domingo, 1 de setembro de 2019

ACHARAM O QUEIROZ — MAS E DAÍ?


Depois de semanas a fio publicando "notícias de interesse público" — como a diarreia da vaza-jato e fofocas sobre a avó traficante e a mãe falsária da primeira-dama —, a revista VEJA pôs seus jornalistas investigativos no encalço de Fabrício Queiroz... e não é que achou o sujeito?

Queiroz, como se sabe, tem laços de amizade com a família Bolsonaro desde os anos 1980, quando conheceu o hoje presidente no serviço militar da Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio, e, além de ser policial militar aposentado, trabalhou como assessor parlamentar e motorista do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro. Mas o que mais lhe abrilhanta o currículo é sua extraordinária capacidade de desaparecer sem deixar rastros (de dar inveja a Harry Houdini, David Copperfield, Chris Angel e outros mestres no métier).

A reportagem publicada na edição impressa de VEJA desta semana dá conta de que o abantesma mora atualmente no bairro do Morumbi (zona sul da capital paulista), próximo do Hospital Israelita Albert Einstein (um dos mais conceituados e caros nosocômios tupiniquins), onde ficou internado por uma semana, no final de 2018, para remover um tumor maligno do intestino. As despesas com honorários médicos e hotelaria hospitalar custaram R$ 133600, que Queiroz pagou em dinheiro vivo, nota em cima de nota.

A internação se deu semanas depois que a imprensa noticiou que o Coaf identificara movimentações suspeitas de R$ 1,2 milhão de na conta bancária do avejão, supostamente provenientes de "rachadinha" — prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos funcionários de seus gabinetes, e ainda que essa maracutaia seja considerada pelo catecismo político como um simples pecado venial, isso não a torna menos lícita nem moralmente aceitável (para mais detalhes sobre o imbróglio Flávio-Queiroz, releia esta postagem). O mesmo relatório do COAF que colocou invisível sob as luzes da ribalta lista “transações atípicas” de 75 assessores de 20 deputados de partidos como PT, PSC e PSOL, que somam R$ 207 milhões.

Observação: Quando administrava o gabinete de zero um na Alerj, o fantasminha camarada emplacou duas filhas e a mulher em cargos comissionados, com salários entre R$ 9,8 mil e R$ 12 mil. Uma das filhas conciliava a profissão de personal trainer com as atividades de gabinete. Como estas preveem jornada semanal de 40 horas, não é difícil concluir que o pedágio envolveria salários de funcionários-fantasma, que sequer apareciam para trabalhar, mas cujos proventos engordavam o caixa administrado por Queiroz.

No final da tarde do último dia 26, a equipe de VEJA flagrou o Gasparzinho, de quem não se tinha notícia desde janeiro, tomando café na lanchonete do hospital. Segundo a reportagem, ele luta contra o mesmo câncer no intestino que o levou para a mesa de cirurgia pouco antes de as notícias sobre as apurações do Coaf serem publicadas pela imprensa.

Vale lembrar que tanto o Ghost quanto a mulher e as filhas não atenderam diversas convocações do MP/RJ para prestar esclarecimentos, a exemplo do hoje senador Flávio Bolsonaro. De lá para cá, tanto o ex-assessor quanto o hoje senador deram entrevistas a emissoras "simpatizantes", mas suas desculpas esfarrapadas não convenceram.  

Queiroz atribuiu o dinheiro a lucros provenientes da venda de carros usados, depois admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de zero um "para contratar mais gente para a equipe do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Zero um, por sua vez, primeiro afirmou que não era elo o investigado e que cabia a Queiroz se explicar ao MP-RJ, mas, ad cautelam, seus advogados alegaram em juízo que as investigações atraíam a competência do Supremo.

Observação: Para explicar 48 depósitos no valor de R$ 2 mil cada um, Flávio Bolsonaro disse que o dinheiro era parte do sinal que recebeu pela venda de um apartamento — aliás, sobre outra movimentação considerada suspeita pelo Coaf, no valor de R$ 1.016.839 e referente a um título bancário da Caixa Econômica, ele alegou tratar-se do pagamento de um empréstimo tomado para a compra, na planta, do tal apartamento —, e que usou o caixa de autoatendimento da Alerj para escapar de filas e evitar que o dinheiro fosse contado na frente de várias pessoas. Uma sábia decisão; afinal, a segurança pública no Rio de Janeiro é aquela que sabemos. Acontece, porém, que o Banco Central exige informações quando o valor de um depósito em espécie ultrapassa R$ 50 mil, e no banco onde o senador eleito tem conta o preenchimento do formulário é exigido em depósitos a partir de R$ 10 mil. As conclusões ficam por conta de cada um.

O ministro Marco Aurélio negou o pedido, mas Dias Toffoli, que de uns tempos a esta parte é unha e carne com Jair Bolsonaro, valeu-se do plantão e da hermenêutica para suspender liminarmente todos os processos em que houve compartilhamento de informações fiscais e bancárias pelo Coaf sem prévia autorização judicial, livrando a cara de zero um, de Queiroz, do próprio Toffoli, de Gilmar Mendes e de suas respectivas caras-metades, que também estavam no radar da Receita Federal.

A decisão do togado supremo que preside os demais supremos togados gerou uma teoria conspiratória (bastante plausível, por sinal) que logo ganhou a Praça dos Três Poderes: se no Rio haveria um conluio para fulminar a primeira-família da República, em Brasília haveria um acordo, envolvendo até o Supremo, para blindá-la. Toffoli, obviamente, nega a acusação, e promete levar sua decisão ao plenário do STF até novembro.


O caso Queiroz se tornou prioridade para o presidente Bolsonaro antes mesmo de ele tomar posse. Se seguisse adiante, a investigação pairaria como a espada de Dâmocles sobre sua cabeça, pondo em xeque o discurso de combate à corrupção e atrapalhando a tramitação de projetos considerados prioritários. Daí porque, no campo jurídico, era preciso impedir a condenação de zero um pela prática de rachadinha, e no político, evitar que as suspeitas fossem usadas para desgastar seu governo e obstar sua reeleição.

O presidente e seu clã se referem à cúpula dos poderes no Rio como “organização criminosa” e “quadrilha”. Desde que o caso eclodiu, aliados estão em campo para reunir informações desabonadoras sobre promotores e juízes envolvidos na investigação. Flávio jura inocência — até aí, Lula também — e diz que não sabia da movimentação financeira milionária de Queiroz (só se fosse cego, surdo ou muito burro, e ele não é nada disso), que ignorava que o então assessor retinha parte dos salários dos colegas e que não tinha ciência nem mesmo dos nomes de alguns dos funcionários de seu gabinete. Convenhamos: isso não convenceria nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté.

Haveria muito mais a dizer, mas eu vou ficando por aqui. Este país virou um circo, e os palhaços, como sempre, somos nós, que votamos nessa caterva e pagamos impostos escorchantes para bancar salários aviltantes e mordomias nababescas de magistrados que, se esta banânia fosse mesmo um país sério, sequer poderiam atuar como juiz em pelada de várzea.