobertura em SBC e o terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, cujos autos estão conclusos para sentença desde o final do ano passado — o que significa que o juiz Luís Antônio Bonat, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, pode dar a sentença a qualquer momento. Qualquer acréscimo na pena imposta a Lula no processo do tríplex, que o STJ reduziu para 8 anos e 10 meses, frustraria a expectativa do condenado de progredir de regime para a prisão domiciliar (por questões de logística, o semiaberto foi descartado, porque, nesse caso, o preso dorme na cadeia e trabalha durante o dia, mas há décadas que o picareta dos picaretas não sabe o que é um chão de fábrica).

Uma eventual libertação de Lula teria reflexos no cenário político tupiniquim e na maior operação de combate à corrupção da história desta banânia, sem mencionar que o retorno do comandante da ORCRIM acirraria a polarização da qual emergiu Jair Bolsonaro, com óbvias vantagens para o capitão. Com o jogo em andamento, a única certeza que se tem é a de que Gilmar Mendes se casou para sempre com Lula

Quem sabe se um dia ambos não dividam a mesma cela?