Em vez de se empenhar em melhorar as relações com o
Congresso em prol da aprovação das reformas que, espera-se, tirarão a economia
do fundo do poço, o presidente Jair
Bolsonaro especula se “não seria a
hora de termos um ministro evangélico no STF” (detalhes no post de ontem). Pelo
visto, o capitão acha que nossa mais alta Corte carece de pastores, não de
magistrados de reputação ilibada e notável saber jurídico.
Ainda que a aprovação da reforma previdenciária sejam favas
contadas — o Congresso não vai querer ser culpado de impedir o país de sair do
buraco —, falta garantir, na Câmara, 308 votos entre 513 deputados divididos em
experientes fisiologistas e novatos despreparados. E em matéria de articulação
política o PSL é uma pérola do humor
negro.
A inexperiência do deputado goiano de primeiro mandato Major Vitor Hugo se soma à absoluta
falta de decoro que lhe autoriza a compartilhar alegremente, em grupos de
WhatsApp, conteúdos que melindram seus pares na Câmara. Há pouco mais de um
mês, o parlamentar publicou uma charge que associava articulação política a
corrupção. O presidente da Câmara considerou a postagem um ataque ao Congresso,
e ficou de mal do deputado pesselista — que tentou se explicar, mas Maia
encerrou a reunião quando ele ainda estava falando.
Um líder do governo que não consegue dialogar com o
presidente da Câmara representa à perfeição o partido do presidente — uma
agremiação política sem unidade orgânica que desperdiça energia com
questiúnculas e discussões miúdas. Com 54 deputados, quatro senadores e três
governadores — dos quais 70% estão em primeiro mandato —, o PSL é um aglomerado de políticos que ganharam
projeção por meio do ativismo digital, se elegeram na onda anti-establishment
do bolsonarismo e, agora, são reféns das redes sociais que os ajudaram a chegar
a Brasília.
Como desgraça pouca é bobagem — nem vou mencionar o laranjal do PSL —, o partido não é desarticulado apenas no Congresso: em São Paulo, Eduardo Bolsonaro, que substituiu o
senador Major Olimpio na presidência
estadual da sigla, busca preencher as vagas da executiva paulista com aliados.
Zero três é o principal fiador de uma possível candidatura do apresentador José Luiz Datena à prefeitura de Sampa,
com o deputado-príncipe Luiz Philippe de
Orleans e Bragança de vice. O objetivo seria impedir Joice Hasselmann — com quem o filho do capitão já se estranhou
publicamente mais de uma vez — de se lançar ao cargo.
Na segunda-feira 20, Eduardo
se reuniu por horas com o ex-assessor e hoje deputado estadual Gil Diniz. Na pauta, a situação da
deputada Jamaicana Paschoal, eleita
para a Assembleia de São Paulo com mais de 2 milhões de votos, que também era
cotada para concorrer à prefeitura, mas irritou o núcleo duro do bolsonarismo
ao questionar a sanidade mental do presidente e as manifestações do último dia
26 — e chegou mesmo a insinuar que poderia abandonar o partido, mas depois
mudou de ideia.
Segundo a revista Veja,
a contrariedade de Janaína com os
protestos é fácil de explicar. Se fossem um fiasco, Bolsonaro sairá desmoralizado; se fossem um sucesso, afastariam
ainda mais os deputados dos partidos tradicionais, que com boa razão não
engolem a pauta original da manifestação, voltada contra o STF e o Congresso. Alvo
de diversos memes, Rodrigo Maia
irritou-se com a hostilidade ao Legislativo contida nas chamadas originais às
manifestações, e já antes disso vinha reunindo deputados do Centrão e da
oposição em sua casa para discutir formas de o Congresso tomar a frente do
governo em pautas econômicas centrais, como a reforma da Previdência e a
reforma tributária.
O PSL não foi
convidado para esses encontros. Nem poderia. Como convidar 54 deputados que só
pensam em si próprios e em suas redes?