O balanço das repercussões das manifestações pró-governo e
contra tudo e todos fica para amanhã, dado o horário em que eu posto o Blog. Até
lá, seguem algumas considerações sobre o pseudo caçador de marajás — exemplo
pronto e acabado do lobo que perde o pelo, mas não larga o vício, e que é uma
das muitas provas vivas do despreparo do nosso eleitorado. Na sequência, mais
um texto irreprochável do jornalista J.R.
Guzzo.
Collor foi
primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar —
ditadura essa que, como viemos a saber recentemente, não passou de uma ilusão
de óptica. Ele também se destacou por ter confiscado a poupança do brasileiros
e por abrir a lista dos presidentes impichados na nova república. Agora, além de
responder na Justiça por rapinar o Erário, Fernandinho é acusado de fazer o
mesmo com o patrimônio da família, por não repassar aos sobrinhos sua
cota-parte no lucro das empresas do clã.
No âmbito familiar, o ex-presidente impichado e ainda
senador — ele renunciou às vésperas de ser defenestrado pelo Congresso, mas
teve os direitos políticos cassados mesmo assim — exibe um sólido histórico de
transtornos, desavenças e traições. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; no presente, além de ser réu na Lava-Jato e investigado e responder a outros seis inquéritos, é
acusado por cinco sobrinhos — que, juntos, detêm 15% da Organização Arnon de Mello — de apropriar-se do patrimônio da
família. Perdeu o pelo, como dito no início, mas não abandonou o vício que o
notabilizou.
Fernando (nome
dado em homenagem ao ex-presidente, que se tornaria inimigo figadal do irmão) e
Victor têm juntos 15% do grupo. Os
dois nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço
contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo
teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio porque o pai
vendeu sua participação acionária ainda em vida.
Representantes do clássico coronelismo nordestino, os Collor de Mello usufruem a rara
combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma
gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto
chegue a 250 milhões de reais.
Essa é apenas a parte visível do iceberg, pois
há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa.
Segundo matéria publicada em VEJA, o
inventário da matriarca, Dona Leda
(1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras
preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um
colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e
brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de
arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Cândido
Portinari. Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os
herdeiros não sabem onde elas foram parar, e apontam o dedo para Fernando Collor, sabidamente useiro e
vezeiro em misturar o que é dele e o que é dos outros.
Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-se para os negócios da
família. Em meados dos anos 90, assumiu o controle do grupo, então em boa saúde
financeira. Hoje, a Organização Arnon de
Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, o ex-caçador de marajás de festim
usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550 mil, em nome da TV Gazeta. No mês passado, a PGR pediu
ao STF a condenação do político a
22 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção
passiva.
As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro
entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob
investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que
não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da
dinastia Collor. O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa
data. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30 — antes de voltar-se contra a
administração e ser exilado —, além de senador e governador de Alagoas. O
dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição
ganhava estímulo dentro de casa, onde a mãe também distribuía carinho de forma
desigual. Leopoldo era o favorito na
infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as
empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um
testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. Depois que o filho fez as denúncias a VEJA, o documento foi desfeito e D. Leda decidiu testar
metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana
Luísa, morta em 2013, e Ledinha
(ambas sem herdeiros).
Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão para a compra
do Dossiê Cayman — um calhamaço de
documentos falsos para prejudicar FHC.
A mutreta foi descoberta, o tucano conseguiu se reeleger e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-final em uma relação de
raiva, inveja e competição. Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de
transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. Por
anos, Leopoldo trabalhou como
diretor comercial da Rede Globo no
Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de
câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão
simples: não havia nada em seu nome. Collor
impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.
Fernando Affonso
Collor de Mello tem cinco filhos. Arnon
e Joaquim, os dois mais velhos, do
casamento com a empresária Lilibeth
Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai. Dos cinco filhos de Arnon e D. Leda, Fernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos
estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam
reinventar essa narrativa pacificamente. Os filhos mais velhos de Collor são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. Procurado por VEJA,
o marajá dos marajás, em nota envida por meio de seus advogados, refutou as
acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a
nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da
relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente”. Como
se vê, as desculpas esfarrapadas e a postura arrogante também se repetem.
Passo agora a reproduzir o texto de J.R. Guzzo:
Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste
Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Falo de gente que
manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se
diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem
habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar
atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui
para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta
de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva: a
bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua
carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso, e quase
sempre leva, quando tenta.
A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da
primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica
em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar”
manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem
o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe,
porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o
que serve, como tirar vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim
a respeito. Trata-se de um “Conselho de
Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência
financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o
financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do
Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar
no Ministério da Justiça, de Sergio Moro,
passará para o Ministério da Economia, de Paulo
Guedes.
Mas as atividades do Coaf
não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia?
Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é
onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem
de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Economia são mais frouxos do que
os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não
há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro
Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos
políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles
levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se
mexeram no Coaf, é porque estão
atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e
senadores do PT presentes na
comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de
garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.
A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a
esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na
também recente decisão do STF,
pelo voto decisivo de seu presidente, Dias
Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar
os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm,
agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda
podre” do STF, reforçada ultimamente
pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por
duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o
que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o
presente também”. De Celso Mello,
firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer
aniversário no dia 1° de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75
anos de idade e terá de ir embora do STF.
Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo
destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à
“Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao
Brasil.