Quase um ano após trocar a magistratura por um cargo no governo, Sérgio Moro disse a Veja que " BRASÍLIA É CHEIA DE INTRIGAS". Não demora e o ex-juiz da Lava-Jato descobrirá que merda fede. Jair Bolsonaro já fez essa descoberta, e agora tenta se afastar do bodum. No afã de se blindar contra o mau cheiro exalado pela LARANJAL DO PSL, ele faz como o cara que muda de calçada depois de pisar na merda (voltaremos a esse assunto mais adiante).
Dias atrás, disse o presidente, ao vivo em cores, que "o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, mas no minério". Depois, perguntado sobre o paradeiro de Fabrício Queiroz, respondeu: "Tá com a sua mãe". Quando alguém que se apresentou como pré-candidato no Recife pelo PSL e disse que estava com Bolsonaro e com Bivar (presidente nacional do PSL), cochichou em seu ouvido que esquecesse o PSL. E emendou: o Bivar está queimado para caramba lá. Vai queimar o meu filme também. Esquece esse cara”. Como de praxe, sua excelência perdeu mais uma chance de ficar de boca fechada. Se tivesse deixado passar o comentário, o cochicho não teria virado bochicho. Pondo lenha na fogueira, a usina de crises ambulante acentuou o racha no partido pelo qual se elegeu — e que, graças a ele, passou de uma sigla nanica, com um único deputado federal, à segunda maior bancada na Câmara (atrás somente do PT).
Observação: Desde que deu baixa do exército e ingressou na política, Bolsonaro trocou de partido nada menos que sete vezes.
Palavras são só palavras, mas o fato é que o presidente, sempre "cioso da liturgia do cargo" (entre aspas para destacar a ironia com que eu digo isso), usa-as para deixar patente que a diplomacia está no sangue de seu clã (a julgar pela genética, Zero Três fará um excelente trabalho à frente da embaixada do Brasil nos EUA). Se realmente deixar o partido, teremos a curiosa situação em que o navio abandona os ratos; se ficar só na ameaça, ainda assim alimentará as chamas que ardem no ninho pesselista e escreverá mais um capítulo da nova novela que envolve o governo.
Apesar de seu papel relevante no crescimento do PSL na última eleição, Bolsonaro não tem influência proporcional no processo decisório no partido. O Diretório Nacional é composto por aliados de Bivar, que deverá ter posição decisiva na definição de candidaturas, estratégias e da distribuição de recursos no ano que vem. De um lado, o capitão poderia buscar o afastamento da crise dos laranjas e construir uma base mais coesa. De outro, há riscos de aprofundamento na divisão da direita e mais turbulências na gestão da governabilidade. Além disso, não há garantias de que a massa de parlamentares eleitos graças à onda bolsonarista no último pleito o seguiria — sobretudo quando se considera que a nova sigla não contaria com estrutura partidária e acesso a recursos públicos. E é nisso que apostam os dirigentes do PSL. Se a decisão for pela migração para uma sigla já existente, há risco de parlamentares perderem o mandato.
Nos cálculos de bolsonaristas, o grupo contaria com cerca de
30 deputados da bancada de 54 parlamentares pesselistas na Câmara. Se as
estimativas se confirmarem, a bancada será a nona maior da casa legislativa,
com 24 assentos a menos que o PT. Além disso, em não havendo expulsão nem justa causa para a saída, o presidente e os
parlamentares que o acompanharem não poderão levar o cofrinho, o que significa
abrir do Fundo Partidário — aquele dinheiro que os políticos roubam de
nós para se elegerem e continuar nos roubando. A sigla deve receber cerca
de R$ 103 milhões neste ano e R$ 360 milhões em 2020, sendo R$ 245,2 milhões do Fundo Eleitoral.
Nos bastidores, Bolsonaro
teria dito aos deputados com os quais se reuniu na última quarta-feira que
busca alternativas jurídicas para abrir a maçaneta da porta de saída do PSL. À imprensa, negou que esteja
fazendo as malas, classificou suas desavenças com o partido de "briga de
marido e mulher", coisa que "de vez em quando acontece".
Considerando-se o caráter mercantil da relação, o matrimônio deveria se chamar
"patrimônio". No caso específico, um patrimônio público.
O lado bom da história é que os dados de votações na Câmara
mostram que o conflito está visível muito mais na política partidária do que no
cotidiano de votações do Congresso. O PSL
é o partido mais alinhado às orientações do governo. Em 98% das vezes em que
votaram, os deputados pesselistas seguiram a indicação do Executivo.
Para encerrar, transcrevo mais um artigo do sempre brilhante
Josias de Souza:
Ganha um cesto de laranjas
quem for capaz de apontar um mísero tema de interesse público associado à
irritação que leva Jair Bolsonaro a
tratar o seu próprio partido, o PSL,
na base do pontapé. Se Bolsonaro
estivesse discutindo com o presidente do PSL,
Luciano Bivar, por conta da
promiscuidade que transforma a legenda em matéria prima para a Polícia Federal
e o Ministério Público, tudo bem. Mas é improvável que o presidente inicie a
sério esse tipo de debate. A menos que pretenda começar pela sujeira que se
acumula no seu quintal, onde, como realçou o Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, acumula-se a sujeira
produzida pelo filho Flávio Bolsonaro
e o faz-tudo Fabrício Queiroz.
A causa mais visível
da encrenca é uma disputa pelo poder partidário, o que inclui a administração
de duas caixas milionárias: o fundo partidário e o fundo eleitoral. Os dois são
abastecidos com dinheiro público. Bolsonaro
diz que Bivar está "muito
queimado". É impossível discutir com o presidente numa matéria em que ele
vai se tornando um especialista. Mas o mal de uma briga a céu aberto entre o
estorricado e o tostado é o eleitor que passa não distinguir quem exala mais
cheiro de cinzas.
Hoje, Bolsonaro ameaça
saltar do PSL fazendo a pose de um navio que abandona os ratos. Como a lei não
permite levar o caixa do partido junto, não são negligenciáveis as chances de o
capitão permanecer na legenda. Se sair trocará um problema pelo outro, pois os
partidos no Brasil viraram apenas mais um ramo do crime organizado. Se ficar,
conviverá num mato do qual não sai coelho. Só sai Luciano Bivar, Marcelo
Álvaro Antonio, Flávio Bolsonaro.
Tudo isso não chega a
afetar o café com leite dos brasileiros. Mas contribui para fazer de Bolsonaro apenas mais um personagem da
crise de representatividade que levou os eleitores brasileiros a transformarem
todas siglas partidárias — PT, PSDB, MDB, PSL e que tais — em
sinônimo da única sigla que qualquer um decodifica instantaneamente. Tem apenas
três letras. Começa com F, traz o D no meio e termina com P.