Depois de semanas a fio publicando "notícias de interesse público" — como
a diarreia da vaza-jato e fofocas sobre a avó
traficante e a mãe falsária da
primeira-dama —, a revista VEJA pôs seus
jornalistas investigativos no encalço de Fabrício
Queiroz... e não é que achou o sujeito?
Queiroz, como se
sabe, tem laços de amizade com a família Bolsonaro
desde os anos 1980, quando conheceu o hoje presidente no serviço militar da Brigada de Infantaria Paraquedista, no
Rio, e, além de ser policial militar aposentado, trabalhou como assessor
parlamentar e motorista do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro. Mas o que mais lhe
abrilhanta o currículo é sua extraordinária capacidade
de desaparecer sem deixar rastros (de dar inveja a Harry Houdini, David Copperfield,
Chris Angel e outros mestres no métier).
A reportagem
publicada na edição impressa de VEJA desta semana dá conta de que o abantesma mora atualmente no bairro do Morumbi (zona sul da capital paulista),
próximo do Hospital Israelita Albert
Einstein (um dos mais conceituados e caros nosocômios tupiniquins), onde ficou
internado por uma semana, no final de 2018, para remover um tumor maligno
do intestino. As despesas com honorários médicos e hotelaria hospitalar custaram R$ 133 600,
que Queiroz pagou em dinheiro vivo,
nota em cima de nota.
A internação se deu semanas depois que a imprensa noticiou
que o Coaf identificara movimentações
suspeitas de R$ 1,2 milhão de na
conta bancária do avejão, supostamente provenientes de "rachadinha"
— prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando
parte da remuneração dos funcionários de seus gabinetes, e ainda que essa
maracutaia seja considerada pelo catecismo político como um simples pecado
venial, isso não a torna menos lícita nem moralmente aceitável (para mais
detalhes sobre o imbróglio Flávio-Queiroz,
releia esta
postagem). O mesmo relatório do COAF que colocou invisível sob
as luzes da ribalta lista “transações atípicas” de 75 assessores de 20
deputados de partidos como PT, PSC e PSOL, que somam R$ 207 milhões.
Observação: Quando administrava o gabinete de zero um na
Alerj, o fantasminha camarada
emplacou duas filhas e a mulher em cargos comissionados, com salários
entre R$ 9,8 mil e R$ 12 mil. Uma das filhas conciliava a
profissão de personal trainer com as atividades de gabinete. Como estas preveem
jornada semanal de 40 horas, não é difícil concluir que o pedágio envolveria salários de
funcionários-fantasma, que sequer apareciam para trabalhar, mas cujos proventos
engordavam o caixa administrado por
Queiroz.
No final da tarde do último dia 26, a equipe de VEJA flagrou o Gasparzinho, de quem não se tinha notícia desde janeiro, tomando
café na lanchonete do hospital. Segundo a reportagem, ele luta contra o mesmo câncer no intestino
que o levou para a mesa de cirurgia pouco antes de as notícias sobre as apurações
do Coaf serem publicadas pela
imprensa.
Vale lembrar que tanto o Ghost
quanto a mulher e as filhas não atenderam diversas convocações do MP/RJ para prestar esclarecimentos, a
exemplo do hoje senador Flávio Bolsonaro.
De lá para cá, tanto o ex-assessor quanto o hoje senador deram entrevistas a emissoras
"simpatizantes", mas suas desculpas esfarrapadas não convenceram.
Queiroz atribuiu o dinheiro a lucros provenientes da venda de carros usados, depois admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de zero um "para contratar mais gente para a equipe do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Zero um, por sua vez, primeiro afirmou que não era elo o investigado e que cabia a Queiroz se explicar ao MP-RJ, mas, ad cautelam, seus advogados alegaram em juízo que as investigações atraíam a competência do Supremo.
Queiroz atribuiu o dinheiro a lucros provenientes da venda de carros usados, depois admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de zero um "para contratar mais gente para a equipe do chefe, mas sem conhecimento do próprio". Zero um, por sua vez, primeiro afirmou que não era elo o investigado e que cabia a Queiroz se explicar ao MP-RJ, mas, ad cautelam, seus advogados alegaram em juízo que as investigações atraíam a competência do Supremo.
Observação: Para explicar 48 depósitos no valor de R$ 2 mil cada um, Flávio
Bolsonaro disse que o dinheiro era parte do sinal que recebeu pela
venda de um apartamento — aliás, sobre outra movimentação considerada suspeita
pelo Coaf, no valor de R$ 1.016.839 e referente a um
título bancário da Caixa Econômica,
ele alegou tratar-se do pagamento de um empréstimo tomado para a compra, na
planta, do tal apartamento —, e que usou o caixa de autoatendimento da Alerj para escapar de filas e
evitar que o dinheiro fosse contado na frente de várias pessoas. Uma sábia
decisão; afinal, a segurança pública no Rio de Janeiro é aquela que sabemos.
Acontece, porém, que o Banco
Central exige informações quando o valor de um depósito em espécie
ultrapassa R$ 50 mil, e
no banco onde o senador eleito tem conta o preenchimento do formulário é
exigido em depósitos a partir de R$
10 mil. As conclusões ficam por conta de cada um.
O ministro Marco
Aurélio negou o pedido, mas Dias Toffoli, que de uns tempos a esta parte é unha e carne com Jair Bolsonaro, valeu-se do plantão e
da hermenêutica para suspender liminarmente todos os processos em que houve
compartilhamento de informações fiscais e bancárias pelo Coaf sem prévia autorização
judicial, livrando a cara de zero um,
de Queiroz, do próprio Toffoli, de Gilmar Mendes e de suas respectivas caras-metades,
que também estavam no radar da Receita
Federal.
A decisão do togado supremo que preside os demais supremos
togados gerou uma teoria conspiratória (bastante plausível, por sinal) que logo
ganhou a Praça dos Três Poderes: se
no Rio haveria um conluio para fulminar a primeira-família da República, em Brasília
haveria um acordo, envolvendo até o Supremo,
para blindá-la. Toffoli, obviamente,
nega a acusação, e promete levar sua decisão ao plenário do STF até novembro.
O caso Queiroz se
tornou prioridade para o presidente Bolsonaro
antes mesmo de ele tomar posse. Se seguisse adiante, a investigação pairaria
como a espada de Dâmocles sobre sua
cabeça, pondo em xeque o discurso de combate à corrupção e atrapalhando a
tramitação de projetos considerados prioritários. Daí porque, no campo
jurídico, era preciso impedir a condenação de zero um pela prática de rachadinha, e no político, evitar que as suspeitas
fossem usadas para desgastar seu governo e obstar sua reeleição.
O presidente e seu
clã se referem à cúpula dos poderes no Rio como “organização criminosa” e
“quadrilha”. Desde que o caso eclodiu, aliados estão em campo para reunir
informações desabonadoras sobre promotores e juízes envolvidos na investigação.
Flávio jura inocência — até aí, Lula também — e diz que não sabia da
movimentação financeira milionária de Queiroz
(só se fosse cego, surdo ou muito burro, e ele não é nada disso), que ignorava
que o então assessor retinha parte dos salários dos colegas e que não tinha
ciência nem mesmo dos nomes de alguns dos funcionários de seu gabinete.
Convenhamos: isso não convenceria nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté.
Haveria muito mais a dizer, mas eu vou ficando por aqui. Este país virou um circo, e os palhaços, como sempre, somos nós, que votamos
nessa caterva e pagamos impostos escorchantes para bancar salários aviltantes e
mordomias nababescas de magistrados que, se esta banânia fosse mesmo um país
sério, sequer poderiam atuar como juiz em pelada de várzea.