Segundo O ANTAGONISTA
— que às vezes exagera um pouco, mas em geral sabe das coisas —, Lula mandou o PT abandonar qualquer plano para derrubar Bolsonaro. A informação, originalmente publicada pela Folha, dá conta de que o molusco, consultado
na cadeia, disse aos dirigentes petistas não ver sentido na defesa de um ”Fora, Bolsonaro”, pois seria o mesmo
que clamar pela ascensão de Hamilton
Mourão. O site menciona ainda que “o recado já chegou ao STF”,
mas eu não sei como interpretar esse destaque da notícia. Ninguém duvida de que
o criminoso de Garanhuns continua comandando sua organização criminosa de
dentro da cadeia, mas daí a... bem, tirem suas próprias conclusões, e se acharem
que dá para acreditar num país onde descalabros com esse acontecem, eu os saúdo,
caríssimos leitores.
Ao endossar um texto segundo o qual o Brasil é "ingovernável", avalizar um vídeo em que um pastor lunático o qualifica de “enviado por Deus para consertar o país” e empurrar seus seguidores nas redes para uma manifestação anti-Congresso, Bolsonaro dá sinais de que pretende criar, no processo eleitoral brasileiro, um terceiro turno (depois de prevalecer no primeiro como candidato antissistema e despachar o lulopetismo no segundo). Todavia, se
analisarmos o comportamento dos nobres deputados em relação à reforma previdenciária
e ao pacote anticrime e anticorrupção, fica difícil não dar certa razão ao capitão. Na última quarta-feira, por exemplo, a Câmara, ainda que por exígua maioria, devolveu
o Coaf ao ministro Paulo Guedes, temendo que, com o Conselho sob o
guarda-chuva de Sérgio Moro, seu acerto de contas com a Justiça fosse antecipado. Olhando a coisa pelo lado positivo, ao menos já não há o risco de ressurreição do
organograma de Michel Temer, com 29
ministérios em vez dos atuais 22.
Classificar de idiotas úteis os manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o contingenciamento de verbas para a Educação pode ser má escolha de palavras, mas se considerarmos que uma parcela da turba era composta de baderneiros mascarados, armados com barras de ferro e coquetéis molotov, há que reconhecer que Bolsonaro tem alguma razão.
Classificar de idiotas úteis os manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o contingenciamento de verbas para a Educação pode ser má escolha de palavras, mas se considerarmos que uma parcela da turba era composta de baderneiros mascarados, armados com barras de ferro e coquetéis molotov, há que reconhecer que Bolsonaro tem alguma razão.
Observação: O conceito de "idiotas úteis", atribuído ao próprio Lenin, referia originalmente aos intelectuais ocidentais simpáticos ao socialismo que, alheios ao fato de que eram descartáveis para o regime de Moscou, disseminavam propaganda, desestabilizavam governos e preparavam o terreno para a revolução comunista — ou qualquer outro objetivo intermediário em prol da utopia marxista. Na Rússia, a expressão era usada em comunicações oficiais e refletia o apreço dos soviéticos por seus agentes e entusiastas. Com o passar do tempo, a definição se ampliou e passou a referenciar pessoas politicamente engajadas, mas que não se percebem como massa de manobra a serviço de um grupo.
Aos críticos de boa-fé, bastaria conhecimento superficial da reforma previdenciária e do contingenciamento do ensino superior para abdicar de sua participação nas manifestações do último dia 15. A oposição a essas medidas é essencialmente baseada em desinformação e não resiste à matemática — ou à história recente: medidas de austeridade fiscal e cortes muito mais drásticos na Educação foram praticados nos governos lulopetistas, cujos agentes políticos agora se encontram em histérico antagonismo à atual administração. Portanto, não é equívoco nem exagero admitir que a maior parte dos insatisfeitos nas ruas foi, de fato, manipulada.
Existe, entretanto, uma diferença abissal entre constatar uma realidade e cuspi-la na cara do interlocutor. Como reflexo natural, a crítica ofensiva gera uma resposta defensiva e costuma afastar a possibilidade de diálogo. Bolsonaro tem muitas opções além do insulto para lidar com cidadãos que dele divergem politicamente. Até porque o comportamento de manada dos manifestantes de boa-fé denota um posicionamento irrefletido que ainda pode ser modificado — é questão de esclarecimento e persuasão. Falta ao presidente sensibilidade para combater os pastores, em vez de atacar o rebanho incauto.
Não se nega que, ao desqualificar um Legislativo que saiu das mesmas urnas que o consagraram, Bolsonaro realiza uma manobra burra e incoerente, segundo Josias de Souza, para quem o capitão flerta com a burrice ao injetar
turbulência numa conjuntura que pede tranquilidade e demonstra incoerência ao
emular gente que ele sempre abominou: no plano nacional, o esquerdista João Goulart, que acendeu o estopim do
golpe militar de 1964 com suas “reformas de base”, e o pseudo caçador de marajás,
populista cuja ilicitocracia lhe garantiu um pé na bunda em 1992; no internacional, Hugo Chávez
e seu pupilo Nicolás Maduro, que abrilhantaram
seus pendores golpistas com o verniz extraído das manifestações de rua — e deu no que deu, ou melhor, no
que está dando: ruína e baderna. E um presidente com cheiro de naftalina pré-64, aparência
collorida e hábitos venezuelanos é tudo de que não precisamos neste momento.
É difícil prever as proporções que os atos pró-Bolsonaro atingirão, mas o
simples ressurgimento daquilo que Juscelino
Kubitschek chamava de "o monstro” já pôs a correr parte do
centrão e o pedaço do governo pertencente à cota de Olavo de Carvalho. O protesto dos estudantes e professores, mesmo
ficando anos-luz aquém das manifestações de 2013, fez o governo liberar R$
1,587 bilhão para reforçar o orçamento da Educação. Não resolve os problemas do
setor, mas atenua a impressão de
descaso.
Observação: A arrecadação de impostos e
contribuições federais apresentou
crescimento real de 1,3% em abril, somando R$ 139 bilhões — o maior valor para o mês desde 2014. Mesmo assim, as
escolas públicas não têm verba sequer para comprar giz, nem os hospitais
públicos para comprar esparadrapo. Pode dar certo um país onde 50% da população
não tem acesso a saneamento básico, quase 50% da água tratada é tragada por vazamentos
nas tubulações das redes de abastecimento e o salário mínimo não chega a R$ 1 mil, enquanto a “empresa de
palestras” de um ex-presidente corrupto e hoje presidiário faturou
R$ 27 milhões em 4 anos? Nem
com reza brava!
Na definição de Juscelino,
o monstro é a opinião pública. De raro em
raro, a imprensa consegue interpretar seus desejos. Em situações de crise, porém, o monstro dispensa intermediários. Faz o asfalto roncar. O monstro mobilizou-se
pelas diretas, derrubou um regime, pôs para correr dois presidentes da
República e avalizou o esforço anticorrupção, contribuindo de maneira decisiva
para mandar para a cadeia a oligarquia política e empresarial. Agora, revela-se
impaciente com a incapacidade do Poder de entregar responsabilidade,
estabilidade, probidade e empregos. Por enquanto, a crise está nos gabinetes.
Mas o monstro informa que ela pode voltar definitivamente para as ruas. Daí o
medo.
Bolsonaro pediu
a seus ministros que se distanciem dos atos pró-governo marcados
para o próximo domingo, solicitando-lhes, inclusive, que se
abstenham de fazer convocações via redes sociais. Horas depois, ele próprio descumpriu sua orientação e voltou a enaltecer a manifestação. Ao tratar novamente do
tema na noite de terça-feira, o presidente bateu duas estacas nas redes sociais — uma no
cravo, para contentar os "olavetes", e outra na ferradura, para satisfazer os
fardados. Primeiro, afagou o pedaço do eleitorado que ainda se dispõe a sair ao
asfalto para bater bumbo por ele: "Quanto aos atos do dia 26, vejo como
uma manifestação espontânea da população, que, de forma inédita, vem sendo a
voz principal para as decisões políticas que o Brasil deve tomar." Depois,
fez uma pose institucional: "Acredito na harmonia, na sensibilidade e no
patriotismo dos integrantes dos três Poderes da República para o momento que
atravessa nossa nação. Juntos, ao lado da população brasileira e de Deus,
alcançaremos nossos objetivos!"
A julgar pelo teor de suas postagens nos últimos dias, Bolsonaro estava fora de si, pois revelou-se um presidente
respeitoso e de rara compostura. Seu objetivo só foi plenamente alcançado na caixa de comentários, onde seguidores atávicos cuidaram de desferir as caneladas virtuais que a
liturgia do cargo o impediu de desferir. Seja como for, à luz do clima beligerante provocado pelo radicalismo
dos embates políticos e ideológicos no Brasil contemporâneo, os protestos provocam
desde já polêmicas, mesmo que se realizem mais no campo de mitos e fantasias do
que no da realidade propriamente dita.
Na avaliação de José Nêumanne, não há por que temer efeitos
deletérios, seja do ponto de vista institucional, seja do econômico ou mesmo do
equilíbrio das forças políticas em luta. Normalmente, quando se fala em
movimentos populares tem-se a impressão de que eles são, pela própria natureza,
de protesto, ou seja, contra a autoridade instituída ou com motivo ou assunto
específico que desperte a paixão popular. Tolice! Não há protestos a favor, mas
não se convocam militantes ou cidadãos apartidários para a rua apenas para
protestar. A História é rica em exemplos de massa na rua para apoiar políticos
ou políticas, governos ou diretrizes, projetos ou posições. É perfeitamente
natural que os chamados “bolsonaristas”, sejam eles correligionários,
assessores ou cidadãos comuns, se reúnam para demonstrar seu apoio, sua
admiração, sua adesão ou até seu afeto. Nem só de protestos vivem as ruas, mas
também do clamor a favor. Por que isso não aconteceria?
Convém, então,
esclarecer que eventuais passeatas favoráveis ao governo, qualquer governo,
expressam sentimentos e posturas que grupos de cidadãos têm todo o direito de assumir
publicamente. Dizia Winston Churchill,
talvez o maior estadista mundial no século 20, que “a democracia é a pior forma
de governo, com exceção de todas as demais”. A frase contém a experiência de um
herói que foi também um grande intelectual, um orador magnífico e um escritor
muito talentoso, e descreve exatamente que a grande força dos regimes
democráticos reside mais na fraqueza que no vigor. Ela lembra, por exemplo, que
o regime convive e se fortalece também pelas palavras e atitudes, por mais
desabridas e pesadas que sejam, de seus maiores inimigos. Pode-se lamentar esse
paradoxo quando se sabe que Hitler e
Mussolini brotaram e se fortaleceram
em regimes democráticos e com entusiástico apoio da cidadania atuante. No
entanto, mesmo podendo debilitá-lo, essa fragilidade funciona também como uma
espécie de vacina para fortalecê-lo.
A prática
histórica recente no Brasil é eloquente. É pouco provável que tenha havido
neste país aglomerações populares maiores do que as feitas contra o status quo
institucional em 2013. Em 2014, Dilma
foi reeleita e as forças políticas que a apoiavam ou a ela se opunham mantiveram
suas posições nas Casas do Congresso. As ruas clamaram, mas seu clamor não
abalou as instituições, para o bem ou para o mal. Pode-se argumentar que o
impeachment da calamidade em forma de gente mobilizou as ruas três anos
depois, e foram ouvidas pelo Congresso Nacional, que a depôs, como a maioria da
cidadania exigia fora de casa e dos escritórios. Mas fica a dúvida sobre até
que ponto o povo provocou a deposição da chefa do governo ou comemorou o
resultado da inépcia dela tanto ao provocar a ruptura quanto ao não perceber a
“astúcia” de seus adversários, como gostava de dizer o personagem humorístico mexicano Chapolin Colorado.
Esse enigma nunca
será decifrado, mas a verdade é que há pouco de proveitoso a tirar de uma
eventual resposta satisfatória para nosso caso específico do movimento previsto
para 26 deste mês. O objetivo das passeatas é fortificar o presidente eleito
com 57.796.986 votos contra a investida do chamado Centrão, que passou a
controlar a Câmara e, com isso, a atrapalhar seus projetos de reformas,
incluída a administrativa. Os atos pró-Bolsonaro
serão, no fundo, contra o trio Rodrigo
Maia, Paulo Pereira da Silva e Valdemar Costa Neto, condestável sem
mandato do semiparlamentarismo praticado. Se um volume espetacular de gente for
à rua nos atos, contudo, o mandato do chamado Botafogo do propinoduto da Odebrecht
e a influência dos outros dois não serão abalados em um milímetro sequer. Da
mesma forma, a constatação de um fiasco em termos de multidão se manifestando
não ampliará em um único ponto porcentual a possibilidade concreta de Bolsonaro, nas atuais circunstâncias, ter
o mesmo final melancólico da ex-presidanta.
Isso não
significa que êxito estrondoso e fiasco tremendo sejam hipóteses vazias. É
claro que sucesso nessas manifestações propiciará, no mínimo, imagens positivas
a serem usadas pelo presidente da República para provar que seu triunfo
eleitoral ainda não se esgotou. Em contrapartida, um malogro tirará dele a
melhor arma política que pode usar no longo e doloroso inverno a que será
submetido nos próximos anos em seu convívio de conflito e desconfiança com o
Centrão. Talvez pensando nisso que a deputada Janaina Paschoal, do alto dos 2 milhões de sufrágios que a fizeram
a deputada mais votada da História do Brasil, divulgou sua oposição ao risco de
uma aventura malograda. Ela escreveu no Twitter:
“Pelo amor de Deus, parem as convocações!
Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com
o poder convocar manifestações! Raciocinem! Eu só peço o básico! Reflitam!…”.
O recado é
corajoso e prudente, demonstrando duas virtudes raras em políticos brasileiros
hoje. Na certa, ela já terá percebido que existe uma bolha de autossatisfação
muito grande entre os adeptos de Bolsonaro
nas chamadas redes sociais, e teme pelas consequências desastradas de eventual
fracasso. Talvez tal bolha superestime a parcela desse eleitorado que acredita
em patacoadas petistas do gênero “o povo unido jamais será vencido”. Ou quiçá ela
teme que o movimento seja desvirtuado para uma fé absurda em fantasias
intervencionistas de cidadãos enfurecidos ocupando as dependências do Congresso
e do STF — outra instituição vista
como um obstáculo ao trabalho do capitão.
Na verdade, ninguém
tem condições de depor Bolsonaro devido
a uma frustração das manifestações de domingo. Afinal, ele foi eleito,
diplomado e empossado legitimamente, e só será defenestrado se cometer uma
série especial de delitos que não são permitidos ao maior mandatário do País.
Mas nem o eventual sucesso extraordinário da convocação do povo terá o condão
de corrigir o erro espetacular do presidente ao deixar Rodrigo Maia ser alçado à chefia da Mesa da Câmara e Davi Alcolumbre, também do DEM e sob patrocínio do chefe de sua
Casa Civil, à presidência do Senado.
O Brasil terá de conviver sob a égide de Jair Bolsonaro por mais quatro anos, e só lhe caberá tornar esse fardo menos pesado do que promete ser. De seu lado, presidente e seus apoiadores terão de suportar a partilha do poder republicano com os parlamentares de exíguas votações no comando das duas Casas do Poder Legislativo. Resta ao capitão compreender que não poderia ter entregado a articulação do Congresso ao veterinário gaúcho, sob pena de perpetuar suas consequências funestas. O povo na rua não o libertará dos erros primários cometidos em cinco meses e meio de ventos desgovernados agitando de forma desastrada as birutas em seu campo de pouso. Mas pelo menos servirá de exemplo de força de quem realmente manda na democracia.
O Brasil terá de conviver sob a égide de Jair Bolsonaro por mais quatro anos, e só lhe caberá tornar esse fardo menos pesado do que promete ser. De seu lado, presidente e seus apoiadores terão de suportar a partilha do poder republicano com os parlamentares de exíguas votações no comando das duas Casas do Poder Legislativo. Resta ao capitão compreender que não poderia ter entregado a articulação do Congresso ao veterinário gaúcho, sob pena de perpetuar suas consequências funestas. O povo na rua não o libertará dos erros primários cometidos em cinco meses e meio de ventos desgovernados agitando de forma desastrada as birutas em seu campo de pouso. Mas pelo menos servirá de exemplo de força de quem realmente manda na democracia.
Seja qual
for o resultado, as manifestações poderão, quem sabe, dar ao presidente,
que usa a expressão, mas parece desconhecer seu significado, a
noção de que nas democracias o
patrão é o cidadão. E ninguém recebe a delegação para decidir por
quaisquer idiossincrasias que cidadãos devem ser privados do exercício desse
poder e a quais se reserva o privilégio de seu exercício.