quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SOBRE BOLSOSIMBA E MAIS SOBRE O DIVÓRCIO DE GUZZO E VEJA


Sobre Bolsosimba, o bolsolion das arábias, a usina de crises funciona a pleno vapor também no exterior. Se o presidente fosse eficiente assim na produção do que interessa, o Brasil seria um grande país.

O sapientíssimo ministro Marco Aurélio afirmou que o vídeo que compara o Jair Bolsonaro a um leão, e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições, a hienas (e que foi apagado da conta do presidente no Twitter, diante da forte repercussão negativa) pode ser encarado como uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz, que é investigado pela prática de "rachadinha" do gabinete de Flávio Bolsonaro, a chamada "rachadinha". 

Não é lá muito convincente a justificativa de Bolsonaro de que houve um “erro” (na publicação do tal vídeo), porque o próprio capitão assume a “responsabilidade”, embora dê a entender que o filme foi veiculado sem seu aval. Ou está mentindo, ou está dizendo à nação que seu esquema de redes sociais é seara fora de controle. uma legítima casa da mãe joana, para usar de expressão vulgar ao alcance do entendimento do próprio. Assista ao clipe para mais detalhes sobre mais esse episódio surreal em nossa bizarra republiqueta da Bananas:



Enquanto essa polêmica absurda e fora de hora sobre a analogia infeliz feita pelo mito, assoma no horizonte mais um imbróglio com potencial para causar mais frisson (como dizia o saudoso Ricardo Boechat, morre-se de tudo no jornalismo, menos de tédio) e nos levar a amaldiçoar (mais uma vez) Lula e o PT por nos forçar a "escolher" esse toco para amarrar nosso bode. 

Deve-se essa nova crise às relações perigosas da família Bolsonaro com milicianos. Para evitar que uma dificuldade aparentemente pequena se torne crítica e passe a influenciar o rumo do governo, o presidente precisaria acender a luz de casa, aconselha Josias de Souza. Mas, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, o mito ficou fora de si. A irritação compromete seu discernimento e o impede de ver que o nome da crise não é imprensa, e sim família Bolsonaro. Mas vamos por partes.

Deu no Jornal Nacional da última terça-feira que o nome do presidente foi suscitado na (interminável) investigação da morte da vereadora psolista Marielle Franco. Segundo o noticioso da Globo, a polícia do Rio descobriu que o suspeito Élcio de Queiroz entrou no condomínio Vivendas da Barra, no dia em que a parlamentar foi assassinada, alegando que visitaria (o então deputado) Jair Bolsonaro, quando na verdade foi encontrar com, Ronnie Lessa, também suspeito de ter participado do crime.

Após a veiculação da reportagem, o capitão afirmou que tem presença registrada no painel de votações da Câmara dos Deputados não só no dia 14 de março, mas também nos dias anteriores e posteriores ao do caso citado pelo porteiro à polícia (de fato, registros da Câmara acusam sua presença em duas votações no plenário no dia do crime, uma às 14h e outra às 20h30). Também negou a versão do porteiro e reiterou que não conhece os acusados pela morte da vereadora. Disse que o depoimento foi forjado em uma tentativa de atingi-lo, que se trata de uma fraude, uma farsa para atacar a imagem e a reputação do presidente da República. Sua defesa levanta, inclusive, a hipótese de que a pessoa que afirmou ter ido procurar Jair Bolsonaro o tenha dito com intuito de incriminar o presidente da República.

MP-RJ consultou Dias Toffoli — o diplomata da injustiça — para saber se pode prosseguir com as investigações — vale lembrar que, segundo o § 4º do artigo 86 da Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções"  (o grifo é meu).

Atualização: O ministro da Justiça pediu à PGR a abertura de inquérito para apurar “todas as circunstâncias” da citação do nome de Bolsonaro nas investigações do assassinato da vereadora psolista (ocorrido há exatos 597 dias). Na edição de ontem, o JN noticiou que Élcio Queiroz esteve na casa de Ronnie Lessa, embora tenha anunciado ao porteiro que iria à casa de Bolsonaro e de o funcionário ter dito que “seu Jair” autorizou sua entrada. Também na noite de ontem o capitão reafirmou numa live que os registros no painel de votação da Câmara comprovam sua presença em Brasília no dia em questão e especulou sobre os motivos que podem ter levado o porteiro a citar o seu nome em depoimento: "Ou o porteiro mentiu, ou foi induzido a cometer um falso testemunho, ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo". O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse considerar o depoimento do porteiro "muito fraco", mas que seria leviano dizer que o objetivo é atingir a pessoa do presidente, embora seja essa a impressão que se tem. Ouça mais sobre mais esse furdunço em https://soundcloud.com/jose-neumanne-pinto/neumanne-301019-direto-ao-assunto 

Enfim, a novidade chega num instante em que Fabrício Queiroz, um policial militar que trabalhou com os Bolsonaro, envia pelo WhatsApp sinais de que se considera abandonado. O ex-assessor de Zero Um na Alerj ainda não forneceu ao MP-RJ uma explicação que fique em pé sobre suas movimentações financeiras. Amigo de Queiroz, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, teve a mãe e a mulher pendurados na folha salarial do gabinete de Flávio Bolsonaro. Apelidado de "Caveira", o oficial Adriano foi expulso da corporação. Comandava uma milícia em Rio das Pedras. Está foragido.

É contra esse pano de fundo que a polícia civil do Rio encosta na biografia de Bolsonaro um letreiro de neon com o nome de Marielle. A novidade mistura-se aos passivos que não saem das manchetes. Acusado de peculato e lavagem de dinheiro, Zero Um percorre os corredores do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Duplamente blindado pelo Supremo — por uma liminar de Dias Toffoli e outra de Gilmar Mendes —, o ora senador toma distância de Queiroz: "Não falo com ele há quase um ano". Bolsonaro ecoa o filho. 

Afora os crimes de peculato e lavagem de dinheiro atribuídos a Flávio Bolsonaro e a rachadinha administrada por Queiroz, o MP-RJ esquadrinha a folha do gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal do Rio. Recolheram-se indícios de que funcionava ali outro ninho de ilegalidades funcionais. Num ambiente assim, presidente que se queixa da imprensa soa como capitão de navio que reclama da existência do mar. Só Bolsonaro sabe o tamanho real do buraco em que ele e sua família estão metidos. 

Toda crise tem um custo. Bolsonaro precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo. Em tese, ele ainda dispõe de três anos e dois meses de governo. Não há blindagem que dure tanto tempo. Melhor acender a luz, nem que seja num dos cômodos: o quarto das crianças.

Sobre o "divórcio" mencionado no título, segue a transcrição do texto autoexplicativo que J.R. Guzzo postou na casa nova:

Desde o último dia 15 não sou mais colaborador da revista “Veja”, na qual entrei em 1968, quando da sua fundação, e onde mantinha uma coluna quinzenal desde fevereiro de 2008. A primeira foi publicada na edição de 13/02/2008. A partir daí a coluna não deixou de sair em nenhuma das quinzenas para as quais estava programada.

Na última edição, com data de 16/10/19, a revista decidiu não publicar a coluna que eu havia escrito. O artigo era sobre o STF, e sustentava, como ponto central, que só o calendário poderia melhorar a qualidade do tribunal — já que, com a passagem do tempo, cada um dos 11 ministros completaria os 75 anos de idade e teria de ir para casa.

Supondo-se que será impossível nomear ministros piores que os destinados a sair nos próximos três ou quatro anos, a coluna chegava à conclusão que o STF tende a melhorar.

A liberdade de imprensa tem duas mãos. Em uma delas, qualquer cidadão é livre para escrever o que quiser. Na outra, nenhum veículo tem a obrigação de publicar o que não quer.

Ao recusar a publicação da coluna mencionada acima, “Veja” exerceu o seu direito de não levar a público algo que não quer ver impresso em suas páginas. A partir daí, em todo caso, o prosseguimento da colaboração ficou inviável.

Ouvimos, desde crianças, que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.

Espero que esta coluna tenha sido um bem que não durou, e não um mal que enfim acabou. Muito obrigado.