Se não foram um sucesso retumbante, as manifestações
promovidas por bolsomínions e afins tampouco foram um fiasco: milhares de
pessoas saíram às ruas em 130 dos 5.570 municípios brasileiros — a maioria
vestindo verde e amarelo — em defesa da reforma da Previdência e do pacote
anticrime e anticorrupção. As mobilizações ocorreram em cidades dos 26 estados
e do DF, mas as mais significativas foram registradas em São Paulo e no Rio. Ainda
que tenha havido ataques pontuais ao Congresso — sobretudo contra parlamentares
do Centrão — e ao STF, não houve registro de badernas, quebra-quebras,
confrontos com a polícia e outros incidentes deploráveis que tais. Numa rápido
pronunciamento à imprensa, Bolsonaro,
sorrindo de orelha a orelha, classificou o movimento “espontâneo” como um
recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se
liberte”. A adesão foi visivelmente menor que nas manifestações pelo
impeachment de Dilma — ou mesmo que
no protesto do último dia 15. Em Sampa, os manifestantes se concentraram ao
redor de sete carros de som espalhados por oito quarteirões da Avenida
Paulista, entre a Brigadeiro e a Augusta. O Nas Ruas — que ocupou o espaço que em 2014 foi dos movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua — levou um boneco inflável gigante do presidente e
tocou o jingle de sua campanha. Dito isso, vamos adiante.
O ponto:
O ponto:
Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é "ingovernável"
sem os "conchavos" políticos e de dizer que conta "com a
sociedade" para "juntos revertermos essa situação", o presidente
Jair Messias Bolsonaro voltou a
fazer apelos diretos ao "povo" contra o Congresso — em relação ao
qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar
durante 28 anos. Cresce a inquietante sensação de que o capitão decidiu
governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições
democráticas, mas como um falso Messias
cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do
"povo" e, mais, de Deus. Ao que parece, o presidente passou a
acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral,
alimentada por alguns assessores e pelos filhos, com o intuito de antagonizar o
Congresso – visto como o lugar da "velha política" e, portanto, como
um obstáculo à regeneração prometida ao povo.
Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os
indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de
sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade
de governar, Bolsonaro começa a
flertar com a "ruptura institucional", expressão que apareceu no
texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira retrasada. Diante
da repercussão negativa, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu
compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, o
chefe do Executivo ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do
cesarismo.
Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo
WhatsApp, Bolsonaro disse que "esse pessoal que divulga isso faz parte
do povo e nós temos que ser fiéis a ele". E completou: "Quem tem que
ser forte, dar o norte, é o povo". Ora, o mesmo povo que o elegeu para se
ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de
legisladores e governantes estaduais. Depois, o presidente divulgou em seu
perfil no Facebook o vídeo de um
pastor congolês que diz que ele (Bolsonaro)
foi escolhido por Deus para comandar o Brasil: "Pastor francês (sic) expõe
sua visão sobre o futuro do Brasil", explicou o presidente, que completou:
"Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na
política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as
democracias". O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo,
porque a do Brasil ele definitivamente ignora.
No vídeo endossado pelo presidente, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, "na história
da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus", como "o
imperador persa Ciro", e que
"o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não". E lança um apelo aos brasileiros:
"Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem.
Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição".
Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada
como blague, mas não vivemos tempos normais — pois é o próprio presidente que,
ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como
parte de uma "profecia". O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser nada menos que
um instrumento de Deus e o porta-voz do "povo". Portanto, quem quer
que se oponha a ele não passa de um sacrílego.
Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e
perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não
precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e
político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância
bolsonarista — a que Bolsonaro dá o nome de "povo" — a alimentar
expectativas sobre soluções antidemocráticas como um atalho para a realização
de "profecias". O reiterado apelo de Bolsonaro ao "povo"
para fazer valer uma suposta "vontade de Deus" envenena a democracia
e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a
política. A esta altura, parece cada vez mais claro que o capitão não estava
para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para "construir
coisas para nosso povo", e sim para "desconstruir muita coisa".
Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.
Com Reinaldo Azevedo.
Agora o contraponto:
Há um avião pronto para decolar, com combustível suficiente
para tirar você da seca. Mas você quer saber se tem vascaíno a bordo, qual a
religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim está o Brasil, com um grupo
de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência pegar no tranco apesar de
vocês, os analistas zoodiacais do neofascismo imaginário.
Até anteontem, o que importava, basicamente, era ter uma
tripulação confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da
DisneyLula. Após uma eleição cheia
de artimanhas para tentar reabilitar o poder da quadrilha, o país escolheu o
caminho pelo qual, por vias tortas ou não, a tal tripulação confiável chegou à
cabine de comando. Mas vocês não querem mais sair do lugar. Aparentemente, vocês
trocaram o Posto Ipiranga pelo salão
de cabeleireiro, onde uma desavença sobre a novela da véspera é crise grave. De
fato, é uma rotina mais agitada e emocionante, pois o Posto Ipiranga é um tédio.
E assim estamos, neste estanho ano da graça de 2019.
Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o país do
atoleiro, vocês fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação
as suas cornetas do fracasso. Nada presta, assim não dá, olê-olê-olá. Os velhos
trombeteiros do apocalipse, de Ciro
Gomes a Roberto Requião, de Jean Wyllys a Gleisi Hoffmann, estão
animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.
A reforma está afundando na CCJ — diziam vocês — porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo de
articulação política), porque Rodrigo
Maia mordeu a orelha do cachorro do Bolsonaro,
porque o Mourão é o golpista gente
boa (vocês estão na dúvida), porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles
tivessem MBA em etiqueta comparada…)
e, acima de tudo, porque vocês encontraram essa fantasia de corregedores
perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para tudo. A
reforma passou bem na CCJ, mas vocês continuaram com cara de nojo, dizendo que
demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo
Guedes foi desidratado e não vai prestar, olê-olê, olê-olá.
Sobre essa parte de viver surfando entre meias-verdades,
vocês estão provando aos parasitas do petismo que é possível mentir com muito
mais classe do que eles fizeram por 13 anos. Aliás, no salão da resistência
democrática não se ouviu um pio sobre a fake news da menina que se recusou a
cumprimentar o presidente. Podem poupar suas meias-verdades para explicar esse
silêncio hediondo: já entendemos que na nova cartilha de vocês não é permitido
apontar eventuais picaretagens na imprensa, porque pode ser entendido como
discurso bolso-fascista. Incrível como vocês estão mudados (os cabelos
continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).
Ainda assim, a nova aposta de vocês não é de todo burra. Não
há de faltar bizarrices dos Bolsonaros
e seus circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se
dedicam a fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem
autoritária, uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de
coturno. Não deixa de ser um papel na sociedade.
Se apesar de vocês o avião decolar e tirar o Brasil da seca,
vocês obviamente vão querer embarcar correndo, pedindo educadamente desculpas pelo
atraso. Não tem problema, a tripulação que está dando duro mal sabe de vocês
(não dá tempo de ler a Revista Amiga).
São democratas — exatamente como vocês fingem ser — e não irão barrar ninguém. Talvez
os passageiros a bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada
pior do que uma cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada
grave, eles apenas terão entendido quem vocês são.
Com Guilherme Fiúza.
Independentemente da adesão às manifestações pró-Bolsonaro, líderes dos partidos que comandam o Congresso definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente. Avaliação uníssona colhida pela Folha entre congressistas é que o capitão tem demonstrado incapacidade de governar (quando a isso, é impossível discordar). Além de acelerar discussões sobre impeachment (aí já entramos no campo minado das asnices), a insatisfação encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro, o que faz deputados e senadores assumirem a dianteira de iniciativas como as reformas da Previdência e tributária. "Vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída", afirma o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. O lema dessa caterva parece ser "Desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos". Que Deus nos ajude.
Tanto os seguidores atávicos do presidiário de Curitiba quanto os do ex-astrólogo autoproclamado guru e rei da grosseria não são maioria, são apenas barulhentos. A maioria é formada por pessoas com desejo genuíno de construir um país próspero, justo e feliz. O problema é que muitas dessas pessoas estão sendo manipuladas pelo medo, a reboque de notícias falsas.
Independentemente da adesão às manifestações pró-Bolsonaro, líderes dos partidos que comandam o Congresso definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente. Avaliação uníssona colhida pela Folha entre congressistas é que o capitão tem demonstrado incapacidade de governar (quando a isso, é impossível discordar). Além de acelerar discussões sobre impeachment (aí já entramos no campo minado das asnices), a insatisfação encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro, o que faz deputados e senadores assumirem a dianteira de iniciativas como as reformas da Previdência e tributária. "Vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída", afirma o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. O lema dessa caterva parece ser "Desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos". Que Deus nos ajude.
Tanto os seguidores atávicos do presidiário de Curitiba quanto os do ex-astrólogo autoproclamado guru e rei da grosseria não são maioria, são apenas barulhentos. A maioria é formada por pessoas com desejo genuíno de construir um país próspero, justo e feliz. O problema é que muitas dessas pessoas estão sendo manipuladas pelo medo, a reboque de notícias falsas.