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segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

PSL — EM CASA ONDE FALTA PÃO, TODOS GRITAM E NINGUÉM TEM RAZÃO



Em vez de se empenhar em melhorar as relações com o Congresso em prol da aprovação das reformas que, espera-se, tirarão a economia do fundo do poço, o presidente Jair Bolsonaro especula se “não seria a hora de termos um ministro evangélico no STF” (detalhes no post de ontem). Pelo visto, o capitão acha que nossa mais alta Corte carece de pastores, não de magistrados de reputação ilibada e notável saber jurídico.

Ainda que a aprovação da reforma previdenciária sejam favas contadas — o Congresso não vai querer ser culpado de impedir o país de sair do buraco —, falta garantir, na Câmara, 308 votos entre 513 deputados divididos em experientes fisiologistas e novatos despreparados. E em matéria de articulação política o PSL é uma pérola do humor negro.

A inexperiência do deputado goiano de primeiro mandato Major Vitor Hugo se soma à absoluta falta de decoro que lhe autoriza a compartilhar alegremente, em grupos de WhatsApp, conteúdos que melindram seus pares na Câmara. Há pouco mais de um mês, o parlamentar publicou uma charge que associava articulação política a corrupção. O presidente da Câmara considerou a postagem um ataque ao Congresso, e ficou de mal do deputado pesselista — que tentou se explicar, mas Maia encerrou a reunião quando ele ainda estava falando.

Um líder do governo que não consegue dialogar com o presidente da Câmara representa à perfeição o partido do presidente — uma agremiação política sem unidade orgânica que desperdiça energia com questiúnculas e discussões miúdas. Com 54 deputados, quatro senadores e três governadores — dos quais 70% estão em primeiro mandato —, o PSL é um aglomerado de políticos que ganharam projeção por meio do ativismo digital, se elegeram na onda anti-establishment do bolsonarismo e, agora, são reféns das redes sociais que os ajudaram a chegar a Brasília.

Como desgraça pouca é bobagem — nem vou mencionar o laranjal do PSL —, o partido não é desarticulado apenas no Congresso: em São Paulo, Eduardo Bolsonaro, que substituiu o senador Major Olimpio na presidência estadual da sigla, busca preencher as vagas da executiva paulista com aliados. Zero três é o principal fiador de uma possível candidatura do apresentador José Luiz Datena à prefeitura de Sampa, com o deputado-príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança de vice. O objetivo seria impedir Joice Hasselmann — com quem o filho do capitão já se estranhou publicamente mais de uma vez — de se lançar ao cargo.

Na segunda-feira 20, Eduardo se reuniu por horas com o ex-assessor e hoje deputado estadual Gil Diniz. Na pauta, a situação da deputada Jamaicana Paschoal, eleita para a Assembleia de São Paulo com mais de 2 milhões de votos, que também era cotada para concorrer à prefeitura, mas irritou o núcleo duro do bolsonarismo ao questionar a sanidade mental do presidente e as manifestações do último dia 26 — e chegou mesmo a insinuar que poderia abandonar o partido, mas depois mudou de ideia.

Segundo a revista Veja, a contrariedade de Janaína com os protestos é fácil de explicar. Se fossem um fiasco, Bolsonaro sairá desmoralizado; se fossem um sucesso, afastariam ainda mais os deputados dos partidos tradicionais, que com boa razão não engolem a pauta original da manifestação, voltada contra o STF e o Congresso. Alvo de diversos memes, Rodrigo Maia irritou-se com a hostilidade ao Legislativo contida nas chamadas originais às manifestações, e já antes disso vinha reunindo deputados do Centrão e da oposição em sua casa para discutir formas de o Congresso tomar a frente do governo em pautas econômicas centrais, como a reforma da Previdência e a reforma tributária.

O PSL não foi convidado para esses encontros. Nem poderia. Como convidar 54 deputados que só pensam em si próprios e em suas redes?

quinta-feira, 30 de maio de 2019

SOBRE O PACTO INSTITUCIONAL



Os deputados do Centrão reagiram mal às críticas que sofreram nas manifestações de rua do último domingo. O líder do DEM, por exemplo, disse que “o radicalismo e a beligerância nunca levaram a lugar nenhum”, e o relator da reforma da Previdência tomou as dores de Rodrigo Maia: “não há sentido você atacar alguém que tem papel fundamental para a reforma, querendo a reforma”. Suas excelências, que se dizem representantes do povo, deveriam escutar e tentar aprender algo, pois parecem não saber interpretar a voz das ruas.

Devido ao mal-estar nas relações do Executivo com os demais Poderes, Bolsonaro tenta costurar um “pacto institucional” pró-reformas previdenciária e tributária. Sua maior preocupação ou a mais urgente, melhor dizendo era a MP 870, que acabou sendo aprovada pelo Senado na noite da última terça-feira. Moro perdeu o Coaf, mas às vezes é preciso dar os anéis para preservar os dedos. Se o Senado fizesse qualquer alteração, a matéria teria de ser reexaminada pela Câmara, e se os deputados não liquidassem a fatura antes da próxima segunda-feira, medida perderia o efeito e, dentre outras consequências indesejáveis, ressuscitaria os 7 ministérios extintos em janeiro (vale lembrar que o STF proibiu a reedição de medidas provisórias dentro do mesmo ano legislativo em que elas foram rejeitadas pelo Congresso). 

Em nosso sistema bicameral, as medidas provisórias — sucessoras dos decretos-lei da ditadura militar — são votadas na Câmara e enviadas ao Senado, que atua como casa revisora. Aprovadas, elas seguem para sanção presidencial; modificadas, retornam à Câmara, que avaliza ou não as emendas e envia o texto final para a sanção do chefe do Executivo. Sua tramitação costuma ser bem mais rápida que a de projetos de lei e emendas constitucionais, mas como nossos parlamentares dão expediente de terça a quinta... bom, deixa pra lá 

Nos bastidores do Congresso, a avaliação é de que, mesmo com desconfianças em relação a Bolsonaro, há que investir rapidamente em um acordo para evitar que as crises política e econômica se aprofundem. De fato, urge pôr um fim nesse ambiente de cortiço de quinta classe. Mas o pacto suscita duas questões: 1) Combinaram com o ex-astrólogo e autoproclamado guru de Virgínia e com os primeiros-filhos, notadamente o pitbull zero dois?  2) Como o Judiciário pode participar de pactos envolvendo assuntos que ele acabará sendo obrigado a julgar?

Bolsonaro pode abrir mão de legislar por medidas provisórias o que ele dificilmente fará e o Congresso pode se dispor a aprovar projetos vindos do Executivo, mas o STF não pode assumir qualquer compromisso que não com a Constituição. E muito menos o presidente da corte — aquele que foi reprovado em dois concursos para juiz ordinário, que defende o fim da prisão em segunda instância e que estranhamente propôs um pacto político e não de Estado — pode falar em nome de sues pares e garantir que todos concordarão com ele. Pelo menos dois ministros supremos desaprovaram a iniciativa de Toffoli e consideram temerário seu envolvimento num acordo em torno de temas sobre os quais a corte fatalmente terá de se pronunciar em processos que estão por vir.

O jeito é acompanhar e ver aonde tudo isso vai nos levar.