Mostrando postagens com marcador PSL. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador PSL. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

FALTA DO QUE FAZER E DE VERGONHA NA CARA



Depois de negar o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a decisão de suspender todas as investigações baseadas em dados fornecidos pelo ex-Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira, o tiranete da ditadura da toga voltou atrás. Na noite da última segunda-feira, em despacho, o presidente do STF escreveu: "Diante das informações satisfatoriamente prestadas pela UIF, em atendimento ao pedido dessa corte, em 15/11/19, torno sem efeito a decisão na parte em que foram solicitadas, em 25/10/19, cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs), expedidos nos últimos três anos”, afirmou Toffoli em nova decisão, desta segunda-feira (18). Ressalto que esta corte não realizou o cadastro necessário e jamais acessou os relatórios de inteligência”.

Na sessão desta quarta-feira, o plenário do Supremo deve decidir se o compartilhamento dos dados pode ser genérico ou detalhado. Há quem entenda que o compartilhamento genérico prejudica avanço de investigações e quem afirme que o compartilhamento detalhado equivale à quebra de sigilo, o que só pode ocorrer com autorização judicial. No mês passado, um levantamento parcial feito pelo MPF deu conta de que ao menos 700 investigações estavam paradas em razão da decisão de Toffoli.


A extraordinária desimportância da notícia informando ao Brasil que o presidente Jair Bolsonaro deixou o PSL para criar um partido para chamar de seu (uma coisa chamada “Aliança” disso ou daquilo) só é superada pela própria desimportância do PSL e da tal “Aliança”, mas teve ao menos um aspecto positivo: chamou a atenção de todos, mais uma vez, para a abominação que é esse “Fundo Partidário”, um assalto à mão desarmada contra o bolso da população brasileira – roubo legal, que transfere diretamente dinheiro do contribuinte para os deputados e senadores gastarem como bem entenderem.

Como bem entenderem mesmo: os autores da trapaça tiveram o cuidado de deixar claro que os recursos do “Fundo” não têm de ser gastos, obrigatoriamente, com nenhuma atividade política, eleitoral, ideológica ou qualquer coisa vagamente ligada a um possível interesse público. São simplesmente creditados no patrimônio financeiro pessoal dos políticos, como um DOC de banco. É transferência direta e grosseira de renda do público para um grupo privado.

O PSL só existe porque Bolsonaro existe: é mais uma gangue partidária que pulou no bonde bolsonarista quando viu que sua campanha era a mais forte da eleição presidencial de 2018. O partido tinha 1 (um) deputado; passou de um dia para outro a ter mais de 50. Virou, automaticamente, um gato gordo na Câmara e, com o seu novo tamanho, passou a ter direito a uma parte muitíssimo maior do dinheiro roubado que compõe o “Fundo Partidário”. Com o seu desmanche, toda a discussão – a discussão de verdade – passou a ser em torno de quanto dinheiro vai sair daqui para lá, “quem ganha e quem perde”, etc. etc.

Todos os partidos, esses mesmos que vivem falando em princípios, honestidade e outras mentiras metem a mão no dinheiro do “Fundo”. Mais: o Partido Novo, o único que se recusa a utilizar a sua parte, é obrigado por lei a receber. Talvez seja o pior de todos os insultos que deputados e senadores fazem a você.

O assaltante de rua, pelo menos, não finge que não está roubando.

Com J.R. Guzzo

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CENÁRIO POLÍTICO - UM POUCO DE TUDO E MUITO DE NADA



Inicio as postagens da semana com uma boa notícia, para variar: a versão White House do Pato Donald anunciou ontem a morte do líder do grupo terrorista Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi. Não me entendam mal. Não se trata de celebrar a morte de alguém, mas de festejar a extirpação de um câncer. Afinal, o que é o terrorismo senão um câncer?

Também dedico algumas linhas à disputa entre a versão planaltense do Pateta & Filhos e os líderes do PSL pelo controle da legenda e respectivo fundo partidário, que no final do ano pode chegar a R$ 110 milhões. 

Depois da troca de afagos — Peppa Pig pra lá, Bambi pra cá — entre certo ex-candidato a embaixador e certa ex-líder do governo no Congresso, o tempo fechou de vez, e são grandes as possibilidades de esse bate-boca de cortiço ir parar no STF — que além de corte constitucional e última instância do Judiciário também atua como curva de rio (local onde o lixo arrastado pela correnteza tende a se acumular).

A bronca do clã presidencial com Joice Hasselmann é tamanha que o próprio Jair Bolsonaro se deu ao trabalho de espalhar para seus contatos do zap a montagem da deputada na famosa nota de 3 reais. E depois que o Delegado Waldir foi substituído por Zero Três na liderança da sigla na Câmara (o ex-candidato a embaixador abriu mão "patrioticamente" dessa pretensão para prestar localmente seus inestimáveis serviços ao país), o troco não se fez esperar: processos de expulsão foram abertos contra 19 deputados alinhados ao presidente Bolsonaro.

Observação: O líder tem como principal atribuição representar a sigla na Câmara. Cabe a ele, por exemplo, discursar na tribuna para falar em nome do partido e fazer a orientação sobre como a bancada deve votar em cada projeto em discussão. É ele quem negocia diretamente com o presidente da Câmara e de suas comissões as pautas, orientações e acordos, cabendo-lhe, ainda, levar o pleito da bancada em reuniões com representantes de outros Poderes, em especial com o Executivo. O deputado que ocupa a liderança de um partido tem ainda uma estrutura maior de apoio, com direito a gabinete adicional com assessores e cargos.

Sobre o julgamento das deploráveis ADCs (assunto que venho abordando desde o último dia 17, quando a novela começou), a sessão da última quinta-feira foi adiada depois que Rosa Weber concluiu sua confusa exposição de motivos e, num voto imenso, mal lido e com citações que nada tinham a ver com o objeto da discussão, seguiu a posição adotada pelo relator. Mas vale lembrar que a ministra não mudou de opinião, pois sempre foi contrária à prisão após condenação em segunda instância — embora viesse seguindo o entendimento da maioria "em respeito ao princípio da colegialidade".

Seja como for, Rosa era tida como o "fiel da balança", e seu voto foi mais um prego no caixão da Lava-Jato. Se a tendência não mudar (e pode mudar, como veremos mais adiante), voltará a valer a regra que vigeu entre 2009 e 2016, segundo a qual o cumprimento da pena só tem início depois de todos os recursos possíveis, imagináveis e admissíveis nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim serem apreciados — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Na quanta-feira, quando Toffoli já se preparava para suspender a sessão, o "apressadinho" Ricardo Lewandowski fez questão de ler seu voto (não vai levar mais que dez minutinhos, presidente) e mudou o placar de 4 a 2 para 4 a 3. Quando o julgamento for retomado na próxima semana, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimento o voto de Cármen Lúcia (que deve acompanhar a maioria dissidente) e os de Gilmar Mendes e Celso de Mello (que tendem a seguir o relator) devem formar o placar de 5 a 5, ficando o desempate por conta do voto de Minerva do presidente da Corte.

Para náufrago, diz um velho ditado, qualquer jacaré é tronco, e a despeito de seu "invejável" currículo, Toffoli é tudo que nos resta. E a boa notícia é que ele deu a entender que pode mudar seu posicionamento. Nas quatro ocasiões em que a prisão em segunda instância foi discutida, sua excelência só votou a favor em 2016 (a exemplo de Gilmar Mendes, que então defendia esse entendimento com unhas e dentes). No último dia 17, porém, após suspender a sessão, disse que “muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo”.

Também me dá esperança o fato de Toffoli almejar ser lembrado como o "presidente conciliador", tendo, inclusive, sugerido uma terceira via. Se sua proposta for realmente levada em mesa (e aprovada pela maioria), o cumprimento provisório da pena passará a ser iniciado após a decisão do STJ, o que não é grande coisa, mas ajuda a evitar que a prescrição da pretensão punitiva do Estado mantenha longe da cadeia políticos corruptos e demais condenados com cacife para contratar criminalistas chicaneiros estrelados, especializados em procrastinar ad æternum o julgamento final dos processos.

Talvez essa proposta seja mais uma jabuticaba jurídica, mas o que é mais uma chaga para um lazarento? O que é exorbitar a hermenêutica para alguns julgadores togados que, em vez de atuar como guardiões da Constituição, reescrevem as leis para favorecer seus bandidos de estimação? Quer um exemplo? Então vamos lá: semanas atrás o STF não só anulou a condenação de Márcio de Almeida Ferreira (essa foi a segunda anulação de sentença no âmbito da Lava-Jato) como se posicionou a favor (por 7 votos a 4) do desenvolvimento de uma tese que norteie as instâncias inferiores sobre a ordem de apresentação dos memoriais em processos que envolvem réus delatores e delatados. O julgamento foi adiado sine die, mas deverá ser retomando agora em novembro.

Observação: Inexiste previsão legal de que os delatados falem por último. Nem na Constituição, nem no Código Penal, nem no Código de Processo Penal, que foi revisto e reformado muitas vezes, inclusive depois do surgimento da delação premiada. O que há é a vontade política de alguns ministros que, a pretexto de uma cruzada contra as "arbitrariedades" da Lava-Jato, valem-se da "jurisprudência criativa" para anular todo o esforço feito até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Demais disso, “jurisprudência criativa" que prevê algo que não estava na lei equivale a lei processual nova e portanto não invalida atos processuais levados a efeito anteriormente.

Resumo da ópera: Se a jurisprudência sobre a prisão em segunda instância for mudada e o status quo que vigeu entre 2009 e 2016 restabelecido, consagrar-se-á uma situação que não existe em lugar nenhum do mundo — nem mesmo em democracias sólidas, garantidoras do direito à plena defesa e ao devido processo legal, mas onde bandidos condenados começam a cumprir suas penas após a decisão da segunda instância, senão logo depois da primeira condenação. É bom lembrar que na segunda instância encerra-se a análise do processo à luz da matéria fática (provas, etc.). Quando um recurso chega ao STJ ou ao STF, a culpabilidade do réu já está plenamente estabelecida, não cabendo aos ministros, portanto, declarar inocente alguém que os desembargadores do Tribunal Regional Federal (ou do Tribunal de Justiça, conforme o caso) tenham considerado culpado, ainda que possam anular um julgamento baseado em erros processuais, como uso de provas ilícitas ou cerceamento de defesa, por exemplo. Nestes casos, o julgamento é refeito, podendo, inclusive, resultar em nova condenação.

Ao contrário do que almejam os corruptos e seus defensores, as Cortes superiores existem para atuar no caso de direitos fundamentais dos réus serem violados durante o processo, e não para protelar ao máximo o momento em que os criminosos terá de acertar suas contas com a Justiça — ou, com alguma sorte, empurrar a coisa com a barriga até que a prescrição fulmine inexoravelmente a eficácia da pretensão punitiva/executiva do Estado.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O STF, O PSL E O REI NU


Ao som do apito do árbitro supremo, deu-se início na arena suprema mais um supremo jogo de cartas marcadas. Para que rendesse suprema bilheteria, a suprema partida foi suspensa depois que um sem-número de bocas-moles despejou da tribuna outras tantas abobrinhas. Assim, garantiu-se o supremo suspense até a semana que vem, quando então conheceremos não o supremo vencedor, mas o placar que lhe deu a vitória — a menos, naturalmente, que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. 

Pelo andar da carruagem e o ladrar da cachorrada, o gigante eternamente adormecido em berço esplêndido, também conhecido como o país do futuro que nunca chega, poderá adicionar a esse notável portfólio o epíteto de republiqueta da vergonha e do retrocesso. Parabéns aos togados supremos por mais um supremo desserviço prestado à sofrida e extorquida plebe ignara que por alguma razão ainda banca seus supremos estipêndios — até quando, porém, só mesmo Deus e o Diabo sabem.    

Enquanto o PSL segue em pé de guerra, o STF flerta com a convulsão social e o "mito" reencena a peça do rei nu.

Horas antes do início da sessão desta quinta-feira, o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, mandou pelo Twitter um recado aos ministros, no qual disse que a mudança na norma que impulsionou o combate à corrupção pode levar o povo brasileiro a "cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social".

Dois togados supremos foram ouvidos por Josias de Souza. Um ponderou que o general "já não comanda o Exército e tem o direito de se manifestar como qualquer cidadão", outro tachou o tuíte de "tentativa bisonha de interferir no resultado do julgamento". Vale lembrar que, no ano passado, Villas Boas também recorreu ao Twitter quando a Corte estava prestes a julgar o pedido da defesa de Lula para que o ex-presidente não fosse preso. Em linguagem mais direta, ele escreveu à época que o Exército, avesso à impunidade, estava atento "às suas missões institucionais".

O então candidato Jair Bolsonaro era um ardoroso defensor em segunda instância. Eleito, não dá um pio sobre o assunto. Às vésperas do início do julgamento, o capitão recebeu em audiência o trio calafrio Toffoli, Moraes e Mendes. O teor das conversas não foi revelado.

O apreço retórico de Bolsonaro pelo encarceramento de corruptos era tão grande que ele fez, no final de 2017, uma exigência inusual para o PEN, um dos partidos com os quais negociava sua filiação. Além de reivindicar a troca do nome da legenda para Patriota, cobrou a desistência de uma liminar protocolada no Supremo em favor da abertura das celas dos condenados em duas instâncias. Mas acabou optando pelo PSL.

O PEN cumpriu as exigências do então candidato. Passou a se chamar Patriota e desistiu do pedido de liminar, destituindo o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Mas já não podia mais abrir mão da ação: a Ação Direta de Constitucionalidade é uma ação indisponível e não seria possível a desistência. Kakay fará sustentação oral no Supremo, na condição de amicus curiae, em nome do Instituto de Garantias Penais.

Pelo menos dois dos ministros recebidos por Bolsonaro na última quarta são contrários à prisão de condenados em duas instâncias. Antes, o capitão torcia o nariz para ambos. Mas descobriu recentemente que Toffoli e Gilmar são amigos de infância que ele conheceu depois dos 60 anos. A revelação da amizade tardia veio junto com duas liminares que os ministros expediram para trancar o processo do primogênito Zero Um por peculato e lavagem de dinheiro.

Quanto à crise no PSL, Josias de Souza explica com maestria: "Não é que o crime não compensa. É que, quando compensa, passa a se chamar Partido Político. Se o mensalão e o petrolão serviram para alguma coisa, foi para comprovar que os maiores partidos brasileiros tornaram-se apenas ramificações do crime organizado. E o PSL serve para demonstrar que, se você tiver carisma e disposição para chamar a mesma porcaria de nova política, vai acabar transformando um partido nanico num gigante do Legislativo. Embora continue sendo a mesma porcaria".

O PSL tem um patrono que pede que esqueçam o seu partido. Amanhece com a PF na casa do seu presidente e anoitece de mãos dadas com arquirrivais como PT e PCdoB numa obstrução legislativa contra o governo. Coisa comandada pelo líder Delegado Waldir, que deveria zelar pelos interesses do Planalto. No Legislativo, a sigla afasta o líder do governo, Major Vitor Hugo, de uma comissão sobre reforma previdenciária dos militares. No Ministério do Turismo, tolera um filiado tóxico, já indiciado e denunciado. Na Alesp, o drama de Gil Diniz pendurado nas manchetes como adepto da "rachadinha" evidencia que Flávio Bolsonaro fez escola.

O nome escondido atrás da sigla PSL é Partido Social Liberal, mas nada tem de social nem, muito menos, de liberal. Seu liberalismo perdeu-se no modelo patrimonialista de gestão da milionária verba pública do fundo partidário. O PSL poderia se chamar Janete ou Partido Sem Limites. Para os seus propósitos, daria no mesmo. E nada seria capaz de mudar o fato de que o partido do presidente da República entrou num processo irreversível de autocombustão.

No frigir dos ovos, nosso indômito presidente revela um talento insuspeitado para um tipo de música especial: a percussão. Ele exibe uma habilidade extraordinária no manuseio do tambor, mas, como todo artista talentoso, não toca em qualquer palco. Ao exigir "transparência" do PSL, por exemplo, bate bumbo sob um enorme telhado de vidro. Depois de abrir uma crise com a legenda pela qual se elegeu, esclarece que não deseja controlá-la, quer apenas transparência. "Vamos mostrar as contas", diz Bolsonaro. "O dinheiro é público. São R$ 8 milhões (do fundo partidário) por mês."

Graças a Bolsonaro, o brasileiro descobriu que o imenso telhado de vidro é o melhor posto de observação para acompanhar a briga interna do PSL. É dali que o país assiste há uma semana ao strip-tease da virtude. Os próprios correligionários cuidaram de lembrar o presidente de que, antes de exibir transparência do partido, ele precisa levantar o tapete que esconde o enrosco do primogênito Flávio Bolsonaro, o cheque que caiu na conta da primeira-dama Michelle, o empréstimo mal explicado feito ao correntista atípico Fabrício Queiroz e os interesses que o levaram a compactuar com o laranjal do ministro do Turismo.

Num ambiente assim, ao insinuar que a crise é coisa da imprensa, que só enxerga "coisa ruim", Bolsonaro transforma a política num outro ramo do humorismo. Por sorte, quem observa com atenção a gincana de lama que se desenrola no partido percebe que o presidente não tem apenas o telhado de vidro. O paletó, a camisa e a calça também são feitas de vidro. O mais curioso é que são seus próprios correligionários, não os oposicionistas, que avisam ao país que o rei está nu.

sábado, 12 de outubro de 2019

NO PERU, AS MANOBRAS PARA ABAFAR A ROUBALHEIRA DA ODEBRECHT ABRIRAM O CAMINHO PARA O FECHAMENTO DO CONGRESSO E O BLOQUEIO DO SUPREMO. AINDA HÁ TEMPO PARA EVITAR QUE O MESMO OCORRA NO BRASIL

Ainda sobre o cochicho que virou bochicho (falo do "esqueça o PSL, esqueça Bivar"), Bolsonaro pode ou não deixar o partido pelo qual disputou as eleições presidenciais no ano passado, e que, de carona com sua popularidade, passou de uma legenda nanica, com um único representante na Câmara Federal, à segunda maior bancada da Casa, atrás somente do PT.

Se realmente o casamento terminar — o próprio Bolsonaro comparou o entrevero a uma "briga de marido e mulher", mas seu comentário fez com que essa divergência doméstica fosse ouvida por toda a vizinhança —, é possível que parte dos parlamentares pesselistas sigam o capitão e migrem para o Patriota — partido do qual nossa usina de crises já foi “pré-filiada” no passado.

Antes da campanha de 2018, o "mito" chegou a ser apresentado como candidato à Presidência pelo então PEN — Partido Ecológico Nacional —, que mais adiante trocaria o nome para Patriota. Mas a única ligação entre o então deputado e a sigla foi uma ficha “pré-datada”, com a filiação marcada para o dia 10 de março de 2018, assinada por hoje presidente desta banânia, que reconheceu o "noivado" e a "possibilidade de haver casamento". O romance azedou porque o capitão queria que Gustavo Bebianno assumisse o comando da campanha e que o partido desistisse da ação que abrira no STF contra o entendimento da Corte de permitir prisões de pessoas condenadas em segunda instância, chegando mesmo a dizer que não queria ficar conhecido por pertencer a uma partido que “acabou com a Lava-Jato”.

“Fiz das tripas coração para tê-lo com a gente, mudei o nome do partido, mexi no nosso estatuto, dei mais de 20 diretórios para o grupo dele. Mas você não pode ser convidado para entrar em uma casa e depois querer tomar ela inteira para você, expulsando seus moradores originais”, afirmou Adilson Barroso, dirigente do Patriota. Em dezembro de 2017, Bolsonaro passou a negociar com o PSL, e agora, ao que parece, chegou à fase do "foi bom enquanto durou".

Depois de 11 anos no exército — e de ter sido preso por 15 dias em 1986, após ter escrito um artigo publicado na revista Veja sob o título “O salário está baixo” —, o então capitão passou para reserva e ingressou na vida pública como vereador (na hipótese de não se eleger, pensou em trabalhar como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de mergulho que fizera anos antes). Ficou dois anos na Câmara Municipal antes de vencer a primeira das 7 eleições para deputado federal que disputou. Em seus quase trinta anos como deputado do baixo clero, passou por 8 partidos (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL), respondeu a 7 processos por quebra do decoro parlamentar, apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu aprovar apenas dois. Foi escolhido presidente por 57.797.847 dos votos dos 147.305.155 brasileiros aptos a votar (47.040.906 escolheram o bonifrate do presidiário de Curitiba, demonstrando que, além de ser majoritariamente analfabeto, o eleitorado tupiniquim decididamente não cultiva o saudável hábito de pensar) graças a sua postura antipetista e à promessa de travar uma cruzada contra a corrupção na política.

O problema é que desde o ano passado a pecha de político corrupto pende como a espada de Dâmocles sobre o cocuruto de Flávio Bolsonaro, que até hoje não explicou diversas movimentações suspeitas em sua conta corrente e em cujo gabinete na Alerj abundam indícios de "rachadinha" (retenção, em benefício do parlamentar, de parte dos salários dos assessores e funcionários do gabinete) e de contratação de funcionários-fantasma, tudo sob a regência do Maestro-Gasparzinho Fabrício Queiroz, cujo paradeiro só a revista Veja descobriu e, segundo o presidente, está com a mãe de alguém, só não se sabe de quem.

A exemplo do encantador de jegues preso em Curitiba, Bolsonaro é um populista e, como tal, fascina uma significativa parcela da população — os Bolsomínions, que podem ser definidos como petistas atávicos com sinal trocado —, que parece não ver (ou não se importar) que seu "Messias" tem pés de barro. Afinal, ninguém sobrevive a 27 anos na Câmara Federal se for o baluarte da retidão, o exterminador da corrupção, o inimigo figadal a velha política. O capitão vendeu essa imagem, mas ela começou a derreter quando o MP-RJ começou a apertar o cerco em torno de zero um, e assim foi-se a carta-branca de Moro, suas medidas anticrime e anticorrupção e coisa e tal. Parafraseando o desembargador Abel Gomes, do TRF-2, em seu voto pela prisão do ex-presidente Michel Temer, "quem tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré não pode ser um coelho branco".

Como disse Diogo Mainardi, o presidente está dividido entre o entre o acordão com o STF (e a necessidade de negociar com o sistema podre) e o impeachment dos ministros do STF (conflito aberto). Depois de devastar sua base eleitoral, traindo os antigos aliados, Bolsonaro deve se
acertar com o inimigo, cobrindo-o de regalias. Ao mesmo tempo, ele reconhece que o eleitorado bolsonarista repudia esse acordão, sobretudo quando ele é usado para esmagar a Lava-Jato. Para qual lado o mito vai pender? A resposta deve ser dada em 10 de novembro. A ala do bolsonarismo que defende o conflito aberto contra o sistema podre vai às ruas. Se até lá o STF já tiver inocentado Lula (anulando o processo do triplex) e soltado seus comparsas (abolindo o encarceramento em segundo grau), o capitão poderá tentar recuperar uma parte de seu eleitorado alimentando os protestos.

No Peru, as manobras para abafar a roubalheira da Odebrecht abriram o caminho para o fechamento do Congresso e o bloqueio do Supremo. Ainda há tempo para evitar que o mesmo ocorra no Brasil.

Sobrando tempo e havendo interesse, assista ao clipe a seguir, que explica a novela (mais uma) do não ingresso do Brasil na OCDE:


sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A CRISE BOLSONARO X PSL — QUANDO O NAVIO ABANDONA OS RATOS


Quase um ano após trocar a magistratura por um cargo no governo, Sérgio Moro disse a Veja que " BRASÍLIA É CHEIA DE INTRIGAS". Não demora e o ex-juiz da Lava-Jato descobrirá que merda fede. Jair Bolsonaro já fez essa descoberta, e agora tenta se afastar do bodum. No afã de se blindar contra o mau cheiro exalado pela LARANJAL DO PSL, ele faz como o cara que muda de calçada depois de pisar na merda (voltaremos a esse assunto mais adiante).

Dias atrás, disse o presidente, ao vivo em cores, que "o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, mas no minério". Depois, perguntado sobre o paradeiro de Fabrício Queiroz, respondeu: "Tá com a sua mãe". Quando alguém que se apresentou como pré-candidato no Recife pelo PSL e disse que estava com Bolsonaro e com Bivar (presidente nacional do PSL), cochichou em seu ouvido que esquecesse o PSL. E emendou: o Bivar está queimado para caramba lá. Vai queimar o meu filme também. Esquece esse cara”. Como de praxe, sua excelência perdeu mais uma chance de ficar de boca fechada. Se tivesse deixado passar o comentário, o cochicho não teria virado bochicho. Pondo lenha na fogueira, a usina de crises ambulante acentuou o racha no partido pelo qual se elegeu — e que, graças a ele, passou de uma sigla nanica, com um único deputado federal, à segunda maior bancada na Câmara (atrás somente do PT).

Observação: Desde que deu baixa do exército e ingressou na política, Bolsonaro trocou de partido nada menos que sete vezes.

Palavras são só palavras, mas o fato é que o presidente, sempre "cioso da liturgia do cargo" (entre aspas para destacar a ironia com que eu digo isso), usa-as para deixar patente que a diplomacia está no sangue de seu clã (a julgar pela genética, Zero Três fará um excelente trabalho à frente da embaixada do Brasil nos EUA). Se realmente deixar o partido, teremos a curiosa situação em que o navio abandona os ratos; se ficar só na ameaça, ainda assim alimentará as chamas que ardem no ninho pesselista e escreverá mais um capítulo da nova novela que envolve o governo.

Apesar de seu papel relevante no crescimento do PSL na última eleição, Bolsonaro não tem influência proporcional no processo decisório no partido. O Diretório Nacional é composto por aliados de Bivar, que deverá ter posição decisiva na definição de candidaturas, estratégias e da distribuição de recursos no ano que vem. De um lado, o capitão poderia buscar o afastamento da crise dos laranjas e construir uma base mais coesa. De outro, há riscos de aprofundamento na divisão da direita e mais turbulências na gestão da governabilidade. Além disso, não há garantias de que a massa de parlamentares eleitos graças à onda bolsonarista no último pleito o seguiria — sobretudo quando se considera que a nova sigla não contaria com estrutura partidária e acesso a recursos públicos. E é nisso que apostam os dirigentes do PSL. Se a decisão for pela migração para uma sigla já existente, há risco de parlamentares perderem o mandato.

Nos cálculos de bolsonaristas, o grupo contaria com cerca de 30 deputados da bancada de 54 parlamentares pesselistas na Câmara. Se as estimativas se confirmarem, a bancada será a nona maior da casa legislativa, com 24 assentos a menos que o PT. Além disso, em não havendo expulsão nem justa causa para a saída, o presidente e os parlamentares que o acompanharem não poderão levar o cofrinho, o que significa abrir do Fundo Partidárioaquele dinheiro que os políticos roubam de nós para se elegerem e continuar nos roubando. A sigla deve receber cerca de R$ 103 milhões neste ano e R$ 360 milhões em 2020, sendo R$ 245,2 milhões do Fundo Eleitoral.

Nos bastidores, Bolsonaro teria dito aos deputados com os quais se reuniu na última quarta-feira que busca alternativas jurídicas para abrir a maçaneta da porta de saída do PSL. À imprensa, negou que esteja fazendo as malas, classificou suas desavenças com o partido de "briga de marido e mulher", coisa que "de vez em quando acontece". Considerando-se o caráter mercantil da relação, o matrimônio deveria se chamar "patrimônio". No caso específico, um patrimônio público.

O lado bom da história é que os dados de votações na Câmara mostram que o conflito está visível muito mais na política partidária do que no cotidiano de votações do Congresso. O PSL é o partido mais alinhado às orientações do governo. Em 98% das vezes em que votaram, os deputados pesselistas seguiram a indicação do Executivo.

Para encerrar, transcrevo mais um artigo do sempre brilhante Josias de Souza:

Ganha um cesto de laranjas quem for capaz de apontar um mísero tema de interesse público associado à irritação que leva Jair Bolsonaro a tratar o seu próprio partido, o PSL, na base do pontapé. Se Bolsonaro estivesse discutindo com o presidente do PSL, Luciano Bivar, por conta da promiscuidade que transforma a legenda em matéria prima para a Polícia Federal e o Ministério Público, tudo bem. Mas é improvável que o presidente inicie a sério esse tipo de debate. A menos que pretenda começar pela sujeira que se acumula no seu quintal, onde, como realçou o Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, acumula-se a sujeira produzida pelo filho Flávio Bolsonaro e o faz-tudo Fabrício Queiroz.

A causa mais visível da encrenca é uma disputa pelo poder partidário, o que inclui a administração de duas caixas milionárias: o fundo partidário e o fundo eleitoral. Os dois são abastecidos com dinheiro público. Bolsonaro diz que Bivar está "muito queimado". É impossível discutir com o presidente numa matéria em que ele vai se tornando um especialista. Mas o mal de uma briga a céu aberto entre o estorricado e o tostado é o eleitor que passa não distinguir quem exala mais cheiro de cinzas.

Hoje, Bolsonaro ameaça saltar do PSL fazendo a pose de um navio que abandona os ratos. Como a lei não permite levar o caixa do partido junto, não são negligenciáveis as chances de o capitão permanecer na legenda. Se sair trocará um problema pelo outro, pois os partidos no Brasil viraram apenas mais um ramo do crime organizado. Se ficar, conviverá num mato do qual não sai coelho. Só sai Luciano Bivar, Marcelo Álvaro Antonio, Flávio Bolsonaro.

Tudo isso não chega a afetar o café com leite dos brasileiros. Mas contribui para fazer de Bolsonaro apenas mais um personagem da crise de representatividade que levou os eleitores brasileiros a transformarem todas siglas partidárias — PT, PSDB, MDB, PSL e que tais — em sinônimo da única sigla que qualquer um decodifica instantaneamente. Tem apenas três letras. Começa com F, traz o D no meio e termina com P.